Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
73/19.2PTAMD.L1-9
Relator: JOÃO ABRUNHOSA
Descritores: CERTIFICADO DE REGISTO CRIMINAL
ERRO NOTÓRIO NA APRECIAÇÃO DA PROVA
INSUFICIÊNCIA PARA A DECISÃO DA MATÉRIA DE FACTO PROVADA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 09/24/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PARCIALMENTE PROVIDO
Sumário: I – Há erro notório na apreciação da prova se o tribunal dá como provadas condenações constantes do Certificado do Registo Criminal, junto aos autos, que dele já não deviam constar;
II – Há insuficiência para a decisão da matéria de facto provada se o tribunal não averigua se a pena relativa a uma condenação constante do Certificado do Registo Criminal, junto aos autos, se encontra extinta, quando o respectivo boletim nada diz quanto à extinção e é provável que essa extinção já tenha ocorrido.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Nos presentes autos de recurso, acordam, em conferência, os Juízes da 9ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

No Juízo Local Criminal da Amadora, por sentença de 30/01/2020, constante de fls. 79/90, foi o Arg.[1] AA, com os restantes sinais dos autos (cf. TIR[2] de fls. 55[3]), condenado nos seguintes termos:
“… Face ao exposto e tendo em atenção as considerações expendidas e as disposições legais citadas, julgo procedente a acusação, e em consequência, decido:
- Condenar o arguido pela prática, em autoria material e sob a forma consumada, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punido pelo artigo 292º, nº 1, do Código Penal, na pena de 6 (seis) meses de prisão, substituída, nos termos previstos pelo artigo 43º, nº 1, 2 e 4 b) do Código Penal, na redacção entretanto conferida pela Lei n.º 94/2017, de 23/08, aplicável por força do disposto no artigo 2º, nº 4 daquele diploma, e pelos artigos 1º b), 2º, nº 1 e 4º da Lei nº 33/2010, de 2 de Setembro, na redacção conferida pela mesma Lei n.º 94/2017, de 23/08, por execução em regime de permanência na habitação, pelo período de 6 (seis) meses, com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância subordinada ao cumprimento de regras de conduta previstas num plano de reinserção social que incida sobre a desintoxicação alcoólica e a perigosidade inerente à condução de veículos em estado de embriaguez, a ser elaborado, acompanhado e fiscalizado pelo DGRSP
- Decreta-se a inibição temporária da faculdade de conduzir pelo período de 18 (dezoito) meses, devendo proceder à entrega da sua carta de condução na secretaria do Tribunal ou em qualquer posto policial, no prazo de 10 dias após o trânsito em julgado da presente decisão, sob pena de incorrer na prática de um crime de desobediência;
- Condenar o arguido no pagamento das custas do processo com  taxa  de justiça que se  fixa pelo mínimo reduzida a metade. …”.
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Não se conformando, o Arg. interpôs recurso da referida decisão, com os fundamentos constantes da motivação de fls. 95/109, concluindo da seguinte forma:
“… A – O Arguido foi condenado como autor material de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez na pena de 6 (seis) meses de prisão, substituída, por execução em regime de permanência na habitação, pelo período de 6 (seis) meses, com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância subordinada ao cumprimento de regras de conduta previstas num plano de reinserção social que incida sobre a desintoxicação alcoólica e a perigosidade inerente à condução de veículos em estado de embriaguez;
B - Foi também condenado na inibição temporária da faculdade de conduzir pelo período de 18 (dezoito) meses;
C – O Tribunal a quo não apurou correctamente os factos e não aplicou devidamente o direito;
D – O Recorrente questiona a escolha da pena principal e a medida concreta da pena acessória imposta, já que na determinação dessas medidas não podiam ser valoradas as suas anteriores condenações e os reflexos dessa valoração na aplicação de tais penas.
E – Essas anteriores condenações não podiam ser valoradas na medida em que já se encontram extintas há mais de cinco anos pelo respectivo cumprimento, não devendo, por isso, constar do registo criminal.
F – O Tribunal a quo deu como provados todos os antecedentes criminais em que o Arguido havia sido condenado, na exacta medida em que constam do certificado de registo criminal.
G – Os extractos das decisões que constavam do certificado de registo criminal do Arguido e que o Tribunal considerou como provados, foram os seguintes:
- sentença de 28/10/1995, pela prática em 28/10/1995, de um crime de condução sob influência de álcool, p. e p. pelo artigo 292.º do Código Penal, na pena de 90 dias de multa, à taxa diária de 200$00, já extinta por pagamento (processo sumário n.º 2099/95.0.SPLSB, da Pequena Instância Criminal de Lisboa);
- sentença de 21/01/1999, pela prática em 09/03/1996, de um crime de condução com álcool, p. e p. pelo artigo 292.º, n.º 1 do Código Penal, na pena de prisão suspensa por 3 anos, já extinta por cumprimento (processo sumário n.º 95/96.06CLRS, do Tribunal Judicial da Comarca de Loures – 2.º Juízo Criminal);
- sentença de 12/10/2004, transitada em julgado em 25/10/2004, pela prática em 01/10/2004, de um crime de condução sem habilitação legal, p. e p. pelo artigo 3.º do Decreto- Lei nº 2/98 de 3 de janeiro, na pena de 10 meses de prisão, já extinta pelo cumprimento (processo sumário n.º 2290/04.0GFSNT, , do Tribunal Judicial da Comarca de Sintra – 2.º Juízo Criminal);
- sentença de 16/05/2005, pela prática em 03/04/2004, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelo artigo 292.º, n.º 1 do Código Penal, na pena de 90 dias de multa, à taxa diária de € 1,50, já extinta por pagamento (processo abreviado n.º 258/04.6PAAMD, do da Pequena Instância Criminal de Lisboa – 2.º Juízo/1.ª Secção);
- sentença de 13/12/2009, transitada em julgado em 12/01/2010, pela prática em 19/12/2009, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelo artigo 292.º, n.º 1 do Código Penal, na pena de 120 dias de multa, à taxa diária de € 6,00, já extinta por pagamento (processo sumário n.º 2601/09.2PBSNT, do Juízo de Pequena Instância Criminal de Sintra – Juiz 2);
- sentença de 29/04/2011, transitada em julgado em 16/06/2011, pela prática em 07/11/2009, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelo artigo 292.º, n.º 1 do Código Penal, na pena de 6 meses de prisão, suspensa na sua execução, já extinta por cumprimento (processo sumário n.º 33/10.9PTAMD, do Juízo de Média Instância Criminal de Sintra – 2.ª Secção/Juiz 3);
- sentença de 11/10/2012, transitada em julgado em 31/10/2012, pela prática em 16/09/2012, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelo artigo 292º, n.º 1 do Código Penal, na pena de 9 meses de prisão, suspensa na sua execução, sujeita a regime de prova, já extinta por cumprimento (processo sumário n.º 1172/12.7PBAMD do Juízo Pequena Instância Criminal da Amadora).
