Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1846/15.0T8PDL-B.L1-6
Relator: GABRIELA DE FÁTIMA MARQUES
Descritores: ALTERAÇÃO DO EXERCÍCIO DAS RESPONSABILIDADES PARENTAIS
PRESSUPOSTOS
ALTERAÇÃO SUPERVENIENTE
MUDANÇA DE RESIDÊNCIA DO PROGENITOR
INTERESSE DO MENOR
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 01/24/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I. Constitui motivo de alteração da regulação do exercício das responsabilidades parentais a verificação da mudança de país de residência da progenitora da menor, com quem reside e com a qual mantém maiores laços de afectividade.
II. A decisão de alteração tem além do mais, de ser ponderada e analisada à luz duma dupla perspectiva: - A legitimidade do Estado para intervir no exercício dum direito relativo à a liberdade de circulação dos cidadãos; - E o interesse do menor e da protecção da sua relação afectiva com a figura primária de referência.
III. A ruptura na estabilidade social da vida do menor não constitui fundamento para a intervenção do Estado na família, pois, os pais casados gozam em absoluto da liberdade de mudarem de terra ou de país, sem que o Estado pretenda controlar os efeitos dessa decisão na personalidade do filho, pelo que tal circunstância também tem de ser considerada no caso de regulação do exercício das responsabilidades parentais.
IV. Desde que a relação da criança, de 5 anos de idade, com a figura primária de referência seja uma relação que funciona em termos normais,no caso concreto, deve reconhecer-se a esse progenitor a liberdade de mudar de cidade ou país, levando a criança consigo.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes na 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa:
I. Relatório:
S…, residente na R…, n.º…, freguesia da C…, concelho de Ribeira Grande, intentou a presente ação de alteração da regulação do exercício das responsabilidades contra M…, residente na C…, s/n, freguesia de R…, concelho de Ribeira Grande, em referência à filha menor de ambos, N…, nascida a 11-12-2013, e residente com a mãe, pedindo que seja autorizada a alteração da residência da criança para o Canadá, e consequentemente alterado o regime de convívios da criança com o pai.
Alega a requerente estar desempregada, assim como o seu companheiro, pretendendo por isso ir viver para o Canadá, onde o companheiro tem família e promessa de trabalho.
Notificado, o requerido veio alegar não autorizar a alteração da residência da filha para o Canadá, por nos Açores a filha gozar de maior estabilidade e no Canadá existirem serviços de saúde e de educação mais caros; estar a filha integrada em creche e aí ter amigos causando a alteração de residência transtornos à criança a este nível; a alteração de residência importar o afastamento da menor do requerido/pai, que tem condições para contribuir para o crescimento da filha e com bens essenciais para o seu dia-a-dia, e a alteração do clima e espaço físico afetar o desenvolvimento e crescimento da mesma.
Foi realizada conferência de pais na qual não foi possível obter acordo quanto ao objeto do processo, por o progenitor não concordar com a alteração da residência da filha para o Canadá, país onde a mãe irá residir, e entender que está em condições de ficar com a filha.
Foram apresentadas alegações e indicadas testemunhas, que foram ouvidas em sede de audiência de julgamento.
Realizou-se a audiência de discussão e julgamento e foi proferida sentença que decido julgar procedente a ação, alterando-se a regulação do exercício das responsabilidades parentais, nos termos seguintes:
1- A menor N…, nascida em 11/12/2013, fica à guarda e cuidados da mãe, com quem terá residência habitual no Canadá, e que sobre ela exercerá as responsabilidades parentais nas questões do quotidiano, sendo sua encarregada de educação.
2- Nas questões de particular importância da vida da menor, designadamente em matéria de representação judiciária ou patrimonial, de intervenções médico-cirúrgicas não urgentes, e viagens para o estrangeiro (com exceção de viagem entre Portugal e o Canadá e vice versa), as responsabilidades parentais serão exercidas conjuntamente por ambos os progenitores.
3. – A menor está autorizada a deslocar-se entre a área de residência da mãe, no Canadá, e a área de residência do pai, em Portugal, devendo estar acompanhada durante a viagem por qualquer um dos progenitores ou por pessoa da confiança da mãe (no caso de viagem do Canadá para Portugal), ou do pai (no caso e viagem de Portugal para o Canadá);
4. – A menor poderá estar e conviver com o pai durante as férias escolares do verão, enquanto a menor não puder sair do Canadá, na área da sua residência, e posteriormente, removido este obstáculo, na área de residência do pai, por período de pelo menos 30 dias, devendo os custos dos transportes aéreos ser assumidos por ambos os progenitores, na proporção de metade.
