Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1513/19.6T8GMR-C.G1
Relator: LIGIA VENADE
Descritores: RESPONSABILIDADES PARENTAIS
DECISÃO DE PARTICULAR IMPORTÂNCIA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 12/17/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
Sumário (da relatora):

A decisão de transferência dos menores de uma escola pública para outra com igual tipo de ensino, bem como dos locais de frequência das (mesmas) atividades extracurriculares, não é uma decisão de particular importância, ainda que esteja em causa uma mudança para distrito diferente a qual é decorrência da mudança de domicílio da mãe dos menores junto da qual está fixada a sua residência habitual, e esta última matéria não foi questionada por via do artº. 44º do RGPTC, nem por via de recurso da decisão em que se entendeu não alterar o regime em vigor.
Decisão Texto Integral:
Acordam os Juízes da 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães:

I RELATÓRIO.

Nos presentes autos de regulação das responsabilidades parentais relativas aos menores M. M. e E. M., nascidos respetivamente em -/01/2006 e -/06/2008, foi apresentado requerimento pelo pai dos menores P. M. (após adiamento em junho da conferência de progenitores para setembro) dando conta que a mãe dos menores A. M. lhe havia comunicado em 19/6 que tinha intenção de ir viver com os menores para Matosinhos, apurando o requerido que a mesma já havia diligenciado quer pelos pedidos de matrícula em estabelecimento de ensino da música em Matosinhos (ensino de que os menores já usufruíam), quer pelo pedido de transferência de escola (pública) para Matosinhos. Entende o requerido que tal decisão já tomada não salvaguarda os interesses dos menores que veem novamente a sua vida alterada (-no ano letivo de 2018/2019 integraram o ensino e atividades em Guimarães, para onde a mãe se deslocou com os mesmos, sendo que antes todos viviam em Aveiro, onde os menores estavam integrados). Mais se prontifica a reintegrar os menores em Aveiro, e pede a alteração urgente do regime provisório de regulação das responsabilidades parentais, para que os menores fiquem á sua guarda e cuidados e com ele a residir em Aveiro.

A mãe dos menores respondeu, dando conta da necessidade de mudança de residência –proximidade do seu local de trabalho que é precisamente em Matosinhos, e o facto de aí ter casa própria que só ficou disponível nesta fase, sendo o ano que passaram em Guimarães “transitório” e não tendo causado perturbação nos menores. Mais refere que diligenciou pela possibilidade dos menores manterem o ensino articulado (de música) nos estabelecimentos em Matosinhos, prontificando-se ainda a manter as suas atividades ligadas ao futebol e á natação em locais perto da nova área de residência. Pugna pelo indeferimento de qualquer alteração.

Foi determinada a realização de um breve inquérito social para se aferir da situação dos menores a fim de se determinar se estão em perigo ou se a demora na alteração da regulação provisória é suscetível de lhes causar prejuízos.

Concluindo-se que não se verifica perigo para os menores, entendeu-se não conferir carácter urgente ao processo.

Face á alteração da data designada para diligência de setembro para outubro, a mãe dos menores veios dar conta ao processo que já se encontra a viver em Matosinhos com os filhos, mas que a DEGEST manteve os mesmos nas escolas de Guimarães face à oposição que o pai dos mesmos apresentou. Pede que seja proferido despacho que autorize a transferência, alegando os motivos das vantagens dessa decisão (perto do local de trabalho da mãe, mais perto do pai), e o inconveniente de não ser proferida decisão que permita aos menores a sua integração nas novas escolas no início do ano letivo.

O pai mantendo a sua oposição e fundamentando-a, pugnou pelo indeferimento do requerido.
O Tribunal indeferiu a prolação de decisão provisória, determinando que seriam previamente ouvidos os menores na data já agendada.

Realizada a diligência, foram ouvidos os menores tendo-se assentado as seguintes declarações:

M. M.:
- Tem 13 anos e está no 8.º ano e estuda trompete no 4.º grau. Jogava futebol no Moreirense.
- De saúde está tudo bem. Quando for grande gostava de ser futebolista, o resto não sabe.
- Quanto aos pais acha que o melhor era eles entenderem-se e que o tribunal vai decidir o mais justo. Está bem com os dois.
- Dá-se bem com o irmão E. M., que estuda na mesma Escola, ..., ele vai para o 6.º ano, que vai para o 3.º grau de percussão.
- Gostava de continuar na escola onde está e continuar neste conservatório, pelo menos até ao fim do ano. Gostava de voltar este ano a jogar no Moreirense. Antes jogou no Gafanha da Nazaré e no Beira-mar.
Quanto ao irmão não tem a certeza mas ele não pensa assim muito nestas questões, também ainda é pequenino.
- Quem costumava ir buscar à escola era a mãe ou a tia materna C., sendo que os avós paternos raramente foram, às vezes, quando estava à espera do pai. A tia levava-o depois com outro primo ao futebol. Havia outra tia materna que às vezes também ia busca-lo à escola mas menos vezes.
- Os avós maternos já faleceram, o avô em junho passado; quanto aos avós paternos costumava ir almoçar semanalmente à quarta-feira no primeiro e no segundo período mas depois o avô teve um problema no braço e deixou de ir para não incomodar tanto.
- Vivam em casa da tia materna C. e cada um tinha o seu quarto. Gostava de viver na casa, é gira.
- A mãe não pagava renda mas fazia compras de supermercado também para a irmã e cunhado. Não sabe quem pagava eletricidade e água.
- A mãe costumava fazer turno da noite uma ou duas vezes por semana, sendo que aproveitava quando iam para Aveiro ao fim de semana.
- Nos fins de semana com o pai costumavam jantar e dormir à sexta em Guimarães na casa dos avós paternos e depois do jogo ao sábado iam para Aveiro e vinham ao domingo.
- A mãe também fazia turnos à semana quando cá estavam.
- Em média, por causa dos turnos que fazia, a mãe tinha de ir trabalhar para o Porto 3 vezes de segunda a sexta feira, outras vezes ia quatro vezes.
- Quando eram fins de semana da mãe ela às vezes também fazia turnos.
- É-lhe indiferente viver em Guimarães, Matosinhos ou Aveiro. Percebe que se viver no Porto é mais difícil vir para Guimarães.
- O que gostava mesmo de fazer é continuar nesta escola.
- Não escolheria entre viver com a mãe ou com o pai.
- Mudaram-se para o Matosinhos no fim de Agosto ou início de Setembro.
- A casa antes estava arrendada a um jogador e depois a um estudante que estava a fazer estágio. Não tem ideia da renda.
- A casa em Matosinhos é um T2 e partilharia o quarto com o irmão.
- Acha que a mãe chegou a andar a ver apartamento ou casa para comprar em Guimarães.
- Gosta de cidades mais pequenas tipo Guimarães e Aveiro do que Porto mas também gostaria de experimentar como é viver numa cidade maior. Entre Guimarães e Aveiro não tem preferência.
- Este ano que vem gostava de ter mais férias com o pai porque acha que no ano anterior foi pouco tempo.

E. M.:
- Já tem 11 anos está no 6.º ano na escola ... com o irmão; está no 3.º grau de percussão (todos os instrumentos).
- De saúde está tudo bem.
- Gosta desta escola e deste conservatório. Gosta dos amigos daqui e não lhe apetecia estar a mudar agora. Gostava de voltar à natação dos bombeiros, que é no Vitória S.C. Pelo menos até ao fim do ano, gostaria de continuar na mesma escola, no mesmo conservatório, com os mesmos amigos e professores e regressar à natação.
- O ano passado já andava na mesma escola que o irmão e era, como disse o irmão, a mãe quem o ia buscar, ou a tia C. ou às vezes os avós paternos, sobretudo às sextas-feiras em que o pai vinha de Aveiro.
- A mãe fazia turnos à semana, nos fins de semana em que iam a Aveiro e, raramente, quando estavam cá de fim de semana.
- A mãe tanto fazia dia como noite, nos turnos, sendo que no total a maior parte das vezes ia ao Porto 3 vezes por semana.
- Gostava de viver na casa da tia C., cada um tinha o seu quarto e o ambiente em casa era bom; não houve nenhuma chatice.
- Não sabe onde preferiria viver, se em Matosinhos, Guimarães ou Aveiro.
- Não sabe se preferiria viver com a mãe ou com o pai.
-Queria que vivessem todos na mesma terra. Se tal fosse o caso, fosse Matosinhos, Guimarães ou Aveiro acharia bem estar a viver uma semana com um e outra semana com outro.
- Já chegou a estar a viver um tempo com o pai e outro a mãe, quando foi em Aveiro, e gostou.
- Gostava de ter mais férias com o pai.
- Dá-se bem com o irmão.

