Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
216/14.2GBODM.E1
Relator: ANA BARATA BRITO
Descritores: REGISTO CRIMINAL
CERTIFICADO DE REGISTO CRIMINAL
CANCELAMENTO DOS REGISTOS
PENA
Data do Acordão: 05/10/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIDO
Sumário:
I. A lei (n.º 57/1998 e, depois, a n.º 37/2015) é inequívoca ao determinar o cancelamento dos registos criminais por decurso de determinados prazos sobre a data da extinção das penas sem que o arguido tenha delinquido nesses prazos.

II. O “cancelamento dos registos” significa que as sentenças canceladas se consideram extintas no plano jurídico, não se lhes ligando quaisquer efeitos, designadamente quanto à medida da pena.

III. Uma vez verificada a hipótese determina o cancelamento, o registo da condenação deixa de poder ser considerado contra o arguido, assim sucedendo independentemente da circunstância de se ter ou não procedido prontamente à real efetivação do cancelamento.

IV. O aproveitamento judicial de informação que por inoperância do sistema se mantenha no CRC é ilegal, e viola ainda o princípio constitucional da igualdade, pois permite distinguir um arguido de um outro que, nas mesmas condições, tenha o CRC devidamente “limpo”.

V. Se o CRC visa informar o tribunal do passado criminal do condenado, e se a lei ordenou o cancelamento dos registos, o arguido tem de ser considerado integralmente reabilitado e os seus antecedentes criminais que indevidamente permaneçam “ativos”, são de tratar como inexistentes e de nenhum efeito.

VI. Também ao sistema de registo preside a intenção de restringir a estigmatização social do delinquente e o conteúdo dos certificados de registo criminal limita-se ao que é verdadeiramente essencial ao processo e ao direito penal conhecer. [1]
Decisão Texto Integral:
Acordam na Secção Criminal:

1. No processo sumário nº 216/14.2GBODM, da Comarca de Beja, foi proferida sentença a condenar o arguido L, como autor de um crime de desobediência dos arts. 152º, nº 3 do Código da Estrada e 348º, nº 1, al. a) e 69º, nº 1, al. c), ambos do Código Penal, na pena de 9 meses de prisão suspensa por 2 anos e sujeita à condição do arguido entregar em quatro meses, à Associação de Paralisia Cerebral de Odemira, a quantia de € 1 000,00 (mil euros), e na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados e pelo período de 1 ano.

Inconformado com o decidido, recorreu o arguido, concluindo:

“A) O Ministério Público acusou o arguido L. em Processo Sumário, imputando-lhe a prática de um crime de um crime de desobediência, previsto e punível, pelas disposições conjugadas dos art.ºs. 152º, nº 3 do Código da Estrada e arts.º 348º, nº 1, al. a) e 69º, nº 1, al. c), ambos do Código Penal, sendo que sujeito a julgamento, com a observância do formalismo legal, o ora recorrente foi condenado na pena de 9 (nove) meses de prisão, cuja sua execução fica suspensa pelo período de 2 (dois) anos e sujeita à condição do arguido no prazo de 4 (quatro) meses entregar à Associação de Paralisia Cerebral de Odemira a quantia de € 1 000,00 (mil euros), devendo comprovar tal nos autos (cf. artº 50 nºs 1, 2 e 5 e artº 51 nº 1 al. c) e nº 2, a contrario, todos do Código Penal); na pena acessória de proibição de conduzir quaisquer veículos motorizados e pelo período de 1 (um) ano, nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 69º, nº 1, alínea a) do Código Penal, sob pena de, não o fazendo, incorrer em responsabilidade criminal se violar tal proibição; Foi ainda condenado nas custas e encargos do processo.

B) O objecto do presente recurso, versa a matéria de direito e discorda-se da escolha e da medida da pena.

C) O arguido considera que os antecedentes criminais, pela prática de crimes relativos a factos praticados em 1991, 1995, 1998 e 2005 não deveriam constar no seu certificado do registo criminal e, por conseguinte, não deveriam ter sido atendidos aquando da escolha da pena, razão pela qual lhe deveria ter sido aplicada apenas uma pena não privativa da liberdade ainda.

D) O facto de aplicar uma pena de 9 (nove) meses de prisão, cuja sua execução fica suspensa pelo período de 2 (dois) anos e na pena acessória de proibição de conduzir quaisquer veículos motorizados e pelo período de 1 (um) ano é manifestamente exagerado.

E) A aplicação de uma pena de multa é mais que suficiente para demover o arguido de voltar a prevaricar e a interiorizar as regras sociais mais elementares, sendo que a simples ameaça de poder a voltar a ser sujeito a julgamento e condenado, é mais que suficiente para o demover de voltar a cometer um crime da mesma natureza.

F) Considera o ora recorrente que a pena acessória de proibição de conduzir quaisquer veículos motorizados e pelo período de 1 (um) ano também é manifestamente exagerada.

G) O Tribunal recorrido não considerou o facto de o arguido, necessitar da sua viatura para se deslocar sendo que a rede de transportes públicos da área de residência do arguido, é praticamente inexistente, e os horários/percursos oferecidos, não satisfazem as necessidades mínimas de deslocação, verificando-se por exemplo que o centro de saúde, Serviços de Segurança Social, Finanças mais próximos, e a Câmara Municipal de Odemira distam mais de 20 KM e o Hospital mais de 40 KM.

H) Assim, a condenação do arguido na pena acessória de proibição de conduzir qualquer veículo com motor por um período de 12 (doze) meses, atendendo à sua situação económica, é um sacrifício demasiadamente pesado, e traduzir-se-á numa grande diminuição da qualidade de vida e estabilidade emocional do arguido e que se reflectirá na sua vida, pelo que uma pena inferior a 7 (sete) meses é adequada e importa um sacrifício considerável.

I) Relativamente à condenação de 9 (nove) meses de prisão, cuja sua execução fica suspensa pelo período de 2 (dois) anos sendo certo que o arguido é reincidente, os factos constantes na determinação da pena são insuficientes para tal condenação, pelo que deverá ser aplicada ao arguido, uma pena não a privativa da liberdade ao abrigo do artº 70.º do CPP, ou seja pena de multa, já que a mesma realiza de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.”

O Ministério Público respondeu ao recurso, pronunciando-se no sentido da confirmação da pena, mas nada dizendo quanto ao motivo da discordância do arguido, ou seja, quanto à valoração de antecedentes criminais indevidamente inscritos no CRC.

Já neste Tribunal da Relação, o Sr. Procurador-geral Adjunto, em desenvolvido parecer e minuciosa análise das razões do recorrente, pronunciou-se no sentido da procedência do recurso.

Não houve resposta ao parecer.

Colhidos os vistos, teve lugar a conferência.

2. A sentença (oral) foi a seguinte:

“Factos provados: No dia 21 de Outubro de 2014 pelas 19h30m na Rua… em Vila Nova de Milfontes, área da Comarca de Odemira, o arguido L. conduzia o veículo com o número de matrícula ---PL, ligeiro de passageiros, e no local... no dia, hora e local atrás descritos, num ato de fiscalização do veiculo acima indicado o condutor e ora arguido L. recusou-se a efectuar o teste de pesquisa de álcool no sangue [imperceptível]. Com efeito, nas circunstâncias de tempo e lugar atrás referidas, e após ter sido convidado pelos elementos da autoridade que se encontravam devidamente uniformizados e no exercício das suas funções, o arguido solicitada a pesquisa de álcool no sangue pelo método de ar expirado, recusou-se a fazer tal exame alegando não saber realizar. Face a tal, o arguido foi conduzido ao posto territorial da GNR de Vila Nova de Milfontes e sendo questionado novamente sobre a razão de não efectuar o exame de pesquisa de álcool no sangue pelo método de ar expirado o mesmo afirmou desconhecer como se efectuava o referido teste razão pela qual o militar que se encontrava na altura e que foi ouvido em audiência de discussão e julgamento, ou seja, o militar da GNR LF, exemplificou o procedimento correcto que o arguido devia ter e proceder no referido aparelho até o mesmo apresentar o resultado, não obstante tal o arguido atrás identificado ignorou a forma como o aludido militar da GNR realizou o teste negando-se novamente a realizá-lo mesmo quando o aludido militar colocou o aparelho na sua boca. Não obstante tal e esgotadas todas as possibilidades aquele militar pediu ao condutor que experimentasse a fazer um teste e como se deixou dito, colocando o aparelho em causa na boca do arguido, aparelho qualitativo, o mesmo, isto é o arguido não efetuou qualquer sopro evidenciando de forma inequívoca a sua recusa em proceder ao referido teste e afirmando, novamente, que não ia soprar o aludido aparelho. Mais disse o arguido na altura que tal circunstância não seria uma recusa mas sim um desconhecimento, mas sim um desconhecimento e voluntariou-se, o arguido, para efectuar a analise ao seu sangue num hospital de forma a que se apurasse que o mesmo não havia ingerido álcool e que não estava sobre o efeito do álcool no exercício da condução do veiculo automóvel atrás mencionado. Em tudo agiu o arguido L. de forma livre, deliberada e conscientemente, bem sabendo que a sua supra descrita conduta para além de censurável era punida por lei. Mais sabia que por lei estava obrigado a efectuar e a colaborar na realização de pesquisa de álcool no sangue através do método de ar expirado e a fim de averiguar e quantificar a presença de álcool no sangue pelo que agindo do modo atrás descrito fê-lo de forma a inviabilizar e a recusar a realização de tal exame e a ordem que lhe foi comunicada pelos agentes da autoridade em causa. Em audiência de discussão e julgamento o arguido manteve a afirmação de que não sabia soprar e que tinha dificuldades em fazê-lo. O arguido é reformado desde o ano de 2010 tendo trabalhado como funcionário público no Ministério do Ambiente, possuiu como habilitações literárias o antigo sétimo ano do Liceu, o equivalente ao antigo sétimo ano do Liceu, o valor líquido mensal da sua reforma é de cerca de € 980 (novecentos e oitenta euros), habita em casa própria, tem dois filhos com 38 e 32 anos de idade, os quis já tem vida autónoma, é proprietário do veiculo automóvel supra descrito da marca Land Rover e do ano 2000, sendo igualmente proprietário de 8 cavalos que cria, não foi possível apurar o valor actual de mercado dos referidos 8 cavalos mas demonstrou-se que há quatro anos o arguido vendeu um cavalo pelo preço de € 25.000 (vinte e cinco mil euros). Como encargos o arguido tem a amortização mensal do empréstimo contraído junto do Banco Millennium BCP no valor global de € 15000 (quinze mil euros) sendo que a prestação mensal que está adstrita é no valor de € 406 (quatrocentos e seis euros), o tal empréstimo foi feito pelo prazo de 5 anos e a finalidade ao mesmo adstrita reporta-se a criação de boxes para os cavalos na zona de Vila Nova de Milfontes. O arguido sofre de doença, o arguido sofre de traqueobronquite espática conforme o verificado no documento junto aos autos no presente julgamento, no almoço do dia em causa o arguido havia ingerido vinho (cerca de um quarto de litro) tendo terminado o almoço cerca das 14h30m. O arguido não costuma apagar as velas do seu bolo de aniversário não referenciado para além da atrás descrita qualquer outra doença ao arguido L.

