Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
897/12.1T2AMD-F.L1-1
Relator: PEDRO BRIGHTON
Descritores: RESPONSABILIDADE PARENTAL
GUARDA DE MENOR
QUESTÃO
PARTICULAR IMPORTÂNCIA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 05/02/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I-Como regra, as responsabilidades parentais relativas às questões de particular importância para a vida do filho são exercidas em comum por ambos os progenitores (artº 1906º nº 1,1ª parte, do Código Civil).
II- Por seu turno, o exercício das responsabilidades parentais relativas aos actos da vida corrente do filho cabe ao progenitor com quem ele reside habitualmente, ou ao progenitor com quem ele se encontra temporariamente (artº 1906º nº 3, 1ª parte, do Código Civil).
III- Optou o legislador por não elencar as situações que cabem nos actos de particular importância ou nos actos da vida corrente, deixando tal tarefa aos Tribunais e à Doutrina.
IV- A delimitação entre os dois tipos de actos é difícil de estabelecer em abstracto, existindo uma ampla “zona cinzenta” formada por actos intermédios que tanto podem ser qualificados como actos usuais ou de particular importância, conforme os costumes de cada família concreta e conforme os usos da sociedade num determinado momento histórico.
V- Devem considerar-se “questões de particular importância”, entre outras : as intervenções cirúrgicas das quais possam resultar riscos acrescidos para a saúde do menor; a prática de actividades desportivas radicais ; a saída do menor para o estrangeiro sem ser em viagem de turismo ; a matrícula em colégio privado ou a mudança de colégio privado ; mudança de residência do menor para local distinto da do progenitor a quem foi confiado.
VI- Devem considerar-se “actos da vida corrente”, entre outros : as decisões relativas à disciplina, ao tipo de alimentação, dieta, actividades e ocupação de tempos livres ; as decisões quanto aos contactos sociais ; o acto de levar e ir buscar o filho regularmente à escola, acompanhar nos trabalhos escolares ; as decisões quanto à higiene diária, ao vestuário e ao calçado ; a imposição de regras ; as decisões sobre idas ao cinema, ao teatro, a espectáculos ou saídas à noite; as consultas médicas de rotina.



Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Decisão em texto integral

ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA :

I – Relatório

1-  ... ... ... de ... ... deduziu o presente incidente, no âmbito do regime de regulação das responsabilidades parentais, contra ... ... ..., pedindo que se ordene que a filha do casal, ... ... da ... ..., possa frequentar um curso de inglês, à terça e quinta-feira, das 16 horas e 30 minutos às 18 horas.

Para fundamentar tal pretensão alega, em síntese, que o pai da menor opõe-se a que a filha frequente o aludido curso.

No entanto, afirma a requerente, a menor padece de dislexia, tem dificuldades em aprender outras línguas, e foi a própria menor que pediu para frequentar o curso e gosta das aulas de inglês.

Acresce que é a requerente quem suporta todos os encargos desse curso, sem ajuda do progenitor.

2-  Notificado para deduzir oposição, o requerido veio referir que se opõe a que a filha frequente o curso de inglês, uma vez que as aulas são à quinta-feira, sendo esse o único dia da semana que a menor está consigo. 

Afirma que “o tempo que passa com as crianças é para ser de qualidade, pelo que sendo um período em que a menor se encontra consigo, opõe-se a que frequente qualquer actividade nesse dia”.

3-  Realizou-se uma conferência de pais, onde se verificou não ser possível o acordo entre eles.

4-  Procedeu-se à audição da menor.

5-  Então, o Tribunal proferiu decisão, a conceder provimento à pretensão da requerente, constando daquela :

