Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1567/10.0TBVIS-C.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MOREIRA DO CARMO
Descritores: INSOLVÊNCIA
INCIDENTE DE QUALIFICAÇÃO
MEIOS DE PROVA
DECISÃO DA MATÉRIA DE FACTO
PRESUNÇÃO JUDICIAL
CULPA
PRESUNÇÕES LEGAIS
CUSTAS
Data do Acordão: 12/05/2012
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: VISEU
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA EM PARTE
Legislação Nacional: ARTS.25, 134, 186, 188, 189, 303, 304 CIRE, 349, 351 CC, 512, 668, 712 CPC
Sumário: 1. Por força da remissão do art. 188º, nº 7, do CIRE (redacção anterior à Lei 16/12, de 20.4,) para o art. 134º, nº 1, e deste para o art. 25º, nº 2, do mesmo diploma, o momento processual próprio para o oferecimento de todos os meios de prova e requerimento de gravação da audiência final pelo oponente ao incidente de qualificação da insolvência é o da apresentação da oposição, e não em momento posterior, visto que a lei afastou a aplicação do art. 512º, nº 1, do CPC, em tal incidente, como decorre do art. 136º, nº 3, ex vi do citado art. 188º, nº 7, do CIRE;

2. A eventual falta de motivação da resposta a determinado ponto factual é susceptível de gerar vício da decisão da matéria de facto, mas não qualquer vício da sentença, designadamente da referida na b), do nº 1, do art. 668º do CPC – omissão de fundamentação – que respeita à estrutura da mesma;

3. A Relação não pode alterar a resposta a certo ponto da matéria de facto, nos termos do art. 712º, nº 1, a), do CPC, se não tiver sido transcrito o depoimento das testemunhas ou se não tiver havido gravação da prova e o juiz tiver fundamentado a sua convicção nos depoimentos prestados oralmente, ou nestes e em documentos particulares de livre apreciação;

4. Tendo sido produzida prova testemunhal em julgamento, não reduzida a escrito nem gravada, e o juiz tiver fundamentado a sua convicção da resposta a certo ponto da matéria de facto nos depoimentos prestados oralmente, não pode a mesma ser alterada, ao abrigo do art. 712º, nº 1, b), do CPC, se os documentos particulares, existentes nos autos, em que o recorrente baseia a sua impugnação factual não conseguirem impor decisão diversa, por destituídos de força probatória material plena;

5. As presunções judiciais são (nos termos do art. 349º do CC) ilações que o julgador tira de um facto conhecido para afirmar um facto desconhecido, constituindo um mecanismo valorativo de outros meios de prova e que (com a condicionante legal constante do art. 351º do CC) podem servir para suprir lacunas de conhecimento ou de informação;

6. Assentando as mesmas no raciocínio de quem julga, e inspirando-se nas máximas da experiência, nos juízos correntes de probabilidade nos princípios da lógica ou nos próprios dados da intuição humana, pode o julgador de facto fazer uso de tais presunções para firmar determinada factualidade;

7. Para efeito de qualificação da insolvência como culposa o nº 2 do artigo 186º do CIRE elenca diversas situações concretas em que a insolvência há-de sempre ser considerada como culposa, instituindo a lei consequentemente uma presunção iuris et de iure, quer da existência de culpa grave, quer do nexo de causalidade desse comportamento para a criação ou agravamento da situação de insolvência;

8. Ao invés, o nº 3 do mencionado normativo legal estabelece apenas uma presunção de culpa grave, presunção juris tantum que pode ser elidida por prova em contrário, pelo que, mesmo que tal presunção se verifique, se exige ainda, para a qualificação da insolvência como culposa, que se demonstre que tenha sido a actuação/omissão do devedor a causar ou agravar tal situação de insolvência, nos termos do nº 1 do citado art. 186º;

9. As consequências legais advindas da qualificação da insolvência como culposa são as previstas no art. 189º, nº 2, do CIRE, e são taxativas e de aplicação obrigatória;

10. Da articulação entre as disposições legais específicas do art. 304º do CIRE, que dispõe que as custas do processo de insolvência são encargo da massa insolvente se a insolvência tiver sido decretada por decisão transitada em julgado, e do art. 303º do mesmo diploma, que esclarece, para efeitos de tributação, o que abrange o processo de insolvência, concretizando que é o processo principal mais, entre outros, o incidente de qualificação da insolvência, resulta que as custas de tal incidente continuam a caber, em regra, à massa insolvente, não se justificando, portanto, a aplicação da regra da causalidade, estabelecida no art. 446º do CPC para a generalidade das situações processuais.