Por sentença datada de 26 de Março de 1993 e pela prática em 5/10/91, por sentença datada de 26/3/83 e relativamente a fatos que o arguido havia praticados a 5 de Outubro de 81, o arguido foi condenado no âmbito do Processo Comum nº ---/92 do Tribunal Judicial da Comarca de Odemira pela prática de um crime de ofensas corporais simples previsto e punível a altura pelo art.º 142º do Código Penal, na pena de 60 dias de prisão á taxa diária de 250 escudos e em alternativa a 40 dias de prisão. [imperceptível]... Rectificando o atrás dito e defino lapso quer na data dos fatos atrás mencionada quer no número do processo, repetindo verifica-se que o arguido foi condenado em 26 de Março de 1993 pela prática em 5 de Outubro de 1991 no âmbito do Processo Comum nº --/92 do Tribunal Judicial da Comarca de Odemira pela prática de um crime de ofensas corporais simples previsto e punível na altura pelo artigo 142º do Código Penal na pena de 60 dias de prisão a taxa diária de 250 escudos e em alternativa a 40 dias de prisão.

Por outro lado no âmbito do Processo Comum, no âmbito do Processo Sumário nº --/95 do Tribunal Judicial de Odemira e pela prática em 21 de Março de 1995 o arguido foi condenado por sentença datada de 22 de Março de 1995 na pena 50 dias de multa á razão diária de 800 escudos o que perfez a multa global de 40.000 escudos ou em alternativa a 33 dias de prisão e dando as custas do processo e seis meses de inibição de conduzir pela prática do crime de recusa previsto e punido no art.º 12º do DL nº 124/90 de 19/04.

Igualmente no Tribunal Judicial da Comarca de Odemira e no âmbito do Processo do Singular nº ---/98 por sentença datada de 12/10/99 e pela prática em 1 de Maio de 1996, o arguido foi condenado pelo crime de ofensa a integridade física simples prevista e punida pelo artigo 143º, nº 1 do Código Penal na pena de 80 dias de multa á taxa diária de 900 escudos que perfez uma quantia de 70000 escudos a que correspondeu subsidiariamente 53 dias de prisão, sendo que tal pena foi declarada extinta pelo cumprimento em 13 de Dezembro de 2005.

No Tribunal Judicial de Grândola no âmbito do Processo Sumaríssimo nº---/05.1GTBJA Secção Única pela prática de um crime de condução de um veículo em estado de embriaguez previsto e punido pelo artigo 292º, nº1 e 69º, nº 1 ambos do Código Penal, em Fevereiro de 2005 o arguido foi condenado por sentença datada de 4 de Outubro de 2005 na pena de 70 dias de multa á taxa diária de 5 euros o que perfez a quantia global de € 350 (trezentos e cinquenta euros) na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados pelo período de 5 meses, sendo que por decisão datada de 23 de Junho de 2006 procedeu-se á extinção da referida pena uma vez que o arguido prestou o pagamento da pena de multa em que foi condenado nos aludidos autos.