5. – Além disso, o progenitor poderá contactar com a filha através de telefone ou de videochamada aos domingos, entre as 21h e as 22h (dos Açores) e ainda às terças e quintas-feiras, no mesmo horário.
6- A título de alimentos à menor, o pai pagará o montante mensal de 120€, o qual deverá ser entregue à mãe, através de depósito/transferência bancária, para conta com o NIB: … até ao dia 8 de cada mês, com efeitos em dezembro de 2015. Tal montante será anual e automaticamente atualizado, em janeiro, segundo o índice de inflação mais baixo apurado pelos serviços oficiais de estatística para a Região Autónoma dos Açores.
7- As despesas extraordinárias de saúde com a menor, na medida em que não cobertas por quais quer sistema de saúde públicos ou privados, bem como as escolares de início de ano letivo, não cobertas pelo apoio social escolar, serão suportadas por ambos os progenitores em partes iguais. Para o efeito a mãe deverá, no prazo de 10 dias após efetuá-las, comunicá-las ao pai por escrito e com cópia dos comprovativos, cabendo-lhe a ele, nos 10 dias após a comunicação, depositar na conta dela a metade que lhe corresponde.

Inconformado veio o requerido recorrer da sentença, pedindo a procedência do recurso e a revogação da sentença, apresentando as seguintes conclusões:
«1-À data (e no momento) em que a douta sentença recorrida foi proferida, não se verificava qualquer facto ou circunstância superveniente que justificasse a alteração do regime anteriormente fixado por sentença homologatória, pelo que este se deveria ter mantido, em qualquer caso inalterado.
2-Por outro lado, salvo o devido respeito, na ponderação de interesses em presença, ou seja, os interesses de uma criança de apenas 4 (quatro) anos de idade e os interesses da mãe dela, o Tribunal recorrido privilegiou claramente e indevidamente os interesses da requerente nãe da N... C..., em detrimento do superior interesse desta última.
3-Na verdade, a douta sentença em recurso significa uma intolerável e injustificada desestabilização da vida da menor N..., passando esta, com autorização do Tribunal, a residir no Canadá, país longínquo, afastada do seu núcleo familiar mais próximo e, sobretudo, do progenitor pai.
4-Em consequência, a douta sentença recorrida "legitima" em nome dos interesses laborais da mãe da menor e dos interesses familiares daquela nomeadamente da reconstrução da vida com outro companheiro noutro país, o desenraizamento total da vida da menor N…, afastando-a (quase) definitivamente de toda a sua família, incluindo-se nesta os primos com quem alias muito convivia e brincava (cfr. ponto n° 3 dos factos provados), com excepção da progenitora mãe e do novo         companheiro         desta, com   todos os inconvenientes para a vida da menor, que, salvo melhor opinião, são evidentes.
5-E sobretudo, em nome dos interesses (laborais e familiares) da progenitora mãe, a menor verá doravante definitivamente afastada da sua vida o seu pai, o ora recorrente, e restringidos os contactos regulares com este, que se limitarão no futuro e caso seja mantida a decisão em recurso, a meros telefonemas ou vídeo-chamadas, com todos os prejuízos daí decorrentes na relação entre pai e filha.
6-Assim, da leitura de douta sentença recorrida, verifica-se uma excessiva e desproporcional protecção da vida e interesses da mãe da menor N..., sempre em detrimento do superior interesse desta, que é totalmente desenraizada e afastada de uma vida feliz e integrada que vinha tendo.
7-A douta sentença recorrida violou, entre outros, o artigo 4°, n° 1 do RGPTC, do qual deve resultar uma interpretação que, antes de mais nada, privilegie a protecção do superior interesse da criança e do jovem, na caso da criança N... C..., em detrimento de outros interesses, ainda que relevantes e legítimos.
8- A douta sentença ainda interpretou e aplicou incorrectamente o disposto nos artigos 1905° e 1906° do Código Civil e 40° do RGPTC, ao não atender convenientemente ao superior interesse da menor N... C..., filha menor do ora recorrente.
9- Por isso, deve a decisão recorrida ser revogada e substituída por outra que mantenha inalterado o regime de regulação das responsabilidades parentais da menor N... C... anteriormente fixado especialmente a sua residência em Portugal, com todas as consequências legais.»
