Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
576-A/2002.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FALCÃO MAGALHÃES
Descritores: DIREITO DE REGRESSO
ACIDENTE DE VIAÇÃO
ACIDENTE DE TRABALHO
INTERVENÇÃO PRINCIPAL PROVOCADA
Data do Acordão: 01/22/2008
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DE ALBERGARIA-A-VELHA - 2º JUÍZO
Texto Integral: S
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: PROVIDO PARCIALMENTE
Legislação Nacional: BASE XXXVII DA LEI N. 2.127, DE 3/08/1965; ARTº 320º, AL. B), CPC
Sumário: I – A seguradora da entidade patronal que reclama do responsável por acidente, simultaneamente de viação e de trabalho, a indemnização paga à vítima de acidente de trabalho (ou aos respectivos familiares, nos termos da Base XXXVII da Lei nº 2127, actua sub-rogada nos direitos daquela e não alicerçada em direito de regresso.

II – A concretização processual do “direito de intervir” conferido pelo nº 4 da mencionada Base é materializada através do incidente de intervenção principal, consubstanciando, no caso de a seguradora ser chamada à lide – lide essa a sponte sua poderia aderir -, intervenção principal provocada abarcada no âmbito da intervenção coligatória activa prevista na al. b) do artº 320º do CPC.

III – O interveniente principal, chamado à lide pelo autor nos termos dos artºs 320º, b), e 321º, do CPC, há-de manter-se – ao exercitar o direito que legitimou o seu chamamento -, no âmbito subjectivo desenhado pela parte primitiva a que se associa, não lhe sendo lícito, designadamente, provocar a intervenção principal de um outro terceiro, para contra este fazer valer a sua pretensão.

IV – A faculdade consagrada no artº 31º-B, do CPC, sendo concretizada através da intervenção principal provocada pelo autor (artº 325º, nº 2, CPC), que desse modo chama à lide um terceiro na posição de réu a fim de contra este formular, subsidiariamente, o pedido, tem que respeitar o que, quanto à tempestividade do incidente de intervenção, está legalmente consagrado nos artºs 326º, nº 1, e 323º, nº 1, do CPC.

Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

I - A) - 1) - No Tribunal Judicial de Albergaria-a-Velha e para efectivação da responsabilidade civil emergente de acidente de viação em resultado do qual terá ocorrido a morte de A..., a viúva deste, B..., por si e em representação dos filhos de ambos, C... e D... (nascido a 5/06/1991) e E... (nascida a 12/08/1997), intentou acção declarativa de condenação contra a “F...”, pedindo a condenação desta a pagar-lhes as quantias referidas na petição, a título dos danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos.

Em consequência do alegado na contestação da ré F.... os autores provocaram a intervenção principal do Fundo de Garantia Automóvel e de G....

2) Por sua vez, o Fundo de Garantia Automóvel veio suscitar a intervenção da H..., que, por seu turno, intervindo na qualidade de seguradora de acidentes de trabalho da entidade patronal do falecido A..., veio deduzir pedido de reembolso contra a F..., o Fundo de Garantia Automóvel, G... e, subsidiariamente, suscitando a respectiva intervenção principal, contra a Companhia de Seguros I..., e contra a J....

3) Sobre tal requerimento veio a ser proferido despacho em 30/04/2004 admitindo o chamamento, na qualidade de sujeitos passivos da acção, da Companhia de Seguros I... e da J...;

4) Desse despacho de 30/04/2004 recorreu a J..., recurso esse que foi recebido como agravo, a subir diferidamente.

5) A J..., requereu ainda - o que veio a ser deferido -, a intervenção principal, como sua associada, da L... com fundamento em contrato de seguro pelo qual esta última garantiu a responsabilidade civil pelas indemnizações que fossem da responsabilidade da requerente pelos prejuízos causadas a terceiros resultantes de actos ou factos que integrassem a responsabilidade coberta civil pelo seguro.

6) A Agravante J..., na respectiva Alegação de recurso, pugnando pelo provimento do Agravo, concluiu da seguinte forma[i]:

« 1ª O Fundo requereu a intervenção provocada activa da H..., para se associar à A., porque "Veio a chamada (H...) demandar o Fundo para a ressarcir dos montantes pagos à viúva a título de pensões"

2ª A acção ficou A. = B... (posteriormente deduziu a intervenção principal provocada do Fundo, associado à R.) R. = Companhia de Seguros F... Interveniente activa = H...