H – O Tribunal a quo valorou toda a informação constante do certificado do registo criminal do Arguido, referindo ainda que “resulta óbvio da análise do certificado de registo criminal do arguido que o mesmo não consegue manter um comportamento conforme ao Direito, persistindo inúmeras vezes no mesmo tipo de comportamento (...)”.
I – A determinação na medida das penas aplicadas ao Recorrente, tiveram por base, no essencial, os seus antecedentes criminais.
J – É certo que o Recorrente já foi condenado pela prática do crime de condução sem habilitação legal (uma vez) e pelo crime de condução de veículo em estado de embriaguez, por seis vezes, constando tal informação do certificado de registo criminal junto aos autos,
K – No entanto, as condenações referidas respeitam a factos praticados nos anos de 1995, 1996, 2004, 2009, 2009 e 2012 e as sentenças foram proferidas em 1995, 1999, 2004, 2005, 2009, 2011 e 2012:
- sentença de 28/10/1995, pela prática em 28/10/1995, de um crime de condução sob influência de álcool, p. e p. pelo artigo 292.º do Código Penal, na pena de 90 dias de multa, à taxa diária de 200$00, já extinta por pagamento (processo sumário n.º 2099/95.0.SPLSB, da Pequena Instância Criminal de Lisboa);
- sentença de 21/01/1999, pela prática em 09/03/1996, de um crime de condução com álcool, p. e p. pelo artigo 292.º, n.º 1 do Código Penal, na pena de prisão suspensa por 3 anos, já extinta por cumprimento (processo sumário n.º 95/96.06CLRS, do Tribunal Judicial da Comarca de Loures – 2.º Juízo Criminal);
- sentença de 12/10/2004, transitada em julgado em 25/10/2004, pela prática em 01/10/2004, de um crime de condução sem habilitação legal, p. e p. pelo artigo 3.º do Decreto- Lei 2/98 de 3 de janeiro, na pena de 10 meses de prisão, já extinta pelo cumprimento (processo sumário n.º 2290/04.0GFSNT, do Tribunal Judicial da Comarca de Sintra – 2.º Juízo Criminal);
- sentença de 16/05/2005, pela prática em 03/04/2004, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelo artigo 292.º, n.º 1 do Código Penal, na pena de 90 dias de multa, à taxa diária de € 1,50, já extinta por pagamento (processo abreviado n.º 258/04.6PAAMD, do da Pequena Instância Criminal de Lisboa – 2.º Juízo/1.ª Secção);
- sentença de 13/12/2009, transitada em julgado em 12/01/2010, pela prática em 19/12/2009, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelo artigo 292.º, n.º 1 do Código Penal, na pena de 120 dias de multa, à taxa diária de € 6,00, já extinta por pagamento (processo sumário n.º 2601/09.2PBSNT, do Juízo de Pequena Instância Criminal de Sintra – Juiz 2);
- sentença de 29/04/2011, transitada em julgado em 16/06/2011, pela prática em 07/11/2009, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelo artigo 292.ª, n.º 1 do Código Penal, na pena de 6 meses de prisão, suspensa na sua execução, já extinta por cumprimento (processo sumário n.º 33/10.9PTAMD, do Juízo de Média Instância Criminal de Sintra – 2.ª Secção/Juiz 3);
- sentença de 11/10/2012, transitada em julgado em 31/10/2012, pela prática em 16/09/2012, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelo artigo 292.º, n.º 1 do Código Penal, na pena de 9 meses de prisão, suspensa na sua execução, sujeita a regime de prova, já extinta por cumprimento (processo sumário n.º 1172/12.7PBAMD do Juízo Pequena Instância Criminal da Amadora).
L – A valoração dos antecedentes criminais do Recorrente, através do certificado de registo criminal (CRC), não podia ter tido a relevância jurídica que acabou por ter na sua condenação.
M – A Lei n.º 37/2015, de 5 de Maio ao estabelecer os princípios gerais que regem a organização e o funcionamento da identificação criminal, transpondo para a ordem jurídica interna a Decisão- Quadro 2009/315/JAI, do Conselho, de 26 de Fevereiro de 2009, é clara ao determinar o cancelamento dos registos criminais pelo decurso de determinados prazos sobre a data da extinção das penas.
N – O cancelamento dos registos é uma imposição legal - desde que verificada a hipótese contemplada na previsão da norma que determina o cancelamento - o registo da condenação deixa de poder ser considerado contra o arguido.
O –Atento o disposto no art.º 11º da referida Lei e confrontando com a informação que se encontra inscrita no certificado de registo criminal do Recorrente, verificamos que as penas aplicadas já encontravam extintas;
P – Por essa razão, não podiam aquelas anteriores condenações ser valoradas pelo Tribunal a quo para aplicação da medida da pena, o que sucedeu;
Q – Foi violado o disposto no art.º 11 da referida Lei 37/2015, de 5 de Maio, e bem assim o princípio constitucional da igualdade – previsto no art.º 13.º da Constituição da República Portuguesa – na medida em que permite distinguir um arguido de um outro cujo certificado de registo criminal, nas mesmas condições – se encontra devidamente limpo;
R – Se o CRC visa dar conhecimento ao tribunal, e informação ao processo, sobre o passado criminal do Arguido, e se a lei ordena o  cancelamento  do  registo, nessas circunstâncias  o  arguido tem de ser considerado reabilitado.
