Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRC | ||
Relator: | FALCÃO DE MAGALHÃES | ||
Descritores: | ÁRVORE PRÉDIO CONFINANTE IMPUGNAÇÃO MATÉRIA DE FACTO ÓNUS DE IMPUGNAÇÃO | ||
Data do Acordão: | 02/24/2015 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | COMARCA DE LEIRIA – POMBAL – SECÇÃO CÍVEL | ||
Texto Integral: | S | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | CONFIRMADA | ||
Legislação Nacional: | ARTº 1366º, NºS 1 E 2 DO C. CIVIL; 640º, Nº 2 DO NCPC. | ||
Sumário: | I – A norma do art. 1366°/1 do C. Civil só abarca árvores e arbustos plantados (ou nascidos) até à linha divisória que correspondam a uma adequada ou, pelo menos, aceitável, exploração económica dos prédios. II - Com efeito, a dita norma não pode ser utilizada, sob pena de abuso de direito, para possibilitar ao proprietário de determinado prédio plantar árvores como algumas daquelas em causa nos autos, consideradas por diversa legislação existente como árvores de crescimento rápido - cfr. art. 1º, nº 4 do DL 175/88, de 17 de Maio, e art. 2º, al. ff) do DL 254/2009 de 24 de Setembro - sendo certo que, em muitos casos, a respectiva plantação tem se ser precedida da necessária autorização das entidades ambientais competentes (cfr. a título de exemplo o DL 28.039 que exigia que árvores como os eucaliptos e acácias consideradas de crescimento rápido, não fossem plantadas ou semeadas a menos de 20 metros de terrenos de cultura). III - Ao Recorrente, quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados - v.g., declarações das parte e dos peritos, e depoimentos das testemunhas -, caberá, sob pena de imediata rejeição do recurso na respectiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes (nº 2, a), do artº 640º do NCPC, que corresponde ao n.º 2 do art.º 685-B do CPC). | ||
Decisão Texto Integral: |
Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra: I - 1) – M… e mulher, G… intentaram, em 12/01/2012, no Tribunal Judicial de Pombal, acção declarativa, de condenação, com processo sumário, contra S… e mulher, R…, alegando, em síntese, que, sendo proprietários de um prédio urbano (onde têm a sua habitação), vedado em todo o seu redor, numa extensão aproximada de 58 metros de comprimento, com muro em alvenaria de 2,00 m de altura, bem como de um prédio rústico, com terra de regadio e um poço, os RR são donos de um prédio contíguo onde têm eucaliptos e ciprestes plantados e radicados no respectivo terreno, a menos de 20/30 metros daqueles prédios, bem assim como pinheiros, mato e silvas, o que, além de lhes causar a eles, ora AA, danos patrimoniais e morais, constitui, por si só, um sério risco e perigo para a sua integridade física e segurança. Acresce que os RR, intencionalmente, vêm colocando terra junto da valeta, para não permitir a passagem por onde se faz o normal escoamento, pelo aqueduto ali existente, junto à estrada e à casa dos AA., terra essa que não permite a passagem das águas, que se vão acumulando e, subindo de nível, acabam por galgar a valeta e escorrer para o interior do prédio dos AA, provocando-lhes prejuízos, com o encharcamento do solo, nomeadamente, na zona da passagem e entrada da habitação. Invocando, como fundamento “violação ilícita e culposa dos direitos de personalidade e, da propriedade, além de danos causados”, terminaram pedindo a condenação dos RR: a) A procederem ao arranque imediato de todos os eucaliptos e ciprestes plantados e radicados no terreno deles (RR), a menos de 30 metros dos prédios dos AA, identificados no art. 1º da p.i.; b) A procederem ao corte e à limpeza dos pinheiros, do mato, de arbustos existentes no mesmo terreno deles, ora RR, até, pelo menos, aquela distância; c) A removerem as terras colocadas junto à valeta pública, que impedem a livre e normal escorrência para o aqueduto, aí existente; d) A indemnizarem os AA dos danos patrimoniais e morais causados, no montante de € 5.000,00, acrescido do valor que se vier a liquidar em execução de sentença; e) A absterem-se, doravante, por qualquer forma lesarem os AA; f) Em sanção compulsória de € 50,00 diários, por incumprimento da decisão a proferir; g) Nas custas e procuradoria condigna. 2) - Os RR, contestando, para além de se terem defendido por impugnação, invocaram quer a sua ilegitimidade, quer a dos AA, e deduziram reconvenção, Terminaram, pedindo, além do mais, a sua absolvição do pedido. 