3ª A H... - nessa qualidade de interveniente principal - deduziu a intervenção principal da ora agravante.

4ª A interveniente principal H... formulou contra a agravante um pedido seu, próprio, autónomo, diferente do pedido na acção.

5ª A H... chamou a agravante a intervir por pedido distinto do da acção.

6ª Tal chamamento por objecto diferente do objecto da acção não é admissível o que deve ser declarado.

7ª A H... deduziu intervenção principal da agravante, para dirigir a sua pretensão (contra o interveniente Fundo), agora também contra a requerida interveniente ora agravante.

8ª A intervenção principal é admitida numa causa entre duas ou mais pessoas (AA. e RR.) e o interveniente associa-se a AA. ou a RR. (art. 320° nº 1 e 321° do CPC)

9ª A presente causa não está pendente entre a A., o Fundo e a H....

10ª Um interveniente principal provocado não pode deduzir ele próprio uma intervenção principal provocada para, contra outro terceiro, formular o seu pedido (que motivou a sua intervenção provocada associada ao A. contra o R.) de modo que a J... se associe ao interveniente Fundo.

11ª A H... não é parte na causa (AA. ou RR.) e a intervenção só ocorre entre partes primitivas (AA. ou RR.) - Relatório do DL 329-A/95, de 12-12.

12ª Não se trata de a H... coligar-se com a A. porque a agravante não é R. (apenas foi accionada pela agravada) e a coligação é contra réu ou réus. A H... pretendeu criar só agora uma R. sucessiva.

13ª A solução que a H... pretende não é uma intervenção de terceiro numa causa pendente entre outras pessoas, partes primitivas - relação triangular - mas uma acção nova, paralela: nova A., nova R., novo pedido.

14ª A douta decisão agravada violou o disposto nos arts. 30°, 320° n° 1 e 321° do CPC, porque a intervenção de um terceiro para chamar outro terceiro não é consentida por estas disposições legais.

15ª Uma cadeia de intervenções de terceiros numa causa, que depois fazem intervir novos terceiros por pedidos diversos é vedada pelos arts. 269° a 270° do CPC.».

7) Nas contra-alegações que ofereceu, a H... - Companhia de Seguros, S.A., pugnou pelo não provimento do agravo e pela confirmação da decisão recorrida.

B) - 1) Tendo o processo prosseguido os seus termos normais subsequentes após a prolação do despacho saneador, já em fase de discussão e julgamento, vieram os Autores, escudando-se no disposto nos art.ºs 325° n.º 2, 31º-B, 326°, 28° n.° 2 e 269.º, todos do CPC, e invocando, para além do mais, fundadas dúvidas sobre os verdadeiros responsáveis pelo acidente, bem como o conhecimento posterior da eventual responsabilidade da J... pelos danos decorrentes da omissão do dever contratual de conservação e limpeza da via, requerer a intervenção principal, com vista à respectiva condenação no peticionado na acção, da J..., da seguradora desta - L... -, e da Companhia de Seguros I..., seguradora de um outro veículo pesado cujo condutor os AA. sustentam ter, também, eventual responsabilidade no sinistro.

2) Tal requerimento veio a ser indeferido em 19/03/2007 por despacho ditado para a acta da audiência, tendo os AA. interposto recurso desse despacho, recurso esse recebido como agravo, com subida imediata e em separado.

3) Os Agravantes AA., na respectiva Alegação de recurso, pugnando pelo provimento do Agravo e pela revogação da decisão recorrida, concluíram da seguinte forma:

« 1º 

O Tribunal A quo considerando que a dedução do incidente só era admissível antes de proferido Despacho Saneador, indeferiu o Requerido Incidente de Intervenção Principal Provocada de Terceiros, por Intempestivo. 

Ora, 

No nosso modesto entender e Salvo o Devido Respeito por Douta opinião em contrário, entendemos que no caso em apreço, não se pode fazer uma interpretação tão restritiva das normas processuais, designadamente dos artigos 325° n° 2 e 326° do C.P.C., e por outro lado, há necessidade de fazer intervir os chamados sob pena de não o fazendo, poderem as aqui recorrentes não serem ressarcidas, total ou parcialmente dos danos emergentes de um acidente de viação em que não tiveram qualquer responsabilidade na produção do mesmo. 