Os pais mantiveram as suas posições.

Foi então proferido o seguinte despacho:

“Interrompe-se a presente conferência e remete-se as partes, por dois meses, para Audição Técnica Especializada, nos termos do art. 38.º, al. b), do R.G.P.T.C.
No tocante à questão de particular importância que foi colocada aos autos, relativamente à autorização de transferência para as escolas duais onde a mãe havia já garantido vaga para os filhos, na área de Matosinhos, ao que o pai se opôs por considerar ser do superior interesse das crianças que se mantivessem nas atuais escolas e atividades (conservatório e futebol o M. M., e conservatório e natação, o E. M.), tendo em conta o superior interesse das crianças, e tal como esta manhã sucintamente explicado às partes, bem como a expressa vontade de ambas as crianças, inequivocamente declarada (não só quanto a este aspeto, mas também quanto a outros), afigura-se que é no seu superior interesse manterem-se na escola que ambos frequentam desde o ano passado, bem como no mesmo Conservatório, sendo que tal opção permitirá ainda (nem que com ajuda de familiares nas suas dinâmicas diárias, tal como relataram e no anterior ano letivo se verificava) que continuem a frequentar também o futebol (no Moreirense) e a natação (no Vitória S.C.).
Não obstante a oposição dos pais, o conflito entre ambos, os menores mostraram equidistância e razoabilidade, tendo um discurso, fluído, consistente e estruturado; ambos se revelaram crianças que haviam compreendido o alcance do ato em que estavam a participar e a relevância das perguntas e respostas.
O tribunal, tendo em conta até a forma estruturada dos diálogos, e tudo o demais que o princípio da imediação permite alcançar (pois nenhuma ata, por mais exaustiva que seja, pode ter valor superior ao da imediação), o tribunal não ficou com qualquer dúvida que as crianças foram ambas sinceras a transmitirem a sua opinião, bem como visão global sobre o conflito que opõe os pais.
Assim, e por tudo quanto ficou exposto, e tendo em conta o superior interesse das crianças – critério mor norteador de todas as decisões nesta jurisdição –, tal como consagrado no disposto no art. 3.º da C.D.C. (direito interno por força dos arts. 8.º e 16.º da CR.P.), tal como dos artigos 36.º, n.º 3, e 36.º, n.º 5, e 67.º, n.º 2, al. c), também da C.R.P., bem como nos termos dos arts. 4.º b) e c) do R.G.P.T.C. e 4.º., n.º 1, e 4.º al. a) da L.P.C.J.P. e ainda do art. 1906.º, n.º 5, do C.C., o tribunal, em nome do superior interesse das crianças decide esta questão de particular importância no sentido de ambas se manterem até ao final do corrente ano letivo (2019-2020) nos estabelecimentos de ensino que antes frequentavam, bem como atividades desportivas se assim o desejarem.
Notifique-se.”

Mais foi decidido indeferir o pedido de alteração de residência das crianças para junto do pai, nesta fase de instrução dos autos, e tendo em conta o que as mesmas declararam quanto aos estabelecimentos de ensino, por se tratar de uma “decisão provisória, proferida nos termos do art. 28.º do R.G.P.T.C., que neste momento não é conveniente ser alterada (arts. 12.º do R.G.P.T.C. e 986.º e 987.º do C.P.C. e 28.º do R.G.P.T.C.), tanto mais que no fundo prende-se à principal questão de mérito da causa, a fixação a final do regime de residência: ou principal junto de um progenitor com um regime de convívio ao outro, ou residência alternada (o que se mostra impraticável com progenitores que vivem em cidades distintas, como resulta dos autos). Quanto à outra questão, da alteração da residência de facto da mãe para Matosinhos: mais uma vez, mutatis mutandis, vale o que antes foi dito, pois aquando da decisão provisória a mãe residia em …, Guimarães, sendo que pretendeu levar os filhos consigo e tratou de arranjar vaga para eles; ora, mais uma vez, a residência que estava fixada por decisão provisória era junto da mãe residente em Guimarães, o que novamente, dada a oposição do pai, tendo em conta também a sua pretensão acima referida, volta a prender-se à questão de fundo dos autos, a do regime de residência das crianças.
Assim, sendo trata-se de uma nova questão de particular importância para a qual não há consenso e que, muito provavelmente, não poderá ser decidida a título incidental por se prender ao mérito da causa, tanto mais que esta jurisdição se rege por critérios de oportunidade, não de legalidade estrita, nos termos sobreditos.”
*
Inconformada, veio a progenitora interpor recurso apresentando alegações com as seguintes
-CONCLUSÕES-

1. A Apelante intentou acção de divórcio sem mútuo consentimento - Processo nº. 1513/19.6T8GMR que correu termos no Juízo de Família e Menores de Guimarães – Juiz 1 do Tribunal Judicial da Comarca de Braga -, o qual foi convolado em divórcio por mútuo consentimento, encontrando-se acordados a prestação de alimentos entre os cônjuges, a utilização da casa de morada de família, os bens comuns do casal, excepto no que respeita à regulação do exercício das responsabilidades parentais.
2. Assim, foi decidida a Regulação Provisória do Exercício das Responsabilidades Parentais, segundo a qual:
1.º Os menores ficam entregues à guarda e cuidados da progenitora com quem residirão;
2.º As responsabilidades parentais de particular importância serão exercidas por ambos os progenitores;
3º. O progenitor poderá estar com os menores sempre que o desejar, sem prejuízo das actividades escolares e horário de descanso, avisando a progenitora com antecedência de 48 horas;
4.º O progenitor poderá estar com os menores um fim-de-semana de quinze em quinze dias, indo buscá-los à escola, na sexta-feira, no fim das actividades escolares, entregando-os na segunda-feira, na escola;
5.º O progenitor poderá contactar os menores diariamente através de telemóvel ou meios informáticos, entre as 19:00 e as 21:00;
6.º No verão, o progenitor poderá passar quinze dias de férias com os menores, seguidos ou interpolados, avisando a progenitora, com antecedência de um mês, do período que pretende;
7.º O progenitor contribuirá com a quantia mensal de € 200,00 (€ 100,00 para cada um dos menores), a título de alimentos, a transferir até ao dia oito de mês a que disser respeito para a conta bancária cujo IBAN lhe será fornecido pela progenitora, quantia que deverá ser actualizada de acordo com o índice de inflação publicado pelo INE;
8.º O progenitor pagará metade das despesas escolares, extra-escolares, médicas e medicamentosas, na parte não comparticipada, desde que devidamente comprovadas.

SUCEDE QUE,
3. Aquando da separação de facto entre a Apelante e ali o Requerido em Abril de 2018, procurando evitar constrangimentos de maior na vida pessoal e escolar dos filhos menores na promoção de uma maior estabilidade destes na salvaguarda do seu superior interesse - os quais frequentavam estabelecimento de ensino em Aveiro -, a Apelante arrendou um imóvel na cidade de Aveiro para nele viver com os filhos menores durante aquele ano lectivo 2017-2018.
4. Findo o ano lectivo de 2017-2018, a Apelante e os filhos menores mudaram-se, provisoriamente, de Aveiro para Guimarães, passando a viver em casa de uma irmã e tia, respectivamente, e tendo os menores passado naquela cidade a frequentar o ensino escolar e as demais actividades extracurriculares.
5. Tal mudança, provisória, do centro de organização da vida pessoal da Apelante e dos filhos, de Aveiro para Guimarães, deveu-se à possibilidade de os mesmos poderem gozar de um suporte familiar mais alargado, quer da família da Apelante quer da família do pai, enquanto o apartamento da Apelante sito em Matosinhos não ficava livre dos inquilinos ocupantes, o que veio a suceder somente em Agosto de 2019.
6. Assim, desde Agosto de 2019 que a Apelante e os filhos menores se encontram a viver na cidade de Matosinhos, no apartamento propriedade desta, agora a título definitivo.