“Estabelece o artigo 1906º nº 3 do Código Civil que o exercício das responsabilidades parentais relativas aos actos da vida corrente do filho cabe ao progenitor com quem ele resida habitualmente, ou ao progenitor com quem ele se encontre temporariamente ;  porém, este último, ao exercer as suas responsabilidades, não deve contrariar as orientações educativas mais relevantes, tal como elas são definidas pelo progenitor com quem o filho reside habitualmente. Evidencia-se, assim, que as questões quotidianas são da competência do progenitor com quem a menor se encontra (in casu, à quinta-feira do progenitor) e não apenas da progenitora com quem reside. No entanto, esta responsabilidade exclusiva do progenitor (com quem a criança está) não preclude o direito da progenitora (com quem a criança reside) de definir as orientações educativas mais relevantes. Serão estas, além de outras, a definição do cumprimento das obrigações escolares e extra-escolares, onde parece caber a decisão de inscrição e frequência da criança no Bristish Council (não sendo questão de particular importância a decidir em conjunto) – Poder Paternal e Responsabilidades parentais, 2ª Ed. Pág. 119/120.  Isto posto e sopesando os argumentos dos progenitores e o interesse da sua filha, parece-nos clara a prova positiva de factos demonstrativos de um interesse concreto, para a criança na frequência do curso de inglês (que a própria deseja) não se vislumbrando circunstâncias que desaconselhem (repete-se do ponto de vista da criança) a manutenção do estudo de inglês no Bristish Council, no ano lectivo de 2016/17, numa turma do Secondary Lower, no horário da quinta-feira, das 16:30 às 18:00 horas (parece que a terça-feira é incontrovertida).

Decisão

Pelo exposto, ao abrigo das disposições legais supra citadas e sem necessidade de mais considerações, decide-se que a menor ... ... da ... ... poderá frequentar o curso de inglês no Bristish Council, no ano lectivo de 2016/17, turma do Secondary Lower, no horário da quinta-feira, das 16:30 às 18:00 horas (o progenitor assegurará a comparência da criança nos dias em que se encontre consigo).

As custas serão suportadas pelo requerido (artigo 527º do NCPC aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26.06 e art. 3º, nº 1 do R.C.P.).

Valor do incidente € 30.000,01.

Notifique – artigo 247º do NCPC.

Registe – artigo 153º, nº 4 do NCPC aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26.06”.

6-  De tal decisão interpôs o requerido recurso e na sua alegação apresentou as seguintes conclusões:

“I- O Recorrente, recusou e não concordou que a menor frequentasse à quinta-feira o inglês, pois conforme resulta do apenso B, foi com dificuldade, necessitando de requerer ao Tribunal, que logrou passar um dia da semana com as filhas, designadamente as quintas-feiras.

O tempo que passa com as filhas deve ser de qualidade, pelo que sendo o único dia da semana que priva com as menores, opôs-se que a menor ... frequentasse o inglês nesse dia da semana e reforça-se, nesse dia, pois é o único que pode privar com as filhas, tendo sugerido outro dia em alternativa.

Na verdade, o facto da menor frequentar o inglês neste dia, interfere na logística organizada pelo progenitor para esse dia e no tempo de qualidade que passa com a mesma.

Por outro lado, é o único dia da semana que pode ficar com as menores.

II- Não obstante, o Tribunal a quo, com todo o respeito, de forma contraditória, considera conforme dispõe o artº 1906º, nº 3, do CC, que o exercício das responsabilidades parentais relativas aos actos da vida corrente do filho cabe ao progenitor com quem este se encontre temporariamente, no caso concreto, com o Recorrente, no entanto, considera-se que este último ao exercer as suas responsabilidades, não deve contrariar as orientações educativas mais relevantes, tal como elas são definidas pelo progenitor com quem o filho reside habitualmente, onde se inclui o cumprimento das obrigações escolares e extra-escolares, designadamente a frequência do British Council à quinta-feira.

Ora,

III- Numa primeira análise ao aludido preceito legal, decorre, efectivamente, que considerando-se um acto da vida corrente da menor, o exercício das responsabilidades parentais cabe ao progenitor que com ela se encontra temporariamente, no caso concreto, ao Recorrente.

Excepcionando a segunda parte desta norma, que este exercício não deve contrariar as orientações educativas mais relevantes, tal como definidas pelo progenitor com quem o menor reside habitualmente.

IV- A orientação educativa relevante em apreço é o facto da menor frequentar o inglês.

O Recorrente, nunca contrariou essa orientação educativa, designadamente pela não autorização, mas sim que frequentasse noutro horário, com excepção da quinta-­feira, atentos motivos supra expostos.

Considera-se pois, que nesta parte, o Tribunal fez uma incorrecta interpretação da norma contida no artº 1906º, nº 3, do CC, pois em bom rigor o Recorrente não contrariou a orientação educativa definida pela Recorrida, pelo que a mesma deveria ser interpretada no sentido de que estando o Recorrente temporariamente com a menor, à quinta-feira, poderá solicitar que a mesma frequente noutro dia o inglês e, como tal, não ser autorizada a frequência da menor exclusivamente nesse dia. Acresce que,

V- Cumpre avaliar, se de facto a questão em concreto corresponde a um acto da vida corrente ou a uma questão de particular importância.