S – Foi computada informação constante do certificado de registo criminal do Recorrente que foi indevidamente apreciada e valorada pelo Tribunal a quo, pesando no agravamento da aplicação da pena.
T – Não pode ser a data do efectivo cancelamento material que relevará, mas antes a data em que, por força dos critérios legais pré-definidos, o cancelamento se verifica ou a sua vigência caduca.
U – A não se entender assim, e conforme supra se referiu, validar-se-iam situações absolutamente discriminatórias, nos termos das quais poderiam ser tidos em conta registos que, em obediência à lei, já não deveriam constar do certificado de registo criminal, embora lá permanecessem, ao passo que, noutras situações, o agente do crime condenado, por força de um certificado de registo criminal actualizado, não seria, por isso, penalizado;
V – O princípio da igualdade, previsto na nossa Constituição, foi claramente violado.
W – O cancelamento do registo implica que as sentenças canceladas se considerem extintas juridicamente, não lhes ligando quaisquer efeitos quanto à medida da pena – neste sentido cfr. Ac. Relação de Évora, 10/05/2016 - http://www.dgsi.pt/jtre.nsf/-/D8BB85DBAAA97CB580257FCB004EBBD5
X – A valoração da informação constante no certificado de registo criminal do Recorrente, não devia ter sido atendida/valorada pelo Tribunal a quo para determinação da pena, por absoluta impossibilidade legal de o fazer - no mesmo sentido Ac. Relação Coimbra, de 13/09/2017.
Y - Verificando-se um desrespeito pela proibição de valoração da prova, e a nulidade da decisão e impondo a prolação de uma nova decisão que não ponderasse tais elementos.
Z – As penas aplicadas ao Arguido excedem as necessidades de prevenção geral e especial, recordando que o Recorrente acabou por confessar os factos, mostrou-se arrependido pelo prática dos mesmos, tem 70 anos de idade e vive com uma reforma de € 380;
AA – O Recorrente desloca-se todos os dias, no seu veículo, junto do Centro de Dia Sagrada Família, na Idanha, para recolher as suas refeições;
BB – Caso a decisão se mantenha, ficará impossibilitado de efectuar essa recolha e garantir a sua alimentação.
BB – O Arguido tem um filho menor que visita de quinze em quinze (conforme determinado pelo Tribunal aquando da regulação das responsabilidades parentais);
CC – Pelo exposto, deverá o presente recurso ser julgado procedente por violação dos arts.º 11.º da CRP e 11.º da Lei n.º 37/2015, de 5 de Maio, e, consequentemente revogar-se a decisão recorrida quanto às penas aplicadas, por se reputar como não escritas as anteriores condenações do Arguido/Recorrente, e condenar-se este a uma pena não privativa da liberdade, bem como na pena acessória de até três meses sem conduzir.
Nestes termos e nos mais de Direito aplicáveis e que V. Exas. doutamente suprirão, deverá a douta sentença ser revogada e substituída por outra que se coadune com a pretensão exposto, assim se fazendo a necessária e costumeira Justiça! …”.
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A Exm.ª Magistrada do MP[4] respondeu ao recurso, nos termos de fls. 112/116, com as seguintes conclusões:
“… 1.ª – Por decisão proferida em 30.01.2020, foi o arguido AA, condenado pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punido pelo art. 292º, n.º 1 e 69º, nº 1, al. A), ambos do CP, na pena de seis meses de prisão substituída por execução em regime de permanência na habitação, com fiscalização de meios de controlo à distância e subordinada ao cumprimento de regras de conduta previstas num plano de reinserção social que incida sobre a desintoxicação alcoólica e a perigosidade inerente à condução de veículos em estado de embriaguez, a ser elaborado, acompanhado e fiscalizado pela DGRS e na sanção acessória de inibição de condução de veículos a motor pelo período de dezoito meses.
2ª – Inconformado, o recorrente insurge-se contra o facto do Tribunal ter valorado os antecedentes criminais constantes do CRC, em virtude dos crimes pelos quais foi condenado terem ocorrido há mais de cinco anos, o que, ao abrigo do disposto no art. 11º da Lei 37/2015 de 5 de Maio, determina o respectivo cancelamento do registo criminal, não podendo, por isso, ser tidos em consideração pela MMª Juíza na apreciação da prática dos facos pelos quais foi condenado nestes autos.
3ª – Efectivamente, o art. 11º da Lei 37/2015 de 5 de Maio define o período durante o qual devem manter-se registados os antecedentes criminais, após extinção das penas, findo o qual devem as condenações inscritas ser canceladas.
4ª – Sucede que tais prazos só determinam o cancelamento da condenação no registo criminal se no seu decurso não ocorrerem outras condenações.
5ª – O passado criminal do arguido, nesse caso, não pode ser valorado negativamente pelo tribunal, designadamente para efeitos de ponderação da medida da pena.
6ª – Sucede que, no caso dos autos e analisando as condenações tidas em consideração pela MMª na sentença posta em crise e que fundamentaram a medida concreta das penas aplicadas ao arguido, constatamos que entre elas não se verificou o decurso do prazo previsto na disposição contida no art. 11º da Lei 37/2015 de 5 de Maio, com excepção da condenação sofrida no âmbito do Processo nº 1172/12.7PBAMD, a qual deveria ser eliminada, por força daquele mesmo normativo legal.
7ª – Não obstante essa circunstância, entendemos que não só a escolha, mas igualmente a medida concreta das penas aplicadas respeitaram os critérios objectivos previstos pela nossa lei penal nos seus arts. 40º, 50º, 70º e 71º do CP e, os quais foram inteiramente respeitados e tidos em consideração pela MMª Juíza a quo, mostrando-se por isso inteiramente adequadas, proporcionais e justas.