3) - Respondendo, os Autores vieram pugnar pela improcedência da matéria de excepção e pela inadmissibilidade da reconvenção, mais pedindo a condenação do RR como litigantes de má fé. 4) - No despacho saneador, proferido em 13/12/2012, decidiu-se: - Não admitir a reconvenção; - Fixar-se o valor da causa em € 10.000,02; - Julgar-se improcedente a excepcionada ilegitimidade, considerando AA e RR partes legítimas. Foram fixados os factos que se tinham já como assentes e foi elaborada a base instrutória; 5) - Prosseguindo os autos os seus ulteriores termos, veio a ter lugar, com gravação da prova, a audiência final, após o que, em 13/02/2014, foi proferida sentença, que, na parcial procedência da acção, absolvendo-os do demais peticionado, condenou os RR “a proceder ao arranque dos 8 eucaliptos que se encontram a menos de 20 metros do prédio rústico dos autores identificado no ponto 2 dos factos provados.”. II - Inconformados com tal sentença, na parte que lhes foi desfavorável, os AA., no recurso que dela interpuseram - e que veio a ser recebido como apelação, com subida nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo - ofereceram, a finalizar a respectiva alegação, as seguintes conclusões: … III - a) - O Relator, no despacho de fls. 504, dizendo que aplicando-se o novo Código de Processo Civil, aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26 de Junho[1], se lhe afigurava que os Apelantes, na impugnação da matéria de facto, não haviam efectuado a indicação exigida pelo artº 640º, nº 2, a), desse Código, quanto às passagens da gravação, o que levaria rejeição do recurso, nessa parte, determinou a notificação das partes para que sobre isso se pronunciassem, querendo. b) - Os Apelantes vieram defender ter dado cabal cumprimento ao disposto no referido artº 640º, referindo, designadamente, que, para além da transcrição integral dos depoimentos em causa, tinham procedido, na fundamentação do recurso, “à própria transcrição integral dos excertos dos depoimentos tidos por relevantes”. Terminaram requerendo que o recurso fosse admitido também no que concerne à impugnação da matéria de facto. IV - Em face do disposto nos art.ºs 635º, nºs 3 e 4, 639º, nº 1, ambos do NCPC, o objecto dos recursos delimita-se, em princípio, pelas conclusões dos recorrentes, sem prejuízo do conhecimento das questões que cumpra apreciar oficiosamente, por imperativo do art.º 608º, n.º 2, “ex vi” do art.º 663º, nº 2, do mesmo diploma legal. V - Fundamentação: A) Os factos. a) - Na sentença da 1.ª Instância, no que respeita à decisão da matéria de facto, consignou-se: … b) - A impugnação da matéria de facto. Tendo a audiência de julgamento sido objecto de registo, através de gravação sonora (artº 155º, nº 1, do Novo Código de Processo Civil, aprovado pela Lei nº 41/2013), os AA, nas alegações do recurso que interpuseram dessa sentença, pediram, entre o mais, a reapreciação da matéria de facto, defendendo que os factos elencados na sentença, dados como não provados, sob os pontos os pontos 1), 2), 3), 4), 5), 6), 7), 8), 9), 10, 11), 12); 14) e 16), “deveriam receber resposta positiva de provado”. Para defender o pretendido quanto à matéria de facto, pugnaram pela correcta apreciação da prova produzida, designadamente, da prova pericial, dos “registos documentais, incluindo fotográfico”, bem como, da planta aérea, certificada pelo Instituto Geográfico Português”, assim como dos depoimentos das testemunhas … Desses depoimentos, cuja reapreciação requereram, os Apelantes juntaram a transcrição integral, com a alegação de recurso, tendo, no corpo desta alegação, reproduzido os trechos que entenderam relevantes para alcançar o apontado desiderato. Estabelece o artº 662º, nº 1, do NCPC, que a Relação “deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.”. Tendo-se procedido à gravação dos depoimentos prestados na audiência, a decisão do Tribunal de 1.ª Instância sobre matéria de facto é susceptível de ser alterada pela Relação, tendo, para esse efeito, o recorrente que pretenda impugnar a decisão sobre a matéria de facto, especificar, sob pena de rejeição, “Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados” (artº 640º, nº 1, a), do NCPC, que corresponde ao art.º 685-B, nº 1, a), do CPC), bem como “Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida” (artº 640º, nº 1, b), do NCPC, que corresponde ao art.º 685-B, nº 1, b), do CPC). Por outro lado, ao Recorrente, quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados - v.g., declarações das parte e dos peritos, e depoimentos das testemunhas -, caberá, sob pena de imediata rejeição do recurso na respectiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes (nº 2, a), do artº 640º do NCPC, que corresponde ao n.