Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
145/12.4TBPBL.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FALCÃO DE MAGALHÃES
Descritores: ÁRVORE
PRÉDIO CONFINANTE
IMPUGNAÇÃO
MATÉRIA DE FACTO
ÓNUS DE IMPUGNAÇÃO
Data do Acordão: 02/24/2015
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE LEIRIA – POMBAL – SECÇÃO CÍVEL
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTº 1366º, NºS 1 E 2 DO C. CIVIL; 640º, Nº 2 DO NCPC.
Sumário: I – A norma do art. 1366°/1 do C. Civil só abarca árvores e arbustos plantados (ou nascidos) até à linha divisória que correspondam a uma adequada ou, pelo menos, aceitável, exploração económica dos prédios.

II - Com efeito, a dita norma não pode ser utilizada, sob pena de abuso de direito, para possibilitar ao proprietário de determinado prédio plantar árvores como algumas daquelas em causa nos autos, consideradas por diversa legislação existente como árvores de crescimento rápido - cfr. art. 1º, nº 4 do DL 175/88, de 17 de Maio, e art. 2º, al. ff) do DL 254/2009 de 24 de Setembro - sendo certo que, em muitos casos, a respectiva plantação tem se ser precedida da necessária autorização das entidades ambientais competentes (cfr. a título de exemplo o DL 28.039 que exigia que árvores como os eucaliptos e acácias consideradas de crescimento rápido, não fossem plantadas ou semeadas a menos de 20 metros de terrenos de cultura).

III - Ao Recorrente, quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados - v.g., declarações das parte e dos peritos, e depoimentos das testemunhas -, caberá, sob pena de imediata rejeição do recurso na respectiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes (nº 2, a), do artº 640º do NCPC, que corresponde ao n.º 2 do art.º 685-B do CPC).

Decisão Texto Integral:

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

I - 1)M… e mulher, G… intentaram, em 12/01/2012, no Tribunal Judicial de Pombal, acção declarativa, de condenação, com processo sumário, contra S… e mulher, R…, alegando, em síntese, que, sendo proprietários de um prédio urbano (onde têm a sua habitação), vedado em todo o seu redor, numa extensão aproximada de 58 metros de comprimento, com muro em alvenaria de 2,00 m de altura, bem como de um prédio rústico, com terra de regadio e um poço, os RR são donos de um prédio contíguo onde têm eucaliptos e ciprestes plantados e radicados no respectivo terreno, a menos de 20/30 metros daqueles prédios, bem assim como pinheiros, mato e silvas, o que, além de lhes causar a eles, ora AA, danos patrimoniais e morais, constitui, por si só, um sério risco e perigo para a sua integridade física e segurança.

Acresce que os RR, intencionalmente, vêm colocando terra junto da valeta, para não permitir a passagem por onde se faz o normal escoamento, pelo aqueduto ali existente, junto à estrada e à casa dos AA., terra essa que não permite a passagem das águas, que se vão acumulando e, subindo de nível, acabam por galgar a valeta e escorrer para o interior do prédio dos AA, provocando-lhes prejuízos, com o encharcamento do solo, nomeadamente, na zona da passagem e entrada da habitação.

Invocando, como fundamento “violação ilícita e culposa dos direitos de personalidade e, da propriedade, além de danos causados”, terminaram pedindo a condenação dos RR:

a) A procederem ao arranque imediato de todos os eucaliptos e ciprestes plantados e radicados no terreno deles (RR), a menos de 30 metros dos prédios dos AA, identificados no art. 1º da p.i.;

b) A procederem ao corte e à limpeza dos pinheiros, do mato, de arbustos existentes no mesmo terreno deles, ora RR, até, pelo menos, aquela distância;

c) A removerem as terras colocadas junto à valeta pública, que impedem a livre e normal escorrência para o aqueduto, aí existente;

d) A indemnizarem os AA dos danos patrimoniais e morais causados, no montante de € 5.000,00, acrescido do valor que se vier a liquidar em execução de sentença;

e) A absterem-se, doravante, por qualquer forma lesarem os AA;

f) Em sanção compulsória de € 50,00 diários, por incumprimento da decisão a proferir;

g) Nas custas e procuradoria condigna.

2) - Os RR, contestando, para além de se terem defendido por impugnação, invocaram quer a sua ilegitimidade, quer a dos AA, e deduziram reconvenção,

Terminaram, pedindo, além do mais, a sua absolvição do pedido.

3) - Respondendo, os Autores vieram pugnar pela improcedência da matéria de excepção e pela inadmissibilidade da reconvenção, mais pedindo a condenação do RR como litigantes de má fé.

4) - No despacho saneador, proferido em 13/12/2012, decidiu-se:

- Não admitir a reconvenção;

- Fixar-se o valor da causa em € 10.000,02;

- Julgar-se improcedente a excepcionada ilegitimidade, considerando AA e RR partes legítimas.

Foram fixados os factos que se tinham já como assentes e foi elaborada a base instrutória;

5) - Prosseguindo os autos os seus ulteriores termos, veio a ter lugar, com gravação da prova, a audiência final, após o que, em 13/02/2014, foi proferida sentença, que, na parcial procedência da acção, absolvendo-os do demais peticionado, condenou os RR “a proceder ao arranque dos 8 eucaliptos que se encontram a menos de 20 metros do prédio rústico dos autores identificado no ponto 2 dos factos provados.”.

II - Inconformados com tal sentença, na parte que lhes foi desfavorável, os AA., no recurso que dela interpuseram - e que veio a ser recebido como apelação, com subida nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo - ofereceram, a finalizar a respectiva alegação, as seguintes conclusões:

III - a) - O Relator, no despacho de fls. 504, dizendo que aplicando-se o novo Código de Processo Civil, aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26 de Junho[1], se lhe afigurava que os Apelantes, na impugnação da matéria de facto, não haviam efectuado a indicação exigida pelo artº 640º, nº 2, a), desse Código, quanto às passagens da gravação, o que levaria rejeição do recurso, nessa parte, determinou a notificação das partes para que sobre isso se pronunciassem, querendo.

b) - Os Apelantes vieram defender ter dado cabal cumprimento ao disposto no referido artº 640º, referindo, designadamente, que, para além da transcrição integral dos depoimentos em causa, tinham procedido, na fundamentação do recurso, “à própria transcrição integral dos excertos dos depoimentos tidos por relevantes”.

Terminaram requerendo que o recurso fosse admitido também no que concerne à impugnação da matéria de facto.

IV - Em face do disposto nos art.ºs 635º, nºs 3 e 4, 639º, nº 1, ambos do NCPC, o objecto dos recursos delimita-se, em princípio, pelas conclusões dos recorrentes, sem prejuízo do conhecimento das questões que cumpra apreciar oficiosamente, por imperativo do art.º 608º, n.º 2, “ex vi” do art.º 663º, nº 2, do mesmo diploma legal.
Não haverá, contudo, que conhecer de questões cuja decisão se veja prejudicada pela solução que tiver sido dada a outra que antecedentemente se haja apreciado, salientando-se que, com as “questões” a resolver se não confundem os argumentos que as partes esgrimam nas respectivas alegações e que o Tribunal pode ou não abordar, consoante a utilidade que veja nisso (Cfr., entre outros, no âmbito das normas correspondentes do direito processual pretérito, Ac. do STJ de 13/09/2007, proc. n.º 07B2113 e Ac. do STJ de 08/11/2007, proc. n.º 07B35863)[2].
Assim, a questão que cumpre solucionar no presente recurso, para além da atinente à impugnação da matéria de facto, consiste em saber se, em face da factualidade que se tenha como provada, é de revogar a sentença na parte em que julgou a acção improcedente.

V - Fundamentação:

A) Os factos.

a) - Na sentença da 1.ª Instância, no que respeita à decisão da matéria de facto, consignou-se:

b) - A impugnação da matéria de facto.

