Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
5023/20.0T8VNF.G1
Relator: MARIA CRISTINA CERDEIRA
Descritores: EXECUÇÃO BASEADA EM INJUNÇÃO
DESPACHO LIMINAR
DOMICÍLIO CONVENCIONADO
FALTA DE NOTIFICAÇÃO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 02/11/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I- A pronúncia antecipada da exequente, no requerimento executivo, sustentando a realização da notificação da requerida na injunção, não legitima a invocação de ausência de oportunidade processual e de contraditório prévio, relativamente à posterior declaração de nulidade da notificação.
II- Se o juiz pode rejeitar a execução até ao momento definido no art.º 734º, n.º 1 do NCPC, apesar de ter admitido liminarmente a execução no despacho previsto no art.º 726º do mesmo Código, não faz sentido que o não possa fazer quando, por regra, não há lugar a despacho liminar, como acontece na execução que segue a forma de processo sumário.
III- O juiz, mesmo no âmbito de um processo executivo sob a forma sumária, pode detetar e conhecer oficiosamente, na sua primeira intervenção no processo, de questões que podem determinar o indeferimento liminar do requerimento executivo, por força do disposto no art.º 734º, n.º 1 “ex vi” do art.º 551º, n.º 3 ambos do NCPC, desde que ocorra situação subsumível a tal preceito.
IV- Os procedimentos de notificação no âmbito do procedimento de injunção dependem da existência de convenção de domicílio para efeito de realização da notificação do requerimento de injunção em caso de litígio.
V- Se num procedimento de injunção em que não haja domicílio convencionado, se frustrar a notificação da requerida por carta registada com aviso de receção, por ter sido devolvida com a indicação de “não reclamado”, e não for observado o disposto no art.º 12º, nºs 3 e 4 do regime anexo ao DL 269/98 de 1/9, quando a morada da requerida obtida nas bases de dados coincide com a morada para onde foi endereçada a carta registada com aviso de receção, existe nulidade da notificação por inobservância das formalidades prescritas na lei (art.º 191º, n.º 1 do NCPC). Esta nulidade implica a falta do próprio título executivo que, eventualmente, se forme no procedimento de injunção (arts. 726º, n.º 2, al. a), 1ª parte e 734º, n.º 1 do NCPC).
Decisão Texto Integral:
Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães

I. RELATÓRIO

Telecomunicações ..., S.A. intentou a presente execução sumária para pagamento de quantia certa, contra A. S., com base em dois requerimentos de injunção com os nºs 78971/19.9YIPRT e 30360/19.3YIPRT, aos quais foi aposta fórmula executória, na qual peticiona o pagamento do montante global de € 2.624,16, acrescido de juros de mora à taxa legal comercial, contabilizados desde a data de entrada da injunção, dos juros compulsórios e das quantias exigíveis nos termos do artº. 33º, nº. 4 da Lei nº. 32/2014 de 30/5 e artº. 26º, nº. 3, al. c) do RCP (cfr. injunção junta com o requerimento executivo e injunção com a refª Citius 10552295).

Após feitas várias diligências pelo Agente de Execução tendo em vista a penhora de bens da executada e antes desta ter sido citada na execução, foi aberta conclusão ao Mº Juiz “a quo”, tendo em 8/10/2020 sido proferido despacho a rejeitar liminarmente o requerimento executivo nos seguintes termos [transcrição do despacho excluindo as notas de rodapé]:

«Despacho liminar – cfr. artigo 726.º, n.º 1, al. a) do C.P.C.