O Mº Pº respondeu pugnando pela negação do provimento ao recurso e, logo, concluindo pela confirmação da decisão recorrida, dizendo, além do mais, o seguinte:«(…) resulta que a menor manifestou a vontade de manter-se no agregado materno por ter maiores laços de afectividade com a progenitora, e não como o progenitor. Por outro lado, com esta alteração a progenitora passará a oferecer melhores condições de vida à menor, sendo certo que se perspectiva que esta venha a adaptar-se a esta nova realidade sem constrangimentos. Finalmente, a condição de precaridade económica em que se encontram os progenitores actualmente, sem qualquer perspectiva de futuro (uma vez que o progenitor deixou de contribuir com a prestação de alimentos desde 2015 e progenitora encontra-se desempregada sobrevivendo com o RSI), não permite garantir um projecto de vida que ofereça melhores condições das que resultam com a presente alteração da residência. Conclui-se assim que o Tribunal decidiu em função dos superiores interesses da menor e não, como afirma o progenitor, no interesse da mãe. Por conseguinte, o Tribunal assegurou, em primeiro lugar, o interesse da menor e da protecção da sua relação afectiva com a figura primária de referência; e, em segundo lugar, a vontade da menor, que apesar da tenra idade sopesou para se aferir com quem esta estabeleceu um vínculo afectivo mais significativo; e finalmente, foram consideradas as consequências para menor da alteração da residência para o estrangeiro ao nível da sua estabilidade emocional, sem descurar do consequente afastamento do progenitor de modo a garantir que não haja uma ruptura do relacionamento deste com a menor, tal como ficou consignado na sentença recorrida («sob pena do bem estar da menor ser posto em causa, com sequelas irreparáveis em termos de estruturação da sua personalidade»). Por este motivo foram acrescentados os pontos 3, 4 e 5 da decisão, precisamente para garantir que não ocorra esta ruptura. A decisão mostra-se, assim justa, correcta, adequada e necessária, e em conformidade com o entendimento considerado no Acórdão do TRG de 4/2/2016:«Apenas não deve ser autorizada a mudança de residência quando impacto negativo no equilíbrio psíquico, emocional e afectivo da menor, implicados por essa mudança de residência e afastamento do progenitor seja superior ao impacto negativo que para a menor representaria a ruptura na relação com o progenitor que tem à sua guarda, no caso de a guarda vir a ser transferida para o outro progenitor». Ora, no caso vertente, parece-nos patente que o impacto negativo da ruptura da menor com a progenitora, decorrente da alteração da residência desta para o Canadá, será sempre maior que as consequências que resultarão da separação com o progenitor, nos termos descritos, ficando assim salvaguardados os superiores interesses da menor, sem esquecer a promoção do seu normal relacionamento com o progenitor. Por outro lado, com esta alteração, a progenitora poderá proporcionar melhores condições de vida à menor e agregado familiar, a começar pelo formação, educação e bem-estar social e económica, condições essas que serão inatingíveis caso permanecesse em Portugal. Justifica-se, assim essa, mudança por que se mostra proporcional aos efeitos pretendidos, uma vez que essa separação só ocorre na justa medida dos superiores interesses da menor e do seu bem estar». Concluindo ainda que: «Afigura-se-nos, salvo o devido respeito por opinião contrária, que os fundamentos do recurso não permitem abalar os fundamentos constantes da decisão, ora recorrida, com a qual concordamos integralmente. Nesta conformidade, a decisão recorrida não merece censura, e as alegações do recorrente não abalam as considerações aí consignadas. Termos em que a decisão recorrida deverá ser confirmada, por ser justa, correcta e equilibrada, e por isso, é de manter nos seus precisos termos.».
O recurso foi admitido.
Colhidos os vistos cumpre decidir.
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Questões a decidir:
O objecto do recurso é definido pelas conclusões do recorrente (art.ºs 5.º, 635.º n.º3 e 639.º n.ºs 1 e 3, do CPC), para além do que é de conhecimento oficioso, e porque os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, ele é delimitado pelo conteúdo da decisão recorrida.
Tendo em conta as conclusões de recurso formuladas que delimitam o respectivo âmbito de cognição, as questões que importa apreciar é a seguinte:
1ª A verificação dos pressupostos que determinam a alteração do regime de regulação das responsabilidades parentais da menor identificada nos autos.