Decisão Texto Integral: I – Relatório

1. No processo 1567/10.0TBVIS, de que os presentes autos são apenso, foi declarada a insolvência de F (…) & J (…) Lda, por sentença proferida em 29.6.2010 e já transitada em julgado.

Declarado aberto o incidente de qualificação da insolvência com carácter pleno, veio a Administradora emitir parecer nos termos do disposto no art. 188º, nº 2, do CIRE, concluindo que a insolvência deve considerar-se como culposa e que deve ser afectado pela qualificação da insolvência a gerente da insolvente M (…).

Invocou, em síntese, que não cumpriu a obrigação de prestar as contas de 2009, cujo prazo terminou em Julho de 2010; que a contabilidade da insolvente estava irregular relativamente ao ano de 2010; que não cumpriu as obrigações emergentes dos contratos de trabalho, despedindo os trabalhadores sem pagar as indemnizações devidas; tem dívidas à Fazenda Pública, de IMI sobre várias fracções do prédio de Marzovelos; vendeu imóveis da insolvente em benefício de credores e sem entrada de dinheiro, pelo que tais negócios foram resolvidos em benefício da massa insolvente.

Entende que se encontram verificadas as situações previstas no art. 186º, nº 2, a) e h), e nº 3, a) e b) do CIRE.

O Ministério Público emitiu parecer em sentido concordante, considerando que a qualificação da insolvência como culposa, nos termos do art. 186º, nº 2, a) e f) e nº 3, a) e b) do CIRE, deve afectar a gerente de facto e direito M (…)

A requerida M (…)deduziu oposição, pugnando pela qualificação da insolvência como fortuita. Mais alegou que tudo fez para que a empresa ultrapasse as suas dificuldades, tentando diminuir o seu passivo com a alienação do património de que dispunha, com o qual realizou negócios vantajosos para a devedora. Referiu ainda que a devedora viu a sua situação agravada por um negócio celebrado com a Caixa Económica Montepio Geral e que deixou de pagar aos trabalhadores em Dezembro de 2009, sendo que ainda estava em prazo para requerer a insolvência da sociedade devedora.

A Comissão de Credores nada disse.

Foi proferido despacho saneador com dispensa da selecção da matéria de facto assente e controvertida. Nessa sequência, a ora recorrente apresentou requerimento probatório, consistente em prova testemunhal e prova documental, assim como requereu a gravação da audiência final. Tal requerimento foi indeferido, por intempestividade.

Procedeu-se à audiência de julgamento, durante a qual foi arguida a nulidade da não gravação da prova, nulidade que foi indeferida.

*

A final foi proferida decisão que qualificou a insolvência da devedora “F (…)& J (…), Lda.” como culposa; declarou afectada pela qualificação da insolvência a sócia gerente da insolvente, M (…); declarou M (…) inibida durante 5 anos para o exercício do comércio, bem como para a ocupação de qualquer cargo de titular de órgão de sociedade comercial ou civil, associação ou fundação privada de actividade económica, empresa pública ou cooperativa; determinou a perda de quaisquer créditos sobre a insolvência ou sobre massa insolvente que sejam detidos por M (…), a qual foi condenada na restituição dos bens ou direitos que já tenha recebido em pagamento desses créditos. Mais determinou que as custas ficassem a cargo da massa insolvente e da requerida M (…), em partes iguais.

*

2. M (…) interpôs recurso, tendo apresentado as seguintes conclusões, que se sintetizam:

(…)

3. O Mº Pº apresentou contra-alegações, pugnando pela manutenção do decidido.

III – Factos Provados

1 - A Sociedade F (…) & JJ (…), Lda, com sede em Viseu iniciou a sua actividade em Junho de 1982, tendo como objecto social a construção e reparação de edifícios e compra e venda de terrenos e edifícios -doc de fls. 16 e seg.

2 - Tem o capital social de 450.000€, assim repartido:

- J (…) (falecido em Maio de 2009) ----------157.500€,

- M (…) -----------------------------------------157.500€,

- J (…) --------------------------------------------67.500€,

- C (…) ------------------------------------------67.500€ -doc de fls. 16 e seg.

3 - À data do início do processo de insolvência, para obrigar a sociedade era necessária e suficiente a assinatura de um gerente -doc de fls. 16 e seg.