º 2 do art.º 685-B do CPC). Por outro lado, sendo-lhe imprescindível fazer a indicação exata que se apontou e que mais abaixo se irá abordar em pormenor, importa, também, que o Recorrente, ofereça alegação que se mostre hábil a uma cabal impugnação da matéria de facto. Isto porque a alegação em causa tem de se alicerçar em erro que se aponte à convicção do Tribunal que determinou o sentido das respostas que este deu quanto à matéria de facto, sendo que uma tal alegação não se basta com a mera discordância do Apelante quanto ao facto de não terem sido atendidas as declarações das testemunhas de cujos depoimentos se serve para, no recurso, impugnar a decisão proferida pelo Tribunal “a quo” quanto à matéria de facto. O erro que é mister o recorrente evidenciar ao proceder, em recurso, à impugnação da decisão da matéria de facto - saliente-se que estamos ainda no plano da alegação e não em sede de apreciação do mérito ou demérito do teor dos depoimentos para provocarem a alteração factual pretendida - é, note-se, o que enferma o processo valorativo do Tribunal “a quo” relativamente à prova produzida, não residindo, pois, na mera consequência dessa putativa deficiente valoração, que se traduz na circunstância de a(s) resposta(s) dada(s), ser(em) contrária(s) ou diversa(s), daquela(s) que o Recorrente defende merecer a base instrutória. Torna-se, pois, necessário, que o recorrente alegue um erro de valoração da prova escorado em fundamento que o evidencie, para que o Tribunal de recurso verifique o acerto dessa alegação e, consequentemente, pondere a procedência da alteração que, no âmbito da matéria de facto, é peticionada. Como resulta do já aflorado, não basta, pois, para satisfazer estes ditames, que o recorrente se limite a dizer (mesmo que proceda à transcrição do respectivo depoimento, ou de excertos do mesmo) que determinada testemunha fez certas declarações - ainda que saliente que as mesmas foram em sentido diferente, ou, mesmo, em sentido contrário, àquele que o Tribunal “a quo” perfilhou ao responder à base instrutória (ou, não havendo esta, à pertinente matéria dos articulados) -, para que se considere que assim se impugna, cabalmente, a decisão proferida sobre a matéria de facto. Neste sentido e na vigência da redacção dada ao artº 690-A[3] pelo DL nº 183/2000, atente-se na decisão proferida pelo STJ em 14-07-2010, (Recurso n.º 3846/08.4 - 4.ª Secção) e assim sumariada[4]: «II - O ónus de especificação imposto pelo artigo 690.º-A, ns.º 1 e 2, do CPC, impõe ao recorrente que impugne a matéria de facto que indique, além dos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, os concretos meios de prova constantes da gravação, ou seja, os depoimentos em que se baseia a impugnação, o que se destina a garantir que a parte fundamente a sua discordância em relação ao decidido, identificando os erros de julgamento que ocorreram na apreciação da matéria de facto, o que significa que a recorrente não está dispensada de, em relação a cada um dos pontos de facto, exprimir, através da análise e interpretação do teor dos depoimentos adrede convocados, as razões por que discorda da decisão. III - A sobredita exigência não se mostra satisfeita pela mera remissão para depoimentos indicados para alicerçar a imputação de erro na apreciação da prova relativa a matéria de facto constante de outros quesitos, quando o recorrente não expressa em que medida os mesmos depoimentos comportam o sentido que se pretende fazer valer em relação a cada ponto factual impugnado, por forma a que o tribunal descortine as razões pelas quais o recorrente discorda do decidido.».[5] Também esta Relação de Coimbra, no Acórdão de 23/02/2011 (Apelação nº 1041/05.7TBLRA.C1)[6], evidenciou que os artºs 712.º e 690.º-A do CPC, “…impõem ao recorrente que pretenda a reapreciação da prova por parte da Relação que fundamente a sua discordância em relação ao decidido na 1.ª Instância, que identifique os concretos erros de julgamento da 1.ª Instância, que indique os concretos meios probatórios que foram mal apreciados e que, apreciados do modo pretendido, devem conduzir a decisão diversa, suficientemente enunciada e sugerida, da proferida na 1.ª Instância.”[7]. Ainda esta Relação de Coimbra, em Acórdão de 15/01/2013, relatado pela aqui 1ª Adjunta e subscrito pelo ora 2º Adjunto nos autos de Apelação nºs 1796/10.7T2AVR.C1, entendeu, também, a propósito da supra referida norma equivalente ao citado artº 690.