Finalmente pela prática em 27 de Maio de 2011 e no âmbito do Processo Sumário nº .... [imperceptível]... nº ---/11, estamos a falar de um antecedente criminal cuja cópia consta do CRC junto a folhas 33 dos autos e cuja leitura [imperceptível] difícil, por decisão datada de 16 de Junho de 2011 o arguido foi condenado pela prática de um crime de ameaça agravada prevista e punida por 153º, nº 1 e 155º, nº 1 als. a) e c) do Código Penal e ainda em cúmulo jurídico com a prática de um crime de desobediência previsto e punido pelo art.º 348, nº 1 a) do Código Penal por referência ao artigo 152 al a) do mesmo... 152, nº1 a) do Código da Estrada na pena de 8 meses de prisão a qual foi substituída por 240 horas de trabalho a favor da comunidade mais foi condenado a pena acessória de conduzir veículos motorizados pelo período de 5 meses e 10 dias... [imperceptível]... os fatos são provado e para além dos que ficaram descritos não se provaram quaisquer outros nomeadamente não se provou que a doença mencionada no documento junto na audiência de discussão e julgamento seja impeditiva a que o arguido possa efectuar sopro no teste relativamente ao teste de pesquisa de álcool do sangue pelo método de ar expirado (teste qualitativo) ao que o arguido padeça de qualquer patologia que o impeça de expirar ar para que possa ser efectuado o aludido teste e pelo referido método. Já agora acrescentando ou aditando aos fatos provados, relembrando agora ainda antes de a... adita-se aos fatos provados os seguintes, creio que já terão ficado, mas creio que agora não consigo saber se ficaram ou não, o arguido bem sabia que as ordens que lhe haviam sido dadas para efectuar o teste de pesquisa de álcool no sangue pelo método de ar expirado eram legitimas e provinham de autoridade com competência para as proferir e tendo sido devidamente comunicadas tendo consciência que constituía desobediência, apesar disso, o arguido como se deixou atrás reportado agiu deliberada e conscientemente no propósito de se recusar a efectuar o tal teste de pesquisa de álcool no sangue, bem sabendo que estas condutas são previstas e punidas criminalmente, são estes os novos fatos aditados. Aos fatos provados prosseguindo os fatos não provados para além dos atrás mencionados não se importa referir quaisquer outros por não obterem qualquer relevância para a boa decisão da causa. Na decisão da causa o Tribunal formou a sua convicção nas declarações prestadas pelo arguido em audiência de discussão e julgamento as quais a par, das quais relevaram sobretudo para aferir a sua situação sócio económica e familiar já que relativamente aos fatos que pelo arguido foram evocados quando ao motivo pelo qual não realizou o referido teste de pesquisa de álcool no sangue pelo método de ar expirado já as mesmas não ofereceram qualquer credibilidade por desconformes com as regras da lógica e da experiência, concretizando diga-se que o arguido manifestou ao longo de todo o julgamento e diga-se assim desde logo no inquérito no momento em que foi detido o propósito em realizar... em não realizar a pesquisa de álcool no sangue pelo método de ar expirado invocando alegada patologia que segundo o próprio o impedia de efectuar sopro conveniente e que pudesse ser útil no sentido de se efectuar o referido teste com validade alegando o arguido ainda que desde pequeno e por razões relativas a um acidente de viação que terá sofrido teria dificuldade ou mesmo impossibilidade em soprar o que é que quer que fosse. Ora, não obstante o mesmo ter junto aos autos o documento “declaração médica” no qual se atesta que ele sofre de traqueobronquite espática ou espasmática, certo é que não ficou demonstrado nomeadamente pelas testemunhas que o arguido indicou que tal doença fosse impeditiva de efectuar sopro válido e capaz para se fazer o referido teste de pesquisa de álcool no sangue pelo método de ar expirado nem a declaração médica por si só é elucidativa quanto a tal, ou seja, não decorre da aludida declaração médica que a doença que o arguido sofre e cujo tal fato está vertido seja impeditiva de o arguido efectuar um sopro que fosse válido para que o teste de pesquisa de álcool no sangue pelo método de ar expirado fosse efectivamente realizado. Por outro lado as testemunhas indicadas na acusação e que em audiência de discussão e julgamento foram ouvidas, os militares LF e [imperceptível], os militares da GNR LF e [imperceptível], depuseram de forma séria com isenção e coerência, explicitando não só a forma como abordaram o arguido, o que ocasionou a interceptação da baixa do veiculo pelo mesmo conduzido, mas também tudo o que se lhe seguiu no que diz respeito á tentativa por ambos que o arguido fizesse o teste de pesquisa de álcool no sangue pelo método de ar expirado, explicaram os passos que tomaram, os procedimentos que levaram a efeito e a conduta do arguido ocorrida no referido momento sendo que tais declarações ou tais depoimentos afirmaram-se verosímeis por isso foram acolhidos porque, como se disse, conforme as regras da experiência comum e da lógica. O Tribunal teve ainda em conta o teor do CRC actualizado do arguido cuja cópia se mostra junto aos autos a folhas 29 a 37, perdão 29 a 33 dos mesmos, sendo que com a ressalva que foi [imperceptível]... apresenta-se inexplicavelmente quase ilegível em via da forma como esta impressa tal CRC mas ainda assim atestadora daquilo que se desejou provar. O Tribunal considerou ainda o teor do auto de notícia a que fizemos referência e que consta de folhas 17 a 19 dos autos. Os factos foram provados assim considerados pela prova produzida vão ter conduzido a diversa qualificação dos mesmo, a diversa qualificação dos mesmos, evitando-se aqui repetir para nós atrás já dito a tal propósito. Enquadramento jurídico-penal, conforme se deixou dito o arguido encontra-se acusado da prática material de um crime de desobediência previsto e punível pelas disposições conjugadas dos artigos 152º, nº 3 do Código da Estrada e 340º, nº 1 a) e 69º, nº 1 c) ambos do Código Penal. [imperceptível] art. 152º, nº 3 do Código da Estrada que se passa a citar: “ As pessoas referidas nas alíneas a) e b) do nº 1 que recusem submeter-se às provas estabelecidas para obtenção do estado de influencia pelo álcool ou substâncias psicotrópicas são punidas pelo crime de desobediência”, por seu turno o artigo 348º, nº 1 do Código Penal determina que: “Quem faltar a obediência devida à ordem ou mandado legítimos regularmente comunicados e mandados de autoridade e funcionário competente é punido com pena de prisão até um ano ou com pena de multa até 120 dias se: a) uma disposição legal cominar, no caso, a punição de desobediência simples ou; b) na ausência de disposição legal, a autoridade ou funcionário fizerem a correspondente cominação.”, do disposto resulta que o legislador [imperceptível] ... pelo álcool ou por substâncias psicotrópicas com a pena prevista para o crime de desobediência. Esta pena acresce ainda a pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor prevista no art.º 69º, nº 1 c) do Código Penal que aqui é de aplicação automática. Ora, compulsada a matéria de fato dada como provada resulta demonstrada a prática pelo arguido do crime de que vem acusado uma vez que se verificam os pressupostos objectivos e subjectivos deste tipo de ilícito. Com efeito, ficou demonstrado que o arguido agiu de forma a impossibilitar o teste de pesquisa de álcool no sangue pelo método de ar expirado a que acabando por recusar-se a fazê-lo apesar de lhe ter sido dito que tal o faria incorrer na prática de um crime de desobediência. Relativamente a situação que o arguido invocava e que ficou demonstrado de que o mesmo estaria disposto a ser conduzido ao hospital a fim de ser recolhido o sangue para pesquisar se o mesmo estaria a conduzir sob o efeito de álcool, importa aqui trazer á colação o Acórdão referenciado pelo Ministério Público na suas doutas alegações, que é o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 13 de Setembro de 2011 Processo nº 1003/10.2SILSB.L-5 relatado pelo Senhor Juiz Desembargador Renato Moura e disponível na base de dados da DGSI, o qual no seu sumário refere que: “... para efeitos de detecção de álcool no sangue existem três tipos de testes, o teste qualitativo destinado a detectar a presença de álcool no sangue que é efectuado com o analisador qualitativo, o teste quantitativo, destinado a quantifica-la a determinada taxa de alcoolemia que é efectuado com o analisador quantitativo, a análise de sangue também destinada a qualificar a presença de álcool no sangue efectuada através de recolha e exame de amostra de sangue do examinado.”, ponto 2 do sumário: “... a regra é que a detecção de álcool no sangue seja efectuada através de teste ao ar expirado efectuado com alcoolímetros sendo excepcional a analise de sangue só acontecerá com a impossibilidade de efectuar o teste em analisador quantitativo e em caso de contraprova quando o examinado requer pelo método de analise do sangue.”, ponto nº 3 do sumário: “... quando o condutor se recusa a submeter-se ao exame de pesquisa de álcool pelo método de ar expirado comete o crime de desobediência mesmo que se disponibilize a realizar exame para pesquisa de álcool através da colheita de sangue. O artigo 152º, nº 3 do Código da Estrada na interpretação de que resulta ...[imperceptível]... para a detecção de presença de álcool no sangue nos casos em que seja tecnicamente possível fazê-lo não é inconstitucional.”. Eu entendo aqui reproduzir o aludido Acórdão nomeadamente na aplicação ao presente caso e nos seus argumentos remetendo-nos para o mesmo atento a simplicidade do que aqui se discute e a natureza oral da presente sentença. Diga-se que tal Acórdão não está desacompanhado de jurisprudência uma vez que o mesmo sita igualmente o Acórdão da Relação de Lisboa de 24 de Julho de 2003 relatado pela Senhora Juiz Desembargadora Filomena Lima também disponível na base de dados da DGSI, onde se refere que: “... embora tivesse resultado da prova produzida em audiência não é relevante para a decisão do Direito o fato de o arguido se ter oferecido para efectuar o teste de pesquisa de álcool através da recolha do sangue.”, também num Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 3 de Novembro de 2010 relatado pelo Senhor Juiz Desembargador Morais Lopes igualmente disponível na base de dados da DGSI, foi decidido que sendo possível... perdão... foi decidido que comete o crime de desobediência o condutor que recusa submeter-se ao exame de pesquisa de álcool pelo método de ar expirado mesmo que estivesse... mesmo que se tivesse disponibilizado para ir ao Hospital e ai se sujeitasse a recolha de sangue para a realização do aludido exame. Com efeito a tese defendida pelo arguido neste julgamento não tem tido qualquer eco na jurisprudência porque carece de fundamento legal e pode mesmo dizer-se que é contra legis. Verifica-se pois o cometimento pelo arguido do tipo de crime pelo qual vinha acusado e que abstractamente se pune com pena de prisão até 1 ano ou com pena de multa até 120 dias. No que tange a escolha da natureza da pena dispõe o artigo 70º do Código Penal que a mesma... que sempre que ao crime forem aplicáveis em alternativa pena privativa e pena não privativa da liberdade o Tribunal dá preferência á segunda sempre que esta [imperceptível] de forma adequada e suficiente as finalidades da punição. Ora, como vimos o arguido já tem um passado criminal com alguma extensão, nomeadamente no qua tange à prática pelo mesmo tipo crimes, crime de desobediência e igualmente do crime de condução de veículo em estado de embriaguez. Regista-se também que tais condenações de que foi alvo foram 3 delas em penas de multa, perdão 4 delas em penas de multa e uma delas em pena de prisão substituída por prestação de trabalho a favor da comunidade. Entende assim este Tribunal que não estão reunidas as condições para, ao arguido, em abstracto lhe ser aplicado pena não privativa da liberdade pelo que se opta pela aplicação ao arguido de pena de prisão. Em talho de foice uma vez que olvidamos tal fato na motivação decisão da matéria de fato não deixa de ser curioso mencionar que o arguido, alegando embora que, não consiga soprar ou que tenha dificuldade em soprar ou que não saiba soprar para os referidos testes de pesquisa de álcool de sangue pelo método de ar expirado não se pode deixar de salientar como disse o fato de o mesmo ter sido já condenado pela prática de condução de um veiculo em estado de embriaguez o que é demonstrativo de que o mesmo, pelo menos por uma vez, consegui soprar no referido aparelho alcoolímetro de forma a pesquisar-se pelo método de ar expirado se tinha álcool no sangue. Quanto á medida concreta da pena, neste aspecto concedida a acção dentro dos limites legalmente fixados para o referido tipo de crime, a culpa do arguido e as exigências que no caso se verifica, ponderando todas as circunstâncias que não fazendo parte do crime deponham a favor do arguido ou contra o mesmo artigo 71, nº 1 e 2 do Código Penal. Relativamente a prevenção geral que está subjacente a este tipo de ilícito são acentuadas as suas consideração quanto á frequência que tal tipo de crime é praticado neste meio e do que o mesmo pode ser uma forma apta a que exima o agente da detecção ou á detecção de álcool no sangue e por conseguinte á sua condenação pela pratica de um crime de condução de um veiculo em estado de embriaguez. Pelo que a ilicitude da conduta do arguido afigura-se como mediana mas já se nos afigura elevada a conduta do mesmo assim como directo e bastante intenso se mostra o dolo daquele. Com efeito o arguido conta neste momento com 64 anos de idade, tem um passado criminal como se deixou dito relevante no que tange á prática pelo mesmo, quer do crime de desobediência quer do crime de condução de veículo em estado de embriaguez, não manifestou arrependimentos, isto é, não evidenciou qualquer juízo de auto censura, possuindo uma postura desculpabilizadora que manteve inclusive em audiência de discussão e julgamento. Entendemos assim, face aos critérios gerais fixados no artigo 71º, nº 1 e 2 do Código Penal, em fixar em 9 meses de prisão a pena justa, adequada e proporcional ao caso que ora se julga e cumpre agora saber se o arguido irá cumprir tal pena de prisão em efectividade ou se ao invés o Tribunal a pode substituir por qualquer outra medida que não implique a efectividade da pena de prisão. Ponderando, verifica-se que o arguido já foi condenado em pena de prisão que foi substituída por prestação de trabalho em favor da comunidade, ou seja, o arguido já beneficiou da substituição, ou de uma das medidas substitutivas da pena de prisão, tendo cumprido a mesma é certo, mas seria dar um sinal de manifesta benevolência ou de premiar a conduta ilícita e gravemente culposa do arguido substituir a pena de prisão ora imposta por qualquer outra medida. Não obstante disso, e porque nunca ter beneficiado de tal medida entende o Tribunal que ainda assim poderá fazer um juízo de prognose favorável ao arguido relativamente a sua conduta futura e não obstante o passado criminal do mesmo pelo que decide suspender a pena de prisão supra aplicada ao arguido pelo período de 2 anos na condição daquele pagar a quantia de € 1000 (mil euros) no prazo de 4 meses a Associação de Paralisia Cerebral de Odemira (APCO), com esta medida pretende o Tribunal que não só censurará o arguido pela gravidade da sua conduta mas ainda assim dá-lhe a oportunidade de em liberdade cumprir estra pena que lhe foi agora imposta o que vai agora determinado. Relativamente a pena acessória de proibição de conduzir quaisquer veículos motorizados que é igualmente aqui aplicável o mesmo Tribunal fazendo uso dos princípios já atrás enunciados fixa a mesma no período de um ano.