3° 

O facto de existir uma norma expressa no C. P. Civil, o artigo 320°, que prevê que o chamamento para intervenção só pode ser deduzido em articulado da causa ou em requerimento autónomo, até ao momento em que, podia deduzir-se a intervenção espontânea em articulado próprio, isto é, até ao Despacho Saneador, uma vez que a presente acção o comporta, não pode de per si, afastar pura e simplesmente a possibilidade de intervenção de Terceiros no caso em análise, pois só assim se cumprirão da melhor forma as exigências compreensivas de economia processual, isto é, a realização mais rápida, mais barata e mais eficaz do Direito das vitimas à indemnização. 

No caso em apreço, os AA. tiveram dúvidas sobre a identidade dos verdadeiros Réus na Relação Jurídica controvertida. 

Optaram, por propor a acção contra a Companhia de Seguros Alianz, responsável ... pelos danos causados pelo veículo 55-72-LM, e depois por imperativo da Lei requereram a intervenção principal provocada conjunta da própria condutora do dito veículo, G... e do Fundo de Garantia Automóvel, nos termos do disposto no artigo 29° n° 6 do D. L 522/85 de 31/12. 

6º 

É certo que os recorrerdes apenas deduziram a intervenção dos Terceiros identificados no requerimento de fls. 1996 e 1997, durante o decorrer da Audiência de Discussão e Julgamento. No entanto, nesta fase, ainda não se encontra esgotado o poder Jurisdicional consagrado no artigo 666° n° 1 do C.P.C. Pelo que até à prolação da Sentença será admissível a intervenção de Terceiros. 

A fundamentação dada pelos AA., no incidente deduzido a fls..., basta para apurar a existência de uma dúvida fundamentada sobre os sujeitos da relação material controvertida. * 

8° 

A provar-se a existência na via da tela pneumática que teria sido largado por um veículo pesado de mercadorias com a matricula 88-73-HR e reboque acoplado 108975, fruto de rebentamento e a falta de cuidado com o destino do mesmo na via, verifica-se a omissão de um dever de cuidado exigível ao condutor do veículo, propriedade de transportes Dora L.da, seguro na Companhia de Seguros I....  

A provar-se a manutenção na via da referida tela por incumprimento do dever contratual de conservação e limpeza da via onde ocorreu o acidente, será também a J..., SA, responsável pelos danos decorrentes da omissão do dever contratual de conservação e limpeza da estrada em apreço.

10°

Conforme referido as referidas entidades não foram chamadas pelos Recorrente para responder pelo pedido na acção, mas existem fundadas dúvidas sobre a sua eventual responsabilidade como sujeitos passivos na relação controvertida.

11°

Ora, o ratio do art. 31° B do C.P.C., foi no sentido de privilegiar a decisão de fundo, isto é a Justiça material, em detrimento da Justiça, meramente formal.

12°

Trata-se de uma norma que tem em vista eliminar peias processuais que dificultem a realização do direito material e por outro lado, obvia à celebridade processual evitando por exemplo a propositura de nova acção contra os chamados, se os RR. primitivos forem absolvidos na primeira acção.

13°

A lei processual civil prevê a pluralidade subjectiva subsidiária - art. 31° B do C.P.C., dentro da ideia base de evitar que regras de índole estritamente procedimental possam obstar ou criar dificuldades insuperáveis à plena realização dos fins do processo, flexibilizando ou eliminando rígidos espartilhos de natureza adjectiva, susceptíveis de dificultarem em termos excessivos ou desproporcionados, a efectivação em Juízo de Direitos.

14°

Por outro lado, os chamados, são RR. na acção apensa a este processo e tiveram oportunidade de dedução da defesa, tendo intervido na Audiência de Discussão e Julgamento, na qualidade de RR. e chamados na relação Jurídica controvertida.

15°

Obviamente que os inconvenientes da não aceitação do pedido de intervenção suscitado pelos Recorrentes são inúmeros, para além das citadas razões de economia processual, e do facto do acidente ter ocorrido há já 8 anos, sem a família (aqui AA.) ainda não ter sido ressarcida de qualquer indemnização, há ainda que considerar o facto de no caso dos AA., se verem obrigados a propor novas acções contra terceiros, correrem o risco de uma desarmonia de Julgados, por se tratarem de acções separadas e independentes, inconveniente de todo a evitar.

16° 

Os AA. aqui Recorrentes, pretendem, como é fácil de compreender, que a Decisão que venha a ser proferida relativa às suas pretensões possa regular definitivamente a situação concreta das partes, permitindo uma composição definitiva do litígio. 