4 - A insolvência foi decretada por sentença proferida em 29-06-2010 na sequência do pedido formulado por 9 trabalhadores, despedidos em finais de Janeiro de 2010, cuja petição inicial foi remetida a juízo em 14-05-2010 - fls. 2 e seg e 52 e seg dos autos principais.

5 - Na petição inicial que deu início ao processo de insolvência e que não mereceu qualquer oposição da sociedade requerida, os requerentes alegaram que a insolvente deixou de pagar as remunerações correspondentes aos salários dos trabalhadores; que em 31-01-2010 procedeu ao despedimento ilícito dos trabalhadores; que, além das dívidas aos trabalhadores, a insolvente encontra-se numa situação de incumprimento generalizado aos fornecedores; que a requerida tem pendentes contra si diversas acções executivas e acções de condenação para pagamento de quantia certa, tendo sido considerado provado todo esse factualismo na sentença proferida em 29-06-2010 que decretou a insolvência da sociedade F (…) & JJ (…) Lda - fls. 2 e seg e 52 e seg dos autos principais.

6 - A sociedade F (…) & J (…) Lda procedeu ao depósito regular das contas dos anos decorridos até 2008 inclusive - doc. de fls. 16 e seg.

7 - O depósito das contas de 2009 não foi efectuado pela insolvente, terminando o prazo legal para o efeito em fins de Junho de 2010 - doc. de fls. 16 e seg.

8 - À data da declaração de insolvência, a contabilidade da devedora encontrava-se irregular relativamente ao ano de 2010, pelo facto de, com a mudança do sistema contabilístico de POC para SNC, não ter adoptado essa nova norma contabilística, que passou a vigorar a partir de 1-01-2010 - doc de fls. 48 e seg.

9 - No final do ano de 2008, a sociedade F (…)& J(…) Lda tinha um nível de capital próprio que ascendia a 656.904,77€ - doc. de fls. 48-75, 158 e seg..

10 - À data de 31-12-2008, a devedora tinha no seu activo um montante avultado de produtos e trabalhos em curso, relacionado com o prédio cuja construção iniciou em 2007, o qual tinha mais de 20 fracções, ascendendo o montante desses activos a 2.612.686,78€ - doc. de fls.48-75, 158 e seg.

11 - O montante de vendas e prestações de serviços do ano de 2009 ascende a 306.456,28€, que se refere aos activos fixos vendidos em Janeiro de 2009 à sociedade C (…) & Filhos SA, cuja administradora única era simultaneamente a gerente da ora devedora e, nessa dupla qualidade, interveio na escritura de compra e venda - doc. de fls. 32 e seg., 43 e seg.

12 - A venda referida em 11) foi resolvida em benefício da massa insolvente em 12 de Novembro de 2010 - doc. de fls. 25 e seg.

13 - No passivo da sociedade insolvente constam dívidas a instituições de créditos, credores comuns, trabalhadores, Segurança Social, Fazenda Pública, incluindo dívidas de IMI sobre várias fracções do prédio de Marzovelos em construção - apenso de reclamação de créditos.

14 - Os bens relacionados nos mapas de amortizações do ano 2008 e na contabilidade de 2009 não se encontravam disponíveis, por terem sido objecto de venda por escritura pública de 7-01-2009 quatro bens imóveis da insolvente à sociedade Construções (…) & Filhos SA - doc de fls. 32 e seg. e 48-75.

15 - A insolvente tem sede na morada fiscal da empresa (…) & Filhos SA, proprietária do espaço vendido pela insolvente - doc. de fls 43 e seg.

16 - A sociedade F (…) & J (…) Lda efectuou a transferência dos imóveis referidos em 14) sem que de tais vendas tenha resultado a efectiva entrada, nos cofres da devedora, de dinheiro proveniente da sociedade compradora - doc. de fls. 48-75 do PP.

17 - Em Março de 2010 a devedora celebrou escrituras de compra e venda de 3 imóveis que declarou vender a terceiros sem que de tais vendas tenha resultado a entrada de dinheiro, tendo sido acordada com os compradores uma compensação de saldos credores, em relação à devedora, da titularidade dos compradores ou de terceiros com eles relacionados - doc. de fls 338 e seg, 345 e seg, 354 e seg.

18 - As vendas referidas em 17) foram resolvidas em benefício da massa insolvente em 14 de Dezembro de 2010 - acções ordinárias apensas, com vista à impugnação dessas resoluções.

