Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1659/22.3T8CBR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FALCÃO DE MAGALHÃES
Descritores: ACÇÃO DE PETIÇÃO DE HERANÇA
HERANÇA DECLARADA VAGA EM BENEFÍCIO DO ESTADO
CASO JULGADO
ANTERIOR ACÇÃO INTENTADA CONTRA INCERTOS
ERRO NA FORMA DE PROCESSO
Data do Acordão: 04/09/2024
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZO CENTRAL CÍVEL DE COIMBRA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGO 2075.º, DO CÓDIGO CIVIL
ARTIGOS 195.º, 1; 196.º; 278.º, 1, B); 576.º; 578.º; 580.º, 1; 581.º; 619.º, 1 E 696.º, C), DO CPC
Sumário:
Em anterior acção de petição de herança intentada contra incertos, a decisão nela proferida não faz caso julgado relativamente a uma acção posterior que seja intentada pelos herdeiros do autor da sucessão anteriormente declarada vaga a favor do Estado.
Decisão Texto Integral:
Relator: Falcão de Magalhães
1.º Adjunto: Des. Cristina Neves
2.º Adjunto: Des. Teresa Albuquerque
Apelação n.º 1659/22.3T8CBR.C1
 
Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra1:
 

I - A) - 1) – 2«[…] Os Autores AA, BB, CC, e DD vieram intentar a presente acção de petição de herança de processo comum contra o Réu Estado Português, pedindo o seguinte:

A) Ser reconhecida a qualidade sucessória dos autores, como únicos e universais herdeiros da herança aberta por óbito de EE, e enquanto tal julgados habilitados;

B) Ser o réu Estado Português condenado a reconhecer os autores como únicos e universais herdeiros da herança aberta por óbito de EE;

C) Ser o réu Estado Português condenado a reconhecer a nulidade da declaração da herança, aberta por óbito de EE, vaga a seu favor, bem como da correspondente liquidação, por prosseguir um fim proibido por lei, designadamente o de impedir que herdeiros legítimos, ordenados em classe sucessível superior á sua, tenham acesso à titularidade das relações jurídicas patrimoniais da sua familiar; D) Ser o réu Estado Português condenado a restituir e integrar nas correspondentes frações hereditárias, pertencentes a cada um dos Autores/Requerentes, todos os bens, móveis e imóveis, que compõem a herança aberta por óbito de EE,

 

designadamente os identificados no artigo 7 deste articulado; relativamente às verbas referentes ao título de crédito Fundimo associado à conta  ...44, ao dinheiro, designadamente aos depósitos associados às contas n°s ...01,  ...45,  ...61 e  ...98, todas da Caixa Geral de Depósitos (CGD), dos valores aplicados na liquidação do passivo da herança, no valor de €1.000,03, com comprovação nos indicados Autos 4440/19.... do Juízo Local Cível - Juíz ..., do Tribunal Judicial da Comarca de Coimbra;

E) Em alternativa ao pedido constante da alínea D), sempre deverá o Estado Português ser condenado na restituição e integração de todos os bens, móveis e imóveis, identificados no artigo 7 deste articulado, à herança aberta por óbito da indicada EE;

F) Ser determinado o cancelamento das inscrições matriciais, em nome do Estado Português, relativamente ao prédio urbano inscrito na correspondente matriz da freguesia ..., ..., Almedina e ..., sob o artigo ...90, e descrito na Conservatória do Registo Predial ... com a descrição n° ...07, e também relativamente à fração autónoma designada pela letra ... do prédio urbano constituído em regime de propriedade horizontal, inscrito na correspondente matriz da freguesia ..., ..., Almedina e ..., sob o artigo ...69, descrita na Conservatória do Registo Predial ... com a descrição n° ...19..., com consequente reposição da titularidade das suas correspondentes inscrições matriciais em nome da herança ilíquida e indivisa aberta por óbito de EE e da qual os Autores AA, BB, CC e DD

, são os únicos e universais herdeiros;

 

G) Ser determinado o cancelamento do registo provisório de arrolamento que incide sobre os imóveis identificados na antecedente alínea D) do presente pedido, efetuado em cada um deles, pela AP ...70 de 26.07.2019, junto da ... Conservatória do Registo Predial ..., a favor do Ministério Público, respetivamente descritos na Conservatória do Registo Predial ... com as descrições n° ...07 e ...19...;

H) Na eventualidade de, entretanto, ocorrer o registo de aquisição, provisório, ou definitivo, dos imóveis e dos móveis sujeitos a registo que fazem parte do acervo hereditário de EE, a favor do Estado Português, baseado na Sentença proferida a 13.10.2020, transitada em julgado, e constante do Proc. 4440/19.... (Fls 41 v° a 44 da Certidão junta sob Doc. 3), requer-se, também, o cancelamento de tais registos.

Referem, para tanto, em síntese, que a 16.11.2017 faleceu, no estado de solteiro, sem descendentes e disposição de última vontade, FF, filho de EE, a qual se constituiu única herdeira de FF, que, nessa qualidade, se habilitou por escritura de habilitação de herdeiros, de 07.02.2018, e a quem se transmitiu a sua herança. A 20.03.2018 faleceu, no estado de viúva, e sem disposição de última vontade, EE. A 17.07.2019 o Ministério Público deu entrada em Juízo de um Processo Especial de Liquidação de Herança Vaga a favor do Estado, que corre termos sob o Processo 4440/19...., do Juízo Local Cível - Juiz ..., do Tribunal Judicial da Comarca de Coimbra, onde pediu a vacatura da herança da indicada EE em beneficio do Estado, com o fundamento de se desconhecerem quaisquer herdeiros da falecida, e nesse âmbito, por sentença proferida a

13.10.2020, foi a herança aberta por óbito de EE

 

 declarada Vaga a favor do Estado Português, sendo o acervo da predita herança composto pelas verbas correspondentes ao activo e passivo ali discriminado na predita sentença. No âmbito de tal processo, o Ministério Público peticionou, igualmente, a Liquidação da Herança, vindo aí, subsequentemente, a ser proferida sentença de que resulta a satisfação do passivo com dinheiro existente à ordem do processo, e a adjudicação ao Estado Português dos bens imóveis que faziam parte do acervo da herança de EE.

Sucede que a herança ilíquida e indivisa aberta por óbito de EE não podia ter sido declarada vaga a favor do Estado Português, à existência de familiares daquela EE, privilegiados relativamente ao Estado na ordem de designação sucessória, e a quem foi dada a conhecer a sua existência, por vizinhos da autora da herança.