º-A, introduzida pela reforma levada a efeito pelo DL nº 303/2007, não bastar “…ao recorrente atacar a convicção que o julgador formou sobre cada uma ou sobre a globalidade das provas para provocar uma alteração da decisão da matéria de facto, mostrando-se necessário que cumpra os ónus de especificação impostos pelos n.º 1 e 2 do art.º 685º-B do C. P. Civil, devendo ainda proceder a uma análise critica da prova de molde a demonstrar que a decisão proferida sobre cada um dos concretos pontos de facto, que pretende ver alterados, não é possível, não é plausível ou não é a mais razoável.”.[8] Retornando à exigência que se faz no referido nº 2, a) do artº 640º do NCPC, e para melhor se entender o respectivo alcance, importa relembrar os antecedentes do artº 685-B, nº 2, do CPC, que, na legislação pretérita, é o preceito correspondente àquele artigo. O artº 690-A ao CPC, aditado pelo DL 39/95, de 15 de Fevereiro (artº 2), dispunha, na parte que ora releva: «1 - Quando se impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a) Quais os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados; b) Quais os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida. 2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ainda ao recorrente, sob pena de rejeição do recurso, proceder à transcrição, mediante escrito dactilografado, das passagens da gravação em que se funda.». O legislador do DL 39/95, de 15 de Fevereiro, acentua, no respectivo preâmbulo, a natureza de “válvula de segurança” - para obviar à utilização abusiva do recurso sobre a matéria de facto -, que representava o ónus do recorrente, estabelecido no preceito, no que concerne à delimitação do objecto do recurso, dizendo: “Este especial ónus de alegação, a cargo do recorrente, decorre, aliás, dos princípios estruturantes da cooperação e da lealdade e boa fé processuais, assegurando, em última análise, a seriedade do próprio recurso intentado e obviando a que o alargamento dos poderes cognitivos das relações (resultante da nova redacção do artigo 712.º) - e a consequente ampliação das possibilidades de impugnação das decisões proferidas em 1.ª instância - possa ser utilizado para fins puramente dilatórios, visando apenas o protelamento do trânsito em julgado de uma decisão inquestionavelmente correcta. Daí que se estabeleça, no artigo 690.º-A, que o recorrente deve, sob pena de rejeição do recurso, para além de delimitar com toda a precisão os concretos pontos da decisão que pretende questionar, motivar o seu recurso através da transcrição das passagens da gravação que reproduzam os meios de prova que, no seu entendimento, impunham diversa decisão sobre a matéria de facto.». Sabendo-se que o preâmbulo não possui força vinculativa, mas que não deixa de constituir um elemento histórico importante na função de interpretar o texto legal[9], importa salientar que, “in casu”, segundo, nos parece, o texto do preceito em causa compagina-se com o desiderato referido no transcrito trecho do preâmbulo do DL 39/95. O DL nº 183/2000, de 10 de Agosto, veio, além do mais, alterar a redacção do 690º-A, deixando este preceito de impor ao recorrente o ónus de transcrição, mediante escrito dactilografado, das passagens da gravação dos depoimentos, passando a constar do seu nº 2: «No caso previsto na alínea b) do número anterior, quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ainda ao recorrente, sob pena de rejeição do recurso, indicar os depoimentos em que se funda, por referência ao assinalado na acta, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 522.º-C.». Coerentemente, com a alteração introduzida ao artº 690-A, o aludido DL nº 183/2000, veio aditar ao 522-C, um nº 2, determinando que, quando houvesse lugar a registo áudio ou vídeo, deveria ser assinalado na acta o início e o termo da gravação de cada depoimento, informação ou esclarecimento.[10] Foi esta a primeira significativa modificação ao ónus primitivamente imposto pelo Artº 690-A ao recorrente, ónus esse que, tomado o preceito “ao pé da letra”, passou a ter diminuta expressão e quase nenhum relevo em termos de cooperação com o Tribunal de recurso, pois que a indicação exigida, pouco ou nada adiantava relativamente ao que a lei determinava que constasse da acta. Não obstante a alteração que o DL nº 183/2000 introduziu ao artº 690-A, que, sem margem para dúvidas, visou eliminar a transcrição obrigatória que originariamente este preceito previa, o recorrente que visasse impugnar a matéria de facto, não poderia deixar de fundamentar a sua pretensão demonstrando ter havido erro no julgamento de facto. Daí que não satisfizesse a indicação pretendia pela lei, a crítica a determinado ponto da matéria de facto, alicerçada em remissão genérica para os depoimentos de determinadas testemunhas, ainda que se transcrevesse, nas alegações, a totalidade, ou parte, dos depoimentos em causa. E é assim que, não obstante a referida alteração introduzida pelo DL nº 183/2000 ao artº 690-A, do CPC, se compreendem entendimentos como aquele que foi expresso no aresto do STJ, de 08-11-2007 (Revista n.