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II. Fundamentação:
 Os elementos fácticos que foram considerados provados na sentença são os seguintes:
1. – N...  nasceu a 11-12-2013 e é filha de M…e de S…;
2. – Por acordo de regulação das responsabilidades parentais judicialmente homologado a 18-11-2015, a menor foi confiada à guarda e cuidados da mãe, com quem foi fixada a residência habitual, deferindo-se o exercício das responsabilidades parentais nas questões de particular importância na vida da menor a ambos os pais, em conjunto; estabelecendo-se convívios da menor com o pai até perfazer os três anos de idade, aos domingos entre as 9h30 às 18h e após esta idade em fins de semana alternados, e ainda nas férias laborais do pai e nas datas festivas; e fixando-se em 120,00€ a prestação de alimentos a cargo do pai;
3. – Apesar do teor do acordo, mesmo após os três anos de idade a menor continuou sem pernoitar com o pai, convivendo com ele apenas aos domingos, na medida em que preferia ficar em casa da mãe a brincar com os primos;
4. – O progenitor deixou de cumprir com o pagamento da prestação de alimentos a partir de dezembro de 2015, estando inscrito na segurança social como trabalhador ativo por conta de Z…, sua mãe, de forma a poder beneficiar mais tarde em situação necessária ou para efeitos de reforma, pelo valor de 37€, valor impenhorável, em razão do que por despacho de 17-01-2017, foi declarado extinto o procedimento para efetivação da prestação de alimentos, que correu termos no apenso A, sendo posteriormente determinada a intervenção do Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores para pagamento da prestação de alimentos fixada a favor da menor N... em substituição do progenitor/devedor;
5. – A progenitora da menor está desempregada, sendo beneficiária de prestação no valor de 253,36€ de rendimento social de inserção, e ainda de prestações familiares referente à menor N... e ao irmão uterino mais novo, no valor de 250,29€, a que acresce o valor de 120,00€ de prestação de alimentos da menor N... a argos do FGADM.
6. – Vive em casa dos avós maternos (sendo a avó desempregada e o avô reformado) com os dois filhos menores, estando o seu companheiro e progenitor do filho mais novo, emigrado no Canadá onde trabalha na área da construção civil, país onde este tem família, designadamente uma irmã que o apoia;
7. – O progenitor do irmão uterino da menor atualmente dispõe de casa arrendada, onde o próprio e a progenitora da menor N... pretendem viver com os dois filhos no Canadá;
8. – A progenitora tem promessa de trabalho no Canadá, e pretende integrar em setembro próximo os dois filhos em equipamento de infância;
9. – É a progenitora da menor a figura de referência cuidadora da menor, com quem esta sempre viveu;
10. – O progenitor contribui com bens alimentares para o sustento da filha, de forma esporádica; faz trabalhos como mecânico, mas não está inscrito na segurança social; não tem rendimentos certos do trabalho.
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Não se provou que:
a) O progenitor aufere entre 500,00€ a 800,0€ com a atividade de mecânico.
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III. O Direito:
Nos termos do artº 4.º do RGPTC os processos tutelares cíveis regulados no RGPTC regem-se pelos princípios orientadores de intervenção estabelecidos na lei de proteção de crianças e jovens em perigo e ainda pelos seguintes: a) Simplificação instrutória e oralidade - a instrução do processo recorre preferencialmente a formas e a atos processuais simplificados, nomeadamente, no que concerne à audição da criança que deve decorrer de forma compreensível, ao depoimento dos pais, familiares ou outras pessoas de especial referência afetiva para a criança, e às declarações da assessoria técnica, prestados oralmente e documentados em auto; b) Consensualização - os conflitos familiares são preferencialmente dirimidos por via do consenso, com recurso a audição técnica especializada e ou à mediação, e, excecionalmente, relatados por escrito; c) Audição e participação da criança - a criança, com capacidade de compreensão dos assuntos em discussão, tendo em atenção a sua idade e maturidade, é sempre ouvida sobre as decisões que lhe digam respeito, preferencialmente com o apoio da assessoria técnica ao tribunal, sendo garantido, salvo recusa fundamentada do juiz, o acompanhamento por adulto da sua escolha sempre que nisso manifeste interesse.
Determinando o artº 12º do mesmo diploma que tal processo revesta a natureza de jurisdição voluntária, ao qual são aplicáveis as normas gerais previstas nos artº 966º a 988º do CPC.
Tal como se refere no Ac. do Tribunal da Relação de Guimarães, datado de 21/06/2018, na acção de regulação das responsabilidades parentais o Tribunal dispõe dos mais amplos poderes investigatórios, não estando sujeito: «a) à iniciativa das partes; b) não vigora o princípio do ónus da alegação e prova, conhecendo o Tribunal de todos os factos que apure, mesmo dos que não tenham sido alegados pelas Partes; c) o Tribunal não está sujeito a critérios de legalidade estrita, devendo adoptar a solução que julgar mais conveniente e oportuna para cada caso; d) as decisões podem sempre ser revistas se ocorrerem circunstâncias supervenientes que justifiquem a alteração, quer a superveniência seja objectiva, isto é, tenham os factos ocorrido posteriormente à decisão, quer seja subjectiva, ou seja, quando os factos são anteriores à decisão mas não tenham sido alegados por não serem conhecidos por quem tinha interesse na alegação, ou por outro motivo ponderoso» ( in www.dgsi.pt/jrg).
Donde, a acção de regulação do poder paternal não é um processo de partes que vise solucionar ou compor um conflito de interesses disponíveis (cfr. art.º 1249.º do CC), pelo que o ónus de alegação não predomina neste tipo de acções.