Considerou o Tribunal a quo que é um acto da vida corrente da menor, no entanto, com o devido respeito, considera o Recorrente que não.

O exercício das responsabilidades parentais quanto às questões de particular importância é exercido de comum acordo.

Estas questões deverão estar relacionadas entre outras, com as centrais e fundamentais para o desenvolvimento da menor, como a educação e formação, todos os actos que se relacionem com o seu futuro.

São questões de particular importância, nomeadamente, a frequência de actividades extracurriculares e que impliquem a inscrição em estabelecimento de ensino privado. A situação em concreto, é pois, salvo melhor opinião, uma questão de particular importância e como tal, é exercida em comum por ambos os progenitores nos termos do artº 1906º, nº 1, do CC.

VI- Andou mal pois o Tribunal a quo ao considerar acto da vida corrente, pelo que a decisão padece de erro na determinação da norma aplicável, pelo que,

Sendo questão de particular importância deveria ter sido aplicada esta norma e sendo exercida por ambos, não autorizando o Recorrente a frequência do inglês à quinta-feira, não deveria ter sido autorizada a mesma nesse dia, pelo que igualmente por este motivo, atenta a factualidade assente e o disposto no artº 1906º, nº 3, 2ª parte e nº 1, ambos do CC, o Tribunal a quo, fez uma incorrecta interpretação por um lado, do nº 3 e por outro, deveria ter aplicado o nº 1, do mesmo preceito, pelo que não deveria ter autorizado a menor a frequentar o curso de inglês à quinta-feira.

Termos em que, pugna o apelante pela revogação da decisão proferida, não se autorizando que a menor frequente o inglês à quinta-feira.

Fazendo-se assim a costumada Justiça”.

7-  O M.P. apresentou contra-alegações, com as seguintes conclusões :

“1. Efectivamente não se verifica uma errada interpretação e/ou subsunção normativa conforme invocado.

2. A decisão em apreço podia ter sido tomada exclusivamente pela progenitora porquanto se trata de um acto da vida corrente da menor.

3. A decisão tomada pela progenitora é acertada e vai ao encontro das necessidades e interesses da menor.

4. Os fundamentos invocados para a não autorização da frequência das aulas extracurriculares de inglês não se mostraram verificados como se constata da factualidade assente na sentença recorrida, sendo na realidade fúteis.

5. A motivação do julgador encontra-se clara e suficientemente exposta na sentença sub judice.

6. Não padece a sentença recorrida de qualquer insuficiência, erro ou contradição.

7. O Tribunal procurou defender o superior interesse desta criança determinando que a mesma frequente no horário possível aulas de inglês necessárias ao seu bom desemprenho escolar e decidindo como decidiu.

Por todo o exposto, e em conclusão, entende o Ministério Público dever ser negado provimento ao recurso e em consequência, ser mantida a douta sentença recorrida com o que se fará Justiça”.

 8-  A requerente não apresentou contra-alegações.


*  *  *


II – Fundamentação

a)  A factualidade considerada provada pelo Tribunal “a quo” foi a seguinte :

1-  ... ... da ... ... nasceu no dia 12/10/2005 e é filha da requerente e requerido.

2-  No âmbito do processo de regulação do regime do exercício das responsabilidades parentais (acção de divórcio) por sentença homologatória do acordo celebrado em 2012, estabelecendo-se, na parte que interessa, que a menor ficou confiada aos cuidados e a residir com a mãe, exercício das responsabilidades parentais conjunto e passará fins-de-semana alternados com o pai.

3-  No âmbito do apenso “B” (processo de alteração do regime de regulação do regime do exercício das responsabilidades parentais) por sentença proferida em 28/9/2015, decidiu-se que a menor passará a quinta-feira com o pai, que a irá buscar ao estabelecimento de ensino e entrega­-a na sexta-feira, no mesmo local, antes do início das actividades lectivas.

4-  A menor está inscrita e frequenta o “Bristish Council”, no ano lectivo de 2016/2017, numa turma do “Secondary Lower”, no horário da terça e quinta-feira, das 16 horas e 30 minutos às 18 horas.