º 3445/07 - 7.ª Secção), assim sumariado: «I - O recorrente que pretenda impugnar na apelação a decisão proferida sobre a matéria de facto deverá indicar os pontos de facto que considere incorrectamente julgados e especificar ou concretizar os pontos dos depoimentos testemunhais que, no seu entender, impõem diferente resposta (art. 690.º-A, n.º 1, al. b), do CPC). II - A mera indicação dos depoimentos prestados sobre os pontos da matéria de facto impugnados não cumpre suficientemente a exigência legal, sendo ainda necessário que se especifiquem as passagens desses depoimentos que concretamente levem à alteração da decisão de facto proferida.». Ora, o art. 690º-A veio a ser revogado pelo DL 303/2007, de 24/08, substituindo-o o art. 685º-B, cujo nº 2, como inicialmente se disse, impunha ao recorrente que impugnasse a matéria de facto com base no erro de valoração dos depoimentos, que especificasse aqueles em que se alicerçava e que indicasse, com exactidão, as passagens da gravação em que se fundava, sem prejuízo, de, a acrescer ao assim exigido, se lhe permitir que, por sua iniciativa, procedesse à transcrição dessas passagens. A mesma indicação é exigida, actualmente, como acima se viu, pelo artº 640º, nº 2, a), do NCPC, que, para além dela, também possibilita ao recorrente proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes. Do exposto resulta, por um lado, que a exacta indicação das passagens da gravação, que se exigia no referido 685º-B, nº 2 e que se exige agora no artº 640º, nº 2, a), do NCPC, não se identifica com a mera indicação do local, no suporte de registo áudio disponibilizado ao Tribunal de recurso, onde começa e termina cada um dos depoimentos em causa. Não se entender assim equivaleria a ter-se como exigida uma indicação exacta dos depoimentos e não, propriamente, das passagens. Daí que, ao recorrente, para indicar, com exactidão, o que a lei exige no artº 640º, nº 2, a), do NCPC (a exemplo do que ocorria no âmbito do pretérito artº 685º-B, nº 2, do CPC), seja mister indicar, por referência ao suporte em que se encontra gravado o depoimento que pretende utilizar, o início e o termo da passagem ou das passagens, desse depoimento, em que se funda o seu recurso. Do exposto também resulta, por outro lado, que esta exigência da indicação exacta das passagens do depoimento em que se funda o recurso, não é substituível pela transcrição das mesmas, transcrição esta que constitui uma faculdade que acresce ao ónus do recorrente, que, querendo-a utilizar, terá, pois, ainda assim, de satisfazer a apontada exigência legal[11]. Assim, a transcrição de depoimentos ou de passagens destes e a indicação exata que se referem no artº 640º, do NCPC, não são, pois, uma e a mesma coisa, nem, tão-pouco, se equivalem. Este entendimento seguido, não é peregrino, havendo várias decisões dos tribunais superiores nesse sentido, versando a norma em causa ou a sua correspondente no CPC (artº 685.º-B n.º 2).[12] A indicação exata das passagens que o art.º 640º, nº 2, a), do NCPC manda efectuar ao recorrente, consubstanciando um ónus deste, visa, entre o mais, que o Tribunal, bem como o recorrido que pretenda usar do disposto no art.º 640º, nº 2, b), com maior facilidade e com menor dispêndio de tempo, localizem, na totalidade do depoimento constante do suporte físico em que ficou registado (usualmente, agora, em CD), aquilo que, desse depoimento, o recorrente erige como determinante, para, ainda que em conjugação com outros elementos de prova, provocar a alteração que requer no que respeita à decisão da matéria de facto proferida pelo Tribunal “a quo”. É claro que o Tribunal “ad quem” não ficará restringido ao exame, na prova registada, das passagens que o recorrente indique, podendo, para além da análise das mesmas (e das passagens que eventualmente o recorrido também indique - art.