Entretanto,
7. Extraída certidão da acta de divórcio foi autuado por apenso como Regulação do Exercício das Responsabilidades Parentais sob o nº. 1513/19.6T8GMR-A, doravante RERP, a correr termos no Juízo de Família e Menores de Guimarães – Juiz 1 do Tribunal Judicial da Comarca de Braga.
8. Sucede que, entre vários adiamentos para a realização da Conferência de Pais com vista à conciliação dos progenitores em relação à RERP dos menores, tal Conferência de Pais veio a realizar-se, somente, no dia 02 de Outubro de 2019, quando os menores já residiam junto da Apelante na sua casa sita em Matosinhos e para onde a Apelante já havia providenciado, atempadamente, pela transferência de escola dos menores, bem como das suas actividades extracurriculares desde Agosto de 2019.
9. De tal Conferência de Pais realizada em 02 de Outubro de 2019 foi proferido despacho, do qual ora se recorre e que, no essencial, se transcreve: “No tocante à questão de particular importância que foi colocada aos autos, relativamente à autorização de transferência para as escolas duais onde a mãe havia já garantido vaga para os filhos, na área de Matosinhos, ao que o pai se opôs por considerar ser do superior interesse das crianças que se mantivessem nas atuais escolas e atividades (conservatório e futebol o M. M., e conservatório e natação, o E. M.), tendo em conta o superior interesse das crianças, e tal como esta manhã sucintamente explicado às partes, bem como a expressa vontade de ambas as crianças, inequivocamente declarada (não só quanto a este aspeto, mas também quanto a outros), afigura-se que é no seu superior interesse manterem-se na escola que ambos frequentam desde o ano passado, bem como no mesmo Conservatório, sendo que tal opção permitirá ainda (nem que com ajuda de familiares nas suas dinâmicas diárias, tal como relataram e no anterior ano letivo se verificava) que continuem a frequentar também o futebol (no Moreirense) e a natação (no Vitória S.C.).
Não obstante a oposição dos pais, o conflito entre ambos, os menores mostraram equidistância e razoabilidade, tendo um discurso fluido, consistente e estruturado; ambos se revelaram crianças que haviam compreendido o alcance do ato em que estavam a participar e a relevância das perguntas e respostas.
O tribunal, tendo em conta até a forma estruturada dos diálogos, e tudo o demais que o princípio da imediação permite alcançar (pois nenhuma ata, por mais exaustiva que seja, pode ter valor superior ao da imediação), o tribunal não ficou com qualquer dúvida que as crianças foram ambas sinceras a transmitirem a sua opinião, bem como visão global sobre o conflito que opõe os pais.
Assim, e por tudo quanto ficou exposto, e tendo em conta o superior interesse das crianças – critério mor norteador de todas as decisões nesta jurisdição –, tal como consagrado no disposto no art. 3.º da C.D.C. (direito interno por força dos arts. 8.º e 16.º da CR.P.), tal como dos artigos 36.º, n.º 3, e 36.º, n.º 5, e 67.º, n.º 2, al. c), também da C.R.P., bem como nos termos dos arts. 4.º b) e c) do R.G.P.T.C. e 4.º., n.º 1, e 4.º al. a) da L.P.C.J.P. e ainda do art. 1906.º, n.º 5, do C.C., o tribunal, em nome do superior interesse das crianças decide esta questão de particular importância no sentido de ambas se manterem até ao final do corrente ano letivo (2019-2020) nos estabelecimentos de ensino que antes frequentavam, bem como atividades desportivas se assim o desejarem.
10. Assim e em síntese, foi decidido provisoriamente que a autorização de transferência para as escolas duais onde a mãe havia já garantido vaga para os filhos, na área de Matosinhos, (…), afigura-se que é no seu superior interesse manterem-se na escola que ambos frequentam desde o ano passado, bem como no mesmo Conservatório, sendo que tal opção permitirá ainda que continuem a frequentar também o futebol (no Moreirense) e a natação (no Vitória S.C.).
11. Mais ficou decidido que a transferência de escola dos menores de Guimarães para Matosinhos onde residem com a Apelante é uma questão de particular importância, a qual deve ser acordada por ambos os progenitores.
12. Ora, o Tribunal a quo determinou erroneamente como sendo uma questão de particular importância e pela manutenção do status quo, o que constitui um perigo inusitado para os menores visto que impõe-lhes a realização de um percurso diário de mais de 100 Km para irem e regressarem da escola, o matutino despertar pelas 06:30 da manhã para a realização daquele absurdo e inusitado percurso diário até à escola, e ainda, a sujeição da Apelante a suportar mensalmente, por conta das deslocações a Guimarães, um custo exorbitante de quase € 1.000,00 por mês.

Senão vejamos,

I. Se é uma questão de particular importância ou um acto da vida corrente

13. Em primeiro lugar, se em abstracto será consensual que as questões relacionadas com a educação de uma criança ou adolescente não permitem uma resposta unívoca no sentido de podermos qualificá-las como questões de particular importância ou actos da vida corrente (no mesmo sentido e enunciando um conjunto de questões que, consoante a abordagem, podem ser consideradas questões de particular importância ou actos da vida corrente,
António José Fialho, O papel e a intervenção da escola em situações de conflito parental, Revista On-Line Verbo Jurídico, 2011), certo é que:
i. Armando Leandro entende que a matrícula da criança é um acto de particular importância se respeitar ao futuro profissional, não o sendo se se tratar de inscrição no ensino público obrigatório (Poder Paternal: Natureza, conteúdo, exercício e limitações. Algumas reflexões da prática judiciária, Temas de Direito da Família, Ciclo de Conferências no Conselho Distrital do Porto da Ordem dos Advogados, Coimbra, Almedina, 1986, pg. 130);
ii. António José Fialho (O papel e a intervenção da escola em situações de conflito parental, Revista On-Line Verbo Jurídico, 2011) entende que a inscrição da criança em estabelecimento de ensino público que respeite os critérios legalmente estabelecidos, não constitui questão de particular importância na medida em que a frequência de agrupamentos de escolas e dos estabelecimentos de educação pré-escolar e escolas não agrupadas do ensino público e do ensino particular e cooperativo implicam a prática dos actos de matrícula ou de renovação da matrícula o qual deve ser realizado no estabelecimento de ensino da área de residência da criança ou da actividade profissional dos pais ou encarregado de educação ou, no caso do ensino particular e cooperativo, na escola pretendida;
iii. No acto da matrícula ou de renovação de matrícula (em que é conferido o estatuto de aluno à criança ou jovem - artigo 11.º do Estatuto do Aluno), o aluno ou o encarregado de educação devem indicar, por ordem de preferência e sempre que o número de estabelecimentos de ensino o permita, cinco estabelecimentos cuja frequência seja pretendida, subordinando-se esta preferência, no caso da educação pré-escolar e do ensino básico, aos agrupamentos de escola ou estabelecimentos de educação ou de ensino não agrupados em cuja área de influência se situe a residência ou a actividade profissional dos pais ou encarregados de educação, ou ainda ao percurso sequencial do aluno, enquanto que no ensino secundário, à existência de cursos, opções ou especificações pretendidos;
Assim, o estabelecimento de educação pré-escolar ou de ensino deverá observar, como prioridades na matrícula das crianças, a existência de irmãos a frequentar o estabelecimento pretendido, a residência dos pais ou encarregados de educação na área de influência do estabelecimento ou o desenvolvimento da actividade profissional dos pais e encarregados de educação na referida área de influência.