5-  A progenitora suporta exclusivamente o respectivo custo.

6-  A menor gosta do curso de inglês e pretende continuar a frequentá-lo.

7-  O progenitor está desempregado.

8-  É conflituosa a relação entre os progenitores.

b)  Como resulta do disposto nos artºs. 635º nº 4 e 639º nº 1 do Código de Processo Civil, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, as conclusões da alegação do recorrente servem para colocar as questões que devem ser conhecidas no recurso e assim delimitam o seu âmbito.

Perante as conclusões da alegação dos recorrentes as questões em recurso consiste em determinar se foi acertada a decisão que autorizou a menor a frequentar um curso de inglês no “Bristish Council”, no horário da quinta-feira, das 16 horas e 30minutos às 18 horas.

c)  Vejamos :

O exercício das responsabilidades parentais configura-se como um conjunto de faculdades cometidas aos pais no interesse dos filhos em ordem a assegurar convenientemente o seu sustento, saúde, segurança, educação, a representação e a administração dos seus bens (artº 1878º do Código Civil).

Os pais ficam automaticamente investidos na titularidade das responsabilidades parentais, independentemente da sua vontade e por mero efeito da filiação, não podendo renunciar a estas nem a qualquer dos direitos que as mesmas especialmente lhes conferem, sem prejuízo do que legalmente se dispõe a propósito da adopção (artº 1882º do Código Civil).

As responsabilidades parentais são um meio de suprimento da incapacidade de exercício de direitos por parte da criança (artº 124º do Código Civil) e são preenchidas por um complexo conjunto de poderes e deveres funcionais atribuídos legalmente aos progenitores para a prossecução dos interesses pessoais e patrimoniais de que o filho menor não emancipado é titular.

Assim, deste carácter funcional das responsabilidades parentais, resulta que o exercício dos direitos e deveres que o integram, não tendo a ver com a realização de interesses próprios dos progenitores, encontra-se particularmente vinculado à salvaguarda, promoção e realização do interesse da criança e que se traduz na realização das tarefas quotidianas do filho.

Com a Lei nº 61/2008, de 31/10, deverão também ser entendidas como o “conjunto de poderes e deveres destinados a assegurar o bem-estar moral e material do filho, designadamente tomando conta da pessoa do filho, mantendo relações pessoais com ele, assegurando a sua educação, o seu sustento, a sua representação legal e a administração dos seus bens” (Princípio 1º do Anexo à Recomendação nº R (84) sobre as Responsabilidades Parentais adoptada pelo Comité de Ministros do Conselho da Europa em 28/2/1984).

Na exposição de motivos desta Recomendação, é especialmente referido que “o objectivo (…) é convidar as legislações nacionais a considerarem os menores já não como sujeitos protegidos pelo Direito, mas como titulares de direitos juridicamente reconhecidos (…) a tónica é colocada no desenvolvimento da personalidade da criança e no seu bem estar material e moral, numa situação jurídica de plena igualdade entre os pais (…) exercendo os progenitores esses poderes para desempenharem deveres no interesse do filho e não em virtude de uma autoridade que lhes seria conferida no seu próprio interesse” (§ 3º e 6º da exposição de motivos).

Adoptando perspectiva idêntica, a Convenção sobre os Direitos da Criança consagrou também o princípio de que ambos os pais têm uma responsabilidade comum na educação e no desenvolvimento da criança e de que constitui sua responsabilidade prioritária a educação e o bem-estar global da criança (artºs. 18º nº 1 e 27º nº 2 da Convenção).

Também a Convenção Europeia sobre os Exercício dos Direitos da Criança, celebrada no âmbito do Conselho da Europa em 25/1/1996, utiliza a expressão “responsabilidades parentais” a propósito da titularidade e do exercício dos poderes-deveres que integram as funções parentais (artºs. 1º nº 3, 2º al. b), 4º nº 1 e 6º al. a), desta Convenção).

A referida Lei nº 61/2008 de 31/10 acolheu, pois, grande parte dos princípios do Direito da Família Europeu Relativos às Responsabilidades Parentais, tendo sido este diploma legal que substituiu o antigo conceito de “poder paternal” pelo de “responsabilidade parental”. 