Isto por que, em primeiras núpcias de ambos, GG e BB, contraíram casamento, dissolvido por divórcio a 02 de Março de 1929. Deste casamento nasceram duas filhas, a primeira, HH, a

18.06.1924, e a segunda II a 05.08.1926. A indicada HH, veio a falecer a 18.08.1997, no estado de divorciada, tendolhe sucedido, como único e universal herdeiro, seu único filho AA, aqui Autor. Por sua vez, II faleceu a 29.05.2007, no estado de viúva de JJ, sucedendo-lhe como únicos e universais herdeiros, os aqui autores, seus filhos, BB, CC e DD. A 25 de junho de 1931, GG, casou com KK, em segundas núpcias do primeiro, e primeiras e únicas da segunda, casamento dissolvido por óbito do cônjuge mulher no ano de 1962. A 04.11.1970, GG

 

 veio a falecer, no estado de viúvo de KK, conforme se verifica do Assento Óbito n° 1514, de ../../1970. Deste indicado casamento entre GG e KK, nasceu uma única filha, a autora da herança EE.

Verifica-se, assim, em face do exposto, e demonstra-se, que os autores são sobrinhos da autora da herança EE, filhos de duas suas irmãs (irmãs consanguíneas).

A abertura da sucessão ocorre no momento da morte do seu autor, e nesse momento, a herança transmite-se aos herdeiros legítimos e testamentários, segundo a ordem por que são designados os herdeiros.

A petição de herança compete a quem é herdeiro e se encontra privilegiado na ordem de designação sucessória, mas não possui título reconhecido, contra aqueles, em classe sucessível inferior, que já estejam, indevidamente, na posse dela, acautelando-se, desta forma, a qualidade de sucessor do herdeiro, como sucede “in casu” com os autores, sobrinhos da autora da herança, e de cujo falecimento apenas foram informados no passado mês de Janeiro do corrente ano de 2022, por um seu vizinho.

A declaração de herança vaga em benefício do Estado Português ofende a ordem jurídica, uma vez que impede que os herdeiros legítimos da EE, ordenados na terceira classe sucessória superior á sua que integra a quinta, tenham acesso à titularidade das suas relações jurídicas patrimoniais, e consequentemente, padece do vício de nulidade.

Como tal, os autores têm direito que lhes seja reconhecida judicialmente a qualidade sucessória de únicos e universais herdeiros da herança aberta por óbito de sua tia EE, com a consequente restituição à herança de todos os seus bens, onde se incluem os que entraram na posse do Estado Português, em consequência do Processo Especial

 
de Liquidação de Herança Vaga a favor do Estado. *

Devidamente citado, veio o Ministério Público, em representação do Réu Estado Português deduzir contestação com Ref3 Citius n° 7336574, de 10/06/2023, defendendo-se aí, apenas, por excepção, e nesse âmbito, invocando a nulidade de todo o processado, decorrente do insuprível erro na forma do processo; a autoridade de caso julgado, a caducidade/preclusão do direito dos autores de proporem o recurso extraordinária de revisão nos termos e com os fundamentos aí expressos.

*

Devidamente notificado, vieram os Autores responder à matéria das excepções alegada pelo Réu, pugnando que as excepções ora deduzidas sejam julgadas improcedentes nos termos e com os fundamentos expressos no requerimento de resposta com Refª Citius n° 7395130, de 07/07/2023. *

Finalmente, na sequência da sua notificação do despacho para se pronunciarem sobre o propósito de o tribunal poder conhecer e decidir, em sede da prolação do despacho saneador, do mérito da causa, e na positiva, em que sentido, só os autores, por requerimento com Ref Citius n° 7937339, de 8198118, de 06/07/2023 se vieram pronunciar no sentido de o estado do processo reunir todos elementos que permitem, desde logo, que se decida do mérito da causa, e se decida na esteira da versão sustentada pelos autores na petição inicial. […]». *
2) – O valor da causa foi fixado em € 171.194,52.

*
3) – Em 27/09/2023 foi proferido saneador-sentença, aí se tendo decidido: a)- A improcedência:

- Da excepção dilatória da nulidade de todo o processo, por erro na forma do

 
processo;
- Da excepção dilatória da autoridade do caso julgado;

- Da excepção peremptória de preclusão, por extemporaneidade dos autores interporem o recurso extraordinário de revisão;

b) – A procedência da acção, decidindo, consequentemente: «[…] a) Reconhecer a qualidade sucessória dos autores AA, BB, CC, e DD, como únicos e universais herdeiros da herança aberta por óbito de EE
, e enquanto tal julgados habilitados;

b) Condenar o Réu Estado Português a reconhecer os autores como únicos e universais herdeiros da herança aberta por óbito de EE
;

c) Declarar a nulidade da declaração da herança, aberta por óbito de EE, vaga a seu favor, bem como da correspondente liquidação, por prosseguir um fim proibido por lei, designadamente o de impedir que herdeiros legítimos, ordenados em classe sucessível superior á sua, tenham acesso à titularidade das relações jurídicas patrimoniais da sua familiar

d) Em consequência do decidido em c), condena -se o Réu Estado Português a restituir e a integrar todos os bens, móveis e imóveis, identificados no art. 7° da petição inicial/ponto 6) dos Factos Provados, à herança aberta por óbito da indicada EE, representada pelos seus únicos e universais herdeiros, aqui autores;

e) Determinar o cancelamento das inscrições matriciais, em nome do Réu Estado Português, relativamente ao prédio urbano inscrito na correspondente matriz da freguesia ..., ..., Almedina e ..., sob o artigo ...90, e descrito na Conservatória do Registo Predial ... com a

 

descrição n° ...07, e também relativamente à fração autónoma designada pela letra ... do prédio urbano constituído em regime de propriedade horizontal, inscrito na correspondente matriz da freguesia ..., ..., Almedina e ..., sob o artigo ...69, descrita na Conservatória do Registo Predial ... com a descrição n° ...19..., com consequente reposição da titularidade das suas correspondentes inscrições matriciais em nome da herança ilíquida e indivisa aberta por óbito de EE e da qual os Autores AA, BB, CC e DD
, são os únicos e universais herdeiros;

f) Determinar o cancelamento do registo provisório de arrolamento que incide sobre os imóveis identificados na antecedente alínea D) do presente pedido, efetuado em cada um deles, pela AP ...70 de 26.07.2019, junto da ... Conservatória do Registo Predial ..., a favor do Ministério Público, respetivamente descritos na Conservatória do Registo Predial ... com as descrições n° ...07 e ...19...;

g) Determinar o cancelamento de algum registo de aquisição, provisório, ou definitivo, que visse a ser efectuado, após a propositura da acção, dos imóveis e dos móveis sujeitos a registo que fazem parte do acervo hereditário de EE, a favor do Estado Português, baseado na Sentença proferida a 13.10.2020, transitada em julgado, e constante do Proc. 4440/19.... (Fls 41 v° a 44 da Certidão junta sob Doc. 3).
[…]».