14. Ademais, o Tribunal da Relação de Lisboa no seu Acórdão de 02/05/2017 decidiu que:

I- Como regra, as responsabilidades parentais relativas às questões de particular importância para a vida do filho são exercidas em comum por ambos os progenitores (artº 1906º nº 1,1ª parte, do Código Civil).
II- Por seu turno, o exercício das responsabilidades parentais relativas aos actos da vida corrente do filho cabe ao progenitor com quem ele reside habitualmente, ou ao progenitor com quem ele se encontra temporariamente (artº 1906º nº 3, 1ª parte, do Código Civil). III- Optou o legislador por não elencar as situações que cabem nos actos de particular importância ou nos actos da vida corrente, deixando tal tarefa aos Tribunais e à Doutrina.
IV- A delimitação entre os dois tipos de actos é difícil de estabelecer em abstracto, existindo uma ampla “zona cinzenta” formada por actos intermédios que tanto podem ser qualificados como actos usuais ou de particular importância, conforme os costumes de cada família concreta e conforme os usos da sociedade num determinado momento histórico.
V- Devem considerar-se “questões de particular importância”, entre outras: as intervenções cirúrgicas das quais possam resultar riscos acrescidos para a saúde do menor; a prática de actividades desportivas radicais; a saída do menor para o estrangeiro sem ser em viagem de turismo; a matrícula em colégio privado ou a mudança de colégio privado; mudança de residência do menor para local distinto da do progenitor a quem foi confiado.
VI- Devem considerar-se “actos da vida corrente”, entre outros: as decisões relativas à disciplina, ao tipo de alimentação, dieta, actividades e ocupação de tempos livres; as decisões quanto aos contactos sociais; o acto de levar e ir buscar o filho regularmente à escola, acompanhar nos trabalhos escolares; as decisões quanto à higiene diária, ao vestuário e ao calçado; a imposição de regras; as decisões sobre idas ao cinema, ao teatro, a espectáculos ou saídas à noite; as consultas médicas de rotina.
(http://www.dgsi.pt/jtrl.nsf/33182fc732316039802565fa00497eec/50f92da258c65acc80258131003df2ce?OpenDocument)
15. E, in extremis, segundo o Ac. TRL de 24/01/2019:
I. Constitui motivo de alteração da regulação do exercício das responsabilidades parentais a verificação da mudança de país de residência da progenitora da menor, com quem reside e com a qual mantém maiores laços de afectividade.
II. A decisão de alteração tem além do mais, de ser ponderada e analisada à luz duma dupla perspectiva: - A legitimidade do Estado para intervir no exercício dum direito relativo à liberdade de circulação dos cidadãos; - E o interesse do menor e da protecção da sua relação afectiva com a figura primária de referência.
III. A ruptura na estabilidade social da vida do menor não constitui fundamento para a intervenção do Estado na família, pois, os pais casados gozam em absoluto da liberdade de mudarem de terra ou de país, sem que o Estado pretenda controlar os efeitos dessa decisão na personalidade do filho, pelo que tal circunstância também tem de ser considerada no caso de regulação do exercício das responsabilidades parentais.
IV. Desde que a relação da criança, de 5 anos de idade, com a figura primária de referência seja uma relação que funciona em termos normais, no caso concreto, deve reconhecer-se a esse progenitor a liberdade de mudar de cidade ou país, levando a criança consigo.
(http://www.dgsi.pt/jtrl.nsf/33182fc732316039802565fa00497eec/408279180b4acc6f80258393004ae82d?OpenDocument)
16. Ora, atento o exposto, facilmente se percebe que os critérios estabelecidos para a matrícula, renovação de matrícula e transferência de escola de uma criança dependem de diversos factores, nomeadamente, da residência dos pais ou encarregados de educação na área de influência do estabelecimento de ensino ou do exercício da actividade profissional dos pais ou encarregados de educação na área de influência do estabelecimento de ensino.
17. Ambos os factores são determinantes na escolha do estabelecimento de ensino por ser nessa área que será mais vantajoso para os pais e encarregados de educação terem os seus filhos e educandos a estudar e será normalmente nessa área (de residência) que as crianças irão desenvolver o seu núcleo de amigos, dentro e fora da escola, ou que irão beneficiar do apoio familiar no início e no termo das actividades lectivas.
18. Assim, não faz qualquer sentido que seja exigido ao progenitor residente (habitualmente também o encarregado de educação por opção expressa ou tácita de ambos os progenitores) que respeita qualquer um destes critérios ter depois de sujeitar essa escolha à concordância do outro progenitor. Mais ainda, em caso de conflito ou desacordo entre os progenitores sobre a escolha do estabelecimento de ensino e em que um deles tivesse observado qualquer um daqueles critérios, sempre se pergunta que opção deve ser adoptada pelo tribunal a não ser aquela que tem constituído a orientação seguida pelos órgãos de administração escolar e que, em princípio, acautela o superior interesse daquela criança?
19. In casu, a transferência dos menores para as escolas duais onde a mãe Apelante já havia garantido vaga para os filhos, na área de Matosinhos, é um acto da vida corrente dos menores e não uma questão de particular importância, pois:
a) O estabelecimento de ensino público para onde foi solicitada a transferência dos menores em Matosinhos respeita os critérios legalmente estabelecidos; e
b) Tal estabelecimento de ensino encontra-se sito na área de residência e da actividade profissional da Apelante mãe e encarregada de educação a quem foram atribuídas, provisoriamente, as responsabilidades parentais;
O que acautela o superior interesse dos menores.

II. A imposição da frequência dos menores em estabelecimento de ensino em Guimarães, fora da área de residência dos mesmos e da Apelante
20. Em segundo lugar e não de menor importância, a obrigação de frequência dos menores em estabelecimento de ensino em Guimarães, fora da área de residência dos mesmos e da Apelante que é em Matosinhos e a quem foram atribuídas as responsabilidades parentais, traduz-se:

I. Na sujeição dos menores:

a) À realização de um percurso diário de mais de 100 Km para se deslocarem à escola e regressarem a casa – com todos os perigos que isso representa para a sua saúde, bem-estar, estabilidade, sucesso escolar e, inclusive, vida e integridade física, atento o risco de sofrerem um acidente de viação -; e
b) Ao matutino despertar dos menores pelas 06:30 da manhã para a realização daquele absurdo e inusitado percurso diário até à escola.

E ainda,

II. Na sujeição da Apelante a despender mensalmente, por conta das deslocações a Guimarães, um custo exorbitante de quase € 1.000,00:
Gasolina + Desgaste do Carro
54km x 2 = 108km/dia
108km x 22 dias = 2.376 km/mês
2.376 km x 0,36 €/km = 855,36€
Portagens
3 € x 2 = 6 €
6 € x 22 dias = 132 €
TOTAL: € 987,36
O que constitui um pensamento completamente avesso a tudo quanto a melhor Doutrina e Jurisprudência tem ministrado, ao não satisfazer e acautelar o superior interesse dos menores.
21. Ora, o que aqui está em crise é o superior interesse dos menores, o qual se visa acautelar pois os menores vêem-se obrigados:
a) A acordar todos os dias pelas 06:30 da manhã;
b) Ao extenuante e perigoso percurso diário de 100km para se deslocarem à escola e regressarem a casa;
c) A realizarem esse percurso através de auto-estrada sujeitando-se inusitadamente, a sofrerem um acidente de viação, principalmente no Inverno que se avizinha;
d) A sacrificarem a frequência das suas actividades extracurriculares para poderem, a muito custo, não sacrificar o desempenho escolar;
e) A sacrificarem a normal e desejável integração num grupo de amigos na sua área de residência;
f) etc.
22. O Regime Geral do Processo Tutelar Cível consagra a possibilidade de o juiz, no âmbito de um processo tutelar cível pendente, decidir, fundamentadamente, a título provisório, questões, a demandar uma regulação urgente, que devam ser apreciadas a final (bem como ordenar diligências essenciais para assegurar a execução efectiva da decisão), viabilizando, com providências cautelares em matéria tutelar cível, a protecção e defesa do superior interesse da criança.
23. No âmbito do processo de regulação do exercício das responsabilidades parentais, a falta de acordo dos progenitores, na conferência, demanda decisão provisória, obrigatória, onde o critério orientador na decisão do tribunal é o interesse superior da criança (e não o interesse dos pais, que apenas deve ser considerado na justa medida em que se mostre conforme àquele). O superior interesse dos menores é um conceito vago e indeterminado, uma orientação para o julgador perante o caso concreto, com a primazia das crianças como sujeitos de direitos, nomeadamente ao direito de manter relações gratificantes e estáveis com ambos os progenitores, obrigando estes a respeitar e fazerem respeitar esse interesse dos menores.
24. É de primordial interesse para as crianças possam crescer e formar a sua personalidade na convivência, o mais igualitária possível, com a mãe e com o pai.
25. Os princípios basilares a observar, no que respeita à determinação da residência são: o superior interesse da criança, a igualdade entre os progenitores e a disponibilidade manifestada por cada um dos progenitores para promover relações habituais do filho com o outro progenitor prevalecendo, sempre, o primeiro.
26. Não se deve exagerar no facto de a mudança de residência criar instabilidade e, por isso, representar inconveniente para a criança, pois que a instabilidade é uma realidade na vida de uma criança com pais separados que, sempre, terão de se integrar em duas residências, sendo essa mais uma adaptação a fazer nas suas vidas, sendo certo que as crianças são dotadas de grande aptidão para se integrarem em situações novas.
27. Não obstante a boa relação que os menores possam ter com os dois progenitores e a dedicação que ambos lhe dispensem, a residência tem dada a distância geográfica, de ser fixada com um deles, mesmo quando residam em cidades ou países diferentes
28. É importante avaliar, na escolha do regime, a vontade manifestada pelos filhos para o exercício das responsabilidades parentais, mas essa vontade, para ser atendida, tem de ser madura, consciente, fundada e livre.
29. Da interpretação sistemática das normas vigentes resulta a consagração legal do direito das crianças à preservação das suas ligações psicológicas profundas, nomeadamente no que concerne à continuidade das relações afectivas estruturantes e de seu interesse.
30. É do superior interesse das crianças residirem com a mãe, mantendo as relações familiares, sociais e dando continuidade aos seus estudos em local da área de residência da Apelante.
31. O interesse dos menores é certamente o de manterem estreito contacto com os progenitores mas, apesar do que se diz sobre a fácil adaptabilidade das crianças a novos cenários, também é o da estabilidade possível num contexto já ele conturbado pela separação dos pais.
32. Estando os progenitores em desacordo no tocante à residência dos menores, nada impõe a opção por uma posição extremada e, certamente, através da transferência dos menores da escola de Guimarães para a de Matosinhos, é permitido assegurar o interesse dos menores na manutenção de estreitos laços afectivos com o pai, sem lhes partir a vida ao meio.
33. Existindo entre os progenitores, no período que antecedeu o seu divórcio, um consenso mínimo relativamente ao exercício das respectivas responsabilidades parentais que permitiu aos menores, apesar de residirem com a mãe, manterem assíduo convívio com o pai, a manutenção da decisão recorrida, embora meramente provisória, implica nas rotinas dos menores, grandes sacrifícios e perigos que se visam evitar, pelo que a sua alteração é de primordial importância mantendo-se, obviamente, a possibilidade dos convívios dos menores de forma igualitária com ambos os progenitores, na salvaguarda do superior interesse dos menores.
34. Pelo exposto, deverá ser revogado o despacho recorrido, determinado que a transferência dos menores para as escolas duais onde a Apelante já havia garantido vaga para os filhos na área de Matosinhos é uma acto da vida corrente dos menores e não uma questão de particular importância que deva ser sujeita à anuência do progenitor não residente, e ordenada a transferência dos menores para as escolas duais onde a Apelante já havia garantido vaga para os filhos na área de Matosinhos.