º 640º, nº 2, b)), proceder à audição daquilo que entender dos depoimentos prestados. É que as ditas “passagens”, integram visão atomística do depoimento em que se inserem, podendo, noutros pontos do mesmo, a pessoa que o prestou, mostrar menor segurança sobre essa matéria, rectificá-la ou, até, contradizê-la. Daqui se vê que essa possibilidade/necessidade de o Tribunal estender a sua análise para além das passagens indicadas pelo recorrente e pelo recorrido, está longe de evidenciar serem essas indicações despiciendas, antes se prendendo com a confirmação da relevância das ditas quando perspectivadas no contexto de todo o depoimento em que se inserem, pelo que em nada prejudica ou atenua a necessidade de o recorrente proceder à indicação exata que o artº 640º, nº 2, a), do NCPC lhe impõe. Essa indicação que a norma em causa exige tem, também, a virtualidade de comprometer o recorrente com aquilo que efectivamente entende como relevante para provocar a alteração factual que pretende, obviando a que a parte se refugie numa indicação genérica, ou com uma tal amplitude que acabe por equivaler ao indicar da totalidade do depoimento, ou pouco menos. Poder-se-á questionar então, se, nas situações em que, embora não se referenciando as ditas passagens, por reporte, no suporte físico onde ficaram gravadas, ao respectivo início e termo, é possível, ainda assim, considerar efectuada a dita indicação exata, caso o recorrente, identificando o início e o termo de cada depoimento, junte, ainda, desses depoimentos, a transcrição dos excertos que considera relevantes para provocar a alteração que requer no que respeita à decisão da matéria de facto proferida pelo Tribunal “a quo”. Já acima ficou dada resposta negativa a esta questão, justificada, quer pela letra da lei, quer pelas diferentes funções que desempenham, por um lado, a transcrição dos excertos dos depoimentos, que a lei faculta ao recorrente, e, por outro, a indicação exata que lhe impõe no artº 640º, nº 2, a), do NCPC. Mas, tendo-se já concluído que a dita indicação exata e a transcrição dos excertos, não se equivalem, e que, assim, esta não supre as funções daquela, não se argumente que desse modo fica esvaziada de sentido a aludida norma, na parte que possibilita a transcrição, porque esta última, ainda que não substitua aquela indicação, não deixa de ter utilidade, porque a complementa, facilitando ao recorrente a explicitação, feita no corpo da respectiva alegação, da relevância que atribui às ditas passagens e, consequentemente, a explicitação do erro que a consideração ou a desconsideração das mesmas implicou no processo valorativo da convicção do tribunal e que determinou que este respondesse à matéria de facto de um modo que o recorrente entende desconforme com a prova produzida. Questão diversa da antecedente é a de saber se, não obstante não se poder estabelecer a referida equivalência, a rejeição é sanção desproporcionada à falta de indicação exacta das passagens, em particular, nas situações em que o recorrente faz a transcrição dos excertos que se alude na parte final do artº 640º, nº 2, a), do NCPC, e essa transcrição permite uma identificação clara das passagens em que se pretende alicerçar o recurso quanto à matéria de facto. Afigura-se-nos que a resposta a esta questão é negativa, pois que a (falta de) idoneidade da aludida transcrição para substituir a indicação exata exigida pelo artº 640º, nº 2, a), do NCPC, não se altera em virtude de os excertos transcritos espelharem bem as passagens que estão em causa. Por outro lado, a imediata rejeição do recurso, prevista no citado artº 640º, nº 2, a), é explicável pela persuasão que se pretende incutir no recorrente para fazer cumprir um ónus que é de fácil concretização, sendo que tal situação se assemelha àquela -, indiscutida, ao que pensamos, na jurisprudência e na doutrina - em que o recorrente, por falta de cumprimento do ónus de formular conclusões, vê inapelavelmente indeferido o seu requerimento de interposição de recurso, por mais clara que seja, em face do corpo da alegação, a identificação das questões que pretende ver apreciadas (639 nº 1 e 641º, nº 2, b), do NCPC). Efectivamente, a norma em causa, tal como a interpretamos, não se apresenta como sendo demasiado exigente, bastando, para a satisfazer, que, com referência ao CD, ou a outro suporte onde haja ficado registado cada depoimento que se pretenda utilizar, se indique onde começam e onde acabam as passagens que, de cada um desses depoimentos, fundam o recurso da matéria de facto. Como, para impugnar a matéria de facto - para o que conta, até, com o acréscimo de 10 dias no prazo de interposição de recurso (artº 638º, nº 7, do NCPC) - o recorrente tem de proceder à audição da gravação onde ficaram registados os depoimentos que pretende utilizar, a tarefa de anotar os tempos em que começam e findam as passagens que, desses depoimentos, entende serem relevantes para fundar o recurso, bem como a subsequente indicação desses tempos na alegação de recurso, não parecem, efectivamente, serem exigências de difícil concretização.