*

B) – 1) - Inconformado com tal decisão, dela apelou o Estado Português, tendo, em sua representação, o Ministério Público, na respectiva alegação de recurso, apresentado as seguintes conclusões:
 

«1.ª - Vem o presente recurso interposto do douto despacho saneador datado de 27 de Setembro de 2023 que julgou improcedentes as excepções de nulidade de todo o processo, por erro no meio processual, da autoridade de caso julgado, e da preclusão, por extemporaneidade do direito dos Autores interporem recurso extraordinário de revisão.

2.ª - No âmbito do processo n.° 4440/19.... que corre, seus termos, no Juízo Local Cível ...-Juiz ..., foi proferida sentença, transitada em julgado, no dia 18 de Novembro de 2020, que declarou a herança de EE vaga para o Estado Português.

3.ª - Na verdade, apesar das diligências levadas a cabo pelo Ministério Público, a identidade dos Autores não foi apurada antes de ser intentada a petição inicial que deu origem ao processo n.° 4440/19...., nem após a citação por éditos que ocorreu no âmbito do mesmo.

4.ª - Posteriormente, na petição de herança de processo comum que os Autores AA, BB, CC e DD intentaram contra o Estado Português e que deu origem à presente Acção, pediram o seguinte:

“A) Ser reconhecida a qualidade sucessória dos autores, como únicos e universais herdeiros da herança aberta por óbito de EE, e enquanto tal julgados habilitados;

B) Ser o réu Estado Português condenado a reconhecer os autores como únicos e universais herdeiros da herança aberta por óbito de EE;

C) Ser o réu Estado Português condenado a reconhecer a nulidade da declaração da herança, aberta por óbito de EE, vaga a seu favor, bem como da correspondente liquidação, por prosseguir um fim proibido por lei, designadamente o de

 

impedir que herdeiros legítimos, ordenados em classe sucessível superior á sua, tenham acesso à titularidade das relações jurídicas patrimoniais da sua familiar; D) Ser o réu Estado Português condenado a restituir e integrar nas correspondentes frações hereditárias, pertencentes a cada um dos Autores/Requerentes, todos os bens, móveis e imóveis, que compõem a herança aberta por óbito de EE, designadamente os identificados no artigo 7 deste articulado; relativamente às verbas referentes ao título de crédito Fundimo associado à conta  ...44, ao dinheiro, designadamente aos depósitos associados às contas n°s ...01,  ...45,  ...61 e  ...98, todas da Caixa Geral de Depósitos (CGD), dos valores aplicados na liquidação do passivo da herança, no valor de €1.000,03, com comprovação nos indicados Autos 4440/19.... do Juízo Local Cível - Juíz ..., do Tribunal Judicial da Comarca de Coimbra;

E) Em alternativa ao pedido constante da alínea D), sempre deverá o Estado Português ser condenado na restituição e integração de todos os bens, móveis e imóveis, identificados no artigo 7 deste articulado, à herança aberta por óbito da indicada EE;

F) Ser determinado o cancelamento das inscrições matriciais, em nome do Estado Português, relativamente ao prédio urbano inscrito na correspondente matriz da freguesia ..., ..., Almedina e ..., sob o artigo ...90, e descrito na Conservatória do Registo Predial ... com a descrição n° ...07, e também relativamente à fração autónoma designada pela letra ... do prédio urbano constituído em regime de propriedade horizontal, inscrito na correspondente matriz da freguesia ..., ..., Almedina e ..., sob o artigo ...69, descrita na

Conservatória do Registo Predial ... com a descrição n°

 

1258/19..., com consequente reposição da titularidade das suas correspondentes inscrições matriciais em nome da herança ilíquida e indivisa aberta por óbito de EE e da qual os Autores AA, BB, CC e DD, são os únicos e universais herdeiros;

G) Ser determinado o cancelamento do registo provisório de arrolamento que incide sobre os imóveis identificados na antecedente alínea D) do presente pedido, efetuado em cada um deles, pela AP ...70 de 26.07.2019, junto da ... Conservatória do Registo Predial ..., a favor do Ministério Público, respetivamente descritos na Conservatória do Registo Predial ... com as descrições n° ...07 e ...19...;

H) Na eventualidade de, entretanto, ocorrer o registo de aquisição, provisório, ou definitivo, dos imóveis e dos móveis sujeitos a registo que fazem parte do acervo hereditário de EE, a favor do Estado Português, baseado na Sentença proferida a 13.10.2020, transitada em julgado, e constante do Proc. 4440/19.... (Fls 41 v° a 44 da Certidão junta sob Doc. 3), requer-se, também, o cancelamento de tais registos.”

5.ª - Na referida petição inicial, os Autores alegaram ser sobrinhos de EE, autora da herança que foi declarada vaga para o Estado no âmbito do referido processo n.° 4440/19.... e, por isso, seus únicos e universais herdeiros, juntando para tanto as respectivas certidões de assento de nascimento.

6.ª - Assim, constata-se que os Autores apresentaram documentos de que não podiam ter feito uso no referido processo n.° 4440/19...., porque segundo os próprios desconheciam a pendência do mesmo e apenas souberam que a sua tia havia falecido, no decorrer do mês de Janeiro de 2022.

 

7.ª - A apresentação de documentos de que não se pôde ter feito uso anteriormente enquadra-se no disposto no artigo 696.°, alínea c), do Código de Processo Civil, sendo assim fundamento de revisão de uma sentença transitada em julgado.

8.ª - Pelo que, a nosso ver, é líquido que após ter transitado em julgado a sentença proferida no âmbito do processo n.° 4440/19...., os Autores apenas podiam ter feito uso do recurso extraordinário de revisão, previsto no artigo 696.° e segs. do Código de Processo Civil, no âmbito desse processo.

9.ª - Entendemos, assim, que após o trânsito em julgado daqueloutra douta sentença os Autores não podiam ter proposto a petição inicial que deu origem à presente Acção.

10.ª - Assim, em face do exposto, deve a excepção dilatória de nulidade de todo o processo e/ou a excepção dilatória inominada, por erro no meio processual, ser julgada procedente e, em consequência, ser o Réu Estado Português absolvido da instância, nos termos do disposto nos artigos 193.°, 196.°, 198.°, n.° 1, 577.°, alínea b), 278.°, n.° 1, alínea b), 576.°, n.°s 1 e 2 e 578.°, todos do Código de Processo Civil.

11.ª - Caso assim não se entenda, sempre se terá de considerar que o pedido formulado pelos Autores na petição inicial que deu origem à presente Acção entra em contradição com o mérito da douta sentença proferida no processo n.° 4440/19...., colocando assim em causa a autoridade de caso julgado da mesma.