8ª – Com efeito, deve o recurso interposto pelo arguido ser parcialmente procedente, devendo eliminar-se da sentença a condenação sofrida pelo arguido no âmbito do processo nº 1172/12.7PBAMD e manter-se no demais, designadamente, no que se refere à aplicação de pena de seis meses de prisão, em regime de permanência na habitação, com fiscalização de meios de controlo à distância e subordinada ao cumprimento de regras de conduta previstas num plano de reinserção social que incida sobre a desintoxicação alcoólica e a perigosidade inerente à condução de veículos em estado de embriaguez, a ser elaborado, acompanhado e fiscalizado pela DGRS e na sanção acessória de inibição de condução de veículos a motor pelo período de dezoito meses.
Termos em que,
se V. Exas. julgarem parcialmente procedente o recurso, desse modo eliminando da factualidade dada como provada a condenação sofrida pelo arguido no âmbito do processo nº 1172/12.7PBAMD e mantendo o demais, designadamente, as penas aplicadas nas concretas medidas, farão a habitual justiça! …”.
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Neste tribunal a Exm.ª Procuradora-Geral Adjunta emitiu o parecer de fls. 120/122, para além do mais, com o seguinte teor:
“... 2.   Se bem entendemos, o Recorrente entende que as medidas da pena principal e da acessória se mostram excessivas e que, no doseamento das mesmas foi valorado todo um passado criminal cujas penas foram declaradas extintas antes da data da prática dos factos dos presentes autos.
A Ex.ma Magistrada do Ministério Público, na sua Resposta ao Recurso, defende a procedência parcial do mesmo, no entendimento de que a última condenação do arguido deve ser excluída dos factos dados como provados, dada a circunstância de a condenação dos presentes autos ter ocorrido mais de 05 anos após a extinção daquela pena.
É consabido que a questão não se revela pacífica,  designadamente, ao nível jurisprudencial e perfilhamos entendimento oposto ao que vem propugnado.
De toda a forma, diremos, tão só, que na vertente concretamente defendida pela Ex.ma Magistrada do Ministério Público e, seguramente, por deficiência nossa, não vislumbramos razão para exclusão única da mais recente condenação, pois que, nessa óptica, as demais estão, por maioria de razão, ainda mais distanciadas no tempo e, nessa óptica,  sem conexão temporal, todas, com extinções de pena ocorridas em períodos de tempo muito superiores a 05 anos, relativamente aos presentes autos.
A ponderação da conduta anterior não deverá restringir-se aos últimos 05 anos face ao disposto nos art.40° e 71º nº l e nº2 e) do CP (e por exclusiva via de um diploma destinado a regular, apenas, a gestão de matéria registrai), mas tem peso relativo, nomeadamente, se se atentar no grau de alcoolémia e na circunstância de o arguido não se ter limitado a conduzir em estado de ebriedade, pois, chegou mesmo a provocar acidente de viação que, por mero acaso, parece não ter atingido nem a vida, nem a integridade física de ninguém.
As demais razões pelo mesmo invocadas para redução do quantum das medidas de pena parecem-nos irrelevantes, nomeadamente, a sua 'necessidade' de se fazer transportar em veículo por si conduzido para tomar as suas refeições e visitar o filho menor e a invocação da sua idade, independentemente de terem, ou não, sido levadas aos factos dados como provados.
Na nossa perspectiva, a idade do recorrente já deveria ter concorrido para um maior discernimento, o que se não evidencia.
E a condução de veículo a motor para efeitos de alimentação ou mesmo para visitas ao filho menor são, manifestamente, razões despiciendas e, até, arrojadas pois sempre poderá utilizar os transportes públicos ou diligenciar por outras formas de obter a alimentação e de visitar o filho.
Os demais utentes da via pública é que não são obrigados a sujeitar-se às conduções imprevidentes e criminosas de terceiros que colocam a vida e bens alheios em risco sério, com condutas como a que os factos provados denotam.
Aliás, tivesse o recorrente tido o cuidado de não conduzir depois de ter ingerido bebidas alcoólicas ou tivesse o recorrente tido o cuidado de não as ingerir se pretendia conduzir e sequer teria sido julgado e condenado.
O factor idade avançada não é causa de exclusão da ilicitude, nem da culpa e as medidas de pena encontradas são as minimamente adequadas a satisfazer as elevadíssimas exigências de prevenção geral e também especial e estão perfeitamente abarcadas pela culpa evidenciada nos factos.
3. Nestes termos e pese embora o maior respeito por diverso entendimento, emitimos parecer de total improcedência do recurso. ...”.
*
A sentença (ou acórdão) proferida em processo penal integra três partes distintas: o relatório, a fundamentação e o dispositivo. A fundamentação abrange a enumeração dos factos provados e não provados relevantes para a decisão e que o tribunal podia e devia investigar; expõe os motivos de facto e de direito que fundamentam a mesma decisão e indica, procedendo ao seu exame crítico e explanando o processo de formação da sua convicção, as provas que serviram para fundamentar a decisão do tribunal.
Tais provas terão de ser produzidas de acordo com os princípios fundamentais aplicáveis ou seja o princípio da verdade material; da livre apreciação da prova e o princípio “in dubio pro reo”. Igualmente é certo que, no caso vertente, tendo a prova sido produzida em sede de audiência de julgamento, está sujeita aos princípios da publicidade bem como da oralidade e da imediação.
O tribunal recorrido fixou da seguinte forma a matéria de facto:
“… 2.1. Matéria de facto provada
Da discussão da causa resultaram provados os seguintes factos:
2.1.1.   No dia 13-05-2019, cerca da  01h00m, o Arguido conduzia o veículo automóvel ligeiro de passageiros, da marca Skoda, modelo Fábia, com matrícula 22-CX-60, no Cruzamento entre a Estrada Nacional 250 e o Ramal de acesso ao IC16, 16.2, na Amadora, com uma taxa de álcool no sangue de pelo menos 1,62 g/l, quando foi interveniente em acidente de viação.