Conclui pela REVOGAÇÃO DO DESPACHO RECORRIDO, DETERMINANDO QUE A TRANSFERÊNCIA DOS MENORES PARA AS ESCOLAS DUAIS ONDE A APELANTE JÁ HAVIA GARANTIDO VAGA NA ÁREA DE MATOSINHOS É UM ACTO DA VIDA CORRENTE DOS MENORES E NÃO UMA QUESTAO DE PARTICULAR IMPORTÂNCIA QUE DEVA SER SUBMETIDA À ANUÊNCIA DO PAI, E ORDENADA A TRANSFERÊNCIA DOS MENORES PARA AS ESCOLAS DUAIS ONDE A APELANTE JÁ HAVIA GARANTIDO VAGA NA ÁREA DE MATOSINHOS.
***
O progenitor apresentou contra-alegações, com as seguintes
-CONCLUSÕES-

1 – Nos termos do art.º 645º, n.º 2 do C.P.C., o presente recurso deve subir em separado, uma vez que não configura nenhum dos casos previstos no art.º 645º, n.º 1 do C.P.C.
2 – E, nos termos do art.º 32º, n.º 4 do RGPTC, o recurso tem apenas efeito devolutivo e não suspensivo como pretende a Recorrente.
3 – A Recorrente na apresentou conclusões sucintas, limitou-se a repetir todo o articulado precedente, violando o disposto no art.º 639º, n.º1 do C.P.C. e as suas concussões não preenchem os requisitos indicados nas alíneas a) a c) do n.º 2 do mesmo artigo.
4 - Os actos que têm a ver com a educação dos menores são, em abstracto, qualificáveis como “ questões de particular importância para a vida dos filhos “, na medida em que implicam opções por um ou outro projecto educativo, que irão determinar a vida futura dos menores, e por serem, um ou outro, os mais adequados ao perfil e à maturidade dos menores, sendo também na escola que se desenrola grande parte da vida dos menores, onde estes fazem a suas amizades, onde socializam e se desenvolvem e crescem como seres humanos.
5 - Se a escolha do estabelecimento de ensino a frequentar, seja ele público ou privado, não pode deixar, em abstracto, de ser elencada entre as “ questões de particular importância para a vida dos filhos “ uma mudança de um estabelecimento de ensino, acompanhada de uma simultânea mudança da sua residência para uma outra cidade, onde os menores nunca viveram e não conhecem, pode ter ainda uma repercussão maior na vida dos menores e, em abstracto, indubitavelmente sempre seria de qualificar como “ questões de particular importância para a vida dos filhos.”
6 - Mas, se assim é no plano abstracto, haverá depois, face às circunstâncias envolventes e reais de cada caso, apreciar, em concreto, se um tal acto será ou não qualificável como “ questão de particular importância para a vida dos filhos “.
7 – O regime provisório das responsabilidades parentais dos menores foi fixado tendo em atenção que estes, na altura, residiam com a Requerida, em …, Guimarães, tendo sido esse o motivo porque o Tribunal decidiu que os menores ficariam, ainda que provisoriamente, entregues à guarda e confiança da mãe, ora Recorrente, e a viver em Guimarães, pois foi com esse pressuposto, essencialmente, senão mesmo exclusivamente, que o Tribunal decidiu o regime provisório.
8 - No caso em apreço, os menores, em dois anos, foram desenraizados da cidade onde viviam, Aveiro, tiveram de se adaptar a uma nova cidade, acabavam de se adaptar a um novo estabelecimento de ensino, a novos professores, a novos treinadores, tiveram de começar novas amizades e mais uma vez, por vontade unilateral da Recorrente estavam na eminência de serem transferidos para os estabelecimentos duais de Matosinhos para onde a Recorrente decidiu estabelecer a sua residência.
9 - A Recorrente, decidiu, unilateralmente, voltar a tumultuar a vida dos menores e, mais uma vez, sem consultar o Recorrido (porque conhecia bem que tal decisão teria a oposição dele), nem obter a necessária autorização do Tribunal, pede a transferência dos menores para os estabelecimentos duais de Matosinhos, preparando tudo antecipadamente e colocando todos, os filhos, o Recorrido e o próprio Tribunal perante o facto consumado.
10 – Perante esta factualidade e toda esta envolvência, a transferência do menores para os estabelecimentos duais de Matosinhos, também, em concreto, é uma “ questão de particular importância para a vida dos filhos “.
11 – O Tribunal a quo ao decidir pela permanência dos menores no próximo ano escolar no estabelecimento de ensino que frequentaram no ano lectivo transacto em Guimarães, bem como na sua permanência no Conservatório de Música de Guimarães e que mantivesse as suas actividades extracurriculares desportivas no Moreirense e no Vitória S.C. decidiu de acordo com o “ superior interesse dos menores “.
12 – E decidiu de acordo com a vontade expressa dos menores nesse sentido, respeitando o seu sentir e vontade.
13 - A Recorrente confunde os seus próprios interesses com o “ superior interesse dos menores “.
14 – Mas, não o demonstra, sendo que tudo o que é por ela alegado ou é falacioso e nem corresponde à verdade ou é artificialmente por ela criado para, mais uma vez, tentar condicionar o Tribunal na sua decisão.
15 – Os inconvenientes resultantes da decisão recorrida que elenca só existem porque a Recorrente impediu e não autorizou que os menores pernoitassem em Guimarães com o pai, onde este tem uma segunda residência, a dos seus pais, senão toda a semana, pelo menos nos dias do treino.
16 – O “ superior interesse dos menores “ sempre se teria de sobrepor a qualquer critério legal em vigor na determinação da escolha da escola a frequentar, invocado pela Recorrente, porque esse sim é meramente abstracto e não atende a casos particulares e específicos, como os dos menores aqui em causa..
17 - A decisão recorrida foi, e bem, determinada no respeito do primado do “ superior interesse dos menores “.
18 - A decisão recorrida não merece, qualquer reparo, pois julgou de acordo com o Direito (art.º 3 da C.D.C., art.º 36º, n.º 3 e n.º 5, art.º 67º, n.º 2, c) da C.R.P., bem como nos termos do art.º 4º, b) e c) do R.G.P.T.C. e art.º 4º, n.º 1 e n.º 4, a) da L.P.C.J.P e art.º 1096º, n.º 5 do C.C. ., decidindo uma “ questão de particular importância para os menores “ e de acordo com o “ superior interesse dos menores“.
Conclui pela improcedência do recurso e manutenção da decisão proferida.
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O digno Magistrado do Ministério Público apresentou contra-alegações com as seguintes