12.ª - Na verdade, não temos quaisquer dúvidas de que é precisamente a autoridade do caso julgado da decisão de mérito proferida no processo n.° 4440/19.... que é colocada em causa com a presente acção, sendo incompatível com o objecto a decidir nesta, uma vez que naquele outro processo se concluiu não existirem outros herdeiros para além do Estado.

 

13.ª - Pelo que, como bem assinalou o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, datado de 21 de Dezembro de 2021, no âmbito do processo n.° 131/21.3T8PDL.L1-7, o qual se encontra disponível em www.dgsi.pt/jtrl: “Verificada a autoridade do caso julgado de uma decisão de mérito que seja incompatível com o objeto a decidir posteriormente noutra ação, o seu alcance não pode deixar de se repercutir no próprio mérito desta, importando, nessa medida, a sua improcedência com a consequente absolvição do réu do pedido.” 14.ª - Por todos estes motivos e tendo também em atenção os fundamentos de todos os Acórdãos de Tribunais Superiores a que fizemos referência ao longo do presente recurso, consideramos que, em nome da estabilidade, certeza e segurança jurídica, nos casos em que como, na presente situação, foram efectuadas diligências conducentes ao apuramento de herdeiros de EE não tendo os mesmos sido apurados (vendo-se o Estado na contigência de ter proposto a petição que deu origem ao processo n.° 4440/19.... contra herdeiros desconhecidos/incertos) é evidente, a nosso ver, de molde a que não existam decisões absolutamente contraditórias sobre o mesmo objecto processual, que a Acção de declaração vaga a favor do Estado Português instaurada contra herdeiros desconhecidos/incertos constitui caso julgado material/autoridade de caso julgado em relação aos mesmos.

15. ª - Pelo que caso não se entenda por verificada a excepção dilatória de nulidade de todo o processo e/ou a excepção dilatória inominada, sempre terá de se considerar verificada e procedente a excepção peremptória de autoridade de caso julgado e, em consequência, ser o Réu Estado Português absolvido do pedido, nos termos do disposto no artigo 576.°, n.° 3, do Código de Processo Civil.

 

16.ª - Por outro lado, sem prejuízo do que já se disse, consideramos que caso os Autores tivessem lançado logo mão do recurso de revisão, o mesmo sempre teria de ser rejeitado por intempestivo.

17.ª - Na verdade, os Autores tiveram conhecimento do referido processo n.° 4440/19...., no dia 26 de Janeiro de 2022, ocasião em que compareceram na secretaria deste Tribunal, acompanhados pelo seu Ilustre Mandatário e subscritor da Petição Inicial que deu origem à presente Acção e solicitaram a consulta do mesmo, tendo sido atendidos por duas Funcionárias Judiciais afectas ao Juízo Local Cível ...-Juiz ....

18.ª - Nessa medida, uma vez que a petição inicial que deu origem à presente Acção deu entrada em Juízo, no dia 30 de Março de 2022, temos forçosamente de concluir que, nessa data, já se mostrava decorrido o prazo de 60 (sessenta) dias previsto no artigo 697.°, n.° 2, do Código de Processo Civil.

19.ª - Assim, em face de tudo quanto foi dito, dúvidas não existem de que ao ter-se decidido como se decidiu, violou-se na douta Sentença a quo o disposto nos artigos 193.°, 195.°, n.° 1, 196.°, 198.°, n.° 1, 278.°, n.° 1, alíneas b) e e), 576.°, n.°s 1 e 2, 577.°, alínea b), 578.°, 580.°, 581.°, 619.° e 696.°, todos do Código de Processo Civil.

Nestes termos, deverá o presente recurso ser julgado procedente e em consequência:

- Deverá o douto despacho saneador a quo ser revogado e substituído por outro que considere verificada e procedente a excepção dilatória de nulidade de todo o processo e/ou a excepção dilatória inominada e que, por via disso, absolva da instância o Réu Estado Português ou por outro que considere verificada e procedente a excepção peremptória de autoridade de caso julgado e que, por via disso, absolva do pedido o Réu Estado Português, anulando-se, assim, a douta sentença proferida nos presentes autos.

 

Pelo que dando procedência ao recurso, revogando o despacho saneador recorrido e substituindo-o por outro de acordo com os termos por nós propugnados e anulando-se assim a douta sentença proferida nos presentes autos, Vossas Excelências farão a necessária e costumada Justiça. […]». *

2) – O Autor AA, na resposta à alegação de recurso, defendeu a improcedência deste e a confirmação da sentença recorrida. *

C) - Em face do disposto nos art.ºs 635º, nºs 3 e 4, 639º, nº 1, ambos do NCPC, o objecto dos recursos delimita-se, em princípio, pelas conclusões dos recorrentes, sem prejuízo do conhecimento das questões que cumpra apreciar oficiosamente, por imperativo do art.º 608º, n.º 2, “ex vi” do art.º 663º, nº 2, do mesmo diploma legal.

Não haverá, contudo, que conhecer de questões cuja decisão se veja prejudicada pela solução que tiver sido dada a outra que antecedentemente se haja apreciado, salientando-se que, “questões”, para efeito do disposto no n.º 2 do artº 608º do NCPC, são apenas as que se reconduzem aos pedidos deduzidos, às causas de pedir, às excepções invocadas e às excepções de que oficiosamente cumpra conhecer, não podendo merecer tal classificação o que meramente são invocações, “considerações, argumentos, motivos, razões ou juízos de valor produzidos pelas partes”3 e que o Tribunal, embora possa abordar para um maior esclarecimento dos litigantes, não está obrigado a apreciar.

Assim, o que aqui importa saber é se foi acertada a procedência da acção, o que passa por decidir se foram correctamente julgadas as excepções da nulidade, por erro na forma de processo, a “nulidade inominada que o Autor invoca, e a da violação da autoridade do caso julgado formado na acção .° 4440/19.....

 
* II - Fundamentação:

A) - Na sentença ora recorrida entendeu-se serem os seguintes, os factos a considerar com interesse para conhecer do mérito da causa:

«1-Conforme decorre do teor dos docs. n°s 1 e 2 juntos com a petição inicial, a 16.11.2017 faleceu, no estado de solteiro, sem descendentes e disposição de última vontade, FF, filho de EE, conforme se documenta dos Assentos de Óbito 1295, de 2017, e de Nascimento 6412 (art. 1° da petição inicial).

2- Conforme decorre do teor do doc. n°3 junto com a petição inicial, EE, habilitou-se na qualidade de única e universal herdeira do filho FF, por escritura de Habilitação de Herdeiros, de 07.02.2018, e a quem se transmitiu a sua herança (art. 2° da petição inicial).

3- Conforme decorre do teor do doc. n°4 junto com a petição inicial, a 20.03.2018 faleceu, no estado de viúva, sem descendentes e sem disposição de última vontade, com último domicílio em Rua ..., ...
Esquerdo, ..., EE
(art. 3° da petição inicial).