17° 

Ora, se os aqui Recorrentes, após o términus deste processo, se virem obrigados a propor nova acção contra o(s) chamado(s), ficarão indefinidamente à espera de composição definitiva da causa, sujeitando-se a eventuais decisões morosas e irreconciliáveis. (...)». 

4) Contra-alegou a J...,S.A., defendendo que ao Agravo deveria ser negado o provimento.

5) - Na 1.ª Instância foram proferidos despachos sustentando as decisões recorridas.

Corridos os vistos e nada a isso obstando, cumpre decidir.

II - Em face do disposto nos art.ºs 684, nº 3 e 4, 690, nº 1 e 749 do CPC, o objecto dos recursos delimita-se, em princípio, pelas conclusões dos recorrentes, sem prejuízo do conhecimento das questões que cumpra apreciar oficiosamente, por imperativo do art.º 660, n.º 2., “ex vi” do art.º 713, nº 2, do mesmo diploma legal.

Por outro lado, não que haverá que apreciar questões cuja decisão esteja prejudicada pela solução que tiver sido dada a outra que antecedentemente se haja decidido.

Para apreciação, deparam-se-nos dois recursos de agravo, autónomos, sendo que no respectivo conhecimento se observará a respectiva ordem de interposição.

O primeiro dos interpostos Agravos, respeita à admissão da intervenção principal provocada da J...,S.A..

O segundo Agravo reporta-se à não admissão da intervenção principal provocada suscitada pelos AA.

As questões a resolver são as de saber se:

1.ª - Em acção emergente de acidente de viação, simultaneamente de trabalho, chamada e admitida como interveniente principal a Seguradora da entidade patronal, a fim de exercer o direito de regresso (sub-rogação) daquilo que pagou à vítima (ou aos familiares desta), pode esta Seguradora, por sua vez, subsidiariamente ao pedido de reembolso que formula contra os RR. e com vista a fazer valer esse seu direito também contra outrem estranho à lide mas que entende ter eventual responsabilidade no acidente, provocar a intervenção principal desse terceiro;

2.ª - Em processo emergente de acidente de viação, prosseguindo a acção após a prolação de despacho saneador sem que ocorra a situação prevista no art.º 269.º do CPC, pode o autor provocar - para, subsidiariamente aos primitivos RR, contra eles deduzir o pedido -, a intervenção principal daqueles que, por se lhe suscitarem fundadas dúvidas sobre o verdadeiro responsável no acidente, entenda serem susceptíveis dessa responsabilização.

Sendo estas as questões que cumpre a este Tribunal decidir, com elas não se confundem os argumentos, aliás, doutos, constantes das alegações e que, podendo, para benefício da decisão a tomar, ser abordados pelo Tribunal, não constituem verdadeiras questões que a este caiba solucionar (Cfr., entre outros, Ac. do STJ de 13/09/2007, proc. n.º 07B2113 e Ac. do STJ de 08/11/2007, proc. n.º 07B3586 [ii]).

III - A) - O circunstancialismo processual e os factos a considerar na decisão a proferir são os enunciados em I supra.

Como se extrai do acima relatado, subsequentemente à contestação que ofereceu a ré F... vieram à lide outros intervenientes, sendo que resulta alegado o seguinte circunstancialismo, que se aduz para melhor se enquadrar as intervenções sobre as quais recaíram os despachos recorridos. Assim:

- A..., enquanto motorista da "Transportes Ideal do Alto Vinha, Lda.", conduzia na A1 - via concessionada à J..., Auto Estradas de Portugal, S.A., empresa esta segura na “L...” - o veículo pesado com a matricula 90-37-OB, propriedade da sua entidade patronal;

- A determinada altura, devido a ter embatido na tela pneumática largada pelo veículo pesado de mercadorias 88-73-HR/L-1013975, pertença de “Transportes Dora Lda.” e seguro na I..., o condutor do OB parou este veículo junto à berma e saiu para o exterior;

- G..., conduzindo o veículo ligeiro de passageiros de matricula 55-72-LM, relativamente ao qual havia celebrado contrato de seguro na F..., circulando na mesma via e em virtude de se lhe ter deparado a mencionada tela, veio a perder o controlo desse veículo e a embater com este no referido A... e noutra pessoa que junto deste se encontrava na berma da via;

- Na sequência do embate o aludido A... sofreu lesões que lhe determinaram a morte;

- A "K..." celebrara com a H... um contrato de seguro de acidentes de trabalho;

- Em virtude desse contrato de seguro de acidentes de trabalho, a Autora B..., por morte do marido, passou a receber da H... uma pensão anual e a pensão anual e temporária de cada filho menor;

- A H... reembolsou despesas de funeral e transladação, tendo efectuado despesas de regularização de sinistro e despesas judiciais;

- Por falta de pagamento do prémio do seguro por parte da referida G... a R. F... declarou resolvido, no dia 23.03.1999, o contrato de seguro que com esta havia firmado;

B) Comecemos, então, por ver se assiste razão à Agravante "J..." em face do decidido no despacho de 30/04/2004.