Logo, manifestamente o processo de alteração de regulação do exercício das responsabilidades parentais é um processo com natureza de jurisdição voluntária (art. 12 do RGPTC), o que quer dizer que não há um litígio de interesses a decidir, mas sim uma controvérsia, ou diferença de opiniões, entre requerente e requerido sobre a melhor regulação do exercício das responsabilidades parentais relativamente à filha tendo em conta o interesse desta (e também, mas só secundariamente, o interesse dos progenitores).
Acresce que essa regulação (a que melhor serve o interesse da menor – segundo o art. 40º do RGPTC o exercício das responsabilidades parentais é regulado de harmonia com os interesses da criança”, em coerência com o disposto no art. 1906º do CC, especialmente no seu n.º 7) vai ser decidida pelo tribunal, não no exercício de uma função jurisdicional, mas sim de administração pública de interesses privados, tendo em conta aquilo que os progenitores tiverem dito nas suas alegações e tudo aquilo que tiver sido apurado no decorrer do processo, mesmo que não introduzido pelos progenitores (art. 986º do CPC).
Por isso se diz que na acção de regulação das responsabilidades parentais o que está em causa é o superior interesse dos menores, interesse que ambos os progenitores querem ver tutelado – e, por isso, lhes é comum -, mas sobre o qual têm perspectivas e posições distintas (entre outros: Anselmo de Castro, Direito Processual Civil Declaratório, vol. I, Almedina, 1981, págs. 146 a 157, Rosa Andreia Simões Cândido Martins, Processos de jurisdição voluntária. Acções de regulação do poder paternal. Audição do menor, BFDUC, 2001, págs. 720 e segs; Maria Clara Sottomayor, Exercício do poder paternal, Porto, PUC, 2003, págs. 92 e ss. e Maria de Fátima Abrantes Duarte, O poder paternal. Contributo para o estudo do seu actual regime, AAFDL 1989, págs. 150/151).
Insurge-se o recorrente nas suas alegações quanto à prolação da sentença, por considerar que não se verificava qualquer facto ou circunstância superveniente que justificasse a alteração do regime fixado quanto ao exercício das responsabilidades parentais.
Na decisão sob recurso, de forma bem fundamentada, decidiu-se o seguinte:
« Por acordo de regulação das responsabilidades parentais de 18-11-2015 foi a residência da criança fixada com a mãe, não existindo dúvidas de que esta era a figura parental de cuidadora e afetiva de referência da criança.
Neste momento a mãe subsiste de rendimento social de inserção e de prestações familiares e está separada do seu companheiro, progenitor do filho mais novo, que está emigrado no Canadá a trabalhar, país onde a mãe pretende também viver de forma a reunificar-se com o companheiro, juntamente com os seus dois filhos.
O progenitor da menor R… ( sendo manifesto o lapso de escrita – artº 249º do CC, sendo o nome a considerar de N...), consciente de que ficará privado de convívios regulares com a filha opõe-se à alteração da residência da filha para outro país, e logo à deslocação da menor ao Canadá com este propósito, propondo a alteração da residência da criança de forma a passe a residir consigo, alegando que tem condições para tal.
Face a este circunstancialismo, que pressupõe a residência dos progenitores em dois continentes distintos, separados por um oceano, não é exequível o estabelecimento de uma residência alternada da menor. Assim, a análise terá de passar obrigatoriamente por fatores relacionados com a criança, com os progenitores e com o meio onde a criança se irá inserir.
No que diz respeito à criança há que determinar as suas necessidades físicas, intelectuais e materiais. Para além destes fatores há que se ter em conta igualmente a idade, o sexo, o grau de desenvolvimento físico e psíquico, a sua integração no ambiente onde se move, o seu relacionamento afetivo com cada um dos progenitores e os efeitos que poderiam advir de uma mudança do estado de coisas existente.
No caso de que nos ocupamos, estamos em presença de uma criança de 4 anos de idade, estável emocionalmente e inserida de forma ajustada no agregado materno, que vive com a progenitora desde que nasceu sem descontinuidades, e cujos convívios com o pai não evoluíram para fins de semana alternados, face à própria posição da criança que prefere manter-se no agregado materno a brincar com os primos, deslocando-se a casa do pai apenas aos domingos, circunstâncias estas que permitem eleger a figura materna como figura de referência afetiva e cuidadora da criança. Não obstante a relação afetiva mais significativa ser com a mãe a menor possui vínculo relacional positivo com o pai, apesar de esta figura parental ser aquela com quem passou menos tempo, e com quem priva por curtos períodos de tempo ao domingo, circunstâncias que permitem concluir não haver constrangimentos face às características da criança e relação de vinculação com as figuras parentais que obstem a que resida com qualquer deles de forma permanente.