4 - Conforme decorre do teor da certidão junta sob o doc. n°3 com a petição inicial, a 17.07.2019 o Ministério Público deu entrada em Juízo de um Processo Especial de Liquidação de Herança Vaga a favor do Estado, que corre termos sob o Processo n° 4440/19...., do Juízo Local Cível - Juíz ..., do Tribunal Judicial da Comarca de Coimbra, através da qual requereu/peticionou, nesse âmbito, a vacatura da herança de EE em beneficio do Estado, com o fundamento de se desconhecerem quaisquer herdeiros da falecida (arts. 4° e 5° da petição inicial).

 

5 -Conforme decorre da certidão junta sob o doc. n°3 com a petição inicial, por sentença de 13.10.2020, proferida no âmbito do processo mencionado em 4), foi a herança aberta por óbito de EE declarada Vaga a favor do Estado Português (art. 6° da petição inicial).

6- Conforme decorre do teor da certidão junta sob o doc. n°3 com a petição inicial, mormente, do teor da sentença aí proferida no processo mencionado em 4) e da sua rectificação, o acervo da Herança de EE, era composto pelas verbas correspondentes ao activo e passivo que ali se encontram discriminados, designadamente:
ACTIVO
TÍTULO DE CRÉDITO
1- Fundimo - Associado à conta n° ...44 da CGD, no valor de €
7,25;
DINHEIRO
2 - Depósito existente na conta bancária n° ...01, da CGD, no montante de € 7,25;
3-Depósito        existente       na       conta       bancária       com       o                            IBAN
 ...45, da CGD, no montante de € 1.700,73;
4-Depósito existente na conta ... n°  ...61, da CGD, no montante de € 60.000,00;
5-Depósito        existente       na       conta       bancária       com       o                            IBAN
 ...98, da CGD, no montante de € 981,66;
OUTRAS COISA MÓVEIS

6 - Veículo automóvel da marca ..., modelo ..., matrícula ..-..-IE, no valor de € 500,00;

7 - Veículo automóvel da marca ..., matrícula ..-..-ZQ, no valor de € 1.000,00;

 

8 - Bens móveis depositados na Rua ..., em ..., sem valor patrimonial, constituídos por 77 verbas elencados no Auto de Arrolamento de 17.10.2019, constante de Fls 47 v° a 54 da Certidão junta sob Doc. 3, que se reproduzem;

9 - Bens móveis depositados na Rua ..., em ..., sem valor patrimonial, constituídos por 6 verbas elencados no Auto de Arrolamento de 03.09.2020, constante de Fls 54 v° a 55 da Certidão junta sob Doc. 3, que se reproduzem;

10 - Prédio urbano composto de casa de habitação, sito na Rua ..., ..., inscrito na correspondente matriz sob o artigo ...90, e descrito na Conservatória do Registo Predial ... com a descrição n° ...07, com o valor patrimonial de € 26.010,00;

11- Fração autónoma designada pela letra ..., correspondente ao terceiro andar esquerdo para habitação, do prédio, em regime de propriedade horizontal, sito na Rua ..., ..., inscrito na correspondente matriz sob o artigo ...69, e descrito na Conservatória do Registo Predial ... com a descrição n° ...07, com o valor patrimonial de € 81.987,66;
PASSIVO

1- Dívida perante a Autoridade Tributária e Aduaneira, relativa a Imposto devido a título de Juros e Pensões, referente ao período de tributação do ano de 2018, no valor de € 74,54, que se reporta à Execução Fiscal n° ...27;

2- Dívida perante a Autoridade Tributária e Aduaneira, relativa a IMI referente aos imóveis com os artigos matriciais ...90 e ...69, relativa ao ano de 2018, no montante global de € 344,91, que se reporta à Execução Fiscal n° ...23;

3- Dívida perante a Administração de Condomínio do prédio sito na Rua da

 

..., n° 9, ..., inscrito na correspondente matriz sob o artigo ...69, fração ..., relativa aos anos de 2018 e 2019, no valor de € 580,58 (art. 7° da petição inicial).

7- Conforme decorre da certidão junta sob doc. 3 (cf. fls. 46 a 47 v° da certidão) com a petição inicial, o Ministério Público, no domínio do processo mencionado em 4), requereu a Liquidação da Herança ... (art. 8° da petição inicial).

8- ... e subsequentemente, proferiu-se aí sentença de que resulta a satisfação do passivo com dinheiro existente à ordem do Processo, e a adjudicação ao Estado Português dos bens imóveis que faziam parte do acervo da herança de 

EE, elencados na Sentença de 13.10.2020 (art. 9° da petição inicial).

9- Com a prolação das indicadas Sentenças o Estado Português entrou na posse dos bens que compõem o acervo da Herança aberta por óbito de EE discriminado em 6), designadamente, do dinheiro que se encontrava depositado nas contas relacionadas, bem como dos bens móveis e imóveis relacionados; imóveis estes que foram inscritos a favor do Estado Português na AT Autoridade Tributária e Aduaneira - Serviço de Finanças ... (arts. 10 ° e 11° da petição inicial).

10- Conforme decorre do teor da certidão sob doc. n°9 junto com a petição inicial, em primeiras núpcias de ambos, GG e BB, contraíram casamento, dissolvido por divórcio a 02 de Março de 1929 (art. 14° da petição inicial).

11- Conforme decorre do teor das certidões sob docs. n°s 10 e 11 juntos com a petição inicial, do casamento de GG e BB nasceram duas filhas, a primeira, HH, a 18.06.1924, e a segunda II a 05.08.1926 (art. 15° da petição inicial). 12- Conforme decorre do teor das certidões sob docs. n°s 12 e 13 juntos com a petição inicial, HH, veio a falecer a 18.08.1997, no estado de

 

divorciada, tendo-lhe sucedido, como único e universal herdeiro, seu único filho AA (aqui autor) (art. 16° da petição inicial).

13- Conforme decorre do teor das certidões sob docs. n°s 14 e 15 juntos com a petição inicial, II faleceu a 29.05.2007, no estado de viúva de JJ, sucedendo-lhe como únicos e universais herdeiros, os seus filhos, aqui autores BB, CC e DD (art. 17° da petição inicial). 14- Conforme decorre do teor da certidão sob doc. n°s 16 junto com a petição inicial, a 25 de junho de 1931, GG, em segundas núpcias, casou com KK, nas suas primeiras núpcias, e dissolvido, por óbito do cônjuge mulher no ano de 1962 (art. 18° da petição inicial).

15- Conforme decorre do teor da certidão sob doc. n° 17 junto com a petição inicial, a 04.11.1970, GG veio a falecer, no estado de viúvo de KK (art. 19° da petição inicial).