2.1.2.   O Arguido sabia que havia ingerido bebidas alcoólicas e que sob a sua  influência conduzia na via pública, bem sabendo que essa quantidade de álcool que ingeria lhe reduzia consideravelmente as faculdades psicológicas absolutamente necessárias à condução automóvel, designadamente no que respeita à coordenação das funções  da  perceção  e  da  coordenação  motoras e, não obstante, quis conduzir aquele veículo na via pública depois dessa ingestão.
2.1.3.   O Arguido atuou de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas pela lei penal.
2.1.4.   O Arguido é divorciado, tem três filhos, sendo um menor, com 12 anos de idade.
2.1.5.   Aufere uma pensão de reforma de € 380,00, paga uma  pensão ao filho menor de  €  78,00 e € 200,00 de renda da casa onde vive, sozinho.
2.1.6.   Tem o 3.º ano de escolaridade.
2.1.7.   Tem antecedentes criminais tendo já sido condenado:
- sentença de 28/10/1995, pela prática em 28/10/1995, de um crime de condução sob influência de álcool, p. e p. pelo artigo 292.º do Código Penal,  na  pena de 90 dias de multa,  à  taxa diária de 200$00, já extinta por pagamento (processo sumário n.º 2099/95.0.SPLSB, da Pequena Instância Criminal de Lisboa);
- sentença de 21/01/1999, pela prática em 09/03/1996, de um crime de condução com álcool, p. e p. pelo artigo 292.º, n.º 1 do Código Penal, na pena de prisão suspensa por 3 anos, já extinta por cumprimento (processo sumário n.º 95/96.06CLRS, do Tribunal Judicial da Comarca de Loures – 2.º Juízo Criminal);
- sentença de 12/10/2004, transitada em julgado em 25/10/2004, pela prática em 01/10/2004, de um crime de condução sem habilitação legal, p. e p. pelo artigo 3.º do  Decreto- Lei 2/98 de 3 de janeiro, na pena de 10 meses de prisão, já extinta pelo cumprimento (processo sumário n.º 2290/04.0GFSNT, , do Tribunal Judicial da Comarca de Sintra – 2.º Juízo Criminal);
- sentença de 16/05/2005, pela prática em 03/04/2004, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelo artigo 292.º, n.º 1 do Código Penal, na pena de 90 dias de multa, à taxa diária de € 1,50, já extinta por pagamento (processo abreviado n.º 258/04.6PAAMD, do da Pequena Instância Criminal de Lisboa – 2.º Juízo/1.ª Secção);
- sentença de 13/12/2009, transitada em julgado em 12/01/2010, pela prática em 19/12/2009, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelo artigo 292.º, n.º 1 do Código Penal, na pena de 120 dias de multa, à taxa diária de € 6,00, já extinta por pagamento (processo sumário n.º 2601/09.2PBSNT, do Juízo de Pequena Instância Criminal de Sintra – Juiz 2);
- sentença de 29/04/2011, transitada em julgado em 16/06/2011, pela prática em 07/11/2009, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelo artigo 292.º, n.º 1 do Código Penal, na pena de 6 meses de prisão, suspensa na sua execução, já extinta por cumprimento (processo sumário n.º 33/10.9PTAMD, do Juízo de Média Instância Criminal de Sintra – 2.ª Secção/Juiz 3);
- sentença de 11/10/2012, transitada em julgado em 31/10/2012, pela prática em 16/09/2012, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelo artigo 292.º, n.º 1 do Código Penal, na pena de 9 meses de prisão, suspensa na sua execução, sujeita a regime de prova, já extinta por cumprimento (processo sumário n.º 1172/12.7PBAMD do Juízo Pequena Instância Criminal da Amadora).
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2.2.      Matéria de facto não provada:
Não existem factos não provados. ...”.
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Como dissemos, o art.º 374º/2 do CPP[5] determina que, na sentença, ao relatório se segue a fundamentação que consta da enumeração dos factos provados e não provados, bem como de uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal.
A redacção deste preceito inculca a ideia, que a obediência a regras de bom senso, clareza e precisão apoiam, de que a fundamentação da decisão se repartirá pela enumeração dos factos provados, depois dos não provados e, seguidamente, pela exposição dos motivos de facto e de direito que fundamentam a decisão com o exame crítico das provas.
Necessário e imprescindível é que o tribunal indique os fundamentos suficientes para que, através das regras da ciência, da lógica e da experiência se possa controlar a razoabilidade da convicção sobre o julgamento do facto provado ou não provado.
No cumprimento desse dever, o tribunal recorrido fundamentou a sua decisão de facto da seguinte forma:
“… A convicção deste tribunal sobre a matéria de facto provada formou-se com  base  na  avaliação e ponderação de todos os meios de prova produzidos ou analisados em audiência de julgamento, nomeadamente:
- Nas declarações do arguido que confessou a prática dos factos e descreveu as suas condições económicas e sociais.
- No depoimento da testemunha CP que depôs acerca do caracter e personalidade do arguido.
- No relatório da análise toxicológica junto aos autos, no que concerne à taxa de álcool no sangue apresentada pelo arguido;
- Também quanto aos respectivos antecedentes criminais, o Tribunal baseou-se  no CRC junto aos autos.
- Assim face à prova produzida temos que o arguido confessou os factos, pelo que dúvidas não restam em dar como provados tais factos.
- Sendo que resulta claro e em conjugação com as regras de experiencia que  o arguido sabia que não podia conduzir naquele estado, depois de ingerir bebidas alcoólicas, tendo agido de forma livre e consciente, bem sabendo que a sua conduta o faria incorrer na prática deste tipo de crime. …”.
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É pacífica a jurisprudência do STJ[6] no sentido de que o âmbito do recurso se define pelas conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação[7], sem prejuízo, contudo, das questões do conhecimento oficioso.
Da leitura dessas conclusões e tendo em conta as questões de conhecimento oficioso, afigura-se-nos que as questões fundamentais a decidir no presente recurso são as seguintes:
I – Possibilidade de ponderação dos antecedentes criminais do Arg.;
II - Escolha e medida da pena.