Tendo a audiência de julgamento sido objecto de registo, através de gravação sonora (artº 155º, nº 1, do Novo Código de Processo Civil, aprovado pela Lei nº 41/2013), os AA, nas alegações do recurso que interpuseram dessa sentença, pediram, entre o mais, a reapreciação da matéria de facto, defendendo que os factos elencados na sentença, dados como não provados, sob os pontos os pontos 1), 2), 3), 4), 5), 6), 7), 8), 9), 10, 11), 12); 14) e 16), “deveriam receber resposta positiva de provado”.

Para defender o pretendido quanto à matéria de facto, pugnaram pela correcta apreciação da prova produzida, designadamente, da prova pericial, dos “registos documentais, incluindo fotográfico”, bem como, da planta aérea, certificada pelo Instituto Geográfico Português”, assim como dos depoimentos das testemunhas …

Desses depoimentos, cuja reapreciação requereram, os Apelantes juntaram a transcrição integral, com a alegação de recurso, tendo, no corpo desta alegação, reproduzido os trechos que entenderam relevantes para alcançar o apontado desiderato.

Estabelece o artº 662º, nº 1, do NCPC, que a Relação “deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.”.

Tendo-se procedido à gravação dos depoimentos prestados na audiência, a decisão do Tribunal de 1.ª Instância sobre matéria de facto é susceptível de ser alterada pela Relação, tendo, para esse efeito, o recorrente que pretenda impugnar a decisão sobre a matéria de facto, especificar, sob pena de rejeição, “Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados” (artº 640º, nº 1, a), do NCPC, que corresponde ao art.º 685-B, nº 1, a), do CPC), bem como “Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida” (artº 640º, nº 1, b), do NCPC, que corresponde ao art.º 685-B, nº 1, b), do CPC).

Por outro lado, ao Recorrente, quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados - v.g., declarações das parte e dos peritos, e depoimentos das testemunhas -, caberá, sob pena de imediata rejeição do recurso na respectiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes (nº 2, a), do artº 640º do NCPC, que corresponde ao n.º 2 do art.º 685-B do CPC).

Por outro lado, sendo-lhe imprescindível fazer a indicação exata que se apontou e que mais abaixo se irá abordar em pormenor, importa, também, que o Recorrente, ofereça alegação que se mostre hábil a uma cabal impugnação da matéria de facto.

Isto porque a alegação em causa tem de se alicerçar em erro que se aponte à convicção do Tribunal que determinou o sentido das respostas que este deu quanto à matéria de facto, sendo que uma tal alegação não se basta com a mera discordância do Apelante quanto ao facto de não terem sido atendidas as declarações das testemunhas de cujos depoimentos se serve para, no recurso, impugnar a decisão proferida pelo Tribunal “a quo” quanto à matéria de facto.

O erro que é mister o recorrente evidenciar ao proceder, em recurso, à impugnação da decisão da matéria de facto - saliente-se que estamos ainda no plano da alegação e não em sede de apreciação do mérito ou demérito do teor dos depoimentos para provocarem a alteração factual pretendida - é, note-se, o que enferma o processo valorativo do Tribunal “a quo” relativamente à prova produzida, não residindo, pois, na mera consequência dessa putativa deficiente valoração, que se traduz na circunstância de a(s) resposta(s) dada(s), ser(em) contrária(s) ou diversa(s), daquela(s) que o Recorrente defende merecer a base instrutória.

Torna-se, pois, necessário, que o recorrente alegue um erro de valoração da prova escorado em fundamento que o evidencie, para que o Tribunal de recurso verifique o acerto dessa alegação e, consequentemente, pondere a procedência da alteração que, no âmbito da matéria de facto, é peticionada.

Como resulta do já aflorado, não basta, pois, para satisfazer estes ditames, que o recorrente se limite a dizer (mesmo que proceda à transcrição do respectivo depoimento, ou de excertos do mesmo) que determinada testemunha fez certas declarações - ainda que saliente que as mesmas foram em sentido diferente, ou, mesmo, em sentido contrário, àquele que o Tribunal “a quo” perfilhou ao responder à base instrutória (ou, não havendo esta, à pertinente matéria dos articulados) -, para que se considere que assim se impugna, cabalmente, a decisão proferida sobre a matéria de facto.

Neste sentido e na vigência da redacção dada ao artº 690-A[3] pelo DL nº 183/2000, atente-se na decisão proferida pelo STJ em 14-07-2010, (Recurso n.º 3846/08.4 - 4.ª Secção) e assim sumariada[4]: «II - O ónus de especificação imposto pelo artigo 690.º-A, ns.º 1 e 2, do CPC, impõe ao recorrente que impugne a matéria de facto que indique, além dos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, os concretos meios de prova constantes da gravação, ou seja, os depoimentos em que se baseia a impugnação, o que se destina a garantir que a parte fundamente a sua discordância em relação ao decidido, identificando os erros de julgamento que ocorreram na apreciação da matéria de facto, o que significa que a recorrente não está dispensada de, em relação a cada um dos pontos de facto, exprimir, através da análise e interpretação do teor dos depoimentos adrede convocados, as razões por que discorda da decisão.

III - A sobredita exigência não se mostra satisfeita pela mera remissão para depoimentos indicados para alicerçar a imputação de erro na apreciação da prova relativa a matéria de facto constante de outros quesitos, quando o recorrente não expressa em que medida os mesmos depoimentos comportam o sentido que se pretende fazer valer em relação a cada ponto factual impugnado, por forma a que o tribunal descortine as razões pelas quais o recorrente discorda do decidido.».[5]

Também esta Relação de Coimbra, no Acórdão de 23/02/2011 (Apelação nº 1041/05.7TBLRA.C1)[6], evidenciou que os artºs 712.º e 690.º-A do CPC, “…impõem ao recorrente que pretenda a reapreciação da prova por parte da Relação que fundamente a sua discordância em relação ao decidido na 1.ª Instância, que identifique os concretos erros de julgamento da 1.ª Instância, que indique os concretos meios probatórios que foram mal apreciados e que, apreciados do modo pretendido, devem conduzir a decisão diversa, suficientemente enunciada e sugerida, da proferida na 1.ª Instância.”[7].

Ainda esta Relação de Coimbra, em Acórdão de 15/01/2013, relatado pela aqui 1ª Adjunta e subscrito pelo ora 2º Adjunto nos autos de Apelação nºs 1796/10.7T2AVR.C1, entendeu, também, a propósito da supra referida norma equivalente ao citado artº 690.º-A, introduzida pela reforma levada a efeito pelo DL nº 303/2007, não bastar “…ao recorrente atacar a convicção que o julgador formou sobre cada uma ou sobre a globalidade das provas para provocar uma alteração da decisão da matéria de facto, mostrando-se necessário que cumpra os ónus de especificação impostos pelos n.º 1 e 2 do art.º 685º-B do C. P. Civil, devendo ainda proceder a uma análise critica da prova de molde a demonstrar que a decisão proferida sobre cada um dos concretos pontos de facto, que pretende ver alterados, não é possível, não é plausível ou não é a mais razoável.”.[8]

Retornando à exigência que se faz no referido nº 2, a) do artº 640º do NCPC, e para melhor se entender o respectivo alcance, importa relembrar os antecedentes do artº 685-B, nº 2, do CPC, que, na legislação pretérita, é o preceito correspondente àquele artigo.

O artº 690-A ao CPC, aditado pelo DL 39/95, de 15 de Fevereiro (artº 2), dispunha, na parte que ora releva: «1 - Quando se impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:

a) Quais os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;

b) Quais os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida.

2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ainda ao recorrente, sob pena de rejeição do recurso, proceder à transcrição, mediante escrito dactilografado, das passagens da gravação em que se funda.».