[13] Aliás, este mesmo colectivo já tem julgado recursos em que os Apelantes, no que concerne à impugnação da decisão relativa à matéria de facto, deram plena observância ao ónus estabelecido no artº 640º do NCPC, tal como ele aqui é entendido, como sucedeu, por exemplo, no recurso de apelação nº 2000/09.6TBPMS.C1, a que se reporta o Acórdão desta Relação, de 21/10/2014. Ora, no caso “sub judice”, os Recorrentes não efectuaram a indicação que acima se apontou como exigida pelo citado preceito quanto às passagens da gravação (640º, nº 2, a)), limitando-se, no âmbito do suporte onde ficaram registados, a indicar a hora do início e do termo dos depoimentos de … Não estando legalmente previsto e parecendo, até, em face da redacção do preceito, estar manifestamente afastado - na medida em que dele consta a expressão “imediata rejeição”-, o convite ao aperfeiçoamento, para indicação das mencionadas passagens, consistiria num benefício injustificado ao “infractor”, que assim teria, além do alargamento de 10 dias do prazo de recurso, previsto para o caso de se pretender a reapreciação da prova gravada, mais um acréscimo de prazo para apresentar a alegação de recurso em conformidade com a lei. Sem embargo de aceitarmos, está claro, a existência de entendimentos diferentes no que respeita ao modo de cumprimento do ónus que o artº 640º, nº 2, a) do NCPC, impõe ao recorrente, esse cumprimento, do modo como interpretamos tal norma, não se revela, efectivamente, como acima se expôs, ser de difícil observância, deste entendimento decorrendo que também não se pode ter como desproporcionada a rejeição que a lei prevê como sanção para o incumprimento desse ónus. No caso “sub judice”, a apontada omissão, impõe, pois, nos termos do preceito citado, a rejeição imediata do recurso no que concerne à requerida alteração da matéria de facto baseada nos depoimentos prestados, o que ora se decide. Sucede que os Apelantes, para sustentarem a alteração das respostas dadas à matéria de facto não se quedaram pela alegação da errada apreciação dos depoimentos prestados em audiência, invocando, também, designadamente: - Os registos documentais, incluindo o fotográfico, bem como, a planta aérea, “certificada pelo Instituto Geográfico Português”; - A prova pericial. No que respeita aos documentos certificados ou autenticados por serviços da administração pública central, importa ter em consideração que o documento autêntico, face ao que dispõe o n.º 1 do art.º 371º do CC, apenas constitui prova plena quanto aos factos que nele se referem como praticados pela autoridade ou oficial público e, outrossim, quanto aos factos objecto de percepção por parte da entidade documentadora. Os Apelantes insistem muito na relevância da fotografia aérea, mas, salvo o devido respeito, à mesma falta informação que permita, para leigos, concluir, com clareza e segurança, a realidade que aquele documento retracta. Assim, pode-se concluir, que, tratando-se, os documentos, quer os documentos particulares (376º do CC, “a contrario”) quer os que assumem a natureza de documentos autênticos, na parte em que não impera a força probatória plena destes (artº 371º, nº 1, do CC), de elementos sujeitos à livre apreciação do Tribunal (1ª parte do nº 5 do art.º 607º do NCPC), não se detecta que os documentos juntos aos autos e invocados pelos Recorrentes, permitam, “per se”, dissentir do tribunal “a quo” na decisão que proferiu quanto à matéria de facto que foi colocada em causa no presente recurso e, por conseguinte, operar a alteração que nesse domínio é pretendida pelos Apelantes. O mesmo se diga quanto à prova pericial, cujo resultado se encontra espelhado no relatório pericial e respectivos esclarecimentos (cfr. fls. 310 e ss. e fls 350 e ss). Vejamos. O resultado da prova pericial, entendido este como compreendendo, não apenas o relatório e respectivos complementos, mas também os eventuais esclarecimentos do(s) Sr.(s) Perito(s) em audiência, consubstancia mais um elemento de prova sujeito à livre apreciação do Tribunal (art.ºs 489º e 607º, n.