Num pequeno aparte permitimo-nos citar o Prof. Luís de Lima Pinheiro (in “O reconhecimento de decisões estrangeiras em matéria matrimonial e de responsabilidade paternal”, podendo este artigo ser consultado no “link”  http://www.oa.pt/Conteudos/Artigos/detalhe_artigo.aspx?idc=31559&idsc=50879&ida=50922) o qual refere, a nosso ver acertadamente, que “a expressão “responsabilidade parental” constitui uma tradução, a meu ver menos feliz, das expressões “responsabilité parentale” e “parental responsability” que constam das versões francesa e inglesa (do Regulamento (CE) nº 2201/2003, do Conselho, de 27/11/2003).  Em língua portuguesa, o adjectivo “parental” significa “relativo a parente”, ao passo que nos idiomas francês e inglês “parentale” e “parental” significam “relativo ao pai e à mãe”.  A tradução correcta seria, pois, “responsabilidade paternal”.

Voltando à questão em apreço.

Na definição e na repartição concreta das responsabilidades parentais devem atender-se prioritariamente aos interesses e direitos da criança e, em segunda linha, aos demais interesses e direitos atendíveis (cf. artº 4º al. a), da Lei de Promoção e Protecção das Crianças e Jovens em Perigo).

Este interesse da criança constitui um critério essencial de decisão, cujo conteúdo e extensão carecem de um preenchimento reconduzível a critérios objectivos.

Tem-se entendido que estes critérios devem respeitar o princípio da igualdade dos pais, promover a repartição das responsabilidades parentais mediante a adesão interna redutora dos conflitos, a atender aos direitos da criança e às suas escolhas preferenciais, respeitar a autonomia da família, em conformidade com o princípio da intervenção mínima e mostrar-se exequíveis e de aplicação ágil e fácil.

O conceito de responsabilidades parentais permite ainda referenciar, de imediato, um conjunto de poderes-deveres (responsabilidade de guarda, de educação, de representação, de administração de bens, de convívio e de relacionamento pessoal e de vigilância educativa) cujo exercício competirá, conjunta ou repartidamente, consoante o caso, a ambos os pais.

Por outro lado, é susceptível de facilitar também a identificação de uma união parental diferenciada da união conjugal ou da união marital, apontando para a necessidade da sua permanência e sobrevivência após a eventual dissolução desta.  Ninguém duvidará que, em situações de dissociação familiar, o interesse da criança deve ser identificado com o estabelecimento de condições psicológicas, materiais, sociais e morais favoráveis ao seu desenvolvimento harmónico e à sua progressiva autonomização.

A garantia de tais condições dependerá, necessariamente, da inserção da criança num núcleo de vida familiar estável e gratificante – do ponto de vista do seu bem-estar, da sua protecção e da sua educação – da possibilidade de um amplo relacionamento pessoal e directo com ambos os pais, e da promoção de um nível de vida suficiente ao seu desenvolvimento físico, mental, espiritual, moral e social.

Assim, a realização do interesse da criança parece estar essencialmente relacionada com a observância de dois princípios fundamentais :

-O desenvolvimento harmónico da criança depende necessariamente de ambos os progenitores, não podendo nenhum deles substituir a função que ao outro cabe ;

-As relações paterno-filiais situam-se a um nível diferenciado das relações conjugais ou maritais.

Evidencia o primeiro destes princípios a necessidade de promover a participação interessada, a intervenção concertada e a co-responsabilização activa de ambos os pais pela educação do filho enquanto que, do segundo, decorre a necessidade de garantir laços afectivos estáveis e profundos entre a criança e ambos os pais, apesar da separação destes, e de prevenir a sua instrumentalização nos eventuais conflitos que os oponham (cf. António José Fialho in “O Papel e a Intervenção da Escola em situações de conflito Parental”, estudo  este que se encontra disponível no “link” https://www.verbojuridico.net/doutrina/2012/antoniojosefialho_papelintervencaoescolav3.pdf).

A parentalidade é, não apenas, um processo de afectos, mas também, e cada vez mais, um processo de tomada de decisões no qual, apesar da imagem social da criança poder traduzir alguma fragilidade e dependência (por carecerem do apoio e protecção dos adultos com vista ao seu desenvolvimento integral) também devem dispor de capacidade de autonomia, de auto-determinação de acordo com a sua maturidade, sendo verdadeiros actores sociais e portadores de uma perspectiva própria sobre as decisões que lhes dizem respeito.