O legislador do DL 39/95, de 15 de Fevereiro, acentua, no respectivo preâmbulo, a natureza de “válvula de segurança” - para obviar à utilização abusiva do recurso sobre a matéria de facto -, que representava o ónus do recorrente, estabelecido no preceito, no que concerne à delimitação do objecto do recurso, dizendo: “Este especial ónus de alegação, a cargo do recorrente, decorre, aliás, dos princípios estruturantes da cooperação e da lealdade e boa fé processuais, assegurando, em última análise, a seriedade do próprio recurso intentado e obviando a que o alargamento dos poderes cognitivos das relações (resultante da nova redacção do artigo 712.º) - e a consequente ampliação das possibilidades de impugnação das decisões proferidas em 1.ª instância - possa ser utilizado para fins puramente dilatórios, visando apenas o protelamento do trânsito em julgado de uma decisão inquestionavelmente correcta.

Daí que se estabeleça, no artigo 690.º-A, que o recorrente deve, sob pena de rejeição do recurso, para além de delimitar com toda a precisão os concretos pontos da decisão que pretende questionar, motivar o seu recurso através da transcrição das passagens da gravação que reproduzam os meios de prova que, no seu entendimento, impunham diversa decisão sobre a matéria de facto.». 

Sabendo-se que o preâmbulo não possui força vinculativa, mas que não deixa de constituir um elemento histórico importante na função de interpretar o texto legal[9], importa salientar que, “in casu”, segundo, nos parece, o texto do preceito em causa compagina-se com o desiderato referido no transcrito trecho do preâmbulo do DL 39/95.

O DL nº 183/2000, de 10 de Agosto, veio, além do mais, alterar a redacção do 690º-A, deixando este preceito de impor ao recorrente o ónus de transcrição, mediante escrito dactilografado, das passagens da gravação dos depoimentos, passando a constar do seu nº 2: «No caso previsto na alínea b) do número anterior, quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ainda ao recorrente, sob pena de rejeição do recurso, indicar os depoimentos em que se funda, por referência ao assinalado na acta, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 522.º-C.».

Coerentemente, com a alteração introduzida ao artº 690-A, o aludido DL nº 183/2000, veio aditar ao 522-C, um nº 2, determinando que, quando houvesse lugar a registo áudio ou vídeo, deveria ser assinalado na acta o início e o termo da gravação de cada depoimento, informação ou esclarecimento.[10]

Foi esta a primeira significativa modificação ao ónus primitivamente imposto pelo Artº 690-A ao recorrente, ónus esse que, tomado o preceito “ao pé da letra”, passou a ter diminuta expressão e quase nenhum relevo em termos de cooperação com o Tribunal de recurso, pois que a indicação exigida, pouco ou nada adiantava relativamente ao que a lei determinava que constasse da acta.

Não obstante a alteração que o DL nº 183/2000 introduziu ao artº 690-A, que, sem margem para dúvidas, visou eliminar a transcrição obrigatória que originariamente este preceito previa, o recorrente que visasse impugnar a matéria de facto, não poderia deixar de fundamentar a sua pretensão demonstrando ter havido erro no julgamento de facto.

Daí que não satisfizesse a indicação pretendia pela lei, a crítica a determinado ponto da matéria de facto, alicerçada em remissão genérica para os depoimentos de determinadas testemunhas, ainda que se transcrevesse, nas alegações, a totalidade, ou parte, dos depoimentos em causa.

E é assim que, não obstante a referida alteração introduzida pelo DL nº 183/2000 ao artº 690-A, do CPC, se compreendem entendimentos como aquele que foi expresso no aresto do STJ, de 08-11-2007 (Revista n.º 3445/07 - 7.ª Secção), assim sumariado: «I - O recorrente que pretenda impugnar na apelação a decisão proferida sobre a matéria de facto deverá indicar os pontos de facto que considere incorrectamente julgados e especificar ou concretizar os pontos dos depoimentos testemunhais que, no seu entender, impõem diferente resposta (art. 690.º-A, n.º 1, al. b), do CPC).

II - A mera indicação dos depoimentos prestados sobre os pontos da matéria de facto impugnados não cumpre suficientemente a exigência legal, sendo ainda necessário que se especifiquem as passagens desses depoimentos que concretamente levem à alteração da decisão de facto proferida.».

Ora, o art. 690º-A veio a ser revogado pelo DL 303/2007, de 24/08, substituindo-o o art. 685º-B, cujo nº 2, como inicialmente se disse, impunha ao recorrente que impugnasse a matéria de facto com base no erro de valoração dos depoimentos, que especificasse aqueles em que se alicerçava e que indicasse, com exactidão, as passagens da gravação em que se fundava, sem prejuízo, de, a acrescer ao assim exigido, se lhe permitir que, por sua iniciativa, procedesse à transcrição dessas passagens.

A mesma indicação é exigida, actualmente, como acima se viu, pelo artº 640º, nº 2, a), do NCPC, que, para além dela, também possibilita ao recorrente proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes.

Do exposto resulta, por um lado, que a exacta indicação das passagens da gravação, que se exigia no referido 685º-B, nº 2 e que se exige agora no artº 640º, nº 2, a), do NCPC, não se identifica com a mera indicação do local, no suporte de registo áudio disponibilizado ao Tribunal de recurso, onde começa e termina cada um dos depoimentos em causa. Não se entender assim equivaleria a ter-se como exigida uma indicação exacta dos depoimentos e não, propriamente, das passagens.

Daí que, ao recorrente, para indicar, com exactidão, o que a lei exige no artº 640º, nº 2, a), do NCPC (a exemplo do que ocorria no âmbito do pretérito artº 685º-B, nº 2, do CPC), seja mister indicar, por referência ao suporte em que se encontra gravado o depoimento que pretende utilizar, o início e o termo da passagem ou das passagens, desse depoimento, em que se funda o seu recurso.

Do exposto também resulta, por outro lado, que esta exigência da indicação exacta das passagens do depoimento em que se funda o recurso, não é substituível pela transcrição das mesmas, transcrição esta que constitui uma faculdade que acresce ao ónus do recorrente, que, querendo-a utilizar, terá, pois, ainda assim, de satisfazer a apontada exigência legal[11].

Assim, a transcrição de depoimentos ou de passagens destes e a indicação exata que se referem no artº 640º, do NCPC, não são, pois, uma e a mesma coisa, nem, tão-pouco, se equivalem.

Este entendimento seguido, não é peregrino, havendo várias decisões dos tribunais superiores nesse sentido, versando a norma em causa ou a sua correspondente no CPC (artº 685.º-B n.º 2).[12]

A indicação exata das passagens que o art.º 640º, nº 2, a), do NCPC manda efectuar ao recorrente, consubstanciando um ónus deste, visa, entre o mais, que o Tribunal, bem como o recorrido que pretenda usar do disposto no art.º 640º, nº 2, b), com maior facilidade e com menor dispêndio de tempo, localizem, na totalidade do depoimento constante do suporte físico em que ficou registado (usualmente, agora, em CD), aquilo que, desse depoimento, o recorrente erige como determinante, para, ainda que em conjugação com outros elementos de prova, provocar a alteração que requer no que respeita à decisão da matéria de facto proferida pelo Tribunal “a quo”.

É claro que o Tribunal “ad quem” não ficará restringido ao exame, na prova registada, das passagens que o recorrente indique, podendo, para além da análise das mesmas (e das passagens que eventualmente o recorrido também indique - art.º 640º, nº 2, b)), proceder à audição daquilo que entender dos depoimentos prestados.

É que as ditas “passagens”, integram visão atomística do depoimento em que se inserem, podendo, noutros pontos do mesmo, a pessoa que o prestou, mostrar menor segurança sobre essa matéria, rectificá-la ou, até, contradizê-la.

Daqui se vê que essa possibilidade/necessidade de o Tribunal estender a sua análise para além das passagens indicadas pelo recorrente e pelo recorrido, está longe de evidenciar serem essas indicações despiciendas, antes se prendendo com a confirmação da relevância das ditas quando perspectivadas no contexto de todo o depoimento em que se inserem, pelo que em nada prejudica ou atenua a necessidade de o recorrente proceder à indicação exata que o artº 640º, nº 2, a), do NCPC lhe impõe.

Essa indicação que a norma em causa exige tem, também, a virtualidade de comprometer o recorrente com aquilo que efectivamente entende como relevante para provocar a alteração factual que pretende, obviando a que a parte se refugie numa indicação genérica, ou com uma tal amplitude que acabe por equivaler ao indicar da totalidade do depoimento, ou pouco menos.