A citação é o ato pelo qual se dá conhecimento ao réu de que foi proposta contra ele determinada ação e se chama ao processo para se defender (cfr. art.º 219º, n.º 1, do C.P.C.).
No âmbito do procedimento especial de injunção o ato de notificação/citação segue as regras de citação, porquanto é o único meio de chamar o requerido ao processo de injunção.
Com efeito, nos termos do artigo 12.º, n.º 1, do Dec. Lei nº 269/98, de 01-09, estabelece-se que o secretário judicial notifica o requerido, por carta registada com aviso de receção, para, em 15 dias, pagar ao requerente a quantia pedida, acrescida da taxa de justiça por ele paga, ou para deduzir oposição à pretensão.
Prescreve, depois, o n.º 2, do mesmo dispositivo, que à notificação é aplicável, com as devidas adaptações, o disposto no Código Processo Civil quanto ao regime da citação/notificação.
As modalidades de citação estão previstas nos atuais artigos 225.º a 245.º, todos do C.P.C., sendo a citação pessoal, por carta registada com aviso de receção - citação postal -, ou por contacto pessoal do funcionário judicial com o citando, quando aquela se frustre, o procedimento regra (cfr. artigos 228.º, e ss. do C.P.C.), fixando a lei processual, perante a impossibilidade de em muitos casos aquela ter lugar, os respetivos sucedâneos.
Note-se que o artigo 229.º, do C.P.C., determina que a citação nas ações para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contrato reduzido a escrito em que as partes tenham convencionado o local onde se têm por domiciliadas para o efeito da citação em caso de litígio, efetua-se, no domicilio convencionado e, só após devolução da carta ou recusa de assinatura do aviso de receção, é que se procede à citação através do mero depósito dessa carta de citação/notificação.
Por último, importa ter em atenção que o art.º 188.º, n.º 1, al. e), do C.P.C., refere que há falta de citação quando se demonstre que o destinatário da citação pessoal não chegou a ter conhecimento do ato, por facto que não lhe seja imputável.
No caso em apreço, a sede/domicílio de citação/notificação do/a(s) ora executado/a(s) no âmbito do procedimento de injunção nunca foi convencionado entre as partes, como confessa o ora exequente no requerimento que dirigiu ao processo (apesar de ter mencionado no requerimento de injunção que existia essa convenção de domicílio).
Inexistindo, assim, qualquer acordo entre as partes quanto ao “domicílio convencionado”, a validade da citação efetuada no âmbito do procedimento de injunção está irremediavelmente prejudicada porquanto foi efetuada através de mero depósito dessa missiva no respetivo recetáculo. – Cfr. Informação do Balcão Nacional de Injunções junta aos autos.
Ora, é consabido e indiscutível a citação é um ato determinante para que o demandado possa exercer o direito de defesa.
Tal ato não se compadece com as sugestionadas “ligeirezas” das “tentativas” a que se alude no citado artigo 12.º, do Dec. Lei nº 269/98, de 01-09.
Aliás, o regime processual civil é suficientemente rigoroso quanto a essas “tentativas” de citação e afasta qualquer leveza nesse ato determinante para que o cidadão possa efetivar o seu direito de defesa.
A “agilidade” do processo de injunção não pode traduzir-se numa denegação desse direito de defesa.
Sobre esta questão em especial afirma-se no douto Ac T.R.C., datado de 10-05-2016, proferido no processo n.º 580/14.3T8GRD, nos termos do qual, “no caso de não existir convenção pela qual as partes tenham estipulado determinado local para, em caso de litígio, serem notificadas ou citadas, a secretaria do BNI deve observar a modalidade de carta registada com aviso de receção, em lugar de realizar a notificação por via postal simples (art. 12.º, n.º 1, do regime anexo ao Decreto-Lei n.º 269/98). Nesta hipótese, o depósito da carta não é elemento decisivo para que o requerido/notificando tenha conhecimento efectivo da notificação, já que esta modalidade de notificação pressupõe, como se disse, a existência de convenção de domicílio (cfr. art. 12.º-A do mesmo regime jurídico). Se, por hipótese, não for observado o modo de notificação previsto no art. 12.º do regime anexo ao Decreto-Lei n.º 269/98 (carta registada com aviso de receção), existe nulidade da notificação, por inobservância das formalidades prescritas na lei (art. 191.º, n.º 1, do C.P.C.). Esta nulidade implica a falta do próprio título executivo que, eventualmente, se forme no procedimento de injunção (arts. 726.º, n.º 2, al. a) 1.ª parte, e 734.º, n.º 1, do C.P.C.). Poder-se-á argumentar que, por aplicação das regras da citação (em concreto, do n.º 4 do art. 191.º do C.P.C.), esta nulidade só pode ser atendida se a falta cometida puder prejudicar a defesa do notificando. Esta norma parece fazer recair sobre o citando o ónus de provar que a formalidade não observada prejudicou realmente o seu direito de defesa. Repare-se que, no âmbito da acção declarativa comum, o regime da citação, quando haja convenção de domicílio, não dispensa o envio de nova carta registada com aviso de receção ao citando, sempre que o expediente relativo à primeira carta de citação tenha sido devolvido por o destinatário não ter procedido, no prazo legal, ao seu levantamento no estabelecimento postal (cfr. art. 229.º, n.º 4, do C.P.C.). A aplicação do n.º 4 do art. 191.º do C.P.C., à notificação do requerido, a que alude o artigo 12.º do regime anexo ao Decreto-Lei n.º 269/98 só poderia basear-se num argumento de identidade de razões. No entanto, esta identidade não existe na situação em apreço, pois que, no caso de, no procedimento de injunção, se frustrar a notificação por via postal registada, realiza-se a notificação por via postal simples com prova de depósito (art. 12.º, n.º 4 e 5, do regime anexo ao Decreto-Lei n.º 269/98). Dito de outro modo: a aplicação do disposto no n.º 4 do art. 191.º do C.P.C. só seria pensável se a notificação do requerido seguisse o regime da citação do réu. Não é isso, todavia, que sucede: no caso de se frustrar a notificação por carta registada com aviso de receção, há que observar o disposto no art. 12.º, n.º 4 e 5, do regime anexo ao Decreto-Lei n.º 269/98. Assim, há que concluir que a falta do cumprimento do estabelecido em qualquer destes preceitos gera, automaticamente, a nulidade da notificação do requerido. Por consequência, o juiz, face à preterição de alguma das formalidades legais previstas no art. 12.º do anexo ao Decreto-Lei n.º 269/98, deve julgar procedente a nulidade da notificação, mesmo que o requerido, em embargos deduzidos à execução, não tenha cumprido o ónus da prova do prejuízo resultante dessa preterição para a sua defesa”.
Ainda no que concerne à citação no âmbito do procedimento de injunção afirma-se doutamente no douto Ac. V.T.R.P., datado de 28-04-2015, disponível in http://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/-/5520C511B6565C8F80257E67004F7694, o seguinte: “(…) a citação por via postal de pessoa colectiva ou sociedade, faz-se por meio de carta registada com aviso de receção dirigida para a sede ou local onde funciona normalmente a administração. Em caso de impossibilidade de se proceder à citação por esse modo, procede-se à citação do representante mediante carta registada com aviso de receção, remetida para a sua residência ou local de trabalho – art. 237º do CPC. Ora, ante a devolução da 1ª carta expedida, o Balcão Nacional de Injunções limitou-se a expedir carta em correio com registo simples para a mesma morada da 1ª carta. A notificação efetuada (na injunção) não observou, como devia, as formalidades acabadas de referir e prescritas na lei, o que, nos termos do art. 198.º/1 do CPC (atual art. 191, nº 1), pode acarretar a sua nulidade, se a falta cometida prejudicar a defesa do citado, na medida em que as regras relativas a citações e notificações, ao mencionar determinados cuidados e advertências, não constituem meras indicações, mais ou menos facultativas, mas sim prescrições impositivas (neste sentido, vide, por todos, Ac. da Relação Coimbra de 29.05.2012, processo 927/09.4TBCNT-A.C1, disponível em dgsi.pt).”.