-CONCLUSÕES-

No caso, concorda-se com o despacho recorrido.
Face ao litígio existente e a situação vivencial actual, a questão decidida prefigura-se como de particular importância e exigia que a Recorrente a suscitasse previamente nos termos do artigo 44º do RGPTC ( 1 - quando o exercício das responsabilidades parentais seja exercido em comum por ambos os pais, mas estes não estejam de acordo em alguma questão de particular importância, pode qualquer deles requerer ao tribunal a resolução do diferendo ).
A mãe – Recorrente decidiu unilateralmente tal questão, pois que a decisão provisória fundou-se em factos que ao tempo o Tribunal apurou. Com base nessa factualidade, foi estabelecido tal regime provisório.
A Recorrente, salvo o devido respeito, que é muito, utilizou a política do facto consumado sem ter procurado obter previamente uma decisão judicial que legitimasse essa mudança de residência que se prefigura, no concreto existencial, como de particular importância, afectando de modo intensíssimo a vida das crianças.
Não se trata só de fixação de residência ou a questão da matrícula, mas de várias questões existenciais – essenciais conexas, no concreto recorte do litígio, susceptíveis de afectarem vários aspectos da vida das crianças, e tendo-o feito na pendência da lide.
Andou bem o Tribunal. Teve conta o superior interesse das crianças – critério mor norteador de todas as decisões nesta jurisdição –, tal como consagrado no disposto no art. 3.º da C.D.C. (direito interno por força dos arts. 8.º e 16.º da CR.P.), tal como dos artigos 36.º, n.º 3, e 36.º, n.º 5, e 67.º, n.º 2, al. c), também da C.R.P., bem como nos termos dos arts. 4.º b) e c) do R.G.P.T.C. e 4.º., n.º 1, e 4.º al. a) da L.P.C.J.P. e ainda do art. 1906.º, n.º 5, do C.C., e, em nome do superior interesse das crianças decide esta questão de particular importância no sentido de ambas se manterem até ao final do corrente ano letivo (2019-2020) nos estabelecimentos de ensino que antes frequentavam, bem como atividades desportivas se assim o desejarem
Actuando desta forma a Recorrente teve um comportamento de autotutela para defesa dos seus direitos subjectivos (também poderes funcionais e direitos/deveres fundamentais, que possibilitam a realização dos direitos gerais de personalidade que cabem aos pais ), atitude criadora de desigualdade substancial e concretamente impeditiva do controlo judicial (heterotutela) sobre tal decisão.
O Tribunal proferiu o despacho recorrido em ordem a reparar tal ilicitude.
A sentença recorrida interpretou correctamente o disposto no art. 3.º da C.D.C. (direito interno por força dos arts. 8.º e 16.º da CR.P.), tal como dos artigos 36.º, n.º 3, e 36.º, n.º 5, e 67.º, n.º 2, al. c), também da C.R.P., bem como nos termos dos arts. 4.º b) e c) do R.G.P.T.C. e 4.º., n.º 1, e 4.º al. a) da L.P.C.J.P. e ainda do art. 1906.º, n.º 5, do C.C.
Deve manter-se a decisão recorrida.
Mais reiterou a sua posição face às contra-alegações do progenitor, concordando com os seus argumentos.
***
Questão prévia: não obstante as conclusões do recurso da apelante sejam a reprodução do seu corpo ou motivação, como bem atentou o apelado, uma vez que a matéria está exposta de forma clara e não obstante sintética, entende este tribunal que não se justifica nem o convite ao aperfeiçoamento por razões de celeridade, tão pouco a rejeição do recurso (-conhecendo-se embora jurisprudência que faz equivaler a reprodução nas conclusões da motivação à falta de conclusões “tout court”, com a correspondente sanção de rejeição –cfr. atítulo de exemplo, Ac. da Rel. do Porto de 8/3/2018-que entendemos não seguir). Por outro lado ainda, percebe-se o sentido da “norma” ou conceito que a recorrente entende estar violado, e o recorrido compreendeu e apresentou o devido contraditório: seja o conceito de decisão de particular importância, seja o conceito de superior interesse do menor.
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Dispensados os vistos legais e tendo sido já apreciados os termos de admissibilidade e subida do recurso, cabe decidir.
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II QUESTÕES A DECIDIR.

Decorre da conjugação do disposto nos artºs. 608º, nº. 2, 609º, nº. 1, 635º, nº. 4, e 639º, do Código de Processo Civil (C.P.C.) que são as conclusões das alegações de recurso que estabelecem o thema decidendum do mesmo. Impõe-se ainda ao Tribunal ad quem apreciar as questões de conhecimento oficioso que se resultem dos autos.

Impõe-se por isso no caso concreto e face às elencadas conclusões decidir se:

-a decisão de transferência dos menores de escolas tal como elencada “supra” é uma decisão de particular importância, sujeita a acordo dos pais e na sua ausência que o Tribunal deva apreciar suprindo essa falta, designadamente nestes autos e a título provisório;
-concluindo-se afirmativamente, se deve ser autorizada ou negada essa transferência, face ao “superior interesse dos menores”.
*
III MATÉRIA A CONSIDERAR.

Embora se considerando que se verifica uma deficiente definição da matéria de facto, ainda que a título indiciário, pelo o Tribunal “a quo”, matéria essa que fundamentaria a decisão que proferiu e que cumpre nesta sede sindicar, matéria de conhecimento oficioso deste Tribunal (cfr. Ac. da Rel. de Guimarães de 4/10/2018, e Ac. da Rel. de Lisboa de 20/12/2018, ambos em dgsi.pt, este distinguindo a deficiência da falta de fundamentação) face à posição que se irá tomar não se mostra necessário suprir essa falta (o que seria possível face aos elementos constantes dos autos).

Ao invés, a matéria a considerar para se proferir a decisão que a nosso ver se impõe basta-se com a descrição do desenrolar do processo tal como consta do relatório “supra”, acrescido do conteúdo do regime provisório em vigor e dos factos que a seguir seguem e que as partes não questionam.

Assim, quanto a este temos o seguinte regime provisório que resultou da tentativa de conciliação que teve lugar no processo de divórcio em 7/5/2019 a que os presentes autos estão apensos, regime este com que foi iniciado o presente processo e que se mantém em vigor:

1.º Os menores ficam entregues à guarda e cuidados da progenitora com quem residirão;
2.º As responsabilidades parentais de particular importância serão exercidas por ambos os progenitores;
3º. O progenitor poderá estar com os menores sempre que o desejar, sem prejuízo das actividades escolares e horário de descanso, avisando a progenitora com antecedência de 48 horas;
4.º O progenitor poderá estar com os menores um fim-de-semana de quinze em quinze dias, indo buscá-los à escola, na sexta-feira, no fim das actividades escolares, entregando-os na segunda-feira, na escola;
5.º O progenitor poderá contactar os menores diariamente através de telemóvel ou meios informáticos, entre as 19:00 e as 21:00;
6.º No verão, o progenitor poderá passar quinze dias de férias com os menores, seguidos ou interpolados, avisando a progenitora, com antecedência de um mês, do período que pretende;
7.º O progenitor contribuirá com a quantia mensal de € 200,00 (€ 100,00 para cada um dos menores), a título de alimentos, a transferir até ao dia oito de mês a que disser respeito para a conta bancária cujo IBAN lhe será fornecido pela progenitora, quantia que deverá ser actualizada de acordo com o índice de inflação publicado pelo INE;
8.º O progenitor pagará metade das despesas escolares, extra-escolares, médicas e medicamentosas, na parte não comparticipada, desde que devidamente comprovadas.
-No ano letivo 2018/2019 os menores viveram com a mãe em Guimarães (onde se encontravam quando este regime foi homologado) e frequentaram aí os respetivos estabelecimentos escolares e atividades, sendo que anteriormente viviam e frequentavam estabelecimentos em Aveiro.
-A progenitora mudou-se para Matosinhos com os menores nas férias de verão deste ano.
-O pai tem residência em Aveiro.
-Não se concretizou a transferência escolar dos menores de Guimarães para Matosinhos até à data face á oposição do pai.
*
IV- O MÉRITO DO RECURSO.