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Cumpre decidir.
I – Entende o Recorrente que não podiam ter sido levados em conta os antecedentes criminais que, embora constem do CRC, já dele deviam ter sido expurgados.
E parece-nos que tem razão.
Na verdade, as decisões inscritas cessam a sua vigência no registo criminal, decorridos 5 anos da extinção da medida de segurança e da pena, quer de multa, quer de prisão, se a duração desta tiver sido inferior a 5 anos, como é o caso, desde que, entretanto, não tenha ocorrido nova condenação por crime de qualquer natureza (art.º 11º/1-a) e b) da Lei 37/2015, de 05/05[8]).
Se tiver ocorrido outra condenação durante esse prazo de 5 anos, quando a vigência desta outra condenação no registo criminal cessar, cessam, naturalmente, aquelas que se tiverem mantido vigentes por força desta[9].
Por isso, no presente caso, como defende a Exm.ª Procuradora-Geral Adjunta, as condenações, proferidas no processos 2099/95.0SPLSP, 95/96.06CLRS, 258/04.6PAAMD, 2601/09.2PBSNT, 33/10.9PTAMD e 1172/12.7PBAMD, constantes do CRC junto aos autos, já dele não deviam constar, por se terem extinguido mais de 5 anos antes, e, por isso, não podiam ter sido levadas em conta[10] (salvo se, como veremos, o que resultar relativamente à condenação proferida no proc. 2290/04.0GFSNT, vier a alterar estes pressupostos).
Entendemos que a sua consideração na decisão recorrida constitui um erro notório na apreciação da prova, porque se desrespeitaram as regras sobre o valor da prova vinculada.
Na verdade, o erro notório na apreciação da prova é a “… falha grosseira e ostensiva da análise da prova, perceptível pelo cidadão comum, denunciadora de que se deram como provados factos inconciliáveis entre si, isto é, que o que se teve como provado ou não provado está em desconformidade com o que realmente se provou ou não provou, seja, que foram provados factos incompatíveis entre si ou as conclusões são ilógicas ou inaceitáveis ou que se retirou de um facto dado como provado uma conclusão logicamente inaceitável.
Ou, dito de outro modo, há um tal erro quando um homem médio, perante o que consta do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com o senso comum, facilmente se dá conta de que o tribunal violou as regras da experiência ou se baseou em juízos ilógicos, arbitrários ou mesmo contraditórios ou se desrespeitaram regras sobre o valor da prova vinculada ou das leges artis.[11].
Tal erro, como os restantes previstos no art. 410º/2 do CPP, é de conhecimento oficioso[12] e tem que resultar do próprio texto da decisão recorrida por si só ou conjugada com as regras da experiência comum[13].
Por outro lado, o boletim relativo ao proc. 2290/04.0GFSNT nada diz quanto à extinção da pena, o que é estranho, uma vez que a mesma já estará extinta, pelo menos, por prescrição (art.º 122º/1-d) do CP).
Esta falta, constitui insuficiência para a decisão da matéria de facto provada.
Na verdade, o vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, que não se confunde com a insuficiência da prova para a decisão de facto, ocorre quando que a matéria de facto fixada se apresenta insuficiente para a decisão sobre o preenchimento dos elementos objectivos e subjectivos dos tipos legais de crime verificáveis e dos demais requisitos necessários à decisão de direito e seja de concluir que o tribunal a quo podia ter alargado a sua investigação a outro circunstancialismo fáctico suporte bastante dessa decisão[14].
Ora, os antecedentes criminais do Arg. são elementos importantes para a determinação da medida da pena, ainda mais neste caso em que os mesmos levaram o tribunal recorrido a aplicar uma pena de prisão efectiva.
Como já vimos, se esta condenação se encontrasse extinta há mais de 5 anos, por referência à data da condenação, não poderia ter sido levada em conta para a escolha, nem para a determinação da pena, como foi.
Por isso, tribunal recorrido devia ter feito diligências para esclarecer este ponto de facto, mas não o fez, pelo que se mostra verificado este vício.
Mas quando se verifica este tipo de vício, o processo só deve ser devolvido à 1.ª Instância se o tribunal superior não dispuser dos elementos necessários à sua sanação (art.ºs 426º/1 e 431º/a) do CPP).
Ora, no presente caso, se o erro notório era suprível, pela eliminação dos factos provados em causa, já quanto à insuficiência para a decisão da matéria de facto provada os autos não dispõem de elementos que permitam apurar a matéria em falta, nem a renovação da prova poderia suprir essa falta, pelo que haverá que reenviar o processo para novo julgamento parcial, a realizar nos termos do disposto no art.º 426º-A do CPP[15], e apuramento desta matéria, decidindo-se, depois em conformidade.
No entanto, tal reenvio só se mostra necessário relativamente à matéria dos antecedentes criminais do Arg., que é perfeitamente autónoma das restantes questões (art.ºs 403º/2-f) e 426º/1 do CPP), mas prejudica o conhecimento da outra questão suscitada, uma vez que estes antecedentes serão fundamentais para a escolha e determinação das penas.
Assim, é procedente, nesta parte o recurso.
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Nestes termos e nos mais de direito aplicáveis, julgamos parcialmente provido o recurso e, consequentemente, consideramos definitivamente assente a restante matéria de facto, mas determinamos o reenvio, para novo julgamento parcial, restrito à matéria dos antecedentes criminais do Arg., nos termos supra referidos, decidindo-se, depois em conformidade.
Sem custas.
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Notifique.
D.N..
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Elaborado em computador e integralmente revisto pelo relator (art.º 94º/2 do CPP).
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Lisboa, 24/09/2020
João Abrunhosa
Maria Leonor Botelho
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[1] Arguido/a/s.
[2] Termo/s de Identidade e Residência.
[3] Prestado em 09/10/2019.
[4] Ministério Público.
[5] Código de Processo Penal.
[6] Supremo Tribunal de Justiça.
[7] Nesse sentido, ver Vinício Ribeiro, in “CPP – Notas e Comentários”, Coimbra Editora, 2ª edição, 2011, pág. 1292.