Pelo exposto decido condenar o arguido L. pela prática em autoria material de um crime de desobediência previsto e punível pelas disposições conjugadas dos 152, nº 3 do Código da Estrada e 248º, nº1 a) e 69º, nº1 c) este do Código da Estrada na pena de 9 meses de prisão cuja sua execução fica suspensa pelo período de 2 anos e sujeita á condição de o arguido no prazo de 4 meses entregar a APCO (Associação de Paralisia Cerebral de Odemira) a quantia € 1000 (mil euros) devendo como provado o total dos autos (confronte artigos 50º, nº 1, 2 e 5 e artigo 51º, nº 1 c) e nº 2 à contrário ambos do Código Penal), mais condeno o arguido na pena acessória de proibição de conduzir quaisquer veículos motorizados pelo período de um ano nos termos e para os efeitos no exposto no artigo 69º, nº 1 c) do Código Penal e sob pena de, não o fazendo, incorrer de responsabilidade criminal se violar tal disposição. Alínea c) ordenar a entrega da carta de condução detida pelo arguido no prazo de 10 dias após o trânsito em julgado da presenta sentença na secretaria do Tribunal ou em qualquer posto policial da área da sua residência nos termos e com os efeitos no disposto no artigo 500º, nº 2 do Código Processo Penal e com a cominação de não o fazendo a mesma ser-lhe coercivamente apreendida”.

3. Sendo o âmbito do recurso delimitado pelas conclusões do recorrente, sem prejuízo do conhecimento oficioso dos vícios do art. 410º, nº 2 do CPP (AFJ de 19.10.95), a questão a apreciar é a da escolha da pena.

O arguido defende que lhe deveria ter sido aplicada pena de multa, uma vez que os seus antecedentes criminais pela prática de crimes cometidos em 1991, 1995, 1998 e 2005 não deveriam constar do certificado do registo criminal e não deverão relevar na escolha da pena.

Assim, o objecto do recurso incluirá o tratamento da questão suscitada como fundamento do pedido de reponderação da pena.

No acórdão TRE de 10.01.2012, que teve como relatora a presente, problematizou-se também o valor da inscrição de antecedentes criminais indevidamente não apagados do CRC (ali, no âmbito da suspensão provisória do processo e não da determinação da pena, distinção que se apresenta no entanto inócua).

Naquela decisão, a Relação de Évora pronunciou-se em sentido favorável à pretensão do arguido, e agora nesta, embora com diferente configuração de colectivo de Desembargadores, não se encontra razão para decidir diferentemente.

No caso citado, o arguido não beneficiara da suspensão provisória do processo por terem sido indevidamente consideradas na ponderação, pelo MP e depois também pelo juiz de julgamento, duas condenações anteriores cuja inscrição deveria ter sido cancelada do CRC mas que aí se mantinha indevidamente.

Disse, então, esta Relação:

Realizou-se o julgamento que terminou em sentença condenatória, nos termos já expostos.

Como ponto prévio consigna-se que, ao contrário do que diz o MP na resposta ao recurso, a questão suscitada a propósito do CRC nada tem a ver com a alegada (por este) indevida valoração do CRC para efeitos de prova sobre a culpabilidade, questão que é efectivamente tratada nos acórdãos que este magistrado cita, mas que nada tem a ver com a presente.

Com efeito, o CRC do arguido não foi valorado nos autos como prova para a decisão da matéria de facto, ou seja, para a formação da convicção de ter sido ele, ou não, o autor dos factos imputados. Não é disto que se trata, no presente processo.

A relevância – indevida – dada ao CRC foi outra, também ela ilegal.

Do certificado de fls. 23 consta – apenas - que o arguido foi condenado por crime de condução em estado de embriaguez na pena de 50 dias de multa e em 4 meses de proibição de conduzir, e que estas penas foram declaradas extintas em 20.09.2005.

Dispõe o art. 15.º, n.º1, da lei 57/98, na redacção da Lei 114/2009, que são canceladas automaticamente e de forma irrevogável no registo criminal, as decisões que tenham aplicado pena de multa principal decorridos cinco anos sobre a extinção da pena, e desde que entretanto não tenha ocorrido nova condenação por crime (al. b)) e as decisões que tenham aplicado pena acessória, após o decurso do prazo para esta fixado na respectiva sentença condenatória (al. g)).

Decorreram mais de cinco anos desde a data da extinção das duas penas, e do CRC do recorrente nada mais consta, para além desta condenação.

Independentemente de se saber se devia o tribunal, neste contexto, considerar desde logo cancelada e, como tal inexistente, a condenação ainda registada, o certo é que não poderia prosseguir com o julgamento como se nenhuma dúvida se suscitasse quanto ao CRC, caso dele viesse a retirar, como retirou, consequências contra o arguido.”

No caso em análise no anterior acórdão, que temos vindo a referir, a indevida valoração das condenações do arguido inscritas no CRC, que deveriam ter sido apagadas mas que impropriamente ali se mantinham, obstara à aplicação da suspensão provisória do processo.

No caso em apreciação agora, a relevância do CRC mantém-se evidente, pois fornece informação importante para a determinação da sanção, a escolha e a medida da pena.

Na verdade, a decisão sobre a pena assenta sempre num juízo de prognose, configurando “necessariamente uma estrutura probabilística” e não podendo “senão concretizar-se por aproximações” (assim, Anabela Rodrigues, A Determinação da Medida da Pena Privativa da Liberdade, p. 27). Para tanto, há que dotar a sentença de todos os factos necessários à ponderação. Estes factos, que acrescem aos da culpabilidade, são essencialmente os que se relacionam com a personalidade do arguido e o seu comportamento anterior e posterior aos factos, incluindo os antecedentes criminais.

Os juízos de prognose não resultam de uma mera “intuição” assente na “experiência da profissão”, antes pressupõem “um trabalho teórico-prático de recolha e valoração de dados e informações acerca das pessoas e dos factos em causa”, o que implica um “alargamento da base da decisão” de modo a incluir os factos relativos à pessoa do condenado e aos seus antecedentes criminais (cf. Anabela Rodrigues, loc. cit., p. 28-30).

Assim, em caso de arguidos não primários, na determinação da pena há que avaliar os efeitos das condenações anteriores no comportamento do condenado, ou seja, saber das concretas sanções anteriormente experimentadas, aquilatar do seu maior ou menor sucesso, da resposta que penas idênticas possam ou não oferecer para o caso concreto, sobretudo quando a nova pena a proferir seja a de prisão. Antecedentes criminais significativos evidenciam, em princípio, necessidades de prevenção especial mais elevadas.

A sindicância da pena proferida na sentença envolve, pois, a apreciação dos pressupostos em que concretamente assentou, ou seja, envolve a tomada de posição sobre a possibilidade de valoração dos antecedentes criminais do condenado.