 Em suma, o conteúdo das responsabilidades parentais é composto por um conjunto de direitos dirigidos à realização da personalidade dos filhos, um conjunto de direitos e deveres irrenunciáveis, inalienáveis e originários, mediante os quais os pais assumem a responsabilidade dos seus filhos (cf. António José Fialho in “O Papel e a Intervenção da Escola em situações de conflito Parental”, disponível no “link” acima referido).

A Constituição da República Portuguesa consagra como princípio geral a igualdade dos pais na educação dos filhos (artº 36º nº 5) o que implica que, seja qual for a relação familiar entre os progenitores (matrimónio, união de facto ou mesmo sem qualquer coabitação), numa situação de dissociação familiar, o exercício das responsabilidades parentais continua a ser exercido em conjunto por ambos (artºs. 1901º, 1906º nº 1, 1911º e 1912º do Código Civil.

O exercício das responsabilidades parentais é exercido em exclusivo por um dos progenitores quando o Tribunal, através de decisão fundamentada, julgue o exercício conjunto contrário aos interesses da criança (artº 1906º nº 2 do Código Civil), quando um dos pais não puder exercer as responsabilidades parentais, por ausência, incapacidade ou outro impedimento (artº 1903º do Código Civil), por morte de um dos progenitores (artº 1904º do Código Civil) ou quando um dos progenitores esteja inibido do exercício das responsabilidades parentais (artºs. 1913º e ss. do Código Civil).

Assim, perante uma situação de divórcio ou de separação dos progenitores da criança, haverá que atender, em primeiro lugar, ao conteúdo do acordo ou da decisão de regulação do exercício das responsabilidades parentais mas, não estando este ainda regulado nem se verificando qualquer situação que justifique o seu exercício exclusivo, o mesmo é exercido conjuntamente por ambos os pais.

d)  No âmbito da educação do menor, diremos que o poder-dever de educar assume-se como a linha de força principal do conteúdo das responsabilidades parentais.

O conteúdo deste poder-dever encontra-se estabelecido no artº 1885º do Código Civil, onde se pode ler, sob a epígrafe “educação” que cabe aos pais, de acordo com as suas possibilidades, promover o desenvolvimento físico, intelectual e moral dos filhos.  Além disso, os pais devem proporcionar aos filhos, em especial aos diminuídos física e mentalmente, adequada instrução geral e profissional, correspondente, na medida do possível, às aptidões e inclinações de cada um.

Quanto à instrução escolar, consubstancia-se esta no desenvolvimento técnico, intelectual e cultural do filho. 

Aos pais cumpre determinar o tipo de educação (optar pelo currículo escolar mais favorável e adequado ao filho menor de idade, optar por um estabelecimento público ou privado, religioso ou laico, artístico ou técnico, escolher quais as línguas o filho deve aprender), devendo esta determinação ter em conta e corresponder às aptidões e inclinações do filho (artº 1885º nº 2 do Código Civil), ainda que os pais só estejam obrigados a proporcionar aos filhos a instrução possível em face das suas disponibilidades económicas (artº 1885º nº 1 do Código Civil).

e)  Como regra, as responsabilidades parentais relativas às questões de particular importância para a vida do filho são exercidas em comum por ambos os progenitores (artº 1906º nº 1,1ª parte, do Código Civil).

Por seu turno, o exercício das responsabilidades parentais relativas aos actos da vida corrente do filho cabe ao progenitor com quem ele reside habitualmente, ou ao progenitor com quem ele se encontra temporariamente (artº 1906º nº 3, 1ª parte, do Código Civil).

Até à Lei nº 61/2008 de 31/10, o exercício conjunto do poder paternal dependia do acordo dos pais.  Presentemente, generalizou-se o exercício em comum das responsabilidades e o princípio geral de exercício conjunto veio a ser imposto apenas quanto “às questões de particular importância”, deixando-se a decisão exclusiva dos actos do dia-a-dia para o progenitor com quem o filho está.

O carácter indeterminado das noções de “acto de particular importância” e “actos da vida corrente”, levantando dúvidas de concretização, é susceptível de potenciar conflitos parentais e, consequentemente, a insegurança das crianças.

Optou o legislador por não elencar as situações que cabem nesses actos, deixando tal tarefa aos Tribunais e à doutrina.