A primeira questão a decidir prende-se com a definição e contextualização da matéria levada ao Tribunal “a quo” e cuja decisão lhe foi pedida.

Em primeiro lugar, quem despoleta no processo a questão da mudança de residência da mãe e consequentemente dos menores para Matosinhos é o progenitor. E ao dar conhecimento ao Tribunal desse facto, o que este pretendia era a alteração do regime provisório que estava em vigor, passando os menores a viver consigo em Aveiro, também provisoriamente.

Desde já se diga que o que primeiramente foi posto à consideração do Tribunal foi a alteração do regime provisório, mormente quanto à residência dos menores, e não a resolução de uma questão de particular importância a qual teria de obedecer, no seu formalismo, ao disposto no artº. 44º do RGPTC (Regime Geral do Processo Tutelar Cível), constituindo um apenso autónomo –e cuja aplicação não se limita às situações de regime definitivos, nada obstando que se aplique também em fase de vigência de regime provisório.

Face ao decurso do tempo, a questão passa a focar-se no facto de, concretizada a alteração de residência da mãe e dos menores, esta não tenha operado as transferências de escola e atividades para o novo concelho onde passaram a residir. Só perante as consequências da oposição feita pelo pai dos menores é que a mãe pede a autorização para as mesmas transferências.

Ora, pensamos que é aqui que tudo se “mistura”: uma coisa é a autorização para residir noutro concelho; outra coisa é a autorização para, consequentemente, a transferência de estabelecimentos de ensino –sempre articulado- e atividades (futebol e natação) do concelho em que moravam para aquele onde agora moram; outra coisa ainda é a alteração do regime provisório, mormente no que concerne à fixação da residência habitual dos menores.

Esta última hipótese foi rejeitada pelo Tribunal e dessa decisão não foi interposto recurso. Portanto, temos por assente que os menores continuam com residência junto da mãe e que as responsabilidades parentais relativas a questões de particular importância são exercidas por ambos os progenitores; já as decisões relativas aos atos da vida corrente, por decorrência legal –artº. 1906º, nº. 3, do Código Civil- ficam a cargo do progenitor com quem residem habitualmente ou do progenitor com quem estão temporariamente, em cada momento (devendo este respeitar as orientações educativas mais relevantes definidas por aquele). “Optou o legislador por não elencar as situações que cabem nos actos de particular importância ou nos actos da vida corrente, deixando tal tarefa aos Tribunais e à Doutrina. IV- A delimitação entre os dois tipos de actos é difícil de estabelecer em abstracto, existindo uma ampla “zona cinzenta” formada por actos intermédios que tanto podem ser qualificados como actos usuais ou de particular importância, conforme os costumes de cada família concreta e conforme os usos da sociedade num determinado momento histórico.”-conforme Ac. da Rel. de Lisboa de 2/5/2017 (dgsi.pt).

Ora, para nós, a matrícula ou transferência de escola dos menores, tratando-se de escolas públicas e sempre no âmbito do mesmo tipo de ensino –articulado- cuja opção já vinha de trás (e não tendo sido apontadas nenhumas particularidades ao tipo de ensino em questão), acrescida da transferência de local de prática de atividades extracurriculares já previamente definidas (as mesmas), não integra o núcleo das decisões de particular importância que a lei quis salvaguardar no artº. 1906º, nº. 1, do Código Civil ao impor a decisão em conjunto (salvo casos urgentes), ou, na falta de acordo, que o Tribunal fosse chamado a dirimir.

Neste sentido, veja-se Helena Gomes de Melo e outros, “Poder Paternal e Responsabilidades Parentais”, da Quid Juris Sociedade Editora, pag. 142. De facto, é o progenitor com quem o menor reside com habitualidade que orienta e estabiliza a vida da menor, tendo de diligenciar pelas idas e vindas da escola. Aí diz-se:

- “Definir se o menor deve ou não fazer os seus estudos num estabelecimento público ou particular, dada a relevância que tal decisão tem para a sua vida, constitui, em nosso entender, questão de particular relevância.(…)
- Tomada esta decisão, qual o estabelecimento em concreto que o menor vai frequentar, é, em nosso entender, acto da vida corrente, a decidir pelo progenitor com quem o menor reside, salvo se houverem convencionado algo em contrário.
-Nas situações em que os progenitores custeiem, em igual proporção, o montante referente ao pagamento do estabelecimento de ensino, mostra-se essencial definir que a escolha de tal estabelecimento deve ser feita por ambos, sob pena de (…) se ver confrontado com a situação de não ter capacidade económica para custear o estabelecimento de ensino escolhido pelo progenitor com que o menor reside”.

Numa posição muito próxima desta e exaustiva, tratou a questão António José Fialho, na Revista On-Line Verbo Jurídico, 2011 –O papel e a intervenção da escola em situações de conflito parental.

No mesmo sentido, Tomé d’Almeida Ramião, RPTC Anotado e Comentado, pag. 168, bem como em O Divórcio e Questões Conexas, 2ª edição, pags. 158 e 159, e Maria Clara Sottomayor, Regulação do Exercício do Poder Paternal Nos Casos de Divórcio, pag. 69 da 4ª edição.

Veja-se ainda a propósito do objetivo da lei ao consagrar as responsabilidades conjuntas A Criança e a Família –uma questão de direito(s), de Helena Bolieiro e Paulo Guerra, Coimbra Editora, pag. 165.

Outra coisa é a mudança de residência em si mesma, nomeadamente de um distrito para outro distante o suficiente para levar a um desenraizamento dos menores de um local para outro (mudança de escola, amigos, laços, lugares frequentados…). Esta sim poderia ser uma decisão em que se impunha o acordo dos pais, não obstante não nos podermos alhear nessa ponderação das circunstâncias concretas (e diga-se, como mera nota que um factor que pesa na integração desta decisão nesse núcleo tem que ver com o facto de, face á nova localização, tal poder colidir ou implicar a alteração dos termos das visitas do outro progenitor, o que aqui está afastado dado que esta nova localização aproxima mais os menores do pai –de Guimarães/Aveiro, passamos a ter Matosinhos/Aveiro). Concretizada esta mudança sem oposição directa –o pai ao invés de se opor ou pedir que o Tribunal, em apenso próprio de “decisão de particular importância”, dirimisse a falta de acordo, optou por pedir a alteração do regime provisório de modo que os menores ficassem com residência junto de si (numa segunda fase prontificando-se a mantê-los nas suas rotinas escolares e extracurriculares em Guimarães…). Portanto, não tendo enveredado pela oposição direta à mudança de residência dos filhos, não pode esperar outra coisa que não seja a consequente mudança de estabelecimentos de ensino, pois que não é lógico impor a manutenção da frequência de estabelecimentos fora da área de residência (ou local de trabalho, face aos critérios do Estatuto do Aluno) ao progenitor com quem os menores residem habitualmente, o qual tem a incumbência de gerir a vida quotidiana dos filhos, sem prejuízo obviamente do direito de visita e de informação e participação do pai na vida dos menores.
Sobre a mudança de residência destaca-se o que se diz a pags. 143 da obra “supra” citada de Helena Gomes de Melo e outros: “A mudança de residência, desde que não implique uma mudança geográfica para local muito distante, constituirá um acto da vida corrente do menor e a decisão cabe, em exclusivo, ao progenitor com que o mesmo habita.
- Aliás, é nosso entender que na fixação do regime das responsabilidades parentais e dando cumprimento ao dispositivo contido no artº. 1906º, nº. 5 do CC, o que se deve determinar é com qual dos progenitores ou terceira pessoa o menor passa a residir e não a morada em concreto onde tem, no momento, a sua habitação.
- (...)
- Situação diferente é aquela em que a mudança de residência implica um grande afastamento do local onde inicialmente se encontrava.
- (...)se a mudança for de ou para as Ilhas ou para o Estrangeiro, estaremos sempre perante uma questão de particular importância.”.