O art.º 268º do CPC, salvaguardando, embora, as possibilidades de modificação da mesma que a lei consigna, consagra o princípio da estabilidade da instância. Esta, ressalvadas tais hipóteses, deverá manter-se imutável quanto às pessoas, ao pedido e à causa de pedir.

É no âmbito dessas ressalvas que, no plano subjectivo, se enquadram os incidentes de intervenção de terceiros (artº 270º, alínea b), do CPC).

O art.º 320°, do CPC, preceitua que: «Estando pendente uma causa entre duas ou mais pessoas, pode nela intervir como parte principal:

a) Aquele que, em relação ao objecto da causa, tiver um interesse igual ao do autor ou do réu, nos termos dos artigo 27° e 28°; 

b) Aquele que, nos termos do artigo 30°, pudesse coligar-se com o autor, sem prejuízo do disposto no artigo 31º.».

Por seu turno, o art.º 321.º do CPC, estabelece que “O interveniente principal faz valer um direito próprio, paralelo ao do autor ou do réu...”.

Resultando patente que o caso “sub judice” não acolhe resguardo na previsão litisconsorcial da alínea a) do citado art.º 320, importa examinar aquele à luz da alínea b) deste preceito.

Pois bem. De acordo com o preceituado no art.º 18.º do Decreto-Lei n.º 522/85, de 31 de Dezembro, sendo o acidente simultaneamente de viação e de trabalho, as normas a aplicar são as desse mesmo diploma, tendo em atenção, contudo, às disposições constantes da legislação especial de acidentes de trabalho.

Ora, em caso de acidente originado por companheiros do trabalhador ou terceiros, a entidade patronal ou a seguradora que haja pago a indemnização pelo acidente terá, nas condições prescritas na Base XXXVII da Lei n.º 2127, de 3/08/1965, o direito de regresso contra aqueles causadores do sinistro (n.º 1, da citada Base), assistindo-lhe, para além do mais, o direito de intervir como parte principal no processo em que a vítima exija aos responsáveis a indemnização pelo acidente (nº 4 da mesma Base)[iii].

Adiante-se que, não obstante a letra da Lei, a seguradora da entidade patronal que reclama do responsável por acidente, simultaneamente de viação e de trabalho, a indemnização paga à vítima de acidente de trabalho (ou aos respectivos familiares), nos termos da aludida Base XXXVII, actua sub-rogada nos direitos daquela e não alicerçada no direito de regresso[iv].

Ora, a concretização processual do “direito de intervir” conferido pelo n.º 4 mencionada Base XXXVII é materializada através do incidente de intervenção principal, consubstanciando, no caso de a Seguradora ser chamada à lide - lide essa a que “sponte sua” poderia aderir -, intervenção principal provocada.

Esta participação da Seguradora da entidade patronal na lide situa-se no âmbito da intervenção coligatória activa prevista na alínea b) do art.º 320 do CPC, legitimada pela conexão e compatibilidade da pretensão da interveniente com a do autor, conexão essa evidenciada pela circunstância de ambas as pretensões “...estarem dependentes da verificação dos pressupostos da responsabilidade civil quanto ao terceiro demandado como causador do dano.” [v]

Mas se a intervenção principal da “Seguradora do Trabalho”, (no caso “sub judice”, da H... - Companhia de Seguros, S.A.) encontra fundamento jurídico nas referidas normas legais[vi], daí não se segue que tal interveniente possa fazer actuar a sub-rogação que legitima a sua pretensão na lide contra quem desta não faz parte. Do que foi exposto, é já possível, aliás, inferir justamente o contrário.

Efectivamente, a intervenção coligatória activa que se reconhece na participação da Seguradora, desde logo sugere a identificação, com o autor, no que concerne ao destinatário da pretensão que a interveniente faz valer na lide.