Ver também a nota 1 do acórdão da RC de 21/01/2009, relatado por Gabriel Catarino, no proc. 45/05.4TAFIG.C2, in www.dgsi.pt, que com a devida vénia, reproduzimos: “Cfr. Ac. do Supremo Tribunal de Justiça de 05.12.2007; proferido no proc. nº 1378/07, disponível in Sumários do Supremo Tribunal de Justiça; www.stj.pt. “O objecto do recurso é definido e balizado pelas conclusões extraídas da respectiva motivação, ou seja, pelas questões que o recorrente entende sujeitar ao conhecimento do tribunal de recurso aquando da apresentação da impugnação – art. 412.º, n.º 1, do CPP –, sendo que o tribunal superior, tal qual a 1.ª instância, só pode conhecer das questões que lhe são submetidas a apreciação pelos sujeitos processuais, ressalvada a possibilidade de apreciação das questões de conhecimento oficioso, razão pela qual nas alegações só devem ser abordadas e, por isso, só assumem relevância, no sentido de que só podem ser atendidas e objecto de apreciação e de decisão, as questões suscitadas nas conclusões da motivação de recurso, questões que o relator enuncia no exame preliminar – art. 417.º, n.º 6, do CPP –, a significar que todas as questões incluídas nas alegações que extravasem o objecto do recurso terão de ser consideradas irrelevantes. Cfr. ainda Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 24.03.1999, CJ VII-I-247 e de 20-12-2006, processo 06P3661 em www.dgsi.pt) no sentido de que o âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões formuladas [Ressalvando especificidades atinentes à impugnação da matéria de facto, na esteira do doutrinado pelo acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17-02-2005, quando afirma que :“a redacção do n.º 3 do art. 412.º do CPP, por confronto com o disposto no seu n.º 2 deixa alguma margem para dúvida quanto ao formalismo da especificação dos pontos de facto que no entender do recorrente foram incorrectamente julgados e das provas que impõem decisão diversa da recorrida, pois que, enquanto o n.º 2 é claro a prescrever que «versando matéria de direito, as conclusões indicam ainda, sob pena de rejeição» (...), já o n.º 3 se limita a prescrever que «quando impugne a decisão proferida sobre matéria de facto, o recorrente deve especificar (...), sem impor que tal aconteça nas conclusões.” -proc 04P4716, em www.dgsi.pt; no mesmo sentido o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 16-06-2005, proc 05P1577,] (art.s 403º e 412º do Código de Processo Penal), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (art. 410º nº 2 do Código de Processo Penal e Acórdão do Plenário das secções criminais do STJ de 19.10.95, publicado no DR Iª série A, de 28.12.95).”.
[8] Para melhor esclarecimento, passamos a reproduzir este art.º:
Artigo 11.º Cancelamento definitivo
1 - As decisões inscritas cessam a sua vigência no registo criminal nos seguintes prazos:
a) Decisões que tenham aplicado pena de prisão ou medida de segurança, com ressalva dos prazos de cancelamento previstos na Lei n.° 113/2009, de 17 de setembro, com respeito aos crimes previstos no capítulo V do título I do livro II do Código Penal, decorridos 5, 7 ou 10 anos sobre a extinção da pena ou medida de segurança, se a sua duração tiver sido inferior a 5 anos, entre 5 e 8 anos ou superior a 8 anos, respetivamente, e desde que, entretanto, não tenha ocorrido nova condenação por crime de qualquer natureza;
b) Decisões que tenham aplicado pena de multa principal a pessoa singular, com ressalva dos prazos de cancelamento previstos na Lei n.° 113/2009, de 17 de setembro, com respeito aos crimes previstos no capítulo V do título I do livro II do Código Penal, decorridos 5 anos sobre a extinção da pena e desde que, entretanto, não tenha ocorrido nova condenação por crime de qualquer natureza;
c) Decisões que tenham aplicado pena de multa a pessoa coletiva ou entidade equiparada, com ressalva dos prazos de cancelamento previstos na Lei n.° 113/2009, de 17 de setembro, com respeito aos crimes previstos no capítulo V do título I do livro II do Código Penal, decorridos 5, 7 ou 10 anos sobre a extinção da pena, consoante a multa tenha sido fixada em menos de 600 dias, entre 600 e 900 dias ou em mais de 900 dias, respetivamente, e desde que, entretanto, não tenha ocorrido nova condenação por crime de qualquer natureza;
d) Decisões que tenham aplicado pena de dissolução a pessoa coletiva ou entidade equiparada, decorridos 10 anos sobre o trânsito em julgado;
e) Decisões que tenham aplicado pena substitutiva da pena principal, com ressalva daquelas que respeitem aos crimes previstos no capítulo V do título I do livro II do Código Penal, decorridos 5 anos sobre a extinção da pena e desde que, entretanto, não tenha ocorrido nova condenação por crime de qualquer natureza;
f) Decisões de dispensa de pena ou que apliquem pena de admoestação, decorridos 5 anos sobre o trânsito em julgado ou sobre a execução, respetivamente;
g) Decisões que tenham aplicado pena acessória, após o decurso do prazo para esta fixado na respetiva sentença condenatória ou, tratando-se de pena acessória sem prazo, após a decisão de reabilitação.
2 - Quando a decisão tenha aplicado pena principal e pena acessória, os prazos previstos no número anterior contam-se a partir da extinção da pena de maior duração.
3 - Tratando-se de decisões que tenham aplicado pena de prisão suspensa na sua execução os prazos previstos na alínea e) do n.° 1 contam-se, uma vez ocorrida a respetiva extinção, do termo do período da suspensão.
4 - Cessam também a sua vigência no registo criminal:
a) As decisões que sejam consequência, complemento ou execução de decisões cuja vigência haja cessado nos termos do n.° 1;
b) As decisões respeitantes a pessoa singular, após o seu falecimento;
c) As decisões respeitantes a pessoa coletiva ou entidade equiparada, após a sua extinção, exceto quando esta tenha resultado de fusão ou cisão, caso em que as decisões passam a integrar o registo criminal das pessoas coletivas ou equiparadas que tiverem resultado da cisão ou em que a fusão se tiver efetivado;
d) As decisões consideradas sem efeito por disposição legal.