É este o fundamento da decisão que o recorrente problematiza em recurso. Os antecedentes criminais (e a ausência deles) relevam sempre na decisão sobre a pena, como se disse, e relevaram também concretamente aqui, como resulta da sentença (transcrita em 2.). Mas assim sucedeu indevidamente.

Os antecedentes criminais do arguido foram sopesados e valorados contra ele, ou seja, como circunstância agravante geral. E foram-no, apesar de já não deverem (poderem) constar do CRC.

Retira-se daqui, de imediato, que o passado judiciário do arguido não teria sido passível de valoração – e, logo, não teria influído (contra o arguido) na determinação da pena - caso se tivesse procedido ao cancelamento, legalmente imposto, das respectivas transcrições no CRC.

O registo criminal visa dar a conhecer o passado judiciário do condenado. Mas esse conhecimento deve ser um conhecimento legal, ou seja, conhecimento processado e obtido de forma lícita, através de um instrumento ou meio legalmente conformado.

Catarina Veiga afirma, criticamente, que “o conhecimento do passado criminal dos delinquentes funciona, grande parte das vezes, não como base para a determinação de providências dirigidas à sua reintegração social, mas como fundamento para a simples agravação do rigor punitivo, de harmonia com uma prevenção geral negativa ou de intimidação" (Catarina Veiga, Considerações Sobre a Relevância dos Antecedentes Criminais do Arguido no Processo Penal, 2000, p. p. 64/5).

Defende a autora que ao sistema de registo deve presidir uma intenção de restringir uma estigmatização social do delinquente e que o conteúdo dos certificados de registo criminal se deve limitar “àquilo que se considera necessário ou indispensável, não só do ponto de vista da defesa social, como, fundamentalmente, ao que é verdadeiramente essencial ao processo e ao direito penal conhecer” (loc. cit. p. 68).

Sobre a “reabilitação”, pronunciou-se Almeida Costa em 1985, em obra de referência “O Registo Criminal – História, Direito comparado, Análise político-criminal do instituto”.

Fê-lo nos seguintes termos: “Quanto ao acesso para fins processuais, afigura-se de consagrar uma «reabilitação definitiva» ab initio, irrevogável desde a respectiva concessão. O decurso de um prazo de cinco anos ou de dez anos (consoante os casos) sem que o delinquente pratique novos crimes parece afastar qualquer conexão com posteriores infracções que venha a cometer. Tal circunstância exclui a necessidade da sua ponderação em futuros processos.

(…) O cancelamento dos cadastros parece implicar uma proibição de prova quanto aos factos por ele abrangidos. A ser de outro modo, não se compreenderia o fundamento da sua consagração. Ao incidir sobre o mecanismo em que, por definição, assenta a informação dos tribunais, o legislador só pode ter querido significar que, doravante, as sentenças canceladas se consideram extintas no plano jurídico, não se lhes ligando quaisquer efeitos de tal natureza (v.g. quanto à medida da pena)”.

A lei (nº 57/1998 e, depois, a nº 37/2015) veio a ser inequívoca ao determinar o cancelamento dos registos criminais por decurso de determinados prazos sobre a data da extinção das penas sem que o arguido volte a delinquir.

Com o cancelamento dos registos, como defende Almeida Costa na obra citada, repete-se, o legislador só pode ter querido significar que as sentenças canceladas se consideram extintas no plano jurídico, não se lhes ligando quaisquer efeitos de tal natureza, designadamente quanto à medida da pena.

O cancelamento dos registos é uma imposição legal. Uma vez verificada a hipótese contemplada na previsão da norma que determina o cancelamento, o registo da condenação deixa de poder ser considerado (contra o arguido), assim sucedendo independentemente da circunstância de se ter ou não procedido prontamente à real efectivação do cancelamento.

O aproveitamento judicial de informação que só por anomalia do sistema se mantém no CRC, além de ilegal, viola o princípio constitucional da igualdade, pois permite distinguir um arguido de um outro cujo CRC, nas mesmas condições, se encontre devidamente “limpo”. E o CRC, como ensina Almeida Costa, “é o mecanismo em que assenta a informação dos tribunais”.

Se o CRC visa dar conhecimento ao tribunal e informação ao processo sobre o passado criminal do arguido, e se a lei ordena o cancelamento do registo, nessas circunstâncias o arguido tem de ser considerado reabilitado.

O Senhor Procurador-geral Adjunto pronunciou-se também, em minucioso parecer, no sentido que se sufraga. Pela clareza e pertinência das considerações que desenvolve, e que se acolhem na íntegra, passa a transcrever-se:

“A) A Sentença deu como provadas todas as cinco condenações anteriormente sofridas pelo Arguido, nos exactos termos que melhor resultam do respectivo certificado do registo criminal (c.r.c.) - cfr. fls. 29 a 33.

B) Para além disso, a escolha e a medida das penas tiveram em conta, não só, mas também, as referidas condenações, resultando, da correspondente fundamentação, terem-se elas constituído em factor particularmente relevante (cfr. sessão de 29.10.2014, pista 2014029144324_892227_2870371, do 37’55” ao 39’00”).

C) A Sentença data de 29.10.2014 (publicação e depósito) - cfr. fls. 45 e 49 -, ao passo que o Recurso foi interposto em 01/02.12.2014 – cfr. fls. 50. Ao tempo, estava em vigor o DL 381/98, de 27 de Novembro, diploma que regulamentava o Regime Jurídico da Identificação Criminal e de Contumazes estabelecido pela Lei 57/98, de 18 de Agosto.

D) A Lei 57/98 veio, entretanto, a ser revogada pela Lei 37/2015, de 5 de Maio, (em vigor a partir de 06.5.2015). Nos termos do artº 46º, desta última, o DL 381/98, que regulamentava a Lei 57/98, foi mantido em vigor até à entrada em vigor do novo diploma que viesse a regulamentar a nova Lei, o que veio a suceder ( ) com a publicação do DL 171/2015, de 25 de Agosto (em vigor a partir de 26.8.2015), o qual veio agora regulamentar a Lei 37/2015.

E) Este o quadro legal que enforma o registo criminal, do qual, para o que aqui importa, há que atender, atenta a sucessão de Leis entretanto verificada, fundamentalmente, ao disposto, por um lado, no artº 15º, da Lei 57/98 (em vigor ao tempo da prolação da Sentença) e, por outro, no artº 11º, da Lei 37/2015 (em vigor desde 06.5.2015), ambos tendo como epígrafe o “Cancelamento Definitivo” das decisões constantes do registo criminal.

F) Era o seguinte o teor do artº15º, da Lei 57/98:

Artigo 15.º Cancelamento definitivo

1 - São canceladas automaticamente, e de forma irrevogável, no registo criminal:

a) As decisões que tenham aplicado pena de prisão ou medida de segurança, decorridos 5, 7 ou 10 anos sobre a extinção da pena ou medida de segurança, se a sua duração tiver sido inferior a 5 anos, entre 5 e 8 anos ou superior a 8 anos, respectivamente, e desde que, entretanto, não tenha ocorrido nova condenação por crime;

b) As decisões que tenham aplicado pena de multa principal a pessoa singular, decorridos cinco anos sobre a extinção da pena e desde que, entretanto, não tenha ocorrido nova condenação por crime; (…)

e) As decisões que tenham aplicado pena substitutiva da pena principal, decorridos cinco anos sobre a extinção da pena e desde que, entretanto, não tenha ocorrido nova condenação por crime; (…)

g) As decisões que tenham aplicado pena acessória, após o decurso do prazo para esta fixado na respectiva sentença condenatória ou, tratando-se de pena acessória sem prazo, após a decisão de reabilitação; (…)

2 - O cancelamento definitivo previsto nas alíneas a) a f) do número anterior não aproveita ao condenado quanto às perdas definitivas que lhe resultarem da condenação, não prejudica os direitos que desta advierem para o ofendido ou para terceiros nem sana, por si só, a nulidade dos actos praticados pelo condenado durante a incapacidade.
(…)

G) É o seguinte o teor do artº 11º, da Lei 37/2015 (actualmente em vigor):

Artigo 11.º Cancelamento definitivo
1 - As decisões inscritas cessam a sua vigência no registo criminal nos seguintes prazos:

a) Decisões que tenham aplicado pena de prisão ou medida de segurança, com ressalva dos prazos de cancelamento previstos na Lei n.º 113/2009, de 17 de setembro, com respeito aos crimes previstos no capítulo V do título I do livro II do Código Penal, decorridos 5, 7 ou 10 anos sobre a extinção da pena ou medida de segurança, se a sua duração tiver sido inferior a 5 anos, entre 5 e 8 anos ou superior a 8 anos, respectivamente, e desde que, entretanto, não tenha ocorrido nova condenação por crime de qualquer natureza;

b) Decisões que tenham aplicado pena de multa principal a pessoa singular, com ressalva dos prazos de cancelamento previstos na Lei n.º 113/2009, de 17 de Setembro, com respeito aos crimes previstos no capítulo V do título I do livro II do Código Penal, decorridos 5 anos sobre a extinção da pena e desde que, entretanto, não tenha ocorrido nova condenação por crime de qualquer natureza; (…)

g) Decisões que tenham aplicado pena acessória, após o decurso do prazo para esta fixado na respectiva sentença condenatória ou, tratando-se de pena acessória sem prazo, após a decisão de reabilitação.