Assim, consideram-se “questões de particular importância”, entre outras :  as intervenções cirúrgicas das quais possam resultar riscos acrescidos para a saúde do menor ;  a prática de actividades desportivas radicais ;  a saída do menor para o estrangeiro sem ser em viagem de turismo ;  a matrícula em colégio privado ou a mudança de colégio privado ;  mudança de residência do menor para local distinto da do progenitor a quem foi confiado (cf. Tomé d’Almeida Ramião, in “O divórcio e questões conexas – regime jurídico actual”, 3ª ed., pg. 165).

As “questões de particular importância” serão sempre acontecimentos raros.  Os dois progenitores, assim, apenas terão a necessidade de cooperar episodicamente, e sempre à volta de assuntos que, por serem importantes para a vida do filho, porventura os chamarão à sua responsabilidade de pais.

Já as decisões sobre os “actos da vida corrente”, que serão mais frequentes e terão de ser mais rápidas, ficarão na esfera do progenitor com quem o filho vive, sem necessidade de procurar o consentimento do outro (cf. Guilherme de Oliveira, in “A nova lei do divórcio”, publicado em “Lex Familiae”, ano 7, nº 3, 2010, pg. 23), apontando-se como exemplos desse actos de “menor importância”, entre outros :  as decisões relativas à disciplina, ao tipo de alimentação, dieta, actividades e ocupação de tempos livres ;  as decisões quanto aos contactos sociais ;  o acto de levar e ir buscar o filho regularmente à escola, acompanhar nos trabalhos escolares ;  as decisões quanto à higiene diária, ao vestuário e ao calçado ;  a imposição de regras ;  as decisões sobre idas ao cinema, ao teatro, a espectáculos ou saídas à noite;  as consultas médicas de rotina (cf. Helena Gonçalves, in “O regime das Responsabilidades Parentais – Direito da Família”, disponível no “link” www.fd.unl.pt/docentes_docs/ma/ct_MA_13234.doc).

f)  No caso destes autos, não estão os pais de acordo quanto ao tipo de acto quer está em causa.

Enquanto a mãe (e o M.P.) entende que estamos perante um acto da vida corrente, o pai defende que se trata de uma questão de particular importância.

A delimitação entre os dois tipos de actos é difícil de estabelecer em abstracto, existindo uma ampla “zona cinzenta” formada por actos intermédios que tanto podem ser qualificados como actos usuais ou de particular importância, conforme os costumes de cada família concreta e conforme os usos da sociedade num determinado momento histórico.

No caso em apreço, estamos perante a decisão que a mãe tomou de inscrever a filha num curso de inglês no “British Council”, colidindo o horário de um dos dias de aulas (sendo que a aula ocupa uma hora e meia do dia da criança) com o dia em que a menor permanece em casa do pai, nomeadamente à quinta-feira.

Não se trata, em nosso entender, de uma matrícula escolar comum que, essa sim, e sem sombra de dúvida, constitui um acto de particular importância.  Antes se trata de uma ocupação de um tempo livre com uma actividade extra-curricular e que, complementarmente, a irá auxiliar nos seus estudos de língua inglesa.

Estamos perante uma mera orientação educativa, que constitui um aspecto da vida corrente, não existencial, sendo um pouco mais do que o acto da vida corrente normal mas sem a dignidade de questão de particular importância, não sendo reportada apenas à escolaridade mas também à formação complementar escolar e pessoal da criança.

À luz do exposto, parece-nos ter sido correcta a decisão da 1ª instância que não englobou no conceito de “questões de particular importância”, o acto concreto de matrícula da menor no curso de inglês.

Assim, o exercício da responsabilidade parental relativa ao acto em concreto caberia, em princípio, ao recorrente, pois é com ele que a menor reside habitualmente à quinta-feira.

Porém, estando este apenas temporariamente com a filha, não poderá contrariar as orientações educativas mais relevantes, tal como elas são definidas pelo progenitor com quem a menor reside habitualmente, “in casu” a recorrida (cf. artº 1906º nº 3 do Código Civil).

Deste modo, sendo certo que a frequência do curso de língua inglesa constitui um acto da vida corrente, o mesmo situa-se na já referida “zona cinzenta” e, por estar complementarmente ligado à formação escolar da menor, terá de se englobar nas “orientações educativas mais relevantes”.

Assim, bem andou o Tribunal “a quo” ao considerar que a mãe da menor a podia inscrever no curso em causa.