Ainda sobre a nulidade da citação no âmbito do procedimento de injunção, afirma-se doutamente no douto Ac. V.T.R.G., datado de 11-02-2016, disponível in http://www.dgsi.pt/jtrg.nsf/-/19CC8CF19CB02F6880257F9A00472EE6, o seguinte: “(…) A convenção de domicílio, para o efeito processual tido em vista, tem que ser uma cláusula explicitamente inserida no texto escrito do contrato, tem que ser uma cláusula em que ambas as partes declaram e aceitam, para o caso de litígio dele derivado, que certo lugar de domicílio, certa residência, valem para o efeito de receber a citação ou a notificação no quadro dum concreto processo. Para este “conceito” e efeito, não revela a alegação na contestação que a morada indicada correspondia à que a oponente indicara para efeitos de faturação, porquanto, tal alegação é vaga; não é o texto escrito do contrato, não é uma cláusula inserida no texto do contrato, o seu conteúdo nada tem a ver com o que se disse sobre o “conceito” em causa, não é da autoria de ambas as partes. Enfim, a partir desta vacuidade “documental” (tendo presente o referido “conceito” e fim tido em vista com a convenção de domicílio), mal se compreende/justifica a informação incorrecta prestada pela exequente/recorrente, no preenchimento do requerimento de injunção, dizendo, sem qualquer fundamento, que havia “domicílio convencionado”. Informação incorrecta que gerou, logicamente, a nulidade de citação. Colocado perante tal informação, o Balcão Nacional de Injunções tinha que notificar a requerida de acordo com o disposto nos art.º 2.º/1 do Diploma Preambular e 12.º-A/1 do Anexo, do DL 269/98, de 1 de Setembro; isto é, bastava-lhe enviar “notificação via postal simples” ao notificando, considerando-se a notificação realizada com a certificação, pelo distribuidor do serviço postal, do depósito da carta na caixa de correio do notificando. Foi isto que Balcão Nacional de Injunções fez, tendo enviado carta simples com prova de depósito. Porém – é o ponto – não havendo, como é o caso, nem contrato reduzido a escrito nem “domicílio convencionado”, a notificação da requerida, ora oponente, tinha que ser feita nos termos do art.º 12.º do Anexo ao DL 269/98, isto é, por carta registada com aviso de receção, sendo-lhe aplicável, “com as devidas adaptações”, o disposto nos n.º 2 a 5 do art. 228º do CPC, o mesmo é dizer, tendo o distribuidor de serviço, no caso da entrega da carta a terceiro, de fazer a entrega a pessoa que se declarasse em condições de a entregar prontamente ao notificando e de a advertir expressamente do dever de tal pronta entrega; e tendo a secretaria, em tal hipótese, que enviar, nos 2 dias úteis seguintes, carta registada ao notificando, “comunicando-lhe a data e o modo por que o ato se considera realizado, o prazo para o oferecimento da defesa e as cominações aplicáveis à falta desta, o destino dado ao duplicado e a identidade da pessoa em quem a citação foi realizada” – (cfr. 233º do CPC, aplicável por “remissão” do 228º/2 do CPC). Significa isto que a notificação efetuada (na injunção) à aqui oponente não observou, como devia, as formalidades acabadas de referir e também prescritas na lei, o que, nos termos do art. 191.º/1 do CPC, acarreta a sua nulidade, uma vez que não é possível afirmar que a ausência de tais cuidados e advertências não prejudicaram a sua defesa, sendo que as prescrições legais no âmbito das citações e notificações, devem ser escrupulosamente cumpridas. Assim, a circunstância da carta (enviada por via postal simples) haver sido recebida por terceiro não apaga a omissão de tais formalidades. Enfim, o erro na notificação, provocado pela exequente/recorrente, era potencialmente prejudicial ao exercício dos direitos de defesa da oponente/recorrente - nada sendo aduzido no sentido de afastar tal prejuízo potencial. Esse erro viciou o procedimento injuntivo e a constituição do próprio título executivo, ou seja, em face da nulidade da notificação da ora oponente na injunção, não pode a oponente ser executada na acção executiva a que estes autos estão apensos, por não se ter formado título executivo, ficando prejudicada a apreciação das demais questões suscitadas no recurso, devendo, oportunamente, o Tribunal da 1ª instância retirar no processo de execução as consequências da procedência da oposição à execução.”
Note-se que até a “presunção de citação” por remessa de carta simples para a morada convencionada até já foi declarada inconstitucional pelo douto acórdão do Tribunal Constitucional, embora para a citação das pessoas singulares.
Com efeito, no douto Ac. TC. n.º 99/2019, publicado no D.R. n.º 52/2019, Série I de 2019-03-14, decidiu-se “declarar a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma constante dos n.os 3 e 5 do artigo 12.º do regime constante do anexo ao Decreto-Lei n.º 269/98, de 1 de Setembro (na redação resultante do artigo 8.º do Decreto-Lei n.º 32/2003, de 17 de fevereiro), no âmbito de um procedimento de injunção destinado a exigir o cumprimento de obrigações pecuniárias de valor não superior a (euro) 15 000 na parte em que não se refere ao domínio das transacções comerciais, nos termos definidos no artigo 3.º, alínea a), do referido Decreto-Lei n.º 32/2003 -, quando interpretados no sentido de que, em caso de frustração da notificação do requerido (para pagar a quantia pedida ou deduzir oposição à pretensão do requerente, nos termos do n.º 1 do mesmo artigo 12.º), através de carta registada com aviso de receção enviada para a morada indicada pelo requerente da injunção no respectivo requerimento, por devolução da mesma, o subsequente envio de carta, por via postal simples, para todas as diferentes moradas conhecidas, apuradas nas bases de dados previstas no n.º 3 do artigo 12.º, em conformidade com o previsto no n.º 5 do mesmo preceito, faz presumir a notificação do requerido, ainda que o mesmo aí não resida, contando-se a partir desse depósito o prazo para deduzir oposição, por violação do artigo 20.º, n.os 1 e 4, em conjugação com o artigo 18.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa”.
Neste contexto jurisprudencial, temos como indiscutível que não existindo qualquer convenção de domicílio, a requerida nunca pode ser citada por mero depósito da carta de citação.
Neste contexto, considerando que as partes não celebraram qualquer convenção de domicílio, nunca a citação do/a(s) requerido/a(s) podia ser concretizada por mero depósito dessa missiva, com ou sem consulta prévia da base de dados, sob pena de violação do direito de defesa consagrado no artigo 20.º, da Constituição da República Portuguesa.
Assim, resultando do expediente junto pelo Balcão Nacional de Injunções que a citação do/a(s) ora executado/a(s) foi efetuada por mero depósito dessa missiva, é inquestionável que essa citação não respeitou os citados preceitos legais e, por conseguinte, é nula.
E sendo nula essa citação, é ponto assente que não existe título executivo válido e exequível - cfr. artigos 188.º e 191.º, do C.P.C..
Pelo exposto, rejeito liminarmente o requerimento executivo - cfr. artigo 726.º, n.º 1, al. a) do C.P.C..
*
Dê conhecimento ao exequente do expediente remetido pelo Balcão Nacional de Injunções.
Custas pela exequente.
***
Valor da causa: o indicado pelo exequente no requerimento executivo.
**
Notifique-se o agente de execução para extinguir a execução (com o levantamento de qualquer penhora já efetuada).»