Poder-se-á questionar então, se, nas situações em que, embora não se referenciando as ditas passagens, por reporte, no suporte físico onde ficaram gravadas, ao respectivo início e termo, é possível, ainda assim, considerar efectuada a dita indicação exata, caso o recorrente, identificando o início e o termo de cada depoimento, junte, ainda, desses depoimentos, a transcrição dos excertos que considera relevantes para provocar a alteração que requer no que respeita à decisão da matéria de facto proferida pelo Tribunal “a quo”.

Já acima ficou dada resposta negativa a esta questão, justificada, quer pela letra da lei, quer pelas diferentes funções que desempenham, por um lado, a transcrição dos excertos dos depoimentos, que a lei faculta ao recorrente, e, por outro, a indicação exata que lhe impõe no artº 640º, nº 2, a), do NCPC.

Mas, tendo-se já concluído que a dita indicação exata e a transcrição dos excertos, não se equivalem, e que, assim, esta não supre as funções daquela, não se argumente que desse modo fica esvaziada de sentido a aludida norma, na parte que possibilita a transcrição, porque esta última, ainda que não substitua aquela indicação, não deixa de ter utilidade, porque a complementa, facilitando ao recorrente a explicitação, feita no corpo da respectiva alegação, da relevância que atribui às ditas passagens e, consequentemente, a explicitação do erro que a consideração ou a desconsideração das mesmas implicou no processo valorativo da convicção do tribunal e que determinou que este respondesse à matéria de facto de um modo que o recorrente entende desconforme com a prova produzida.

Questão diversa da antecedente é a de saber se, não obstante não se poder estabelecer a referida equivalência, a rejeição é sanção desproporcionada à falta de indicação exacta das passagens, em particular, nas situações em que o recorrente faz a transcrição dos excertos que se alude na parte final do artº 640º, nº 2, a), do NCPC, e essa transcrição permite uma identificação clara das passagens em que se pretende alicerçar o recurso quanto à matéria de facto.

Afigura-se-nos que a resposta a esta questão é negativa, pois que a (falta de) idoneidade da aludida transcrição para substituir a indicação exata exigida pelo artº 640º, nº 2, a), do NCPC, não se altera em virtude de os excertos transcritos espelharem bem as passagens que estão em causa.

Por outro lado, a imediata rejeição do recurso, prevista no citado artº 640º, nº 2, a), é explicável pela persuasão que se pretende incutir no recorrente para fazer cumprir um ónus que é de fácil concretização, sendo que tal situação se assemelha àquela -, indiscutida, ao que pensamos, na jurisprudência e na doutrina - em que o recorrente, por falta de cumprimento do ónus de formular conclusões, vê inapelavelmente indeferido o seu requerimento de interposição de recurso, por mais clara que seja, em face do corpo da alegação, a identificação das questões que pretende ver apreciadas (639 nº 1 e 641º, nº 2, b), do NCPC).

Efectivamente, a norma em causa, tal como a interpretamos, não se apresenta como sendo demasiado exigente, bastando, para a satisfazer, que, com referência ao CD, ou a outro suporte onde haja ficado registado cada depoimento que se pretenda utilizar, se indique onde começam e onde acabam as passagens que, de cada um desses depoimentos, fundam o recurso da matéria de facto.

Como, para impugnar a matéria de facto - para o que conta, até, com o acréscimo de 10 dias no prazo de interposição de recurso (artº 638º, nº 7, do NCPC) - o recorrente tem de proceder à audição da gravação onde ficaram registados os depoimentos que pretende utilizar, a tarefa de anotar os tempos em que começam e findam as passagens que, desses depoimentos, entende serem relevantes para fundar o recurso, bem como a subsequente indicação desses tempos na alegação de recurso, não parecem, efectivamente, serem exigências de difícil concretização.[13]

Aliás, este mesmo colectivo já tem julgado recursos em que os Apelantes, no que concerne à impugnação da decisão relativa à matéria de facto, deram plena observância ao ónus estabelecido no artº 640º do NCPC, tal como ele aqui é entendido, como sucedeu, por exemplo, no recurso de apelação nº 2000/09.6TBPMS.C1, a que se reporta o Acórdão desta Relação, de 21/10/2014.

Ora, no caso “sub judice”, os Recorrentes não efectuaram a indicação que acima se apontou como exigida pelo citado preceito quanto às passagens da gravação (640º, nº 2, a)), limitando-se, no âmbito do suporte onde ficaram registados, a indicar a hora do início e do termo dos depoimentos de …

Não estando legalmente previsto e parecendo, até, em face da redacção do preceito, estar manifestamente afastado - na medida em que dele consta a expressão “imediata rejeição”-, o convite ao aperfeiçoamento, para indicação das mencionadas passagens, consistiria num benefício injustificado ao “infractor”, que assim teria, além do alargamento de 10 dias do prazo de recurso, previsto para o caso de se pretender a reapreciação da prova gravada, mais um acréscimo de prazo para apresentar a alegação de recurso em conformidade com a lei.

Sem embargo de aceitarmos, está claro, a existência de entendimentos diferentes no que respeita ao modo de cumprimento do ónus que o artº 640º, nº 2, a) do NCPC, impõe ao recorrente, esse cumprimento, do modo como interpretamos tal norma, não se revela, efectivamente, como acima se expôs, ser de difícil observância, deste entendimento decorrendo que também não se pode ter como desproporcionada a rejeição que a lei prevê como sanção para o incumprimento desse ónus.

No caso “sub judice”, a apontada omissão, impõe, pois, nos termos do preceito citado, a rejeição imediata do recurso no que concerne à requerida alteração da matéria de facto baseada nos depoimentos prestados, o que ora se decide.

Sucede que os Apelantes, para sustentarem a alteração das respostas dadas à matéria de facto não se quedaram pela alegação da errada apreciação dos depoimentos prestados em audiência, invocando, também, designadamente: 

- Os registos documentais, incluindo o fotográfico, bem como, a planta aérea, “certificada pelo Instituto Geográfico Português”;

- A prova pericial.

No que respeita aos documentos certificados ou autenticados por serviços da administração pública central, importa ter em consideração que o documento autêntico, face ao que dispõe o n.º 1 do art.º 371º do CC, apenas constitui prova plena quanto aos factos que nele se referem como praticados pela autoridade ou oficial público e, outrossim, quanto aos factos objecto de percepção por parte da entidade documentadora.

Os Apelantes insistem muito na relevância da fotografia aérea, mas, salvo o devido respeito, à mesma falta informação que permita, para leigos, concluir, com clareza e segurança, a realidade que aquele documento retracta.

Assim, pode-se concluir, que, tratando-se, os documentos, quer os documentos particulares (376º do CC, “a contrario”) quer os que assumem a natureza de documentos autênticos, na parte em que não impera a força probatória plena destes (artº 371º, nº 1, do CC), de elementos sujeitos à livre apreciação do Tribunal (1ª parte do nº 5 do art.º 607º do NCPC), não se detecta que os documentos juntos aos autos e invocados pelos Recorrentes, permitam, “per se”, dissentir do tribunal “a quo” na decisão que proferiu quanto à matéria de facto que foi colocada em causa no presente recurso e, por conseguinte, operar a alteração que nesse domínio é pretendida pelos Apelantes.

O mesmo se diga quanto à prova pericial, cujo resultado se encontra espelhado no relatório pericial e respectivos esclarecimentos (cfr. fls. 310 e ss. e fls 350 e ss).

Vejamos.

O resultado da prova pericial, entendido este como compreendendo, não apenas o relatório e respectivos complementos, mas também os eventuais esclarecimentos do(s) Sr.(s) Perito(s) em audiência,  consubstancia mais um elemento de prova sujeito à livre apreciação do Tribunal (art.ºs 489º e 607º, n.º 5, do NCPC e 389º, do CC).