Relativamente aos pais, o enfoque é posto na capacidade parental de se relacionar afetivamente com o menor e incentivar que este se relacione com o outro progenitor com quem o menor não tem residência habitual, de lhe proporcionar os cuidados de saúde e a educação necessárias ao seu sexo e idade, bem como o facto de dispor de tempo disponível para cuidar deste. Para além destes fatores releva ainda a sua conduta, a sua situação financeira e a estabilidade que pode facultar. Já no que concerne ao meio onde a criança se irá inserir, o primeiro fator a destacar é a característica física da habitação e sua localização referentemente ao espaço onde o menor desenvolve as suas atividades escolares, religiosas, familiares e de amizade.
Em referência à capacidade de cada um dos progenitores de proporcionar à menor N... os cuidados básicos e ainda os afetivos, de saúde e de educação adequados à sua idade importa atender à situação de vida de cada um dos seus progenitores, sendo de destacar não a respetiva situação económica, mas antes a estabilidade que imprimiram à sua vida, seja em termos emocionais, seja em termos laborais e habitacionais, contexto envolvente este que a criança se moverá.
Nesta ponderação emergem fragilidades no progenitor, associadas ao não cumprimento da obrigação alimentar à menor durante o período de vigência do acordo de regulação do exercício das responsabilidades parentais (dois anos e seis meses), e a sua instabilidade laboral, a não permitir formular juízo de prognose no sentido de o abalo emocional que o afastamento da criança da mãe necessariamente causaria seria colmatado pelas melhores condições de vida e dos cuidados que o pai proporcionaria à criança.
É certo que a mãe irá organizar nova vida no estrangeiro, o que implicará a adaptação de todo o seu agregado a uma nova casa, trabalho, escola e país. Porém, importa considerar que as condições de vida na mãe em Portugal são precárias, na medida em que subsiste exclusivamente de prestações sociais, e que a mesma preparou a alteração da residência do agregado para o estrangeiro com antecedência e prudência, fazendo seguir em primeiro lugar o seu companheiro, que entretanto já providenciou por trabalho, sustento e habitação para o agregado, e só reunidas estas condições, e mediante promessa de trabalho para a própria é que a mesma se deslocará para o Canadá, onde perspetiva integrar os dois filhos, incluindo a menor N..., em equipamento de infância.
Ora, não se pode olvidar ser legítima a pretensão da progenitora de alterar a sua residência para país onde terá outras oportunidades de trabalho e de proporcionar melhores condições de vida aos seus filhos, incluindo a menor a que se reportam os autos, a qual pela sua idade tem condições para fazer uma boa adaptação a esta nova realidade.
Serve o exposto para concluir que a menor N.... encontra na figura materna e respetivo agregado um contexto globalmente protetor e promotor do seu bem integral, em razão do que a sua residência deve ser deferida junto da mãe, no Canadá.
Porém, a alteração da residência e guarda da menor não poderá ter como efeito o corte relacional da menor com o pai, sua referência afetiva, sob pena de o bem-estar da menor ser posto em causa, com sequelas irreparáveis em termos de estruturação da sua personalidade. É nesta medida que os contactos por telefone e videochamada da menor com o pai devem ser assegurados e ocorrer de forma regular, em dias e horas certos, constituindo uma rotina que a menor vai interiorizar e normalizar na sua vida.
A distância geográfica e sobretudo o custo do transporte aéreo entre o Canadá e a ilha de São Miguel, não permitem convívios da menor com o pai em fins de semana alternados, os quais devem ocorrer no período das férias escolares do verão da N..., enquanto a menor não puder sair do Canadá, na área da sua residência, e posteriormente, removido este obstáculo, na área de residência do pai, por período de pelo menos 30 dias, devendo os custos dos transportes aéreos ser assumidos por ambos os progenitores, na proporção de metade.
De forma a não serem postos obstáculos às deslocações da menor para efeitos convívios com o pai nas férias do verão, consignar-se-á uma autorização genérica nesta matéria.
Os contactos telefónicos ou por videochamada devem ocorrer aos domingos, entre as 21h e as 22h (dos Açores) e ainda às terças e quintas-feiras, no mesmo horário.
Em tudo o mais mantém-se a regulação das responsabilidades parentais acordadas a 18-11-2015 (pontos 1), 2), 9) e 10).
Ora, manifestamente face à alteração que irá operar-se na vida da progenitora a necessidade de alteração do estabelecido encontra plena justificação nessa circunstância. Porém, sempre o objecto do processo é a necessidade da alteração da regulação, na perspectiva do interesse (principal) que está em causa, que é o da menor, e não no do interesse de um ou de outro dos progenitores, pelo que o que se trata é de saber se se demonstra a necessidade da alteração da regulação e não se se demonstra a necessidade da alteração proposta pelo requerente ou pela requerida e, no caso de se demonstrar a necessidade, qual é a melhor forma da nova regulação, independentemente do que tiver sido proposto por um ou por outro dos progenitores.