Inconformada com tal decisão, a exequente dela interpôs recurso, extraindo das respectivas alegações as seguintes conclusões [transcrição]:

1. A decisão recorrida, que rejeitou liminarmente o requerimento executivo, por considerar ter sido nula a notificação da Recorrida no âmbito do procedimento injuntivo, carece de fundamento.
2. Salvo o devido respeito, o Tribunal a quo não poderia, desde logo, por ausência de oportunidade processual e contraditório prévio, decidir, como decidiu, se o domicílio convencionado em sede de requerimento injuntivo foi correta ou incorretamente indicado pela Recorrente;
3. Nem poderia ter concluído pela nulidade da notificação da Recorrida na injunção, uma vez que
- tal não decorre da lei, nem dos acórdãos citados na sentença;
- a apreciação de qualquer nulidade ou exceção dilatória que afete o titulo executivo está limitada a alegação do Executado em sede embargos à execução, o que não sucedeu;
- não poderá o Tribunal substituir-se à Recorrida, pretendendo afastar a presunção da sua notificação.
4. Acresce ao exposto que a existência e validade do título executivo não depende dos concretos termos em que foi efetuada a notificação no procedimento de injunção.
5. Pelo que, contrariamente ao decidido, o título executivo existe e é válido, uma vez que foi elaborado e contém todos os elementos estabelecidos pelo DL 269/98, de 01 de Setembro, assim possibilitando a determinação do fim da execução.
6. Sem prescindir, também é válida a notificação da injunção, uma vez que a morada para onde se remeteram ambas as cartas de notificação coincide com o local obtido junto das bases de dados: tal resulta da Lei (n.ºs 3 e 4 do aart. 12.º do Decreto-Lei n.º 269/98, de 01.09) e constitui entendimento do Tribunal Constitucional, no seu Acórdão 280/2020 de 19/05/2020.
De tudo quanto ficou exposto, resulta que, a decisão recorrida, ao conhecer da nulidade da notificação da injunção e ao rejeitar, liminarmente, a execução, violou, nomeadamente,
- os artigo 186.º n.º 2 alínea a), 200.º n.º 2, 724.º n.º 1 alínea e) e 729.º, todos do CPC.
Termina entendendo que deve ser dado provimento ao presente recurso e ser revogada a decisão recorrida, substituindo-a por outra que admita o requerimento executivo e ordene o prosseguimento dos autos.

Não foram apresentadas contra-alegações.

O recurso foi admitido por despacho de 27/11/2020 (refª. 170764395).
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

II. FUNDAMENTAÇÃO

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, não podendo o Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, tendo por base as disposições conjugadas dos artºs 608º, nº. 2 (aplicável “ex vi” do artº. 663º, n.º 2 in fine), 635º, nº. 4, 637º, nº. 2 e 639º, nºs 1 e 2 todos do Novo Código de Processo Civil (doravante designado NCPC), aprovado pela Lei nº. 41/2013 de 26/6.

Nos presentes autos, o objecto do recurso interposto pela exequente, delimitado pelo teor das suas conclusões, circunscreve-se à apreciação das seguintes questões:

I) – Saber se o Tribunal podia conhecer oficiosamente da falta de título executivo por força da nulidade da notificação da requerida na injunção;
II) – Saber se deverá manter-se a decisão de indeferimento liminar do requerimento executivo.

Com relevância para a apreciação e decisão das questões suscitadas no presente recurso, importa ter em consideração a dinâmica processual supra referida, em sede de relatório, e ainda a seguinte factualidade que resulta dos documentos constantes dos autos:

1. A execução tem por base dois requerimentos de injunção que correram termos no Balcão Nacional de Injunções sob os nºs 30360/19.3YIPRT e 78971/19.9YIPRT, cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido, nos quais foi aposta fórmula executória em 8/10/2019 e 7/02/2020, respectivamente (cfr. injunção junta com o requerimento executivo e injunção com a refª Citius 10552295).
2. Nos requerimentos de injunção o exequente fez menção de que não existia domicílio convencionado (cfr. injunção junta com o requerimento executivo e injunção com a refª Citius 10552295).
3. A requerida, aqui executada, foi notificada do requerimento de injunção com o nº. 78971/19.9YIPRT por carta registada com aviso de recepção, enviada para a morada nele indicada - Rua …, nº. …, Vila Nova de Famalicão, … Vila Nova de Famalicão – a qual foi devolvida com a indicação “Objecto não reclamado” (cfr. docs. juntos com email de 1/10/2020 – refª. Citius 10562913).
4. Foram efectuadas consultas às bases de dados do Serviço de Identificação Civil, da Segurança Social e da Direcção-Geral de Impostos, tendo sido apurada, apenas, a morada da requerida que a recorrente indicara no requerimento injuntivo (cfr. docs. juntos com email de 1/10/2020 – refª. Citius 10562913).
5. Posteriormente foi remetida notificação, por via postal simples, para a morada da requerida em questão indicada em 3., tendo a respectiva carta sido depositada no receptáculo postal dessa morada em 10/01/2020 (cfr. docs. juntos com email de 1/10/2020 – refª. Citius 10562913).
*
Apreciando e decidindo.

I) – Saber se o Tribunal podia conhecer oficiosamente da falta de título executivo por força da nulidade da notificação da requerida na injunção:

A recorrente veio alegar que o Tribunal “a quo” não poderia, desde logo, por ausência de oportunidade processual e contraditório prévio, decidir, como decidiu, se o domicílio convencionado em sede de requerimento injuntivo foi correcta ou incorrectamente indicado pela recorrente, nem poderia ter concluído pela nulidade da notificação da recorrida na injunção, uma vez que:

- tal não decorre da lei, nem dos acórdãos citados na sentença;
- a apreciação de qualquer nulidade ou excepção dilatória que afecte o título executivo está limitada a alegação do executado em sede de embargos à execução, tal como dispõem os artºs 729º, 730º e 857º todos do NCPC, o que não sucedeu;
- não poderá o Tribunal substituir-se à recorrida, pretendendo afastar a presunção da sua notificação;
argumentando, ainda, que tal apreciação não é de conhecimento oficioso e nem sequer foi alegada pela recorrida.


Vejamos se lhe assiste razão.