Aliás, impôr o exercício das responsabilidades parentais conjunto neste caso, como pretende o recorrente, implicaria frequentes comunicações dos progenitores, algum dramatismo na sua resolução, maiores conflitos, que em nada beneficiariam a criança, antes pelo contrário.

g)  Por outro lado, e estando em causa o interesse superior da criança, há que considerar que a audição do menor constitui uma das manifestações ou concretizações desse superior interesse.

É sabido que, a partir de uma determinada idade (fixada normalmente nos doze anos, idade ainda não atingida pela menor, apesar de esta já ter completado os onze anos) se atinge um período de desenvolvimento que faz a criança entrar na adolescência, depois de ter adquirido a nível biológico, psicológico e social um desenvolvimento e maturidade que a permitem compreender e actuar de acordo com o meio envolvente.

Numa situação de padrão normal, a criança, a partir dos onze ou doze anos, fala, anda, tem ideia do seu próprio ego, a noção do espaço e do tempo, conhece e coordena os seus hábitos e os seus conhecimentos familiares e saberes.

O menor com aquela idade tem maturidade e desenvolvimento psíquico e moral para decidir ou fazer parte do processo de decisão de questões relacionadas com a sua vida e o seu futuro.

No caso vertente, a menor declarou, de forma clara e inequívoca perante o Tribunal de 1ª instância, que gosta do curso de língua inglesa e que pretende continuar a frequentá-lo.

Assim, bem andou o Tribunal “a quo” quando entendeu que existe “um interesse concreto, para a criança na frequência do curso de inglês (que a própria deseja), não se vislumbrando circunstâncias que desaconselhem (repete-se do ponto de vista da criança) a manutenção do estudo de inglês no Bristish Council, no ano lectivo de 2016/17, numa turma do Secondary Lower, no horário da quinta-feira, das 16:30 às 18:00 horas”.

h)  E assim sendo, a decisão recorrida não merece censura, pelo que o recurso terá de improceder.

i)  Sumário :

I-  Como regra, as responsabilidades parentais relativas às questões de particular importância para a vida do filho são exercidas em comum por ambos os progenitores (artº 1906º nº 1,1ª parte, do Código Civil).

II-  Por seu turno, o exercício das responsabilidades parentais relativas aos actos da vida corrente do filho cabe ao progenitor com quem ele reside habitualmente, ou ao progenitor com quem ele se encontra temporariamente (artº 1906º nº 3, 1ª parte, do Código Civil).

III-  Optou o legislador por não elencar as situações que cabem nos actos de particular importância ou nos actos da vida corrente, deixando tal tarefa aos Tribunais e à Doutrina.

IV-  A delimitação entre os dois tipos de actos é difícil de estabelecer em abstracto, existindo uma ampla “zona cinzenta” formada por actos intermédios que tanto podem ser qualificados como actos usuais ou de particular importância, conforme os costumes de cada família concreta e conforme os usos da sociedade num determinado momento histórico.

V-  Devem considerar-se “questões de particular importância”, entre outras :  as intervenções cirúrgicas das quais possam resultar riscos acrescidos para a saúde do menor ;  a prática de actividades desportivas radicais ;  a saída do menor para o estrangeiro sem ser em viagem de turismo ;  a matrícula em colégio privado ou a mudança de colégio privado ;  mudança de residência do menor para local distinto da do progenitor a quem foi confiado.

VI-  Devem considerar-se “actos da vida corrente”, entre outros :  as decisões relativas à disciplina, ao tipo de alimentação, dieta, actividades e ocupação de tempos livres ;  as decisões quanto aos contactos sociais ;  o acto de levar e ir buscar o filho regularmente à escola, acompanhar nos trabalhos escolares ;  as decisões quanto à higiene diária, ao vestuário e ao calçado ;  a imposição de regras ;  as decisões sobre idas ao cinema, ao teatro, a espectáculos ou saídas à noite;  as consultas médicas de rotina.


*  *  *

III – Decisão

Pelo exposto decide-se julgar a apelação improcedente e confirmar a decisão recorrida.

Custas :  Pelo recorrente (artº 527º do Código do Processo Civil).

Processado em computador e revisto pelo relator


Lisboa, 2 de Maio de 2017

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(Pedro Brighton)

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(Teresa Sousa Henriques)

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(Isabel Fonseca)