19 - Com o referido em 14), 16), 17), a devedora impediu o pagamento, pelo produto das vendas, das dívidas aos demais credores da devedora.

20 - Na contabilidade da insolvente de 2007, na rubrica do activo circulante constam 3 prédios, especialmente “ ( ..) ”, referidos em 17) por um valor de 1509.778,50€, tendo sido declarado um preço global de venda de 306.920,38€ na escritura de compra e venda celebrada em relação a tais prédios - doc. de fls. 32 e seg., 338 e seg., 345 e seg., 354 e seg.

21 - Os contratos referidos em 17) foram celebrados com Irmãos (…)Lda, V (…) Lda e P (…) Lda, cujos objectos foram respectivamente as fracções E, D e N e F do prédio inscrito na matriz sob o artigo 2430º, sito na Quinta de Baixo em Marzovelos, freguesia de Coração de Jesus, concelho de Viseu - doc. de fls 338 e seg, 345 e seg, 354 e seg.

22 - Num dos imóveis vendidos localizava-se a sede da devedora - doc de fls. 16 e seg.

23 - A devedora adquiriu à Caixa Económica Montepio Geral, em 11-09-2001, um terreno pelo valor de 163.500.000$00 na expectativa de ali poder construir um prédio com 38 fracções, para o que teve de contrair mútuo com hipoteca nessa mesma instituição devedora - doc. de fls. 204 e seg.

24 - O terreno inseria-se numa área entretanto submetida a um Plano de Pormenor a elaborar pela Câmara Municipal de Viseu e que veio a limitar a área edificável naquela zona - doc. de fls. 204 e seg.

25 - Em consequência do referido em 24), o terreno referido em 23) ficou limitado à construção de apenas 13 fracções - doc de fls. 204 e seg.

26 - Em consequência do referido em 24), o terreno referido em 23) ficou com o valor de 55.934.210$50 - doc de fls. 204 e seg.

27 - A devedora não conseguiu obter judicialmente a anulação da venda referida em 23) - doc de fls. 204 e seg.

28 - No dia 5-03-2010, foram disponibilizados 28.855€ na conta da insolvente na CGD, SA - doc. de fls. 326-328 do PP.

29 - A devedora emitiu, com data de 22-03-2010, declarações confessórias de dívida aos seus trabalhadores (…)doc. de fls. 106-114 do PP.

30 - Por declarações datadas de 09-03-2010, a CGD, SA renunciou às hipotecas registadas, em relação às fracções designadas pelas letras N, F do prédio descrito na 1º CRP de Viseu sob o nº 1446/20070305-N e -F da freguesia de Viseu, pelas ap 16 de 2007-07-25 e 10 de 2008-04-22 para garantia de empréstimos concedidos pela CGD à devedora - doc. de fls. 352, 359 do PP.

31 - Em consequência do referido em 30), no dia 30-03-2010, as fracções referidas em 30) foram objecto de venda, livres de ónus e encargos e, designadamente, das hipotecas referidas em 30), sendo vendedora a devedora e compradora a sociedade P (…) Lda - doc. de fls. 354 e seg.

32 - Por declaração datada de 09-03-2010, a CGD, SA renunciou às hipotecas registadas, em relação à fracção designada pela letra D do prédio descrito na 1º CRP de Viseu sob o nº 1446/20070305-D da freguesia de Viseu, pelas ap 16 de 2007-07-25 e 10 de 2008-04-22 para garantia de empréstimos concedidos pela CGD à devedora - doc. de fls. 336 do PP.

33 - Em consequência do referido em 32), no dia 10-03-2010, a fracção referida em 32) foi objecto de venda, livre de ónus e encargos e, designadamente, das hipotecas referidas em 30), sendo vendedora a devedora e compradora a sociedade V (…) Lda - doc. de fls. 338 e seg.

34 - Por declaração datada de 09-03-2010, a CGD, SA renunciou às hipotecas registadas, em relação à fracção designada pela letra E do prédio descrito na 1º CRP de Viseu sob o nº 1446/20070305-E da freguesia de Viseu, pelas ap 16 de 2007-07-25 e 10 de 2008-04-22 para garantia de empréstimos concedidos pela CGD à devedora - doc. de fls. 343 do PP.

35 - Em consequência do referido em 34), no dia 10-03-2010, a fracção referida em 34) foi objecto de venda, livre de ónus e encargos e, designadamente, das hipotecas referidas em 30), sendo vendedora a devedora e compradora a sociedade Irmãos (…) Lda - doc. de fls. 345 e seg.