5 - A cessação da vigência das decisões não aproveita ao condenado quanto às perdas definitivas que lhe resultarem da condenação, não prejudica os direitos que desta advierem para o ofendido ou para terceiros nem sana, por si só, a nulidade dos atos praticados pelo condenado durante a incapacidade.
6 - As decisões cuja vigência haja cessado são mantidas em ficheiro informático próprio durante um período máximo de 3 anos, o qual apenas pode ser acedido pelos serviços de identificação criminal para efeito de reposição de registo indevidamente cancelado ou retirado, e findo aquele prazo máximo são canceladas de forma irrevogável.”.
[9] Nesse sentido, veja-se o acórdão da RE de 10/05/2016, relatado por Ana Brito, no proc. 216/14.2GBODM.E1, in www.dgsi.pt, do qual citamos: “... ocorrendo, in casu, motivo para o cancelamento (por imposição legal, repita-se) do último destes seis registos (do nº 6), deve proceder-se igualmente ao cancelamento de todos os anteriores que por causa dele se mantinham activos.
Esta solução é proposta por Almeida Costa na obra citada, onde, após proceder a análise de três diferentes sistemas de resolução do problema, afirma ser este o regime a seguir, pois “através dele se consagra um prazo de reabilitação suficientemente amplo para satisfazer as exigências politico-criminais que se levantam na medida da pena, sem todavia se ultrapassarem, ao invés do que sucedia no primeiro dos sistemas descritos, os limites considerados necessários à reabilitação para fins processuais” (Almeida Costa, O Registo Criminal, 1985, p. 375). ...”.
[10] Nesse sentido, veja-se, de novo, o acórdão da RE de 10/05/2016, relatado por Ana Brito, no proc. 216/14.2GBODM.E1, in www.dgsi.pt, com o seguinte sumário: “I. A lei (n.º 57/1998 e, depois, a n.º 37/2015) é inequívoca ao determinar o cancelamento dos registos criminais por decurso de determinados prazos sobre a data da extinção das penas sem que o arguido tenha delinquido nesses prazos. II. O “cancelamento dos registos” significa que as sentenças canceladas se consideram extintas no plano jurídico, não se lhes ligando quaisquer efeitos, designadamente quanto à medida da pena. III. Uma vez verificada a hipótese determina o cancelamento, o registo da condenação deixa de poder ser considerado contra o arguido, assim sucedendo independentemente da circunstância de se ter ou não procedido prontamente à real efetivação do cancelamento. IV. O aproveitamento judicial de informação que por inoperância do sistema se mantenha no CRC é ilegal, e viola ainda o princípio constitucional da igualdade, pois permite distinguir um arguido de um outro que, nas mesmas condições, tenha o CRC devidamente “limpo”. V. Se o CRC visa informar o tribunal do passado criminal do condenado, e se a lei ordenou o cancelamento dos registos, o arguido tem de ser considerado integralmente reabilitado e os seus antecedentes criminais que indevidamente permaneçam “ativos”, são de tratar como inexistentes e de nenhum efeito. VI. Também ao sistema de registo preside a intenção de restringir a estigmatização social do delinquente e o conteúdo dos certificados de registo criminal limita-se ao que é verdadeiramente essencial ao processo e ao direito penal conhecer.”.
No mesmo sentido, veja-se o acórdão da RC de 13/09/2017, relatado por Luís Teixeira, no proc. 27/16.0GTCBR.C1, in www.dgsi.pt, com o seguinte sumário: “1 – O cancelamento dos registos é uma imposição legal. A lei (n.º 57/1998 e, depois, a n.º 37/2015) veio a ser inequívoca ao determinar o cancelamento dos registos criminais por decurso de determinados prazos sobre a data da extinção das penas sem que o arguido volte a delinquir. 2 – O CRC visa dar conhecimento ao tribunal e informação ao processo, sobre o passado criminal do arguido, e se a lei ordena o cancelamento do registo, nessas circunstâncias o arguido tem de ser considerado reabilitado. 3 – Um certificado do registo criminal que certifique decisões que, nos termos legais, dele já não deveriam constar, implica uma verdadeira proibição de valoração de prova, estando vedado ao Tribunal ter em conta tais decisões. 4 – Apesar de o cancelamento não ter sido averbado, o mesmo deve produzir efeitos ipso facto, ou seja, desde a extinção efetiva da pena, independentemente do seu registo/averbamento no CRC.”.
[11] De novo Simas Santos e Leal-Henriques, in “Recursos em Processo Penal”, 7ª edição, 2008, p. 77.
[12] Cf. Ac. do STJ de 19/10/1995, in DR 1ª Série A, de 12/28/1995, que fixou jurisprudência no sentido de que é oficioso o conhecimento, pelo tribunal de recurso, dos vícios indicados no citado art.º 410.º/2 CPP.
[13] Assim, o Ac. do STJ de 19/12/1990, proc. 413271/3.ª Secção: " I - Como resulta expressis verbis do art. 410.° do C.P.Penal, os vícios nele referidos têm que resultar da própria decisão recorrida, na sua globalidade, mas sem recurso a quaisquer elementos que lhe sejam externos, designadamente declarações ou depoimentos exarados no processo durante o inquérito ou a instrução ou até mesmo no julgamento (...). IV É portanto inoperante alegar o que os declarantes afirmaram no inquérito, na instrução ou no julgamento em motivação de recursos interpostos".
[14] Cf. Ac. do STJ de 20/10/1999, tirado no Proc. n.º 1452/98-3ª Secção, que traduz jurisprudência pacífica.
[15] Como refere Vinício Ribeiro, in “CPP – Notas e Comentários”, Coimbra Editora, 2ª ed., 2011, pág. 1354, o novo julgamento deve ser feito pelo mesmo tribunal (sendo possível), mas por um diferente colectivo.