Apelou-se ao superior interesse das crianças na decisão proferida e recorrida, e apela-se nas contra-alegações de recurso face à instabilidade que implica uma nova mudança de escola, à preferência manifestada pelos menores…

No que diz respeito ao preenchimento do conceito interesse do menor devem ser ponderados os fatores tendentes em geral a assegurar a garantia das condições materiais, sociais, morais e psicológicas do menor, que possibilitem o seu desenvolvimento estável e equilibrado, nomeadamente salvaguardando tanto quanto possível o estabelecimento de relações afetivas contínuas com ambos os progenitores, e a consequente participação interessada, coordenada e responsável de ambos no acompanhamento e educação do menor; isto sempre e necessariamente em termos casuísticos. Na Declaração dos Direitos da Criança aprovada em 20/11/59 pela Assembleia das Nações Unidas refere-se na base II que “A criança deve beneficiar de uma proteção especial e ver-se rodeada de possibilidades concedidas pela Lei e por outros meios, a fim de se poder desenvolver de uma maneira sã e normal no plano físico, intelectual, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade. Na adoção de leis para este fim, o interesse superior da criança deve ser a consideração determinante”. Também a Convenção sobre os Direitos da Criança de 26/01/90 (ratificada pela Resolução da AR nº. 20/90) refere que “O erigir do interesse do menor em princípio fundamental enformador de qualquer decisão atinente à regulação do poder paternal releva de uma certa conceção do poder paternal quase pacificamente aceite na doutrina, portuguesa como estrangeira: o poder paternal entendido como um poder dever, um poder funcional. Não é pois um conjunto de faculdades conferidas no interesse dos seus titulares (os pais) e que estes possam exercer a seu bel-talante, mas antes um acervo de diretivas com um escopo altruísta, que devem ser exercitadas de forma vinculada, visando o objetivo primacial de proteção e promoção dos interesses do menor, com vista aos seu integral e harmonioso desenvolvimento físico, intelectual e moral”.

Com todo o respeito, o superior interesse dos menores tem de ser aferido caso a caso, nas concretas circunstâncias de vida dos mesmos; conforme Ac. da Rel. de Coimbra de 8/5/2019 (dgsi.pt) tratando-se de um conceito genérico, o interesse superior da criança deve ser apurado/encontrado em cada caso concreto, embora tendo sempre presente a ideia do direito da criança ao seu desenvolvimento são e normal, no plano físico, intelectual, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e dignidade, ou seja, a ideia de que, dentro do possível, tudo deverá ser feito de modo a contribuir para desenvolvimento integral da criança.
E se podia ser discutível se o superior interesse dos menores M. M. e E. M. está assegurado, ou é antes posto em causa, com esta segunda mudança de vida em termos geográficos em anos letivos seguidos (sendo certamente que a mais drástica mudança nas suas vidas prende-se com a separação dos pais) – repete-se, esta mudança de domicílio já se operou e não foi esta mudança ou o indeferimento de alteração do regime em vigor que estabelece a residência habitual junto da mãe que se quis pôr em causa em sede de recurso –não foi o pai quem recorreu-; salvo o devido respeito e em abstrato (pois que, se a questão tivesse de ser sujeita a decisão deste Tribunal teria de ser avaliada em concreto, e repete-se, não é isso que está em causa) não pode defender-se que é melhor para os menores deslocarem-se de Matosinhos para Guimarães para a sua vida escolar/extracurricular, e ficarem em casa de familiares do pai nos dias em que estão a seu cargo e viajarem para Aveiro quando não há atividades, para evitar sujeitarem-se a uma outra adaptação (que podia ter ocorrido no início do ano letivo e não já nesta fase), ainda que certamente lhes seja também penoso. Mais de faz notar que as declarações/vontade dos menores não são “a decisão”, o que tem de ser conjugado com outros factores, e das declarações em concreto prestadas pelo M. M. e E. M. se é verdade que traduzem uma preferência num sentido, não traduzem qualquer rejeição de outro (cfr. Ac. da Rel. do Porto de 27/9/2018, dgsi.pt),
Portanto, nem com apelo aos princípios de jurisdição voluntária -concretamente ao disposto no artº. 987º do C.P.C. (“ex vi” artº. 12º do RGPTC) que permitiria a adoção da solução ais conveniente e oportuna- se justifica um qualquer “tempero” da nossa posição no sentido de conferir à mãe o poder de gerir esta matéria no âmbito dos atos de vida corrente dos filhos.

Nesta fase, entendemos que cabe à mãe a decisão de integração escolar dos menores na sua área de residência. Trata-se de um ato da vida corrente, uma vez que de particular importância era a decisão que a antecedeu e essa, enquanto não for proferida decisão judicial (provisória ou definitiva) que incida sobre a fixação da residência habitual dos menores, está tomada e não pode aqui ser apreciada.

Ou seja, não pode ser vista de forma separada no caso concreto a mera mudança de estabelecimentos da mudança de residência, o que torna a primeira relevante em termos de alteração de vida significativa deriva da segunda. Ou por outras palavras, o que dá relevo à mudança de escola é o facto de se estar a mudar de um concelho para outro distante. O que pode causar (em abstrato) destabilização é a mudança de residência e o que implica, enquanto pressupostos das outras alterações que se impõem.
A decisão em causa não é pois nem em abstrato nem em concreto uma decisão de particular importância.
Cabendo a decisão à mãe, não é despiciendo apelar ao seu bom senso: nesta fase em que já estamos deste ano letivo em curso, terá de ponderar se é melhor para os filhos mudarem de escolas já, ou manterem-se ainda que com sacrifício até ao fim do ano.
Mas essa é uma decisão, repete-se, que cabe à progenitora com quem os menores residem habitualmente, pelo menos para já.
Por isso também não cabe em sede de recurso permitir a transferência, substituindo-se o Tribunal à mãe. Isto não significa que o recurso falece em parte, significa antes que ele procede na totalidade uma vez que concede à mãe o poder de decisão, designadamente se o entender no sentido por si propugnado no recurso.
Em suma, a mãe dos menores (ou o pai) não requereu ao Tribunal que dirimisse a falta de acordo entre ela e o pai dos menores relativa à escola a frequentar pelos mesmos (-as que frequentavam em Guimarães, ou as que pretende que frequentem em Matosinhos); não agiu no quadro do artº. 44º da RGPTC (ainda que se entendesse processado nestes autos); apenas pediu autorização para a transferência dada a inviabilização feita pelo pai dos menores junto da DEGEST. Não o pediu, nem, na nossa opinião, tinha de o requerer uma vez que, conforme concluímos, operada a alteração de residência, podia então tê-lo decidido sem o acordo do pai, devendo apenas cumprir o dever de informação.
Configurada assim a situação, fica prejudicada a matéria alegada tendo em vista determinar se a transferência é a decisão que melhor salvaguarda o superior interesse do M. M. e do E. M., face às circunstâncias de vida dos menores e dos pais (-para o que seria sempre necessária a determinação da matéria de facto indiciariamente apurada).
Conclui-se assim pela procedência do presente recurso com o alcance que resulta “supra”.
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V DISPOSITIVO.

Pelo exposto, acordam os juízes do Tribunal da Relação em julgar o recurso procedente e, em consequência, dar provimento à apelação e revogar a decisão recorrida substituindo-a por outra que considera ato da vida corrente dos menores a decisão de transferência de estabelecimento de ensino e locais de frequência das suas atividades extracurriculares, e que por isso pode ser tomada pela progenitora com quem está estabelecida a sua residência habitual.
Custas do recurso pelo recorrido.
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Guimarães, 17 de dezembro de 2019.
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Os Juízes Desembargadores

Relator: Lígia Paula Ferreira Sousa Santos Venade
1º Adjunto: Jorge dos Santos
2º Adjunto: Heitor Pereira Carvalho Gonçalves

(A presente peça processual tem assinaturas eletrónicas)