Contrariamente ao que a recorrente sustenta nas suas alegações e conforme se alcança do texto da decisão recorrida, o Tribunal “a quo” limitou-se apenas a constatar que não havia sido convencionado entre as partes o domicílio para “citação” da ora executada no âmbito do procedimento de injunção, em face do que consta mencionado nos requerimentos de injunção apresentados pela exequente como título executivo, onde se lê “Domicílio Convencionado? Não”, tendo, certamente por lapso, referido entre parêntesis na decisão recorrida “(apesar de ter mencionado no requerimento de injunção que existia essa convenção de domicílio)”, quando dos requerimentos de injunção juntos aos autos resulta precisamente o contrário.
Consideramos, pois, que o Tribunal “a quo” não proferiu qualquer decisão sobre se o domicílio convencionado em sede de requerimento injuntivo foi correcta ou incorrectamente indicado pela recorrente, mas apenas constatou o facto de não existir qualquer acordo entre as partes quanto ao “domicílio convencionado”, conforme resulta dos elementos constantes dos autos, para daí retirar a conclusão, que retirou, em relação à validade da “citação” da requerida/recorrida no âmbito do procedimento de injunção, considerando-a nula por, em seu entender, não ter observado as formalidades previstas na lei.
No que se refere ao conhecimento pelo Tribunal “a quo” da alegada nulidade da notificação da recorrida no processo de injunção, importa, desde já, referir que foi a própria exequente quem, antecipadamente, se pronunciou quanto à notificação da executada, quando afirma no seu requerimento executivo que “não obstante ter sido notificado no âmbito das injunções que servem de base à presente execução, não procedeu o executado ao pagamento dos valores reclamados”, pelo que não pode agora vir invocar qualquer ausência de contraditório prévio que, no caso não existe, uma vez que, além do mais, sempre se teria expressamente pronunciado previamente quanto à matéria em apreciação.
A exequente não tem igualmente razão ao invocar que o Tribunal não podia conhecer da falta de citação, por ausência de oportunidade processual, uma vez que a nulidade resultante da falta de citação a que se refere o artº. 187º do NCPC, pode ser conhecida oficiosamente, por força do disposto nos artºs 196º e 200º do NCPC, não tendo aqui aplicação directa as disposições dos artºs 729º, 730º e 857º do NCPC invocados pela recorrente para sustentar a sua tese.
Ainda neste âmbito, alega a recorrente que cabia à recorrida, depois de citada na execução e caso não tivesse sido notificada da injunção, vir afastar a presunção que a lei estabelece.
A presente execução segue a forma de processo sumário como prevê o artº. 550º, nº. 2, al. b) do NCPC, não havendo lugar a despacho liminar, incumbindo ao agente de execução, em primeira linha, receber o requerimento executivo e os documentos que o acompanham, analisá-lo e verificar se ocorre algum dos requisitos ou motivos para o recusar nos termos do artº. 725º do NCPC com as necessárias adaptações, ou suscitar a intervenção do juiz nos termos dos artºs 723º, nº. 1, al. d) e 726º, nºs 2 a 4 ou quando duvide da verificação dos pressupostos de aplicação da forma sumária (artº. 855º, nºs 1 e 2 do NCPC).
Se o requerimento for recebido e o processo houver de prosseguir, o agente de execução inicia as consultas e diligências prévias à penhora, que se efectiva antes da citação do executado. Feita a penhora de bens, é que se procede à citação do executado (artºs 855º, nº. 3 e 856º do NCPC).