Como ficou decidido no Acórdão da Relação de Guimarães, de 4/02/2016, citado na resposta do Ministério Público e publicado no site www.dgsi.pt/jrg, em situação em tudo idêntica à dos presentes autos: «Para se aferir da justeza da mudança de residência do menor, mormente quando este tem de se deslocar para o estrangeiro na companhia de um dos progenitores, justifica-se que os princípios do superior interesse e bem-estar do menor sejam complementados por um critério de proporcionalidade, aferindo-se se essa mudança é necessária, adequada e se se verifica na justa medida. Todavia, tais situações têm também de ser ponderadas e analisadas à luz duma dupla perspectiva: - Do ponto de vista da legitimidade do Estado para intervir no exercício dum direito fundamental dos cidadãos (a liberdade de circulação, constitucionalmente garantida, nos termos do art. 44º, nº 1 e 2 da C.R.P.); - E da perspectiva do interesse do menor e da protecção da sua relação afectiva com a figura primária de referência. E assim sendo, são também factores essenciais a ter em consideração: - A relação afectiva do menor com cada um dos pais; - A vontade do menor; - As consequências para a relação entre o progenitor guarda e o filho de uma proibição judicial de mudar de terra; - E as consequências para o filho de uma alteração da decisão de regulação do poder paternal a favor do outro progenitor e da consequente ruptura na relação afectiva com a figura primária de referência. Apenas não deve ser autorizada a mudança de residência quando impacto negativo no equilíbrio psíquico, emocional e afectivo da menor, implicados por essa mudança de residência e afastamento do progenitor seja superior ao impacto negativo que para a menor representaria a ruptura na relação com o progenitor que tem à sua guarda, no caso de a guarda vir a ser transferida para o outro progenitor.».
Destarte e face ao princípio da modificabilidade das decisões de regulação do poder paternal, nos autos ocorre uma circunstância superveniente, pelo que cai por terra o argumento do recorrente, e tal circunstância torna necessário alterar o que estiver estabelecido, pois o anteriormente decidido tornou-se desadequado, desconforme ou prejudicial às actuais circunstâncias da menor.
No que tange ao superior interesse da menor que deverá presidir a tal alteração, entendemos que também não se oferece razão ao recorrente.
Pois o “objectivo supremo de qualquer regulação do poder paternal consiste no interesse do menor, e se este por seu lado se encontra em contínua evolução e desenvolvimento, torna-se necessário adaptar a decisão inicial às novas necessidades do menor ou a outras circunstâncias supervenientes que exijam uma modificação da decisão inicial”( Clara Sottomayor, in “Exercício do Poder Paternal relativamente à pessoa do filho após o divórcio ou a separação de pessoas e bens”, 2ª edição, publicações Universidade Católica, pp. 364/365.3).
A lei não podia deixar de atender e de reflectir a essencial característica inerente à personalidade humana, seja porque a evolução física, psíquica, emocional, afectiva, intelectual, moral e social de uma criança não se compagina com espartilhos resultantes de uma decisão judicial referida a determinado momento cronológico e aferida pelas circunstâncias então existentes, seja até porque os responsáveis por proporcionar à criança as condições para esse harmonioso desenvolvimento vêem também alteradas as suas próprias circunstâncias. E tal ocorre quer sejam circunstâncias exclusivamente inerentes ao menor, sejam circunstâncias respeitantes a um dos progenitores ou a ambos, o certo é que elas podem impor, em atenção ao interesse do menor, a alteração ao regime do poder paternal.
Haverá assim que harmonizar a estabilidade das condições de vida da criança, do seu ambiente físico e social e das suas relações afectivas, com a eventual necessidade de alteração, pelo que é na ponderação de todas as circunstâncias concretas do caso que será encontrado o equilíbrio necessário à decisão de uma eventual alteração.
Nos casos de alteração da regulação do poder paternal, a personalidade humana constitui verdadeiramente, mais que o centro da decisão e o objecto da decisão, o critério da decisão, pois que, é o interesse do menor que há-de fundamentar e determinar o sentido da decisão, sendo que este interesse é irradiação daquela concreta personalidade, com as suas peculiares circunstâncias – ligações afectivas e emocionais, estado de saúde e de desenvolvimento físico, psíquico, educacional, moral e social.