2 - Quando a decisão tenha aplicado pena principal e pena acessória, os prazos previstos no número anterior contam-se a partir da extinção da pena de maior duração.

3 - Tratando-se de decisões que tenham aplicado pena de prisão suspensa na sua execução os prazos previstos na alínea e) do n.º 1 contam-se, uma vez ocorrida a respectiva extinção, do termo do período da suspensão. (…)

6 - As decisões cuja vigência haja cessado são mantidas em ficheiro informático próprio durante um período máximo de 3 anos, o qual apenas pode ser acedido pelos serviços de identificação criminal para efeito de reposição de registo indevidamente cancelado ou retirado, e findo aquele prazo máximo são canceladas de forma irrevogável.

H) Como pode constatar-se, no essencial, uma e outra das disposições legais equivalem-se, sendo certo que as diferenças entre ambas são de relativa pouca monta para o confronto que importa levar a cabo, designadamente, por forma a determinar se as condenações constantes do c.r.c. deste deviam constar e, consequentemente, se o Tribunal podia, ou não, tê-las em conta na Sentença recorrida.

I) Do primeiro registo (fls. 30) resulta uma condenação, proferida em 26.3.93, na pena de “60 dias de prisão, à taxa diária de 250$00 em alternativa 40 dias de prisão”.

J) Do segundo (fls. 30), uma condenação proferida em 22.3.05, em “50 dias de multa, à taxa diária de 800$00, o que perfaz a multa global de 40.000$00, ou em alternativa em 33 dias de prisão, nas custas do processo e 6 meses de inibição de conduzir”.

K) Do terceiro (fls. 31), uma condenação proferida em 12.10.99, em “80 dias de multa à taxa diária de 900$00 (novecentos escudos) o que perfaz a quantia de 72.000$00 (setenta e dois mil escudos) a que correspondem subsidiariamente 53 (cinquenta e três) dias de prisão”.

L) Do quarto (fls. 31), o registo de uma Decisão proferida em 13.12.2005 a qual declara extinta “a pena em que o arguido foi condenado pelo cumprimento”. Note-se que, pese embora dizendo respeito ao processo 84/98.0TBODM, este registo parece dizer respeito ao processo referenciado em “M)”, embora, aqui, com um número diverso (102/98). Dizemos que se tratará do mesmo caso, posto a data da prática dos factos ser a mesma (01.5.96).

M) Do quinto registo (fls. 32), resulta uma condenação em “70 dias de multa à taxa diária de 5 00 – o que perfaz a quantia total de € 350,00” e na “na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados – pelo período de cinco meses”.

N) Do sexto (fls. 32), o registo de um Despacho proferido em 23.6.2006, no qual se declara a extinção, pelo cumprimento, da pena principal referida em “O)”.

O) Do sétimo e último (fls. 33), dificilmente legível, como assinalou o Mmº Juiz ao proferir oralmente a Sentença, uma condenação proferida em 16.10.2011, transitada em 01.9.2011, em “prisão substituída por prestação de trabalho a favor da comunidade” e na pena acessória de “proibição de conduzir veículos motorizados” “pelo prazo de 5 meses e 10 dias”.

P) Nos termos do disposto nas a) e b), do nº 1, do artº 11º, da Lei 37/2015 (e, correspondentemente, das a) e b), do nº 1, do artº 15º, da Lei 57/98), tendo em conta que todas as condenações são em penas de prisão (não efectivas), inferiores a 5 anos, com ou sem pena acessória de inibição de condução, ou em penas de multa, o prazo de cancelamento definitivo dos respectivos registos é de 5 anos “sobre a extinção da pena”, “desde que, entretanto, não tenha ocorrido nova condenação por crime” (neste caso, a Lei 37/2015 acrescenta que o crime pode ser “de qualquer natureza”).

Quanto à pena acessória, dispõe o artº 11º, da Lei 37/2015, que o cancelamento dos registos ocorre:

“g) Decisões que tenham aplicado pena acessória, após o decurso do prazo para esta fixado na respetiva sentença condenatória ou, tratando-se de pena acessória sem prazo, após a decisão de reabilitação.

2 - Quando a decisão tenha aplicado pena principal e pena acessória, os prazos previstos no número anterior contam-se a partir da extinção da pena de maior duração.”.

Ao passo que o artº 15º, da Lei 57/98, consignava, quanto àquelas, que o cancelamento ocorreria:

“g) As decisões que tenham aplicado pena acessória, após o decurso do prazo para esta fixado na respectiva sentença condenatória ou, tratando-se de pena acessória sem prazo, após a decisão de reabilitação;”.

Q) A razão pela qual vimos de explanar o regime legal relativo ao cancelamento dos registos criminais decorre, desde logo, tal como já tivemos oportunidade de assinalar, da necessidade de determinar se os registos constantes do c.r.c. do Arguido, nos termos legais, deviam, ou não, ter sido já cancelados e, em caso afirmativo, avaliar quais as eventuais consequências que daí adviriam para a valoração que deles fez a Sentença, nos termos que já assinalámos e que dela resulta.

Anote-se, porque, a nosso ver, particularmente relevante, que enquanto o nº 1, do artº 11º, da Lei 37/2015 dispõe agora que “As decisões inscritas cessam a sua vigência no registo criminal nos seguintes prazos:”, o nº 1, do artº 15º, da Lei 57/98 (em vigor ao tempo da prolação da Sentença) estabelecia que “São canceladas automaticamente, e de forma irrevogável, no registo criminal:” – sublinhados de nossa responsabilidade. Ponto assente, é que o Tribunal não dispunha de elementos, só pela consulta do c.r.c. constante dos autos, para determinar se os registos que teve em conta ainda estão activos ou se, pelo contrário, daquele já não deveriam constar e, como tal, salvo o devido respeito por opinião contrária, insusceptíveis de valoração.

R) Esta questão não tem sido pacífica na Jurisprudência.

A mero título ilustrativo, confrontem-se os Acórdãos desta Relação de Évora, de 14.7.2015, Processo 208/14.1GBODM.E1 e da Relação de Lisboa, de 28.01.2016, Processo 14/14.3JBLSB.L1-9 ( ).

S) No primeiro dos referidos Arestos, considerou-se o seguinte: “11 – Alega, em abono: (i) que, na medida das penas foram levados em conta os antecedentes criminais do arguido quando estes se reportam a factos de há mais de 10 anos e a penas que, extintas, deviam já ter sido canceladas do respectivo registo criminal; (ii) que o arguido devia ter sido condenado em pena de multa; (iii) que a pena acessória de proibição de conduzir é excessiva, dada a necessidade, para o arguido, de se deslocar de automóvel, e as sérias dificuldades que um tão longo período de inibição acarretará em termos familiares e laborais; e (iv) que a condição da suspensão (pagamento, no prazo de 3 meses, de € 750,00 aos BVO) reporta a quantia que o arguido sem sempre consegue retirar da sua actividade. 12 – Nos termos prevenidos no artigo 15.º n.º 1 alíneas a) e b), da Lei n.º 57/98, de 18 de Agosto, na versão conferida Lei n.º 114/2009, de 22 de Setembro (entretanto revogada pela Lei n.º 37/2015, de 5 de Maio, com entrada em vigor a 90 dias da publicação), o cancelamento automático, no registo criminal das decisões que tenham aplicado penas de prisão ou de multa, só ocorre desde que, entretanto, não tenha ocorrido nova condenação por crime, por isso que, no caso, atento o rol de condenações que o arguido averba, não se vê que houvesse lugar ao pretextado cancelamento e, por tal via, que a decisão revidenda pudesse desconsiderar tal passado delitivo. 13 – Sem embargo, o cancelamento de decisões pretéritas no registo criminal não pode ser assimilado à inexistência daquele passado delitivo, inibindo, por um apagamento decorrente do mero decurso do tempo, a relevância judiciária deste passado, pelo que sempre haveriam de ter-se considerado as precedentes condenações do arguido.”.

T) Ao invés, no Acórdão da Relação de Lisboa (que cita, convocando-os, em abono da tese perfilhada, o Ac. da RE, de 11/7/2013, proferido no âmbito do Proc. 510/11.4GGSTB.E1 e o Ac. da RP, de 29-2-2012, proferido no âmbito do Proc. 123/10.8GAVLP.P1), entendeu-se que: “O tribunal a quo só podia ter valorado como prova válida dos antecedentes criminais da arguida o certificado de registo criminal actualizado da mesma, do qual já não constava a condenação que foi valorada por ter sido cancelada, nos termos do artº 15º, nº 1, al. a), da Lei 57/98, de 18 de Agosto.”; “Valorado que foi, indevidamente, um certificado de registo criminal da arguida O..., já caducado, pronunciou-se o tribunal a quo relativamente a um documento do qual não podia tomar conhecimento, o que configura a nulidade do acórdão, nos termos previstos na al. c), in fine, do n.º 1, do art. 379.º do CPP.”.