No caso em apreço, o requerimento executivo foi recebido pelo agente de execução e este procedeu à realização de várias diligências tendo em vista a penhora de bens da executada, que se mostraram infrutíferas, tendo o processo sido concluso ao Mº Juiz “a quo” após o agente de execução ter notificado a exequente do resultado das últimas diligências que havia feito e antes de efectuar a citação da executada, o qual proferiu a decisão recorrida de rejeição liminar do requerimento executivo, referindo fazê-lo ao abrigo do disposto no artº. 726º, nº. 1, al. a) do NCPC (por manifesto lapso fez constar o nº. 1 quando deveria constar nº. 2).
Decorre do disposto no artº. 551º, nº. 3 do NCPC que, “in casu”, aplicam-se subsidiariamente as disposições do processo ordinário.
Ora, dispõe o artº. 734º, nº. 1 do NCPC (inserido nas disposições reguladoras das execuções ordinárias) que “O juiz pode conhecer oficiosamente, até ao primeiro acto de transmissão dos bens penhorados, das questões que poderiam ter determinado, se apreciadas nos termos do artigo 726º, o indeferimento liminar ou o aperfeiçoamento do requerimento executivo”.
Portanto, se o juiz pode rejeitar a execução até um determinado momento definido no citado nº. 1 do artº. 734º, apesar de ter admitido liminarmente a execução no despacho previsto no artº. 726º do NCPC, não faz sentido que o não possa fazer quando, por regra, não há lugar a despacho liminar – esta é a posição defendida no acórdão da RL de 15/02/2018, relatora Anabela Calafate, proc. nº. 2825/17.9T8LSB, disponível em www.dgsi.pt e também por António Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, in Código de Processo Civil Anotado, Vol. II, 2020, Almedina, em anotação ao artº. 734º do NCPC, pág. 98, que aqui sufragamos.
Por outro lado, no âmbito do dever de gestão processual previsto no artº. 6º, nº. 1 do NCPC, incumbe ao juiz dirigir activamente o processo e providenciar pelo seu andamento célere. E atento o princípio da economia processual, afigura-se-nos que, num caso de manifesta falta de título executivo, tem o juiz o poder-dever de conhecer oficiosamente dessa questão e proferir despacho nos termos do citado artº. 734º, nº. 1, evitando-se, assim, a necessidade do executado deduzir oposição à execução mediante embargos.
No mesmo sentido vide Rui Pinto, in A Ação Executiva, AAFDL Editora, 2018, pág. 356 e Marco Carvalho Gonçalves, in Lições de Processo Civil Executivo, 2ª ed. revista e ampliada, Almedina, pág. 325 (que alude ao artº. 734º como sendo “uma válvula de escape do sistema, que permite ao juiz controlar a legalidade da execução”). Este entendimento está plasmado no acórdão desta Relação de 28/01/2021, proferido no proc. nº. 7911/19.8T8VNF e relatado pela Desembargadora Margarida Almeida Fernandes, adjunta no presente acórdão, que acompanhamos de perto.
Ademais, é defendido por António Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, na obra supra citada em anotação ao artº. 729º do NCPC, pág. 83, que caso tenha sido apresentado documento destituído de força executiva ou existam falhas (como, por ex., incompetência absoluta, falta de personalidade judiciária, ilegitimidade singular ou incapacidade judiciária), sem que a situação tenha sido detectada liminarmente, podem ser deduzidos embargos de executado com esse fundamento.
Nesta conformidade, podemos concluir que o juiz, mesmo no âmbito da execução sumária, pode detectar e conhecer oficiosamente, na sua primeira intervenção no processo, de questões que podem determinar o indeferimento liminar do requerimento executivo, por força do disposto no supra citado artº. 734º, nº. 1 “ex vi” do artº. 551º, nº. 3 ambos do NCPC, desde que ocorra situação subsumível a tal preceito (o que adiante se apreciará), e se tal situação não tiver sido detectada liminarmente pelo juiz, o executado ainda poderá deduzir embargos com esse fundamento.
Este entendimento sufragado pela doutrina e jurisprudência acima mencionadas, e que acolhemos de perto, contraria a tese defendida pela recorrente de que “inexiste fundamento legal para o conhecimento oficioso da falta ou nulidade da citação no âmbito do procedimento injuntivo que fundamenta a execução em causa” e que caberia à executada/recorrida, depois de “citada” na execução e caso não tivesse sido notificada da injunção, vir afastar a presunção da sua notificação que a lei estabelece, mediante a dedução de embargos.
Perfilhamos este entendimento tendo, no entanto, presente que a rejeição oficiosa do requerimento executivo nos termos do artº. 734º, nº. 1 conjugado com o artº. 726º, nº. 2, al. a) do NCPC apenas deve ter lugar em situações em que seja evidente para o Tribunal a falta de título executivo.
Independentemente da questão da bondade da decisão ora sob censura, que mais adiante se apreciará, tendo sido aberta conclusão ao Mº Juiz “a quo” pela primeira vez no processo, e entendendo o juiz, em face dos elementos constantes dos autos, que era manifesto que não existia título executivo válido e eficaz, por considerar nula a notificação da requerida na injunção, o que, em seu entender, constitui motivo de indeferimento liminar do requerimento executivo (artº. 726º, nº. 2, al. a) do NCPC), nos termos das supra citadas disposições legais não se vislumbra que o mesmo estivesse impedido de conhecer oficiosa e liminarmente tal questão (vide também Salvador da Costa, A Injunção e as Conexas Acção e Execução, 6ª ed., 2008, Almedina, pág. 322).
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II) – Saber se deverá manter-se a decisão de indeferimento liminar do requerimento executivo:
A recorrente insurge-se contra a decisão sob escrutínio alegando que a notificação da recorrida na injunção é válida, e por isso é válido o título executivo, uma vez que a morada para onde se remeteram ambas as cartas de notificação foi a que indicou no requerimento de injunção n.º 78971/19.9YIPRT que fundamenta a execução e que coincide com a morada obtida na pesquisa feita nas bases de dados, o que resulta do artº. 12º, nºs 3 e 4 do Anexo ao DL 269/98 de 1/09 e constitui entendimento do Tribunal Constitucional, no seu acórdão nº. 280/2020 de 19/05/2020.
O título executivo nos presentes autos é um documento que incorpora um requerimento de injunção ao qual foi aposta a fórmula executória.
A notificação do requerido no procedimento de injunção é o acto pelo qual se lhe dá conhecimento que contra ele foi proposto aquele procedimento e pelo qual este é chamado à demanda para se defender (artºs 12º, nº 1 e 13º a 15º do Anexo ao DL 269/98), ou seja, tem a natureza de citação (artº. 219º, nº 1 do NCPC).

A problemática das notificações dos requerimentos de injunção mostra-se explanada por José Henrique Delgado de Carvalho, no blog do IPPC em 12/02/2015, acessível em http://blogippc.blogspot.pt/2015/02/nulidade-da-notificacao-do-requerimento.html, que por merecer a nossa concordância se passa a transcrever:

«1. Os procedimentos de notificação no âmbito do procedimento de injunção dependem da existência de convenção de domicílio para efeito de realização da notificação do requerimento de injunção em caso de litígio:
– Tendo sido convencionado domicílio, esta notificação é efetuada mediante o envio de carta simples, remetida para o domicílio convencionado, considerando-se a notificação feita na pessoa do requerido com o depósito da carta na caixa do correio deste (art. 12.º-A, n.º 1 do anexo ao Decreto-Lei n.º 269/98);
– Em contrapartida, não havendo domicílio convencionado, a notificação do requerimento de injunção é efetuada por carta registada com aviso de receção, sendo aplicável as disposições relativas à citação (art. 12.º, n.ºs 1 e 2 do mesmo regime jurídico).