Porém, como a realização da perícia se explica pela necessidade de “percepção ou apreciação de factos por meio de peritos, quando sejam necessários conhecimentos especiais que os julgadores não possuem” (artº 388º do CC), é natural que o juiz encontre mais relevância, para efeitos de formação da sua convicção, no resultado da peritagem do que nos depoimentos das testemunhas que dele divirjam. E foi isso que, no essencial, aqui sucedeu, designadamente, no que concerne à matéria de alguns dos factos, não obstante a Mma. Juiz do Tribunal “a quo” não ter deixado também de considerar o depoimento de algumas das testemunhas, na medida em que o respectivo depoimento não contrariava o resultado da peritagem.

É claro que os Apelantes procuram desvalorizar esse resultado, v.g., dizendo que se passaram dois anos até que fosse constatada a realidade existente no terreno e, nessa ocasião, as coisas já haviam mudado, em parte, por acção dos RR. É o que os Apelantes dizem, mas provas seguras disso não há, pois que eles próprios, a alteração que referiram nos autos, foi já quando requereram a junção de fotografias, na sessão de 27/06/2013, imputando aquela ao temporal que se tinha feito sentir em Janeiro (fls.296 e 297).

E é sintomático do valor que os AA conferem à prova pericial, a observação que fazem quanto, dizendo o Sr. Perito, que os eucaliptos, dada a sua espessura, aparentam ter mais de 40 anos, afirmam ser essa “apenas uma mera opinião” (cfr., no entanto, a explicação absolutamente aceitável dada pelo Sr. Perito a fls. 353, fundada em dados objectivos e nos seus conhecimentos adquiridos ao longo de cerca de 36 anos de serviço na área florestal).

Seja como for, estando o relatório pericial, como já se aludiu acima, sujeito à livre apreciação do Tribunal, não se detecta, pelo exame dos elementos existentes dos autos, que mereça contestação a apreciação que o Tribunal “a quo” fez daquele relatório e dos esclarecimentos que o complementaram.

Não se vislumbra, assim, afastada que está, pelos motivos acima expostos, a apreciação dos depoimentos das testemunhas indicadas pelos Apelantes, que haja outros elementos probatórios nos autos que, “per se” permitam a esta Relação dissentir do tribunal “a quo” na decisão que proferiu quanto à matéria de facto que foi colocada em causa no presente recurso e, por conseguinte, operar a alteração que nesse domínio é pretendidas pelos Recorrentes.                       

A matéria que se tem como provada é, face ao exposto, aquela que assim foi considerada na 1ª Instância e que acima se discriminou.