U) Uma primeira conclusão se nos afigura incontornável.

Regulamentando a lei o cancelamento dos registos criminais e estabelecendo prazos peremptórios para tanto, em função da natureza e da medida das respectivas penas (cancelamento esse que, tal como assinalámos, na vigência da Lei 57/98, era automático), a possibilidade da sua valoração não pode estar dependente de qualquer aleatoriedade, relativamente à data do efectivo cancelamento, por parte de uma entidade de natureza administrativa que, porventura, por qualquer razão, não tenha procedido ao apagamento, no registo criminal, de decisões que, por imperativo legal, já se encontrassem canceladas. Por outras palavras, não será a data do efectivo cancelamento material que relevará mas, antes, a data em que, por força dos critérios legais pré-definidos, o cancelamento se verifica ou a sua vigência caduca.

A não se entender assim, validar-se-iam situações absolutamente discriminatórias, nos termos das quais poderiam ser tidos em conta registos que, em obediência à lei, já não deveriam constar do c.r.c., embora lá permanecessem, ao passo que, noutras situações, o agente do crime condenado, por força de um c.r.c. efectivamente actualizado, não seria, por isso, penalizado.

V) Daí que, salvo o devido respeito, não possamos acompanhar o entendimento acolhido no Acórdão desta Relação, de 14.7.2015 (do qual, infra, transcrevemos o respectivo sumário), posto considerarmos que nele se descura o interesse tutelado pela legislação que disciplina o registo criminal, qual seja, impedir que o registo das condenações-crime se perpetue, naqueles casos em que, pelo decurso de tempo legalmente pré-determinado, seja lícito presumir que o agente se regenerou, por ausência de condenações subsequentes.

O Acórdão em causa, ao considerar que “o cancelamento de decisões pretéritas no registo criminal não pode ser assimilado à inexistência daquele passado delitivo, inibindo, por um apagamento decorrente do mero decurso do tempo, a relevância judiciária deste passado, pelo que sempre haveriam de ter-se considerado as precedentes condenações do arguido.”, salvo melhor opinião, condena o arguido a um passado inapagável, sendo razoável questionar em que casos, em que medida, e quais as efectivas implicações decorrentes do facto de o legislador ter estabelecido e regulamentado o cancelamento do registo criminal.

Pelo que, consideremos, antes, que um certificado do registo criminal que certifique decisões que, nos termos legais, dele já não deveriam constar, implica uma verdadeira proibição de valoração de prova, estando vedado ao Tribunal ter em conta tais decisões.

W) Deixando de lado óbvias dificuldades colocadas pela redacção, quer do artº15º, da Lei 57/98, quer do artº 11º, da Lei 37/2015, cuja explanação não seria aqui descabida, mas privilegiando, antes, a análise do caso concreto de que ora nos ocupamos, ao percorrer-se o c.r.c. constante do processo (fls. 29 a 33), ser-nos-á possível, desde já, por aplicação dos critérios decorrentes de ambas as normas referenciadas, concluir o seguinte:

a)- a manutenção, no certificado, do registo/boletim nº 1, é justificada pela condenação constante do boletim nº 2, independentemente de não ter sido alvo de registo a extinção da pena relativa ao boletim nº 1;

b)- a manutenção, no certificado, do registo/boletim nº 2, é justificada pela condenação constante do boletim nº 3, independentemente de não ter sido alvo de registo a extinção da pena relativa ao boletim nº 2;

c)- a manutenção, no certificado, dos registos/boletins nºs. 3 e 4 (pese embora com números de processo diferentes, aceita-se que se considere tratar-se, de facto, do mesmo processo, posto a data da prática do crime, o próprio crime e o Tribunal serem os mesmos), já obriga a resolver uma das dificuldades colocadas pelo texto legal.

Dispõe a b), do nº 1, do artº 15º, da Lei 57/98: “As decisões que tenham aplicado pena de multa principal a pessoa singular, decorridos cinco anos sobre a extinção da pena e desde que, entretanto, não tenha ocorrido nova condenação por crime.”.

E a (correspondente) b), do nº 1, do artº 11º, da Lei 37/2015: “Decisões que tenham aplicado pena de multa principal a pessoa singular, com ressalva dos prazos de cancelamento previstos na Lei n.º 113/2009, de 17 de Setembro, com respeito aos crimes previstos no capítulo V do título I do livro II do Código Penal, decorridos 5 anos sobre a extinção da pena e desde que, entretanto, não tenha ocorrido nova condenação por crime de qualquer natureza;”.

Em ambas as redacções, o registo será cancelado “decorridos 5 anos sobre a extinção da pena e desde que, entretanto, não tenha decorrido nova condenação por crime”.

Cabe perguntar: sobre o facto que determinou, ipso facto, a extinção da pena, ou decorridos 5 anos sobre a decisão que declare a sua extinção?

A pergunta não se nos afigura de fácil resposta.

Por um lado, a interpretação mais consentânea com o espírito da norma apontará para que seja o momento em que ocorre o factor extintivo da pena aquele que deverá relevar para efeitos de contagem do prazo dies a quo, tanto mais quanto é certo que a lei não alude à declaração/decisão de extinção da pena mas, sim à extinção desta propriamente dita (“decorridos 5 anos sobre a extinção da pena” – destaque e sublinhado de nossa responsabilidade).

Reconhece-se, todavia, que a ocorrência de um facto, verdadeiramente, só existirá, na plenitude dos seus efeitos, a partir da altura em que uma decisão judicial o reconheça e declare como tal.

Daí que, conjugando uma e outra das asserções, se nos afigure que, em boa hermenêutica, os efeitos da decisão que declare a extinção da pena, no que ao cancelamento do registo criminal diz respeito, hão-de retroagir à data em que ocorreu o factor extintivo da pena de multa, ou seja, o correspondente pagamento.

Atente-se, em abono da tese que perfilhamos, que, ao contrário do que sucede com a pena cuja execução ficou suspensa, em que a lei exige declaração expressa de extinção da pena (cfr. artº artº 57º, nº 1, do CP), no que à pena de multa diz respeito nenhuma disposição legal impõe tal declaração (cfr. artº 47º, do CP).

Todavia, a Lei 37/2015, ao contrário do que sucedia com a Lei 57/98, que não continha disposição correspondente, estabelece, no seu artº 11º, nº 3, que “Tratando-se de decisões que tenham aplicado pena de prisão suspensa na sua execução os prazos previstos na alínea e) do n.º 1 contam-se, uma vez ocorrida a respectiva extinção, do termo do período da suspensão”, assim se constituindo em lei especial que derroga o regime estabelecido no CP, pelo que, mesmo relativamente às penas cuja execução ficou suspensa, o que releva, para efeitos de cancelamento do registo criminal, é a data em que se esgotou o prazo de suspensão, posto que cumpridos os requisitos que, porventura, a condicionassem.

Daí que, ainda quando a declaração exista, não deva a data da sua prolação relevar, para efeitos do início da contagem do prazo de cancelamento do registo, mas, antes, a data da ocorrência do facto extintivo – o pagamento da multa respectiva -, ainda que, tal declaração, nos termos do artº 7º, nº 1, a), da Lei 37/2015 (e a norma correspondente da Lei 57/98, o seu artº 5º, nº 1, a)), a existir, esteja sujeita a registo criminal. Tal obrigação, não obstante, apenas implica que, da decisão que declara a extinção da pena, conste a data em que ocorreu o factor extintivo da pena, nomeadamente, o seu cumprimento.

Assim sendo, no caso concreto de que ora nos ocupamos, não constando do boletim nº 4 a data em que ocorreu o facto extintivo da pena - presumivelmente, o seu pagamento, posto que entre a data do trânsito em julgado da condenação (15.12.1999, segundo o boletim nº 3) e a data da decisão que declarou a extinção da pena (13.12.2005, segundo o boletim nº 4), mediou um período de praticamente 6 anos -, fica sem saber-se se, ao abrigo da lei, os boletins nºs. 3 e 4 não deveriam já estar cancelados.

d) Por fim, no que aos dois registos relativos ao processo 69/05.1GTBJA diz respeito (boletins nºs. 5 e 6, a fls. 32), o seu não cancelamento, do registo criminal, carece de fundamento legal, ainda que do boletim nº 6 não conste a data em que se verificou o facto extintivo da pena de multa.

Todavia, porque, entre a data em que o facto extintivo ocorreu - necessariamente anterior a 23.6.2006, data da prolação da decisão que declarou a extinção da pena, cfr. boletim nº 6 -, e a data do trânsito em julgado da condenação constante do boletim nº 7 (01.9.2011, cfr. fls. 33), decorreram mais de 5 anos, os boletins nºs 5 e 6 já deveriam ter sido cancelados (quanto ao boletins nºs 4 e 6, cfr. o artº 15º, nº 3, da Lei 57/98 ou o artº 11º, nº 4, a), da Lei 37/2015 (a redacção é, praticamente, a mesma) - “São igualmente canceladas as decisões ou factos que sejam consequência, complemento ou execução de decisões que devam ser canceladas nos termos do n.º 1.”.