º 5, do NCPC e 389º, do CC). Porém, como a realização da perícia se explica pela necessidade de “percepção ou apreciação de factos por meio de peritos, quando sejam necessários conhecimentos especiais que os julgadores não possuem” (artº 388º do CC), é natural que o juiz encontre mais relevância, para efeitos de formação da sua convicção, no resultado da peritagem do que nos depoimentos das testemunhas que dele divirjam. E foi isso que, no essencial, aqui sucedeu, designadamente, no que concerne à matéria de alguns dos factos, não obstante a Mma. Juiz do Tribunal “a quo” não ter deixado também de considerar o depoimento de algumas das testemunhas, na medida em que o respectivo depoimento não contrariava o resultado da peritagem. É claro que os Apelantes procuram desvalorizar esse resultado, v.g., dizendo que se passaram dois anos até que fosse constatada a realidade existente no terreno e, nessa ocasião, as coisas já haviam mudado, em parte, por acção dos RR. É o que os Apelantes dizem, mas provas seguras disso não há, pois que eles próprios, a alteração que referiram nos autos, foi já quando requereram a junção de fotografias, na sessão de 27/06/2013, imputando aquela ao temporal que se tinha feito sentir em Janeiro (fls.296 e 297). E é sintomático do valor que os AA conferem à prova pericial, a observação que fazem quanto, dizendo o Sr. Perito, que os eucaliptos, dada a sua espessura, aparentam ter mais de 40 anos, afirmam ser essa “apenas uma mera opinião” (cfr., no entanto, a explicação absolutamente aceitável dada pelo Sr. Perito a fls. 353, fundada em dados objectivos e nos seus conhecimentos adquiridos ao longo de cerca de 36 anos de serviço na área florestal). Seja como for, estando o relatório pericial, como já se aludiu acima, sujeito à livre apreciação do Tribunal, não se detecta, pelo exame dos elementos existentes dos autos, que mereça contestação a apreciação que o Tribunal “a quo” fez daquele relatório e dos esclarecimentos que o complementaram. Não se vislumbra, assim, afastada que está, pelos motivos acima expostos, a apreciação dos depoimentos das testemunhas indicadas pelos Apelantes, que haja outros elementos probatórios nos autos que, “per se” permitam a esta Relação dissentir do tribunal “a quo” na decisão que proferiu quanto à matéria de facto que foi colocada em causa no presente recurso e, por conseguinte, operar a alteração que nesse domínio é pretendidas pelos Recorrentes. A matéria que se tem como provada é, face ao exposto, aquela que assim foi considerada na 1ª Instância e que acima se discriminou.
B) O Direito. Efectivamente, de harmonia com o disposto no nº 2 do artº 609º do NCPC (correspondendo ao artº 661º, nº 2, do CPC) “Se não houver elementos para fixar o objeto ou a quantidade, o tribunal condena no que vier a ser liquidado, sem prejuízo de condenação imediata na parte que já seja líquida.”. Contudo, não se provando, aqui, a existência dos danos que eram invocados, não se trata de caso em que seja possível, nos termos do citado art.º 609º, n.º 2, condenar os RR a pagar uma indemnização a liquidar em momento posterior. Na verdade, a possibilidade de se relegar para momento posterior ao da prolação da sentença a liquidação do “quantum” indemnizatório pressupõe que na acção se tenha provado a concreta existência de danos cujo montante não foi possível apurar. Ou seja, adaptando-se à realidade actual, em que a liquidação já não se faz em execução de sentença (artº 358º, nº 2, do NCPC), vale este entendimento seguido no Acórdão do STJ de 01-06-1999 (Revista n.º 452/99 - 1.ª Secção): “A existência do dano, como pressuposto da obrigação de indemnizar, tem de ser provada em acção declarativa, só se podendo deixar para a execução de sentença a determinação meramente quantitativa do seu valor”.[21] Assim, porque os Autores não provaram os factos de onde resultassem reunidos os pressupostos de que dependia o reconhecimento dos direitos em que alicerçavam os pedidos de que os RR foram absolvidos, prova essa que os onerava (artº 342, nº 1, do CC), mais não resta senão concluir que na sentença, sem infracção das normas que os AA dizem terem sido aí violadas, se decidiu acertadamente, sendo de a confirmar e de julgar o recurso improcedente. VI - Decisão: Em face de tudo o exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em, rejeitando o recurso no que concerne à requerida alteração da matéria de facto baseada nos depoimentos prestados, julgar Apelação improcedente e confirmar o decidido na sentença impugnada. Custas pelos Apelantes. Coimbra, 24/02/2015 Luís José Falcão de Magalhães (Relator) Sílvia Maria Pereira Pires Henrique Ataíde Rosa
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