B) O Direito.
Para se justificar a condenação dos RR apoiou-se, o Tribunal “a quo”, no disposto no artº 1366º do Código Civil (CC), interpretando este preceito do modo que o espelha o seguinte trecho da sentença:
«…a norma do aludido art. 1366°/1 só abarca árvores e arbustos plantados (ou nascidos) até à linha divisória que correspondam a uma adequada ou, pelo menos, aceitável, exploração económica dos prédios.
Com efeito, a dita norma não pode ser utilizada, sob pena de abuso de direito, para possibilitar ao proprietário de determinado prédio plantar árvores como algumas daquelas em causa nos autos, consideradas por diversa legislação existente como árvores de crescimento rápido - cfr. art. 1º, nº 4 do DL 175/88, de 17 de Maio, e art. 2º, al. ff) do DL 254/2009 de 24 de Setembro - sendo certo que, em muitos casos, a respectiva plantação tem se ser precedida da necessária autorização das entidades ambientais competentes (cfr. a título de exemplo o DL 28.039 que exigia que árvores como os eucaliptos e acácias consideradas de crescimento rápido, não fossem plantadas ou semeadas a menos de 20 metros de terrenos de cultura)
É que em situações desse tipo já se não trata do melhor aproveitamento de um prédio confinante com outro, susceptível de justificar que se imponha ao proprietário deste último a restrição derivada do mencionado art. 1366°, 1, do Código Civil. Trata-se, isso sim, de um reprovável exercício do direito de propriedade, evidenciando uma faceta de jus abutendi, incompatível com a função social assinalada à propriedade.».
Subsequentemente, escreveu-se na sentença, entre o mais:
«Atendendo ao local onde algumas das árvores existentes no prédio dos réus se encontram, bem como a respectiva altura, existe o perigo de, num dia de vendaval, caso se partam ou arranquem, virem a atingir a casa da habitação dos autores.
Ou seja, de tal factualidade não resulta que o direito de propriedade dos autores esteja a ser violado com a amplitude por eles aventada. Na verdade, com excepção dos 8 eucaliptos que se situam a menos de 20 metros do poço existente no prédio dos autores - na medida em aqui se está perante árvores de crescimento rápido que sugando, com as respectivas raízes, a água existente no local onde se encontram, estão necessariamente a consumir a água do dito poço, não permitindo assim que esta seja utilizado para o fim a que se destina, isto é, permitir a rega das culturas existentes no prédio rústico dos autores.
Assim, no que se refere a tal materialidade, os réus não poderão deixar de ser condenados a procederem ao arranque dos 8 eucaliptos que se encontram a menos de 20 metros do poço em questão.».
E, para se justificar a parcial absolvição dos RR, escreveu-se, entre o mais:
«…com excepção dos 8 eucaliptos supra referidos, não existem factos suficientes que permitam julgar procedente qualquer dos restantes pedidos deduzidos pelos autores relativamente às demais árvores existentes no prédio dos réus, para além dos oito eucaliptos que motivaram decisão distinta
(…)
Os autores peticionaram, ainda, a condenação dos réus a pagar-lhes uma indemnização de €5 000, quer a que vier a ser fixada, em ulterior liquidação, por danos patrimoniais e não patrimoniais que alegam ter sofrido.
(…)
No caso dos autos, nada resultou que demonstre a existência de quaisquer prejuízos causados aos autores por uma qualquer conduta dos réus.
Com efeito, em relação às árvores existentes no prédio dos réus nada se apurou que permita afirmar que as mesmas causaram qualquer dano aos autores.
Por outro lado, também os mesmo não lograram efectuar qualquer prova de que existiram humidades provocadas pela remoção de terras por parte dos réus, desde logo porque tal remoção de terras se não apurou.
Acresce que os autores também não provaram os danos que alegadamente teriam sofrido.».
Sendo nosso entendimento estar correcta a decisão de absolver os RR do demais peticionado pelos AA, adianta-se, também, que, no essencial, se concorda com os fundamentos que alicerçaram tal decisão.
Os Recorrentes acentuam agora, para lograr a modificação da decisão que lhes foi desfavorável, a vertente da acção que se reporta à defesa dos seus direitos de personalidade, apelando ao disposto nos artºs 70º; 335º, nº 2; 483º; 562º; 563º; 1366º todos do CC e no DL nº 254/2009, de 24 de Setembro, bem como à figura do abuso do direito.
Salientam, para tanto, nas conclusões do seu recurso:
- O seu interesse em poder “usufruir do seu direito ao repouso, à saúde, ao bem-estar, à segurança e à qualidade de vida, não vivendo sobressaltados ou com temor de risco de queda de árvores sobre a sua casa, ou risco de incêndio, e propagação do mesmo, com perigo para a sua vida e dos seus bens”;
 - Que, o direito de propriedade dos RR, não pode prevalecer, sobre os seus direitos à tranquilidade, à segurança, ao repouso, “o direito à habitação, entendido como o direito onde as pessoas vivem”;
- Que a quantidade de árvores que continuadamente vão desprendendo carumas, folhas, pela força da gravidade, caiem no solo; e também, com o vento são arrastadas para o telhado, quintal dos AA; constitui “um verdadeiro combustível vegetal”;
- No período de Inverno, “as intempéries com o vento forte, a embater em tais árvores, devido ao porte que apresentam e à proximidade da habitação, causam ruído e incomodidade incessante, em particular durante o período nocturno, quando as pessoas têm necessidade de pernoitar no interior da habitação e; aí podem vir a ser atingidas pelas árvores.”.
Vejamos.
De acordo com o nº 1 do art.º 1305º do CC “O proprietário goza de modo pleno e exclusivo dos direitos de uso, fruição e disposição das coisas que lhe pertencem, dentro dos limites da lei e com observação das restrições por ela impostas”.
Consignando-se na 1ª parte do nº 1 do artº 1366º do CC ser “lícita a plantação de árvores e arbustos até à linha divisória dos prédios”, acrescenta a 2ª parte deste nº 1, que “ao dono do prédio vizinho é permitido arrancar e cortar as raízes que se introduzirem no seu terreno e o tronco ou ramos que sobre ele propenderem, se o dono da árvore, sendo rogado judicialmente ou extrajudicialmente, o não fizer dentro de três dias.”.
Por seu turno, o nº 2 deste artº 1366º estabelece: ”O disposto no número antecedente não prejudica as restrições constantes de leis especiais relativas à plantação ou sementeira de eucaliptos, acácias ou outras árvores igualmente nocivas nas proximidades de terrenos cultivados, terras de regadio, nascentes de água ou prédios urbanos, nem quaisquer outras restrições impostas por motivos de interesse público.”.
No que respeita às lei especiais a que se reporta o nº 2 do artº 1366º e que no caso interessam, diz-se no Acórdão desta Relação, de 18/01/2011 (Apelação nº 3018/08.1TBFIG.C1)[14], com aplicação, “mutatis mutandis”, no presente caso[15]: «Independentemente da faculdade genérica de plantio ou sementeira de espécies arbóreas e arbustivas até à linha limite de cada prédio previstas no Código Civil de 1867 e no Código Civil actualmente vigente, dando eco a uma preocupação que vinha já dos confins dos tempos [31], o legislador decretou por meio da Lei nº 1.951, publicada no nº 56 da Iª série do Diário do Governo, de 09 de Março de 1937, a proibição da plantação ou da sementeira de eucaliptos ou de acácias a menos de vinte metros de distância de terrenos cultivados e a menos de quarenta metros de nascentes, terras de cultura de regadio, muros e prédios urbanos, salvo se entre umas e outras mediar curso de água, estrada ou desnível de mais de quatro metros.
No mesmo ano, volvidos poucos mais de seis meses, mediante o decreto-lei nº 28.039, publicado na Iª série do Diário do Governo nº 215, a 14 de Setembro de 1937, o legislador veio proibir a plantação ou sementeira de eucaliptos, acácias da espécie denominada dealbata, vulgarmente conhecida por acácia mimosa, e de ailantos, a menos de vinte metros de terrenos cultivados e a menos de trinta metros de nascentes, terras de cultura de regadio, muros e prédios urbanos (corpo do artigo 1º, do decreto-lei nº 28:039). Exceptuou-se do disposto nesta legislação os eucaliptos, acácias e ailantos plantados ou semeados dentro das referidas faixas, se entre essas árvores e os terrenos, nascentes, terras de regadio, muros e prédios mediar estrada, via férrea e curso de água, caminho público, ou desnível de mais de quatro metros, ou no caso de se reconhecer que a forma de aproveitamento do terreno em que estiverem radicados e dos terrenos vizinhos é a arborização com aquelas ou outras espécies semelhantes (§ único do artigo 1º, do decreto-lei nº 28.039).
Previa-se quer na Lei nº 1.951, quer no decreto-lei nº 28.039 que quando estivessem em causa plantações ou sementeiras anteriores à vigência de tais normativos, o lesado teria direito a requerer o seu arrancamento, pagando uma justa indemnização (vejam-se a alínea a) da Base II da Lei nº 1.951 e o § único do artigo 2º do decreto-lei nº 28.039).».
Volvendo ao caso “sub judice” dir-se-á, pois, que, quanto às restantes árvores e vegetação existentes no terreno dos RR, que não os 8 eucaliptos que motivaram a sua condenação parcial, não se vê que os AA tenham provado factos onde pudessem estribar a existência de danos patrimoniais que tivessem o direito de ver ressarcidos por aqueles, não se vislumbrando, nem no DL nº 254/2009, nem no citado artº 1366º, alicerce bastante para escorar um tal direito.
Poder-se-ia cogitar a existência de um direito de indemnização por via do que se provou relativamente aos referidos 8 eucaliptos.
Na parte da fundamentação de direito da sentença, escreveu-se que esses eucaliptos (as respectivas raízes) “…estão necessariamente a consumir a água do dito poço, não permitindo assim que esta seja utilizada para o fim a que se destina, isto é, permitir a rega das culturas existentes no prédio rústico dos autores.”. Trata-se, porém, de matéria que não se encontra incluída no elenco dos factos provados.
Acresce que não há qualquer matéria de facto provada que permita, por via de presunção judicial, inferir que:
- As raízes dos ditos eucaliptos estejam necessariamente a consumir a água do dito poço (com efeito, o veio da nascente onde as raízes desses eucaliptos vão buscar água pode muito bem ser diferente daquele que alimenta a água do poço dos AA, uma vez que não foi dado como provado ter havido uma diminuição da água desse poço);
- A existência dessas raízes não permitam que o referido poço seja utilizado para o fim a que se destina, isto é, permitir a rega das culturas existentes no prédio rústico dos autores.
Vamos admitir, contudo, como hipótese de trabalho, que, efectivamente, as raízes dos ditos eucaliptos provocavam o referido efeito no poço existente no prédio dos Autores, descrito no nº 2 da factualidade provada (nº 24º dessa factualidade). Teriam estes o direito de, para além do respectivo corte - que é coisa que aqui se não discute - serem indemnizados? A resposta é negativa e as razões que a ela conduzem têm a ver com o facto de os AA, que agricultam o prédio onde se situa esse poço e têm habitação no prédio confinante (nºs 8 e 10 dos factos provados), não terem visto ser dado como provado (apesar de o terem alegado) que hajam interpelado os RR para proceder ao respectivo corte, nem que, tendo estes se recusado a assim proceder, não lhes tenha sido possível, a eles, AA, proceder a esse corte.[16]
Ou seja, os AA não provaram uma situação de incumprimento dos RR, nem que não pudessem, tendo havido recusa do corte por parte destes, acautelar os efeitos potencialmente nefastos das ditas raízes, procedendo, eles próprios, ao corte das mesmas.
As razões de direito que estribam este entendimento estão sobejamente explanadas no Acórdão da Relação do Porto de 09/03/2010 (Apelação nº 2899/05.5TBOAZ.P1) relatado pela aqui 1ª Adjunta, dele se transcrevendo os trechos mais significativos para o presente caso[17]:
«Tem vindo a ser entendido, quase unanimemente, que o art.º 1366º do C. Civil não atribui ao vizinho prejudicado com a invasão das raízes e ramos das árvores, o direito a pedir ao dono das mesmas qualquer indemnização, nomeadamente a destinada a compensar os danos causados por essa invasão no seu prédio ([18]).
Considera-se que, sendo conferido ao proprietário, cujo prédio foi invadido pelos ramos ou raízes das árvores implantadas em prédio confinante, o direito de autotutelarmente os cortar, ele tem a possibilidade de evitar que eles causem danos no seu prédio, pelo que, verificando-se esses danos, os mesmos são-lhe imputáveis, não se justificando a responsabilização do dono das árvores que pode nem sequer ter a possibilidade de se aperceber da situação danosa.
Lorenzo González ([19]) entende, contudo, que quando é solicitado ao dono das árvores que proceda ao corte dos ramos e raízes que invadem a propriedade vizinha e este não corresponde ao solicitado, daqui decorre um incumprimento de uma obrigação que o fará incorrer na reparação de todos os danos a que deu causa com o seu incumprimento - art.º 798º, 562º e 566º, todos do C. Civil ([20]) .
Acrescenta-se que necessariamente assim será nos casos em que, como sucede neste processo, é impraticável que sejam os proprietários lesados a proceder ao arrancamento e corte dos ramos ou raízes.
Além disso, pensamos que nas hipóteses em que os danos se produzem sem que fosse possível ao dono do prédio danificado se aperceber do seu desenvolvimento, também aí não pode aplicar-se a tese dominante acima explicitada que nega a existência de um direito de indemnização ao dono do prédio atingido.
(…) dos factos provados não resulta que os Autores, previamente à instauração desta acção, tenham solicitado à Ré que a mesma procedesse ao corte das raízes que estavam a invadir o seu prédio, tendo optado por fazê-lo com recurso à via judicial, pelo que não é possível configurar uma situação de incumprimento, que justificasse uma responsabilização dela decorrente; assim como também não se provou que não fosse possível aos Autores aperceberem-se de que a invasão das raízes das árvores do prédio vizinho iriam provocar danos no seu prédio, não lhes permitindo preveni-los através da intimação atempada da Ré para proceder ao corte das raízes.
Tendo os danos que aqueles pretendem ver ressarcidos ocorrido antes da interpelação feita com a presente acção para a Ré cortar as raízes que os provocaram, não pode esta ser responsável pelo seu ressarcimento, uma vez que eles apenas podem ser imputados aos próprios Autores que, pelo menos, negligentemente, não cuidaram de solicitar preventivamente o respectivo corte.».
Afastada a indemnização por danos patrimoniais derivados da intrusão das raízes dos aludidos 8 eucaliptos no prédio dos AA, dir-se-á que, não comprovada a existência de ilicitude por parte dos RR no que respeita ao facto de manterem no seu prédio as restantes árvores, também não pode ser ressarcida àqueles a diminuição de “algum desenvolvimento das culturas hortícolas ou árvores de fruto” que se deu como provado resultar do “ensombramento durante a manhã no prédio dos autores” provocado por essas árvores.
Não se podendo dar como verificados quaisquer danos patrimoniais ressarcíveis, não tem cabimento chamar à colação o disposto no artº 609º do NCPC.