16- Conforme decorre do teor da certidão sob doc. n° 18 junto com a petição inicial, do casamento entre GG e KK, nasceu uma única filha, a autora da herança EE, que aquando do seu casamento, com LL, adotou os seus dois últimos apelidos  (art. 20° da petição inicial).

17- Os aqui autores, apenas, tomaram conhecimento do falecimento da autora da sucessão EE, no passado mês de Janeiro do ano de 2022, por um seu vizinho, após o que, e no início de diligências de indagação da existência de bens que constituíssem o acervo da herança, ocorridas no final daquele mês de Janeiro, início do mês de Fevereiro, do corrente ano, com vista à aceitação e habilitação da correspondente herança, foram confrontados com o facto de encontrar-se a mesma declarada vaga a favor do Estado Português, por alegada “ausência de herdeiros da Autora da

 
Herança”, para além do Estado (arts. 21° e 22° da petição inicial).».
*

B) – A argumentação de recurso do Apelante, tal como já sucedeu na 1ª Instância, centra-se na defesa da procedência das excepções que viu serem decididas contra si na sentença recorrida.

Ora, no que concerne ao invocado desrespeito, pelos AA, ao intentarem a presente acção – e pelo Tribunal “a quo”, ao julgar procedentes os respectivos pedidos - da autoridade do caso julgado formado pela sentença de 13.10.2020, transitada em julgado em 18/11/2020, proferida na acção nº 4440/19...., com processo especial, de Liquidação de Herança Vaga a favor do Estado, que declarou a herança de EE vaga para o Estado Português, escreveu-se na sentença recorrida:

«[…] Apreciando os elementos constantes dos autos, mormente, relativamente ao processo especial de declaração da herança vaga a favor do Estado, e subsequente liquidação da herança declarada vaga a favor do Estado a correr termos com o n° 4440/19...., do Juízo Local Cível - Juíz ... (cf. certidão sob doc. n°3 junto com a petição inicial), é notório que a acção especial, em causa, foi instaurada pelo Ministério Público em representação do autor Estado Português contra os réus Herdeiros desconhecidos/incertos; os herdeiros desconhecidos foram citados editalmente para os termos da causa, e por não intervirem na causa, subsequentemente, foi aí citado o defensor oficioso nomeado nos termos do art. 22°, do CPC, em representação dos réus herdeiros desconhecidos, e a acção correu termos contra os réus desconhecidos, representados pelo Defensor Oficioso nomeado (ou seja, sem que algum herdeiro desconhecido, nomeadamente, algum dos aqui autores, haja intervindo pessoalmente nos autos). 

Por ser, assim, e na esteira da jurisprudência pacifica dos tribunais superiores - cf. entre outros, a título exemplificativo, Ac. da Relação de Lisboa, de 29/06/2006, Relator Desembargador Salazar Casanova, disponível in www.dgsi.pt. - e na esteira dos ensinamentos de Marta Susana Duarte de Figueiredo Lobo, na Dissertação sobre “Os Incertos no Processo Civil” apresentada à Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra no âmbito do 2.º Ciclo de Estudos em Direito (conducente ao grau de Mestre), na Área de Especialização em Ciências Jurídico-Civilísticas com Menção em Direito Processual Civil, págs. 50 a 52, disponível no sitio https://estudo geral.uc.pt. - é notório que a acção de declaração da herança vaga a favor do estado português

 
instaurada contra os réus/herdeiros desconhecidos/incertos não constitui caso julgado material/autoridade de caso julgado em relação aos réus/herdeiros desconhecidos, pelas razões aí indicadas no citado acórdão e na citada doutrina, às quais aderimos. […]».
Ora, este entendimento merece a nossa concordância.
A acrescer, dir-se-á o que se segue.

Estabelece o artigo 580º, nº 1, do NCPC, que as excepções da litispendência e do caso julgado pressupõem a repetição de uma causa; se a causa se repete estando a anterior ainda em curso, há lugar há litispendência. 
Por outro lado, o artigo 581º do CPC prescreve: 

1 - Repete-se a causa quando se propõe uma ação idêntica a outra quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir.

2 - Há identidade de sujeitos quando as partes são as mesmas sob o ponto de vista da sua qualidade jurídica.

3 - Há identidade de pedido quando numa e noutra causa se pretende obter o mesmo efeito jurídico.

4 - Há identidade de causa de pedir quando a pretensão deduzida nas duas ações procede do mesmo facto jurídico. (...).

E estabelece o nº 1 do artº 619 do NCPC: “Transitada em julgado a sentença ou o despacho saneador que decida do mérito da causa, a decisão sobre a relação material controvertida fica a ter força obrigatória dentro do processo e fora dele nos limites fixados pelos artigos 580.º e 581.º, sem prejuízo do disposto nos artigos 696.º a 702.º.”.

O caso julgado material pressupõe, assim, a repetição de uma causa depois de a primeira ter sido decidida por sentença que já não admite recurso ordinário, ou seja, que tenha transitado em julgado.

Como se salientou no Acórdão desta Relação, de 17/3/2020 (Apelação nº 3745/15.7T8PBL.C2)4, «[…] há que distinguir a excepção de caso julgado, da autoridade do caso julgado, sendo até já dominante o entendimento de que a imposição dos efeitos da autoridade do caso julgado não pressupõe a coexistência das três

 

identidades dos sujeitos, do pedido e da causa de pedir que se exige para a verificação da excepção de caso julgado. – Vide, neste sentido, o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 24.11.2015, proferido no processo n.º 346/14.0T8PVZ.PT (…) A esse propósito, ensina Lebre de Freitas (in “Código de Processo Civil Anotado”, Cbra. Ed., pág. 325), que enquanto pela excepção se visa o efeito negativo da inadmissibilidade da segunda acção, constituindo-se o caso julgado em obstáculo a nova decisão de mérito, a autoridade do caso julgado tem antes o efeito positivo de impor a primeira decisão (...), assentando esse efeito positivo numa relação de prejudicialidade: o objecto da primeira decisão constitui questão prejudicial na segunda acção, como pressuposto necessário da decisão de mérito que nesta há-de ser proferida. […]».

Rui Pinto no texto epigrafado “Exceção e autoridade de caso julgado – algumas notas provisórias”, “in” “JULGAR Online, novembro de 2018, pag. 1 e ss., escreve:

«[…] O efeito positivo externo consiste na vinculação de uma decisão posterior a uma decisão já transitada em razão de uma relação de prejudicialidade ou de concurso entre os respetivos objetos processuais, ou, em termos mais simples, em razão de objetos processuais conexos.
(…)

A jurisprudência costuma designar este efeito como autoridade de caso julgado stricto sensu.