Se razões de economia processual não são alheias à excepção que os incidentes de intervenção de terceiros constituem relativamente à regra ditada pelo princípio da estabilidade da instância, importa conter essa excepção nos justos limites em que o legislador a consagrou.

E se se justifica que, em face de uma pretensão dirigida contra o réu, se permita a um terceiro associar-se ao autor, para formular contra o demandado um pedido fundado no direito que pretende fazer valer, paralelo ao do autor (é o caso de que tratamos), já nada autoriza que a actuação do terceiro, extravasando essa associação, vá ao ponto de introduzir nova alteração subjectiva na lide suscitando novo incidente de intervenção principal provocado, com vista a confrontar o chamado com o pedido que contra ele deduz.

O alargamento da lide introduzido pelo chamamento à mesma, por parte do interveniente principal, de um outro terceiro, contra quem, em via principal ou subsidiária, aquele formule o seu pedido, é contrariado, de algum modo, pela própria letra do art.º 320°, do CPC. Efectivamente, o que este preceito faculta ao terceiro é tão só a sua intervenção principal naquela causa pendente que se desenrola ente aquelas “duas ou mais pessoas”.

O chamamento admitido nos termos do art.º 31-B do CPC é possibilidade apenas concedida pela lei ao autor e para que chame a intervir como réu o terceiro contra quem pretenda dirigir o pedido. Nada permite considerar alargada ao interveniente principal essa concessão da Lei, que menos se compreende, ainda, possa ser utilizada por este para deduzir pedido contra quem não é demandado pelo autor a quem o interveniente se associa.

E não colhe invocar o princípio da economia processual para à sombra deste se legitimar um procedimento que a lei não prevê como admissível, em particular em sede de institutos que já por si são excepcionais, como sucede, em contraponto com a regra da estabilidade da instância, com os incidentes de intervenção de terceiros.

Um argumento mais no sentido de não ser admissível aos intervenientes principais chamarem a intervir outros terceiros a título principal (a não ser, talvez, no caso de esse chamamento ser “imposto” pela conduta processual do autor, na hipótese de este, nos termos do art.º 31-B, do CPC, demandar um outro réu) consiste na constatação de que, em sede de intervenção provocada a possibilidade de o chamado suscitar a intervenção de um outro terceiro está prevista apenas no art.º 332.º, n.º 3, do CPC, atinente à intervenção acessória dos chamados “devedores em via de regresso”.

Tal preceito, como refere o Sr. Cons. Salvador da Costa, é insusceptível de aplicação analógica, pelo que, também por esta razão perfilhamos o entendimento do Senhor Conselheiro, de que a faculdade de peticionar a intervenção principal de terceiros é reservada às partes primitivas[vii], não sendo admissível aos intervenientes principais, pois, chamarem a intervir outros terceiros a título principal.

Assim, em síntese, dir-se-á: O interveniente principal, chamado à lide pelo autor nos termos dos art.ºs 320, b) e 321.º, ambos do CPC, há-de manter-se – ao exercitar o direito que legitimou o seu chamamento -, no âmbito subjectivo desenhado pela parte primitiva a que se associa, não lhe sendo lícito, designadamente, provocar a intervenção principal de um outro terceiro, para contra este fazer valer a sua pretensão.

De tudo o exposto resulta, pois, que não era lícito à interveniente H... - Companhia de Seguros, S.A., requerer a intervenção principal da ora Agravante J...,S.A., pelo que o despacho recorrido de 30/04/2004, na medida em que admitiu esse requerimento, não poderá subsistir nessa parte[viii].

A revogação parcial despacho recorrido, apenas implicará a anulação dos actos que da subsistência da parte revogada, dependam absolutamente (v.g., intervenção suscitada pela J...,S.A., da sua Seguradora - Cfr. supra I - A) - 5).

C) - Vejamos, agora, se assiste razão aos Agravantes e autores da acção, quanto à intervenção principal que viram ser indeferida pelo despacho de 19/03/2007.

No âmbito do nosso Direito Processo Laboral, por força da natureza dos interesses em jogo, é ampla a possibilidade de terceiros intervirem na lide, permitindo-se, até, à semelhança do consagrado no Código de Processo Civil Italiano[ix], que o Juiz, em certas situações, ordene oficiosamente a intervenção de terceiros [x]. Foi outra, como se verá, a opção do legislador do nosso Código de Processo Civil, designadamente no que concerne ao termo “ad quem” do prazo em que é lícito suscitar a intervenção principal provocada.