Efectivamente, de harmonia com o disposto no nº 2 do artº 609º do NCPC (correspondendo ao artº 661º, nº 2, do CPC) “Se não houver elementos para fixar o objeto ou a quantidade, o tribunal condena no que vier a ser liquidado, sem prejuízo de condenação imediata na parte que já seja líquida.”.

Contudo, não se provando, aqui, a existência dos danos que eram invocados, não se trata de caso em que seja possível, nos termos do citado art.º 609º, n.º 2, condenar os RR a pagar uma indemnização a liquidar em momento posterior.

Na verdade, a possibilidade de se relegar para momento posterior ao da prolação da sentença a liquidação do “quantum” indemnizatório pressupõe que na acção se tenha provado a concreta existência de danos cujo montante não foi possível apurar. Ou seja, adaptando-se à realidade actual, em que a liquidação já não se faz em execução de sentença (artº 358º, nº 2, do NCPC), vale este entendimento seguido no Acórdão do STJ de 01-06-1999 (Revista n.º 452/99 - 1.ª Secção): “A existência do dano, como pressuposto da obrigação de indemnizar, tem de ser provada em acção declarativa, só se podendo deixar para a execução de sentença a determinação meramente quantitativa do seu valor”.[21]
No que concerne a danos não patrimoniais, designadamente, causados pela lesão dos direitos de personalidade que os AA invocam, dir-se-á que a factualidade provada também não os evidencia.
Na verdade:
- Não se provou que se verifique efectivo entupimento das caleiras de recolha e descarga de águas pluviais, relativas à casa dos AA e respectivos anexos, em resultado da caruma dos pinheiros e dos cedros dos RR que é arrastada, pelo vento, para os telhados de tais construções, como se havia alegado no artº 33º da p.i. aperfeiçoada, apenas se tendo provado que entupimento das caleiras se poderá verificar, quando alguma da caruma que é arrastada pelo vento para o telhado da casa dos autores, for arrastada pelas águas das chuvas (cfr. nº 27 dos factos provados);
- Não se provou que tal caruma e folhagem, proveniente do prédio dos RR e depositada nos prédios dos AA, forme a “manta morta” que estes alegavam constituir, por si só, combustível vegetal, altamente inflamável, de que resulte efectivo risco de incêndio (artºs 35 e 82º da p.i.), tendo-se provado que, para que a caruma e folhagem que ficam depositadas nos prédios dos RR, formem uma manta morta, “será necessário que decorra muito tempo” e que, para que ocorra perigo de incêndio, será necessário, ainda, “que se acumule uma grande quantidade de manta morta, sem ser limpa pelos autores” (cfr. nº 28 e 29 dos factos provados).
Por outro lado, não se provou, também, que, a qualquer momento, possa suceder o arrancamento de alguns troncos de árvores ou que estes se partam e caíam junto à casa dos AA ou ao muro desta (Artº 41 da p.i.), tendo-se dado como provado, apenas, existir o perigo de, num dia de vendaval, caso se partam ou arranquem, algumas das árvores existentes no prédio dos RR virem a atingir a casa de habitação dos autores (cfr. nº 30 dos factos provados).
Finalmente, há que dizer que, tendo os AA alegado a existência de barulho, provocado pelo vento forte a fustigar os troncos e ramagens das ditas árvores, o que os incomodava e impedia de dormir -, consignou-se expressamente na sentença como não provado (nº 5): “O vento que fustiga os troncos e as ramagens provoca um barulho que incomoda os autores, não permitindo que durmam.”.
Na verdade, aceitando-se que fosse do agrado dos AA que as árvores dos RR existissem em menor quantidade e mais afastadas dos seus prédios, o certo é que só a sua inexistência poderia eliminar, por completo, as situações que se deram como provadas.
Isto, porque, ainda que os RR fossem condenados ao arranque imediato de todos os eucaliptos e ciprestes plantados e radicados no terreno deles (RR), a menos de 30 metros dos prédios dos AA (numa inequívoca restrição para além daquilo que o artº 1366º do CC estabelece), a manutenção das restantes árvores no terreno dos RR não garantia que não deixassem de se poder verificar as situações que se apuraram relativamente ao transporte, pelo vento, de caruma e folhagem para os prédios dos AA, ao perigo de incêndio ou de queda de troncos ou ramagens de árvores nesses prédios, caso viessem a ocorrer determinadas condições, designadamente, de índole meteorológica.
Quem constrói para aí habitar, ou quem opta por habitar, numa zona rural, rodeada de prédios rústicos, tem de contar - porque esse é também um aproveitamento normal que os respectivos proprietários podem fazer dos seus prédios (cfr. art.º 1346 do CC) -, com a hipótese de, nessas circunstâncias, serem plantadas árvores nesses prédios rústicos vizinhos, árvores essas que, caso as condições meteorológicas assim o propiciarem, estão sujeitas a incendiarem-se (v.g. por acção do tempo quente e vento forte), a serem arrancadas ou a terem as suas ramadas e troncos partidos (v.g., por acção de vento muito forte) podendo fazer perigar o que exista, não só no seu prédio, como nos prédios vizinhos, bem como, pela normal acção do vento, a terem a sua folhagem ou caruma transportada para esses prédios.
Ainda assim, os factos provados não permitem afirmar que se verifiquem as situações que os AA alegaram e em que alicerçavam a sua pretensão indemnizatória com base na lesão dos seus direitos de personalidade, sendo patente que, da factualidade assim consignada na sentença, também não resultou provado que qualquer dessas situações provasse nos Autores qualquer alteração na sua saúde física ou psíquica, no seu estado de espírito, reveladores dessa lesão, não se tendo provado, designadamente:
- Que pela acção do vento nas árvores dos RR, ocorra barulho incomodativo e o balancear destas sobre a casa e logradouros dos AA, causando-lhes justificado receio e temor (cfr. artº 38 da p.i.);
- Que haja perturbação do sono e do descanso dos AA e seus familiares (cfr. artº 39º da p.i.);
- Que os AA tenham dificuldades em adormecer e que cheguem a acordar, sobressaltados e ansiosos (cfr. artº 39º da p.i.);
 - Que os AA vivam sobressaltados ou aterrorizados do risco de arrancamento de árvores e queda, sobre a casa ou risco de incêndio e propagação, perigando a sua vida e dos seus bens (cfr. artº 81, da p.i.).
Do exposto resulta, pois, que não se provou a violação de qualquer direito de personalidade dos AA, pelo que inexiste colisão de direitos a resolver por aplicação do disposto no artº 335º do CC.
Os Apelantes invocam, ainda, a existência de abuso do direito, por parte dos RR, dizendo que “dado o seu estado adulto de maturação, a manutenção das ditas árvores, não se revestem para os RR os reais interesses, económicas ou outras, constituindo mesmo um verdadeiro abuso de direito”, pelo que “não será admissível à luz de critérios de normalidade, razoabilidade ou de senso comum, a sua persistência”, sendo mesmo “incompatível com os bons costumes e, com o fim social ou económico do direito de propriedade, tal como é consagrado na nossa constituição e lei ordinária.”.
O abuso do direito (art.º 334º do CC) ocorre quando, no exercício de um direito, o respectivo titular excede manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito.
Ora, como já acima dissemos - está exceptuada, obviamente, a específica situação que deu azo à condenação parcial proferida na sentença, que é uma situação de inexistência do direito em que, por definição, não pode ocorrer o abuso de que tratamos - os RR., ao manterem no seu terreno as árvores que ali existem, limitam-se a fazer um dos aproveitamentos que, dentro daqueles que cabe no âmbito dos que são usuais darem os respectivos proprietários a prédios rústicos semelhantes, actuando em termos que não ultrapassam as barreiras da normalidade.
Assim, acrescentando que não se provou que “a manutenção das ditas árvores, não se revestem para os RR os reais interesses, económicas ou outras”, haverá que concluir que a actuação provada dos RR não revela que estes, no exercício do seu direito de propriedade, estejam a exceder manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito.
Improcede, pois, por inexistência dos respectivos pressupostos, o abuso do direito que os AA imputam aos RR.