E como é evidente, uma das circunstâncias que é esgrimida frequentemente como fundamento para alteração do regime do poder paternal, incluindo o aspecto relativo à atribuição da guarda do menor, consiste no facto do progenitor que tem a guarda do menor mudar de cidade ou de país, desenraizando a criança do seu ambiente normal e diminuindo a quantidade do contacto desta com o outro progenitor.
No caso sub judice na decisão a quo, de forma acertada, esgrimiram-se todos esses argumentos, pois atendeu-se à relação afectiva do menor com cada um dos pais, o impacto da mudança geográfica sobre a personalidade do menor (importância da relação do menor com vizinhos, amigos, escola), a circunstância de a menor ter apenas cinco anos de idade, bem como as consequências para a relação entre o progenitor guarda e o filho de uma proibição judicial de mudar de terra.
E foi nessa ponderação que se concluiu que não se afigura que se possa presumir que a mudança de residência de um país para outro traduza, por si só, um dano significativo na estabilidade das condições de vida da criança, devendo exigir-se a prova efectiva desse dano, que não pode consistir nos simples e normais transtornos que qualquer mudança de residência de um local para outro (seja de uma cidade para outra ou de um país para outro) sempre significa.
Além disso, deve considerar-se que a ruptura na estabilidade social da vida do menor não constitui fundamento para a intervenção do Estado na família, pois, os pais casados gozam em absoluto da liberdade de mudarem de terra ou de país, sem que o Estado pretenda controlar os efeitos dessa decisão na personalidade do filho.
Relevante sim é a relação da menor com o progenitor a quem foi confiada a guarda e toda a postura do outro progenitor, sendo que no caso é a mãe da menor a sua figura primária de referência e esta relação seria inevitavelmente afectada com a alteração da guarda a favor do outro progenitor, cujo interesse, aliás, não foi manifestado pelo progenitor ora recorrente.
Logo, para o desenvolvimento da criança é menos traumatizante a redução do contacto com o progenitor sem a guarda do que uma ruptura na relação com o progenitor com quem tem vivido, que será aquele com quem construiu uma relação afectiva mais forte.
E assim sendo, desde que a relação da criança com a figura primária de referência seja uma relação que funciona em termos normais, deve reconhecer-se a esse progenitor a liberdade de mudar de cidade ou país, levando a criança consigo.
A todos esses factores acresce o factor económico, também referido em sede de motivação da sentença recorrida, bem como a possibilidade que tal alteração na vida da progenitora ter repercussões nas condições de vida da menor, melhorando-a.
Por outro lado,  mostram-se ainda verificadas as condições para que a menor tenha naquela país condições para continuar o seu normal e harmonioso desenvolvimento (o actual companheiro da progenitora tem nesse pais uma situação estabilizada), bem como a garantia de emprego por parte da progenitora e, essencialmente, a inscrição da menor num estabelecimento ( ainda infantil) desse país.
Acresce que relativamente ao recorrente, resulta demonstrado que mesmo após os três anos de idade a menor continuou sem pernoitar com o pai, convivendo com ele apenas aos domingos, na medida em que preferia ficar em casa da mãe a brincar com os primos. Também se provou que o progenitor deixou de cumprir com o pagamento da prestação de alimentos a partir de dezembro de 2015, estando inscrito na segurança social como trabalhador ativo por conta de ZSilva, sua mãe, de forma a poder beneficiar mais tarde em situação necessária ou para efeitos de reforma, pelo valor de 37€, valor impenhorável, em razão do que por despacho de 17-01-2017, foi declarado extinto o procedimento para efetivação da prestação de alimentos, que correu termos no apenso A, sendo posteriormente determinada a intervenção do Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores para pagamento da prestação de alimentos fixada a favor da menor N... em substituição do progenitor/devedor.
Logo, é a progenitora da menor a figura de referência cuidadora da menor, com quem esta sempre viveu e o progenitor contribui com bens alimentares para o sustento da filha, de forma esporádica; faz trabalhos como mecânico, mas não está inscrito na segurança social; não tem rendimentos certos do trabalho.
De tudo o que vem sendo referido flui a conclusão de que se nos afigura ser de manter a guarda da menor confiada à sua progenitora, com mudança de país de residência, e alterações subsequentes e inerentes a essa mudança nos termos constantes da sentença o que, e por decorrência, implica a improcedência da apelação interposta.
Improcede, portanto, a apelação, mantendo-se na íntegra a sentença a quo.         
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IV. Decisão:
Por todo o exposto, acorda-se em julgar improcedente a apelação e, consequentemente, mantem-se a decisão recorrida.
Custas pelo apelante (sem prejuízo do benefício de apoio judiciário).
Registe e notifique.
Lisboa, 24 de Janeiro de 2019

Gabriela Fátima Marques
Adeodato Brotas
Gilberto Jorge