X) Não menos relevante será, aqui chegados, determinar se o regime legal do registo criminal implica, ou não, um verdadeiro efeito retroactivo de potencial cancelamento “em cascata”, sempre e quando, um registo posterior que legitima o não cancelamento de registo anterior, for ele próprio cancelado, assim implicando o cancelamento daquele(s) ao(s) qual(is) servia de fundamento para a sua manutenção no registo criminal.

Não se nos oferecem quaisquer dúvidas em responder afirmativamente a tal questão, uma vez que se determine que o registo cancelado se constituía como único fundamento e pressuposto do não cancelamento de outro(s) registo(s).

Y) Em conformidade com o que vem de expor-se e concluir-se, estava vedado ao Tribunal valorar os seguintes registos constantes do certificado do registo criminal:

1. - o registo constante dos boletins nºs. 5 e 6;

2. - consequentemente, os registos a que aludem os boletins nºs. 3 e 4;

3. - por força da impossibilidade de valoração do registo relativo aos boletins nºs. 3 e 4, tão pouco será susceptível de valoração o registo constante do boletim nº 2;

4. - por força da não valoração do registo constante do boletim nº 2, tão pouco o registo constante do boletim nº 1 será susceptível de valoração.

Z) Pelo exposto, só a condenação constante do boletim nº 7 será passível de valoração, posto que, em qualquer caso - apesar de não haver notícia de a pena respectiva já se ter, eventualmente, extinguido -, entre o trânsito em julgado da referida condenação (01.9.2011, cfr. fls. 33) e a presente data, ainda não decorreram 5 anos.

Ao ter em conta, nos termos em que os considerou, os registos constantes dos boletins nºs. 1 a 6, a Sentença recorrida, violando o disposto nas disposições assinaladas dos artºs. 15º, da Lei 57/98, ou 11º, da Lei 37/2015, valorou prova que lhe estava vedado valorar.

AA) A proceder o entendimento que vimos de expor, configurada que se mostra uma proibição de valoração de prova, tal acarretará a necessidade de repensar e, eventualmente, reformular, quer a escolha, quer a medida das penas (principal e acessória) em que o Arguido foi condenado, expurgando, agora, da respectiva fundamentação, todos os registos constantes do c.r.c., com excepção, tal como assinalado, do registo correspondente ao boletim nº 7.
BB) Quanto à escolha da pena, as disposições legais incriminadora (art.ºs. 152º, nº 3 do Código da Estrada e arts.º 348º, nº 1, al. a) e 69º, nº 1, al. c), ambos do Código Penal) estabelecem uma moldura penal abstracta (pena principal) de prisão até 1 ano ou pena de multa até 120 dias e de proibição de conduzir veículos com motor por um período de 3 meses a 3 anos.

Tendo em conta a matéria atinente dada como provada e actualmente valorável, considera-se mais ajustada a opção por pena de multa, a qual se deverá fixar em 90 dias, à taxa diária de € 15,00 (quinze Euros), o que perfaz a multa global de € 1.350,00 (mil trezentos e cinquenta Euros).

Quanto à pena acessória, tem-se por adequada a proibição de condução de veículos motorizados pelo período de 9 (nove) meses.

CC) Atente-se, por último, que caso assim não venha a ser entendido, a Sentença sempre padecerá de um erro que cumprirá colmatar.

A pena de prisão de 9 meses foi suspensa na sua execução pelo período de 2 anos, o que viola, expressamente, o disposto no artº 50º, nº 5, do CP (nos termos do qual, “o período de suspensão tem duração igual à da pena de prisão determinada na sentença, mas nunca inferior a um ano,…”).

Daí que, a manter-se a escolha e a medida da pena principal, ou a alterar-se, tão só, o quantum da mesma, neste caso, necessariamente, em medida inferior à aplicada, sempre deverá ela ficar suspensa na sua execução pelo período de um ano, sujeita à condição estabelecida na Sentença, posto que mais favorável ao Arguido.

Em conformidade, somos de parecer que o Recurso interposto pelo Arguido deve ser julgado procedente, revogando-se e alterando-se a Sentença recorrida nos termos expostos.”

O parecer do Senhor Procurador-geral Ajunto é inteiramente de sufragar, como se adiantou.

E é-o, não só na parte relativa ao necessário apagamento, no CRC do arguido, dos registos constantes dos boletins nºs. 1 a 6, como à pena (de multa) cuja aplicação propõe.

Na verdade, ocorrendo, in casu, motivo para o cancelamento (por imposição legal, repita-se) do último destes seis registos (do nº 6), deve proceder-se igualmente ao cancelamento de todos os anteriores que por causa dele se mantinham activos.

Esta solução é proposta por Almeida Costa na obra citada, onde, após proceder a análise de três diferentes sistemas de resolução do problema, afirma ser este o regime a seguir, pois “através dele se consagra um prazo de reabilitação suficientemente amplo para satisfazer as exigências politico-criminais que se levantam na medida da pena, sem todavia se ultrapassarem, ao invés do que sucedia no primeiro dos sistemas descritos, os limites considerados necessários à reabilitação para fins processuais” (Almeida Costa, O Registo Criminal, 1985, p. 375).

Assim sendo, só a condenação constante do boletim nº 7, proferida em 16.06.2011, relevará na ponderação sobre a pena. Ou seja, o arguido apresenta apenas, como antecedentes criminais, uma condenação em 8 meses de prisão substituída por 240 horas de trabalho a favor da comunidade e em pena acessória de “proibição de conduzir veículos motorizados pelo prazo de 5 meses e 10 dias.

Neste contexto, tendo em conta as considerações já efectuadas na sentença relativas à determinação da pena, na correcta interpretação do quadro legal e constitucional aplicável, mas ressalvando-se agora a correcção (“subtracção”) dos antecedentes criminais, não se vê motivo para não considerar, como pretende o recorrente e como propõe o MP nesta Relação, que, perante pena abstracta compósita alternativa (de prisão até 1 ano ou multa até 120 dias), a opção seja a pena de multa.

Figueiredo Dias chama a atenção para que «é indispensável que a aplicação concreta da pena de multa não represente uma forma disfarçada de absolvição ou o Ersatz de uma dispensa ou isenção de pena que não se tem coragem de proferir» (Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime, Lisboa, 1993, pág. 119, § 123) e Taipa de Carvalho assinala que «a multa enquanto sanção penal não pode deixar de ter um efeito preventivo e, portanto, não pode deixar de ter uma natureza de pena ou sofrimento, isto é, por outras palavras, não pode o condenado a multa deixar de a “sentir na pele”» (As Penas no Direito Português após a Revisão de 1995, in, Jornadas de Direito Criminal-Revisão do Código Penal, ed. Do Centro de Estudos Judiciários, Lisboa, 1998, vol.II, pág. 24).

Concorda-se, por isso, com o Senhor Procurador-geral Adjunto quando refere que “tendo em conta a matéria atinente dada como provada e actualmente valorável, considera-se mais ajustada a opção por pena de multa, a qual se deverá fixar em 90 dias, à taxa diária de € 15,00 perfazendo a multa global de € 1.350,00”.

A taxa agora fixada revela-se absolutamente adequada e proporcional à situação económica e social do arguido, encontrando-se fixada próximo do limite mínimo, numa moldura abstracta de € 5,00 a € 500,00.

Quanto à pena acessória, tem-se também por adequada a proibição de condução de veículos motorizados pelo período de 9 meses proposta pelo MP na Relação, numa moldura abstracta de três meses a três anos.

A pena acessória é uma verdadeira pena, não apenas um efeito de uma pena, e não lhe pode faltar “o sentido, a justificação, as finalidades e os limites próprios das penas” (Figueiredo Dias, As consequências Jurídicas do Crime, 2005, p. 93). “Deve esperar-se desta pena acessória que contribua, em medida significativa, para a emenda cívica do condutor imprudente ou leviano” (Figueiredo Dias, loc. cit. p. 165).

Na lição de Jescheck (Tratado de Derecho Penal, Parte General, 2002, p. 842), a proibição de conduzir consiste “em estar vedado ao condenado a condução de veículos no tráfico viário por um período de tempo. Por meio desta sanção, o condutor do veículo (…) recebe uma `sanção exemplar´ pela sua conduta; antes de tudo, esta pena deve desempenhar um efeito preventivo-especial para que no futuro o autor observe as normas do tráfico viário. (…) esta sanção tem como consequência que o condenado não possa tomar parte como condutor no tráfico rodoviário. (…) O seu objectivo é exercer uma influência pedagógica sobre quem é condutor capacitado para tomar parte na circulação viária, por meio da suspensão da permissão de conduzir durante um período de tempo”

4. Face ao exposto, acordam na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora em:

Julgar procedente o recurso, revogando-se as penas aplicadas, condenando-se antes o arguido na pena de 90 dias de multa, à taxa diária de € 15,00 (multa global de € 1.350,00) e em 9 meses proibição de conduzir veículos motorizados, mantendo-se a sentença na parte restante.

Sem custas.

Évora, 10.05.2016

(Ana Maria Barata de Brito)

(Maria Leonor Vasconcelos Esteves)

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[1] - Sumariado pela relatora.