Efectivamente, resulta do disposto no CPC (v.g. art.º 326.º, n.º 1), que ao terceiro que é chamado à lide em incidente de intervenção principal provocada, para contra ele se fazer valer determinada pretensão, assiste o direito de se defender através de articulado próprio.

Daí que o art.º 326.º, n.º 1, do CPC, com ressalva que faz do disposto nos art.ºs 269.º, 329.º, n.º 1 e 869.º n.º 2, do mesmo Diploma, estabeleça a regra de o chamamento para intervenção só poder ser requerido até ao momento em que podia deduzir-se a intervenção espontânea em articulado próprio.

Ora, de acordo com o que preceitua o art.º 323.º, n.º 1, do CPC, caso o processo comporte despacho saneador, o terceiro só pode intervir espontaneamente, oferecendo articulado próprio, se o fizer antes de ser proferido tal despacho [xi].

Daqui resulta que a intervenção principal dos terceiros que os AA. pretendiam chamar à lide para contra eles também deduzirem o pedido formulado contra os primitivos RR. só até à prolação do despacho saneador seria possível efectuar, já que o processo comportava tal despacho e não se verificava qualquer das excepções contempladas no citado art.º 323.º, n.º 1.

Assim, requerendo a mencionada intervenção, muito depois de proferido o despacho saneador, já na fase de discussão e julgamento da causa, os AA. fizeram-no extemporaneamente, pelo que outra alternativa não tinha o Mmo. Juiz do Tribunal “a quo” senão a de indeferir tal requerimento.

Quanto à invocação do princípio da economia processual, vale aqui, “mutatis mutandis” o que acima foi dito em sede de apreciação do agravo da J...,S.A..

Não se discute a bondade do fundamento da requerida intervenção, pois a pretensão dos AA., foi só apreciada quanto à tempestividade da sua apresentação, apreciação esta a montante da averiguação sobre os fundamentos que legitimariam o pedido de intervenção formulado.

A invocação que os AA. fazem do art.º 31-B do CPC em nada altera a solução da questão. É que a faculdade consagrada no art.º 31-B, do CPC, sendo concretizada através da intervenção principal provocada pelo autor (art.º 325, n.º 2, do CPC), que desse modo chama à lide um terceiro na posição de réu a fim de contra este formular, subsidiariamente, o pedido, tem que respeitar o que, quanto à tempestividade do incidente de intervenção, está legalmente consagrado nos art.ºs 326.º, n.º 1 e 323.º, n.º 1, do CPC.

Improcedem, pois, em face do que acima se explanou, as conclusões dos AA., sendo de negar provimento ao Agravo por estes interposto e, consequentemente, de manter a decisão recorrida. 

Assim, poder-se-á concluir:

1 - A Seguradora da entidade patronal que reclama do responsável por acidente, simultaneamente de viação e de trabalho, a indemnização paga à vítima de acidente de trabalho (ou aos respectivos familiares), nos termos da Base XXXVII da Lei n.º 2127, actua sub-rogada nos direitos daquela e não alicerçada em direito de regresso.

2 - A concretização processual do “direito de intervir” conferido pelo n.º 4 mencionada Base XXXVII é materializada através do incidente de intervenção principal, consubstanciando, no caso de a Seguradora ser chamada à lide - lide essa a que “sponte sua” poderia aderir -, intervenção principal provocada abarcada no âmbito da intervenção coligatória activa prevista na alínea b) do art.º 320º do CPC.

3 - O interveniente principal, chamado à lide pelo autor nos termos dos art.ºs 320º, b) e 321º, ambos do CPC, há-de manter-se – ao exercitar o direito que legitimou o seu chamamento -, no âmbito subjectivo desenhado pela parte primitiva a que se associa, não lhe sendo lícito, designadamente, provocar a intervenção principal de um outro terceiro, para contra este fazer valer a sua pretensão.

4 - A faculdade consagrada no art.º 31º-B, do CPC, sendo concretizada através da intervenção principal provocada pelo autor (art.º 325º, n.º 2, do CPC), que desse modo chama à lide um terceiro na posição de réu a fim de contra este formular, subsidiariamente, o pedido, tem que respeitar o que, quanto à tempestividade do incidente de intervenção, está legalmente consagrado nos art.ºs 326º, n.º 1 e 323º, n.º 1, do CPC.