Esta autoridade de caso julgado não se cinge apenas às decisões que, por conhecerem do mérito, fazem caso julgado material. Se é certo que as decisões sobre a relação processual têm força obrigatória dentro do processo (cf. Artigo 620.º, n.º 1), não deixam, porém, de ser dotadas de efeito positivo externo dentro desse processo.

Efetivamente, o mesmo tribunal que julgou certa questão processual continua vinculado a ela quando julga questão processual conexa, por estar em relação de prejudicialidade ou de concurso. Por ex., se o tribunal julgou improcedente a exceção de incapacidade judiciária do réu por menoridade, não pode, depois, julgar procedente uma exceção de

 
falta de representante judiciário do mesmo.
(…)

devemos acrescentar uma condição subjetiva para que haja uma tal força vinculativa do caso julgado fora do seu objeto processual: a autoridade de caso julgado apenas pode ser oposta a quem seja tido como parte do ponto de vista da sua qualidade jurídica como definido pelo artigo 581.º, n.º 2. Seria absolutamente inconstitucional, por contrário à proibição de indefesa, prevista no artigo 20.º, n.º 4, da Constituição e no artigo 3.º do Código de Processo Civil, que uma decisão vinculasse quem foi terceiro à causa(…). Daqui decorre que a autoridade de caso julgado (i) pode ser oposta pelas concretas partes entre si e (ii) não pode ser oposta a quem é terceiro. Em termos práticos, serão julgadas improcedentes (em maior ou menor grau) as pretensões processuais das partes entre si que sejam lógica ou juridicamente incompatíveis com o teor da primeira decisão; mas já idêntica pretensão deduzida por terceiro será apreciada sem consideração pelo sentido decisório alheio.

Nesta linha de entendimento, o citado Ac. do TRP de 21-112016/Proc.1677/15.8T8VNG.P1 (JORGE SEABRA) decidiu que a “parte que em acção de reivindicação obtém sentença declaratória do seu direito de propriedade sobre determinado imóvel não pode, regra geral, em confronto com um terceiro (que não interveio sob qualquer titulo na aludida acção prévia) [sic] invocar a seu favor a autoridade de caso julgado e para efeitos de impor a este ultimo, de forma reflexa, um certo conteúdo do direito de propriedade (não concretamente esgrimido e decidido na acção anterior) excludente do direito invocado pelo terceiro em posterior acção contra si interposta”. […]».
Como se pode ler no Acórdão do STJ, de 18/06/2014 (proc. nº

209/09.1TBPTL.G1.S1), «[…] O cuidado com que é tratada a eficácia externa do caso julgado também é bem visível em Antunes Varela que, depois de abordar a problemática dos efeitos da sentença relativamente a terceiros juridicamente indiferentes, acrescentou, relativamente aos terceiros titulares de uma relação jurídica

 

incompatível com a litigada, que “nenhuma razão há, de acordo com o espírito da norma que prescreve a eficácia relativa do caso julgado, para impor a sentença ao terceiro, titular da posição incompatível com a declarada na sentença transitada” (Manual de Processo Civil, 2ª ed. pág. 727). Nas demais situações cobertas pelas regras gerais, a invocação da “autoridade de caso julgado” formado num processo não pode conduzir a que se produzam na esfera de terceiros efeitos com que este não poderia contar, pelo facto de emergirem de um processo em que não teve qualquer intervenção. […]».

O que acima se expôs é assim sintetizado no sumário – da responsabilidade do respectivo Relator (Cons. Ricardo Costa) - do Acórdão do STJ, de 30/11/2021, Revista 697/10.3TBELV.E1.S1: «[…] I - A autoridade de caso julgado, decorrente da vinculação positiva externa ao caso julgado assente nos arts. 619.º, n.º 1, e 628.º do CPC (“efeito positivo”), implica o acatamento de uma decisão proferida em acção anterior cujo objecto se inscreve, numa relação de prejudicialidade, no objeto de uma acção posterior, impedindo que a relação ou situação jurídica antes definida venha a ser objecto de nova decisão e se potencie uma decisão, total ou parcialmente, contraditória sobre a mesma questão.

II - Para tal resultado, é insuperável, como condição subjectiva da sua força vinculativa, no confronto dos processos conexos, que as decisões abranjam as mesmas pessoas, sob o ponto de vista da qualidade física e intervenção processual, assim como aquelas que sejam os mesmos sujeitos do ponto de vista da sua qualidade jurídica (art. 581.º, n.º 2, do CPC: identidade dos sujeitos abrangidos). Assim, estão abrangidos pelos efeitos do caso julgado não somente os concretos titulares do direito ou bem litigioso que eram partes na causa à data do trânsito em julgado da sentença, mas ainda os seus transmissários ou sucessores (também por substituição processual) posteriores ao trânsito em julgado.

III - Não se afasta radicalmente o reconhecimento de situações circunscritas de eficácia reflexa ou de extensão a terceiros do caso julgado formado, nomeadamente, para além

 

de casos especialmente previstos na lei, em face de terceiros “juridicamente indiferentes” (a quem a decisão não causa nenhum prejuízo jurídico, uma vez que não interfere com a existência ou a validade dos seus direitos, ainda que possa afectar a sua consistência prática ou económica, por exemplo, quando se reduz o património de um devedor e a sua solvabilidade), relativamente aos quais não prevalecem as exigências da vigência do princípio do dispositivo e do principio do contraditório/direito de defesa. […]». (o sublinhado é nosso).

No Acórdão da Relação de Lisboa, de 29/06/2006, citado na sentença recorrida,5 diz-se: «[…] no caso de ausência do citando em parte incerta, a lei manda, antes de se ordenar a citação edital, efectuar diligências no sentido de se determinar o seu paradeiro (artigos 244.º e 247.º, n.º4 do Código de Processo Civil); tratando-se de citação contra incertos não há necessidade de efectivar quaisquer diligências.

12. A razão está em que a acção contra incertos (artigo 16.º do Código de Processo Civil) tal como a habilitação no caso de incerteza de pessoas, não faz caso julgado em relação àqueles que não foram demandados, ou seja, a sentença é, quanto a eles, res inter alios acta. […]».

Também Lebre de Freitas e Isabel Alexandre - Código de Processo Civil Anotado, Vol. 2.º, 3.ª edição, pág. 593 – citando Alberto dos Reis, referem “Na acção contra incertos, o caso julgado só se forma em face daqueles que nela intervenham como réus”.

Decisivamente, escreve Augusto Lopes Cardoso (Partilhas Litigiosas, vol. III, págs. 242 e 243):

«[…] A sentença que julga vaga a herança para o Estado é, na sua essência, meramente declarativa (…).

Mas o seu trânsito em julgado não implica que fique definitivamente assegurada ao Estado a titularidade dela. Tal trânsito só opera em relação aos que intervieram no processo em que proferida, jamais aos que lhe foram estranhos. 