Nesta última hipótese, no caso de se frustrar a notificação por via postal, a secretaria do BNI obtém informação sobre a residência ou sede do requerido, mediante pesquisa nas quatro bases de dados referidas no nº 3 do art. 12.º do mesmo regime, e, se obtiver resultados, remete notificação por via postal simples para cada um dos locais encontrados (n.ºs 4 e 5 do citado art. 12.º).
A convenção de domicílio, para ser válida e eficaz, tem de ser reduzida a escrito (arts. 84.º e 364.º, n.º 1 ambos do CC), não bastando o preenchimento do quadrado existente no formulário da injunção relativo à existência de uma tal estipulação.
2. No caso de não existir convenção pela qual as partes tenham estipulado determinado local para, em caso de litígio, serem notificadas ou citadas, a secretaria do BNI deve observar a modalidade de carta registada com aviso de receção, em lugar de realizar a notificação por via postal simples (art. 12.º, n.º 1 do regime anexo ao Decreto-Lei n.º 269/98). Nesta hipótese, o depósito da carta não é elemento decisivo para que o requerido/notificando tenha conhecimento efetivo da notificação, já que esta modalidade de notificação pressupõe, como se disse, a existência de convenção de domicílio (cfr. art. 12.º-A do mesmo regime jurídico).
Se, por hipótese, não for observado o modo de notificação previsto no art. 12.º do regime anexo ao Decreto-Lei n.º 269/98 (carta registada com aviso de receção), existe nulidade da notificação, por inobservância das formalidades prescritas na lei (art. 191.º, n.º 1 do nCPC). Esta nulidade implica a falta do próprio título executivo que, eventualmente, se forme no procedimento de injunção (arts. 726.º, n.º 2, al. a) 1.ª parte e 734.º, n.º 1 do nCPC).
Poder-se-á argumentar que, por aplicação das regras da citação (em concreto, do n.º 4 do art. 191.º do nCPC), esta nulidade só pode ser atendida se a falta cometida puder prejudicar a defesa do notificando. Esta norma parece fazer recair sobre o citando o ónus de provar que a formalidade não observada prejudicou realmente o seu direito de defesa. Repare-se que, no âmbito da ação declarativa comum, o regime da citação, quando haja convenção de domicílio, não dispensa o envio de nova carta registada com aviso de receção ao citando, sempre que o expediente relativo à primeira carta de citação tenha sido devolvido por o destinatário não ter procedido, no prazo legal, ao seu levantamento no estabelecimento postal (cfr. art. 229.º, n.º 4 do nCPC).
A aplicação do n.º 4 do art. 191.º do nCPC à notificação do requerido, a que alude o artigo 12.º do regime anexo ao Decreto-Lei n.º 269/98 só poderia basear-se num argumento de identidade de razões. No entanto, esta identidade não existe na situação em apreço, pois que, no caso de, no procedimento de injunção, se frustrar a notificação por via postal registada, realiza-se a notificação por via postal simples com prova de depósito (art. 12.º, n.º 4 e 5 do regime anexo ao Decreto-Lei n.º 269/98).
Dito de outro modo: a aplicação do disposto no n.º 4 do art. 191.º do nCPC só seria pensável se a notificação do requerido seguisse o regime da citação do réu.
Não é isso, todavia, que sucede: no caso de se frustrar a notificação por carta registada com aviso de receção, há que observar o disposto no art. 12.º, n.º 4 e 5 do regime anexo ao Decreto-Lei n.º 269/98. Assim, há que concluir que a falta do cumprimento do estabelecido em qualquer destes preceitos gera, automaticamente, a nulidade da notificação do requerido.
Por consequência, o juiz, face à preterição de alguma das formalidades legais previstas no art. 12.º do anexo ao Decreto-Lei n.º 269/98, deve julgar procedente a nulidade da notificação, mesmo que o requerido, em embargos deduzidos à execução, não tenha cumprido o ónus da prova do prejuízo resultante dessa preterição para a sua defesa.»
Neste sentido pronunciaram-se também os acórdãos da RC de 10/05/2016 (proc. nº. 580/14.3T8GRD-A), de 29/05/2012 (proc. nº. 927/09.4TBCNT-A) e da RL de 13/09/2012 (proc. nº. 276/11.8TBPDL-A), todos disponíveis em www.dgsi.pt.

No caso em apreço, analisado o requerimento de injunção com o nº. 78971/19.9YIPRT, verificamos que nele é referida a inexistência de um domicílio convencionado, tendo a requerida, aqui executada, sido notificada daquele requerimento por carta registada com aviso de recepção, enviada para a morada nele indicada, nos termos do art.º 12º, nº. 1 do Anexo ao DL 269/98 de 1/9, a qual foi devolvida com a indicação de “não reclamado”.
Perante a devolução da 1ª carta expedida, foram efectuadas consultas às bases de dados do Serviço de Identificação Civil, da Segurança Social e da Direcção-Geral de Impostos, tendo sido apurada, apenas, a morada da requerida que a recorrente indicara no requerimento injuntivo (artº. 12º, nº. 3 do Anexo ao DL 269/98 de 1/9).
Sendo a morada obtida em resultado das pesquisas feitas nas bases de dados a mesma para onde fora remetida a notificação por carta registada com aviso de recepção, foi expedida nova notificação da requerida, por via postal simples, para a morada em questão, nos termos do artº. 12º, nº. 4 do supra citado diploma legal, tendo a respectiva carta sido depositada no receptáculo postal dessa morada em 10/01/2020.
Podemos, pois, concluir que foi assim dado cumprimento a todas as formalidades exigidas por lei para a citação/notificação da requerida/recorrida no processo de injunção.
Neste caso tem aplicação o acórdão do Tribunal Constitucional n.º 280/2020 de 19/05/2020, publicado no D.R. n.º 131/2020, 2ª Série, de 8/07/2020, que “não julga inconstitucionais as normas constantes dos n.ºs 3 e 4 do artigo 12.º do regime constante do anexo ao Decreto-Lei n.º 269/98, de 1 de setembro (na redação introduzida pelo Decreto-Lei n.º 32/2003, de 17 de fevereiro), quando interpretadas no sentido de que, em caso de frustração da notificação do requerido (para, em 15 dias, pagar quantia não superior a EUR 15 000 ou deduzir oposição), através de carta registada com aviso de receção enviada para a morada indicada pelo requerente da injunção, por não reclamação da mesma, o subsequente envio de carta, por via postal simples, para essa morada, em conformidade com o previsto no n.º 4 do artigo 12.º, faz presumir a notificação do requerido, nos casos em que a morada para onde se remeteram ambas as cartas de notificação coincide com o local obtido junto das bases de dados de todos os serviços enumerados no n.º 3 do artigo 12.º; e revoga o Acórdão n.º 203/19”.
Acresce referir que todas as decisões jurisprudenciais invocadas pelo Tribunal “a quo” para sustentar o despacho recorrido, com o devido respeito, não têm aplicação no caso em apreço, porquanto reportam-se a situações diferentes da retratada nos presentes autos, sendo que um dos acórdãos citados até sustenta a posição defendida pela exequente/recorrente (cfr. acórdão da RC de 10/05/2016, proc. nº. 580/14.3T8GRD-A, disponível em www.dgsi.pt, no qual é feita menção à posição defendida por José Henrique Delgado de Carvalho, no blog do IPPC em 12/02/2015 supra transcrita).
Ademais, o Tribunal “a quo” invocou, também, o acórdão do Tribunal Constitucional n.º 99/2019 de 12/02/2019, publicado no D.R. n.º 52, 1ª Série, de 13/04/2019, para fundamentar a decisão de rejeição liminar do requerimento executivo, que decidiu declarar “a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma constante dos nºs 3 e 5 do artigo 12º do regime constante do anexo ao Decreto-Lei n.º 268/98 de 1 de Setembro (na redação resultante do artigo 8º do Decreto-Lei n.º 32/2003, de 17 de Fevereiro), no âmbito de um procedimento de injunção destinado a exigir o cumprimento de obrigações pecuniárias de valor não superior a EUR 15.000 – na parte em que não se refere ao domínio das transações comerciais, nos termos definidos no artigo 3º, alínea a) do referido Decreto-Lei n.º 32/2003 -, quando interpretados no sentido de que, em caso de frustração da notificação do requerido (para pagar a quantia pedida ou deduzir oposição à pretensão do requerente, nos termos do n.º 1 do mesmo artigo 12º), através de carta registada com aviso de receção enviada para a morada indicada pelo requerente da injunção no respetivo requerimento, por devolução da mesma, o subsequente envio de carta, por via postal simples, para todas as diferentes moradas conhecidas, apuradas nas bases de dados previstas no n.º 3 do artigo 12º, em conformidade com o previsto no n.º 5 do mesmo preceito, faz presumir a notificação do requerido, ainda que o mesmo aí não resida, contando-se a partir desse depósito o prazo para deduzir oposição (…)”. – sublinhado nosso.
No entanto, para além do referido acórdão não justificar a rejeição liminar do requerimento executivo operada nos presentes autos, a declaração de inconstitucionalidade dos nºs 3 e 5 do artº. 12º do DL 269/98 (não englobando tal declaração o nº. 4 deste preceito aplicável “in casu”), apenas abrange as situações em que, frustrada a citação por carta registada com aviso de recepção para a morada indicada no requerimento de injunção, são apuradas moradas distintas da indicada e para elas são remetidas notificações por via postal simples.
Em face do acima exposto, não podemos deixar de reconhecer como válida a notificação do requerimento de injunção n.º 78971/19.9YIPRT à ora executada/recorrida, por terem sido cumpridas todas as formalidades previstas no artº. 12º, nºs 1, 3 e 4 do Anexo ao DL 269/98 de 1/9, uma vez que a morada para onde foram remetidas ambas as cartas de notificação coincide com o local obtido junto das bases de dados.
Ora, sendo considerada válida a notificação do requerimento de injunção n.º 78971/19.9YIPRT à executada/recorrida, obviamente terá de soçobrar o fundamento em que o Tribunal “a quo” se estribou para concluir pela inexistência de título executivo válido e exequível e, com base nisso, ter rejeitado liminarmente o requerimento executivo.
Assim sendo, entendemos que o requerimento de injunção n.º 78971/19.9YIPRT no qual se encontra aposta a fórmula executória, constitui título executivo válido e exequível, não existindo, pois, fundamento para o indeferimento liminar do requerimento executivo por falta de título executivo válido, nos termos do artº. 726º, n.º 1, al. a) do NCPC (cfr. acórdão da RP de 22/11/2016, proc. nº. 1246/14.0YYPRT-A, disponível em www.dgsi.pt).
Acresce referir que, embora no requerimento executivo seja alegado que os requerimentos de injunção com os nºs 30360/19.3YIPRT e 78971/19.9YIPRT, aos quais foi aposta fórmula executória, constituem títulos executivos, nos presentes autos constam apenas documentos relativos à notificação do requerimento de injunção n.º 78971/19.9YIPRT (ou seja, cópia da notificação por carta registada com aviso de recepção, da sua devolução e da notificação por via postal simples), não estando juntos ao processo quaisquer documentos comprovativos da notificação do requerimento de injunção nº. 30360/19.3YIPRT à ora recorrida, com observância do disposto no mencionado artº. 12º do Anexo ao DL 269/98 de 1/9, sendo certo que a exequente, no seu recurso, apenas se reporta ao requerimento injuntivo com o n.º 78971/19.9YIPRT como sendo aquele que fundamenta a presente execução, pelo que apenas este deverá ser considerado título executivo válido.
Nestes termos, terá de proceder o recurso interposto pela exequente, devendo a decisão recorrida ser revogada e substituída por outra que determine o prosseguimento da execução apenas em relação ao requerimento de injunção n.º 78971/19.9YIPRT pelas razões atrás expostas, seguindo-se os ulteriores termos processuais.
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SUMÁRIO:

I) - A pronúncia antecipada da exequente, no requerimento executivo, sustentando a realização da notificação da requerida na injunção, não legitima a invocação de ausência de oportunidade processual e de contraditório prévio, relativamente à posterior declaração de nulidade da notificação.
II) - Se o juiz pode rejeitar a execução até ao momento definido no artº. 734º, nº. 1 do NCPC, apesar de ter admitido liminarmente a execução no despacho previsto no artº. 726º do mesmo Código, não faz sentido que o não possa fazer quando, por regra, não há lugar a despacho liminar, como acontece na execução que segue a forma de processo sumário.
III) - O juiz, mesmo no âmbito de um processo executivo sob a forma sumária, pode detectar e conhecer oficiosamente, na sua primeira intervenção no processo, de questões que podem determinar o indeferimento liminar do requerimento executivo, por força do disposto no artº. 734º, nº. 1 “ex vi” do artº. 551º, nº. 3 ambos do NCPC, desde que ocorra situação subsumível a tal preceito.
IV) - Os procedimentos de notificação no âmbito do procedimento de injunção dependem da existência de convenção de domicílio para efeito de realização da notificação do requerimento de injunção em caso de litígio.
V) - Se num procedimento de injunção em que não haja domicílio convencionado, se frustrar a notificação da requerida por carta registada com aviso de recepção, por ter sido devolvida com a indicação de “não reclamado”, e não for observado o disposto no artº. 12º, nºs 3 e 4 do regime anexo ao DL 269/98 de 1/9, quando a morada da requerida obtida nas bases de dados coincide com a morada para onde foi endereçada a carta registada com aviso de recepção, existe nulidade da notificação por inobservância das formalidades prescritas na lei (artº. 191º, n.º 1 do NCPC). Esta nulidade implica a falta do próprio título executivo que, eventualmente, se forme no procedimento de injunção (artºs 726º, n.º 2, al. a), 1ª parte e 734º, n.º 1 do NCPC).

III. DECISÃO

Em face do exposto e concluindo, acordam os Juízes da Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães em julgar procedente o recurso de apelação interposto pela exequente Telecomunicações ..., S.A. e, em consequência, decide-se revogar a decisão recorrida, determinando-se o prosseguimento da execução apenas em relação ao requerimento de injunção n.º 78971/19.9YIPRT pelas razões atrás expostas, seguindo-se os ulteriores termos processuais.
Sem custas.
Notifique.
Guimarães, 11 de Fevereiro de 2021
(processado em computador e revisto, antes de assinado, pela relatora)

Maria Cristina Cerdeira (Relatora)
Raquel Baptista Tavares (1ª Adjunta)
Margarida Almeida Fernandes (2ª Adjunta)