Assim, porque os Autores não provaram os factos de onde resultassem reunidos os pressupostos de que dependia o reconhecimento dos direitos em que alicerçavam os pedidos de que os RR foram absolvidos, prova essa que os onerava (artº 342, nº 1, do CC), mais não resta senão concluir que na sentença, sem infracção das normas que os AA dizem terem sido aí violadas, se decidiu acertadamente, sendo de a confirmar e de julgar o recurso improcedente.

VI - Decisão:

Em face de tudo o exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em, rejeitando o recurso no que concerne à requerida alteração da matéria de facto baseada nos depoimentos prestados, julgar Apelação improcedente e confirmar o decidido na sentença impugnada.

Custas pelos Apelantes.

Coimbra, 24/02/2015

Luís José Falcão de Magalhães (Relator)

Sílvia Maria Pereira Pires

Henrique Ataíde Rosa


[1] Código que se passará a referir como NCPC, para o distinguir do Código que o precedeu, que se identificará como CPC.
[2] Consultáveis na Internet, através do endereço “http://www.dgsi.pt/jstj.nsf?OpenDatabase”, tal como todos os Acórdãos do STJ que adiante se citarem sem referência de publicação.
[3] Que, como se sabe, veio a ser revogado pelo DL nº 303/2007 de 24 de Agosto (artº 9º), sucedendo-lhe, como norma equivalente, o artº 685º-B.
[4] Os sumários do STJ estão acessíveis em “http://www.stj.pt/jurisprudencia/sumarios”.
[5] O sublinhado é nosso.
[6] Acórdão, consultável, tal como os restantes desta Relação que, sem outra indicação, vierem a ser citados, em http://www.dgsi.pt/jtrc.nsf?OpenDatabase.
[7] O sublinhado é nosso.
[8] O sublinhado é nosso.
[9] Cfr. Prof. OLIVEIRA ASCENSÃO, "O Direito - Introdução e Teoria Geral", 6ª edição revista, Coimbra, 1991, pág. 380.
[10] «2 - Quando haja lugar a registo áudio ou vídeo, deve ser assinalado na acta o início e o termo da gravação de cada depoimento, informação ou esclarecimento.».
[11] No domínio da norma do pretérito artigo 685º-B, nº 2, o ónus do recorrente considerava-se satisfeito com a transcrição dos depoimentos, caso - situação esta que aqui também não ocorre - não fosse possível, por força dos meios técnicos utilizados para a gravação, a identificação precisa e separada dos depoimentos (artº 685-B nºs 2 e 4 do CPC - Cfr. Acórdão desta Relação de 06/11/2012, [Apelação nº 169487/08.3YIPRT-A.C1), relatado pelo Exmº Sr. Desembargador Henrique Antunes, consultável e “http://www.dgsi.pt/jtrc.nsf?OpenDatabase”].
[12] Cfr., o Acórdão da Relação de Guimarães, de 30/01/2014 (Apelação nº 273733/11.1YIPRT.G1), consultável em http://www.dgsi.pt/jtrg.nsf?OpenDatabase, Relatado pelo Exmo. Sr. Desembargador Beça Pereira, bem assim como o já referido Acórdão desta Relação de Coimbra, de 19/6/2014.
[13] Cfr. Acórdão desta Relação de Coimbra, de 19/6/2014 (Apelação nº 1170/11.8TTLRA.C1) Relatado pelo Exmo. Sr. Desembargador Azevedo Mendes.
[14] Relatado pelo Exmo. Desembargador Carlos Gil e consultável, tal como os restantes Acórdãos desta Relação que vierem a ser citados sem referência de publicação, em “http://www.dgsi.pt/jtrc.nsf?OpenDatabase”.
[15] Note-se que, quer a A Lei n.º 1951, de 9 de março de 1937, quer o Decreto-Lei n.º 28039, de 14 de Setembro de 1937, só vieram a ser revogados pelo DL nº 96/2013, de 19 de Julho (REGIME JURÍDICO APLICÁVEL ÀS AÇÕES DE ARBORIZAÇÃO E REARBORIZAÇÃO) - artº 22º, alíneas a) e b)) -, que entrou em vigor 90 dias após a respectiva publicação (artº 23º) e que, portanto, é manifestamente inaplicável ao presente caso.
[16] Recorda-se que foi dado como não provado (nº16): “Os AA tentam arrancar e cortar as raízes introduzidas no seu terreno e os troncos ou ramos que sobre eles propendem, o que não conseguem dada a quantidade e a proliferação das ramagens, troncos, raízes e rebaixamento das raízes.”.
[17] As notas de rodapé vão também transcritas, embora com numeração diferente do texto original.
[18] Pires de Lima, na R.L.J., Ano 95.º, pág. 367-368, Pires de Lima e Antunes Varela, na ob. cit., pág. 230, Santos Justo, em Direitos Reais, pág. 247, ed. de 2007, Coimbra Editora e
Ac. do T. R. C. de 6.7.82, relatado por Baltazar Coelho, C. J., 1982, tomo IV, pág. 33;
Ac. do T. R. G. de 22.3.06, relatado por Proença da Costa, acessível em www.dgsi.pt. proc. n.º 2479/05-1;
Ac. do T. R. G. de 12.6.07, relatado por António Magalhães, acessível em www.dgsi.pt. proc. n.º 640/07-2;
Ac. do T. R. G. de 19.11.09, relatado por Isabel Rocha, acessível em www.dgsi.pt. proc. n.º 2194/07-5TBAF.G1;
Ac. do T. R. L., de 22.9.92, relatado por Almeida Amaral, C. J., 1992, tomo IV. Pág. 149;
Ac. do T. R. P., de 28.2.02, relatado por Leonel Serôdio, com sumário disponível em www.dgsi.pt. proc. n.º 0230250.
[19]  Em Limitações de Vizinhança (De Direito Privado), pág. 156, 1997, SPB – Editores Livreiros.
[20] Esta posição foi também defendida no direito alemão por Martin Wolff, em Derecho de cosas, vol. I, pág. 361, 3.ª ed., da trad. espanhola, da Bosh.
[21] Cfr.Tb. Acórdão do STJ de 20-09-2005, Revista n.º 2003/05.