 

Trata-se, de resto, de sentença contra incertos chamados à lide editalmente, o que desde logo lhe retira força de caso julgado erga omnes(…). Este ponto de vista tem fundas raízes jurisprudenciais(…) e doutrinais(…) e, que se conste, não tem sofrido contradição alguma.

É, assim, de concluir que «em qualquer altura pode, pois, o herdeiro vir reclamar a herança, sem prejuízo, é claro, da prescrição [usucapião] que se tenha verificado. Para esse efeito há-de propor acção de processo comum. 

E pode dirigi-la, ou contra o Estado, a pedir a entrega do que este haja recebido, ou contra os adquirentes dos bens, a reivindicá-los, ou contra aquele e estes […]». E é claro que, e na acção anterior, cujo caso julgado é invocado pelo Apelante,  foi intentada contra incertos e não contra os ora AA., estes não estão vinculados pela sentença que aí julgou vaga a herança para o Estado, e podem intentar acção em que reivindiquem a herança, justificando a respectiva qualidade de herdeiros, sem que se lhes impute, por não instaurarem recurso de revisão da referida sentença, quer a excepção da autoridade do caso julgado, quer a nulidade do erro na forma de processo, ou no meio processual empregue. O Apelante invoca, mas sem relevância para o presente caso, o Acórdão da Relação de Lisboa, de 21/12/2021 (Apelação n.° 131/21.3T8PDL.L1-7).

Sem relevância, porque nesse aresto – que não versava, uma situação de demanda de incertos na acção cujo trânsito em julgado se invocava - para a afirmação da autoridade do caso julgado, também não se dispensou a existência de identidade de sujeitos, afirmando-se que a mesma existia porque a acção posterior fora proposta pelo autor da anterior acção e pelos sucessores da sua mulher, também autora na 1ª acção, mas, entretanto, falecida. É a hipótese que também se refere no item “II” do sumário do Acórdão do STJ, de 30/11/2021, acima citado, mas que aqui não se verifica, da consideração de identidade das partes, não só, quando estas, no novo processo, forem as próprias pessoas que pleitearam no outro, como, também, forem “…sucessores delas (entre vivos ou

 

mortis causa), na relação controvertida: herdeiros, legatários, donatários, compradores, cessionários.” (Manuel de Andrade, “in” Noções Elementares de Processo Civil, 1979, págs. 309 e 310).

Do exposto resulta, que, na sentença recorrida, julgando-se improcedentes, quer a excepção da violação da autoridade do caso julgado, quer a nulidade, por erro na forma de processo, decidiu-se correctamente.

Parece-se-nos claro que, não se estando em sede de recurso de revisão, desinteressa saber se o mesmo seria, ou não, tempestivo, v.g., à luz do fundamento previsto no artº 696, c), do NCPC.

Sustenta o Apelante; «[…] Ainda que se entenda que tal acto não consubstancia um erro no meio processual, o que apenas por mera hipótese académica se equaciona, sempre se dirá que a lei não admite a prática de tal acto, pelos motivos aduzidos, gerando uma irregularidade que influi no exame e decisão da causa, o que determina a sua nulidade, nos termos dos artigos 195.°, n.° 1, 196.°, 577.°, alínea b), 278.°, n° 1, alínea b), 576.°, n.°s 1 e 2 e 578.°, todos do Código de Processo Civil, o que aqui expressamente se invoca. […]».
E acrescenta:

«[…] Por outro lado, em ultima ratio, a prática de tal acto sempre consubstanciará uma excepção dilatória inominada que obsta ao conhecimento do mérito da causa e dá lugar à absolvição da instância, nos termos dos artigos 576.°, 577.° no segmento “entre outras” e 278.°, n° 1, alínea e), todos do Código de Processo Civil, o que aqui também se invoca. […]».

Ora, tomando a expressão “tal acto”, como a dedução da presente acção em lugar da interposição de recurso de revisão da sentença de 13/10/2020, apenas cumpre observar que, tendo-se concluído que não cabia aos AA interpor o dito recurso, a instauração da presente acção e o processamento subsequente, com términus na prolação da sentença recorrida, não configura nulidade, v.g., a

 

prevista no artº 195.°, n.° 1, do NCPC, nem qualquer “excepção dilatória inominada”.

A acção de petição de herança, em que a causa de pedir “…consiste na sucessão “mortis causa” e na subsequente apropriação por outrem da massa hereditária…”6, caracteriza-se pelos pedidos do reconhecimento do direito da qualidade sucessória, e o da consequente restituição de todos os bens da herança ou de parte deles, contra quem os possua como herdeiro, ou, por outro título, ou mesmo sem título (artº 2075º, do CC).

A cumulação de outros pedidos – como os que os AA. fizeram - que sejam consequentes daqueles, ou que lhes dêem utilidade, não descaracteriza uma tal acção.

O Apelante não discordou da factualidade provada, nem da subsunção dos factos ao direito, sendo nosso entendimento que, na sentença “sub judice” - para a qual aqui se remete - enunciando-se devidamente as questões a resolver, foram estas, sem infracção das normas que o Apelante diz terem sido violadas, solucionadas correctamente e com fundamentação adequada.

A conclusão a extrair daquilo que ficou dito, é a de que se decidiu acertadamente na sentença recorrida, nada mais restando, senão, confirmando tal decisão, negar procedência à Apelação. * III - Decisão:

Em face de tudo o exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em, julgando a Apelação improcedente, confirmar a sentença recorrida. *

Custas pelo Recorrente (artºs 527º, nºs 1 e 2, 607º, nº 6, 663º, nº 2, todos do NCPC).

*

9 de Abril de 20247
 
*
(Luiz José Falcão de Magalhães)
(Cristina Neves)
(Maria Teresa Albuquerque)
 
                                                 
1 Segue-se a grafia anterior ao Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990, respeitando-se, em caso de transcrição, a grafia do texto original.
2 Transcrição de extracto do relatório da sentença recorrida.
3 Acórdão do STJ, de 06 de Julho de 2004, Revista nº 04A2070, embora versando a norma correspondente da legislação processual civil pretérita, à semelhança do que se pode constatar, v.g., no Ac. do STJ de 13/09/2007, proc. n.º 07B2113 e no Ac. do STJ de 08/11/2007, proc. n.º 07B3586, todos estes arestos consultáveis em “http://www.dgsi.pt/jstj.nsf?OpenDatabase”.
4 Que se saiba, não publicado.
5 Consultável, tal como os demais da mesma Relação que vierem a ser citados sem referência de publicação, em http://www.dgsi.pt/jtrl.nsf?OpenDatabase .
6 Clara Sottomayor, “in” Código Civil Anotado, Livro V – Direito das Sucessões, Coordenado por Cristina Araújo Dias, Almedina, 2018, pág. 99. 7 Processado e revisto pelo Relator.