IV - Em face de tudo o exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em:

Negar provimento ao Agravo interposto pelos autores, mantendo-se, pois, a decisão recorrida de 19/03/2007;

Conceder provimento ao Agravo interposto pela "J...” e, consequentemente, revogar o Douto despacho recorrido de 30/04/2004, na parte em que admite a intervenção desta recorrente, com a consequente anulação dos actos que da subsistência da parte revogada dependam absolutamente.

Custas, quanto ao Agravo da J..., a cargo da Agravada H... - Companhia de Seguros, S.A, ficando as custas do Agravo dos AA., a cargo destes.

Coimbra[xii],

 


(Falcão de Magalhães)

(Sílvia Pires)

(Henrique Antunes)



[i] Conclusões resultantes da resposta ao convite que se endereçou à Agravante ao abrigo do disposto no art.º 690, n.º 4, do CPC.
[ii] Consultáveis na Internet, através do endereço http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/
[iii] Termos semelhantes se consagraram no 31.º da Lei n.º 100/97, de 13 de Setembro, Lei esta em vigor desde 1/1/2000 (DL n.º 382-A/99, de 22/9), aplicável aos acidentes de trabalho ocorridos após aquela data (art.º 41º). O n.º 5 deste art.º 31.º dispõe que “A entidade empregadora e a seguradora também são titulares do direito de intervir como parte principal no processo em que o sinistrado exigir aos responsáveis a indemnização pelo acidente a que se refere este artigo.”.
[iv] O que a Lei apelida de direito de regresso trata-se, efectivamente, de sub-rogação, como se explica no Acórdão da Relação do Porto de 25/01/2007, processo n.º 0636971, onde se concluiu: “O direito da entidade patronal à indemnização, referido na Base XXXVII da Lei nº 2127, tem por base, não o direito de regresso - que é um direito nascido ex novo na titularidade daquele que extinguiu a relação creditória anterior -, mas a sub-rogação - que, sendo uma forma de transmissão de obrigações, coloca o sub-rogado na titularidade do crédito primitivo (para o qual se lhe transmite).”.
[v] Cfr. Lopes do Rego - Os Incidentes de Intervenção de Terceiros em Processo Civil - Revista do Ministério Público, Ano 5º, Vol. 18, págs. 100, 101 e nota 25.
[vi] Na doutrina, cfr. Salvador da Costa, in “Os Incidentes da Instância”, Livraria Almedina, págs. 91 e 92; Lopes do Rego, Obra e local citados. Na jurisprudência, entre outros, cfr.: Ac. da Relação de Lisboa de 19/12/1998 in CJ, 1989, V, 158; Acórdão desta Relação de Coimbra, de 02/03/99, Processo 1821/98, in http://www.trc.pt ; Acórdão da Relação de Guimarães, de 11/2/2004, in CJ, ano XXIX, tomo 1, a págs. 287 a 289; Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 30-06-2005, Processo nº 4228/2005-6; Acórdão da Relação de Coimbra de 13 de Março de 2007, in CJ 2/07, págs. 11 a 13 e Acórdão da Relação de Lisboa de 29/11/2007, proc n.º 9424/2007-8, no endereço http://www.dgsi.pt/jtrl.nsf?OpenDatabase.
[vii] Salvador da Costa, obra citada, pág. 109.
[viii] A situação da outra chamada - Companhia de Seguros I... - consolidou-se, com o trânsito em julgado, quanto a ela, do despacho que admitiu a sua intervenção principal provocada.
[ix] Codice di Procedura Civile - Art.º 107.º: “Il giudice, quando ritiene opportuno che il processo si svolga in confronto di un terzo al quale la causa è comune, ne ordina l'intervento.”.
[x] De harmonia com o disposto no Art.º 27 a), do CPT, o juiz deve, até à audiência de discussão e julgamento, “Mandar intervir na acção qualquer pessoa e determinar a realização dos actos necessários ao suprimento da falta de pressupostos processuais susceptíveis de sanação”. Por outro lado, dispõe o mesmo CPT, no n.º 1 do art.º 127, que “Quando estiver em discussão a determinação da entidade responsável, o juiz pode, até ao encerramento da audiência, mandar intervir na acção qualquer entidade que julgue ser eventual responsável, para o que é citada, sendo-lhe entregue cópia dos articulados já oferecidos.”.
[xi] Cfr. Salvador da Costa, obra citada, pág. 117; Lopes do Rego, obra citada, pág. 117.
[xii] Processado e revisto pelo Relator.