III – Do Direito

1. Uma vez que o âmbito objectivo dos recursos é balizado pelas conclusões apresentadas pelos recorrentes, apreciaremos, apenas, as questões que ali foram enunciadas (arts. 684º, nº 3 e 685º-A, do CPC).

Nesta conformidade as únicas questões a decidir são as seguintes.

- Nulidade processual.

- Nulidade da sentença.

- Alteração da matéria de facto.

- Qualificação da insolvência como culposa.

- Consequências da sua declaração.

- Responsabilidade pelas custas.

2. Foi proferido despacho saneador com dispensa da selecção da matéria de facto assente e controvertida. Nessa sequência, a ora recorrente apresentou requerimento probatório, consistente em prova testemunhal e prova documental. Assim como requereu a gravação da audiência final, com base no art. 512º, nº 1, do CPC, ex vi do art. 17º do CIRE (vide fls. 383). Tal requerimento foi indeferido, por despacho de 17.6.2011, por intempestividade.

Procedeu-se à audiência de julgamento, durante a qual foi arguida a nulidade da não gravação da prova, nulidade que foi indeferida.

Por força da remissão do art. 188º, nº 7, do CIRE (redacção anterior à Lei 16/12, de 20.4, não aplicável ao caso dos autos) para o art. 134º, nº 1, e deste para o art. 25º, nº 2, do mesmo diploma, o momento processual próprio para o oferecimento de todos os meios de prova é o da apresentação da oposição.

Naturalmente com tal oferecimento deve requerer-se, no mesmo momento, a gravação da audiência final, onde tais provas irão ser produzidas de modo a obter-se a sua documentação.

Não é inédita esta exigência processual, podendo ver-se que ela ocorre nos incidentes da instância – arts. 303º, nº 1, e 304º, nº 3 e 4 do CPC -, nos procedimentos cautelares – art. 384º, nº 3 -, em diversos processos especiais, e nos processos de jurisdição voluntária – art. 1409º, nº 1.

O art. 512º, nº 1, do CPC, que a ora recorrente chamou à colação quando apresentou o requerimento probatório é que queda inaplicável de todo, por disposição expressa da lei, que, por força do citado art. 188º, nº 7, o arredou no art. 136º, nº 3, do CIRE, já que este normativo remete unicamente para os arts. 510º e 511º do CPC, mas não para o falado 512º, nº 1 - que dispõe sobre o momento da apresentação do rol de testemunhas, sobre o requerer outras provas ou alteração dos prévios requerimentos probatórios, e sobre o pedir a gravação da audiência final.

Aparece-nos, pois, como meridianamente evidente que a gravação da audiência final devia ter sido pedida pela ora recorrente quando apresentou o seu requerimento probatório na oposição que deduziu. O que não fez.

Pelo que o despacho (de 17.6.2011) que indeferiu o requerimento probatório da ora apelante, apresentado na sequência da elaboração do despacho saneador, se mostra correctamente proferido.

Mais. Se tal despacho fosse incorrecto era dele que a ora apelante devia ter recorrido. E de imediato, nos termos do art. 691º, nº 2, i), do CPC. Dispositivo este que por identidade de razão de decidir se aplica, também, ao despacho judicial que indefira o pedido de gravação da audiência.

Todavia a apelante não está a recorrer daquele despacho (de 17.6.2011), e a querer recorrer devia tê-lo feito de pronto e não guardar tal hipotético recurso para o momento em que impugnasse a decisão final (como permite o nº 3 desse mesmo normativo).     

Com efeito, a apelante recorre do despacho que indeferiu a nulidade por si arguida em audiência de julgamento, na 2ª sessão do mesmo, de falta de gravação da prova que estava a ser produzida, com base no art. 201º, nº 1, do CPC, com o fundamento que o aludido despacho de 17.6.2011 não indeferiu a gravação de prova por si oportunamente requerida.

Tal arguição foi desatendida, e bem desatendida.

Na verdade, o referido despacho (de 17.6.2001) indeferiu o requerimento probatório da ora apelante, como atrás acabámos de ver. Embora no segmento decisório do despacho referido (17.6.2011) se tivesse mencionado apenas o indeferimento dos “meios de prova” apresentados pela ora recorrente, a verdade é que também se disse literalmente que se indeferia o requerimento de “fls.383”.

Tem de entender-se, por isso, que tal despacho implicitamente abarcava, também, o apontado requerimento de gravação da audiência final.  

Efectivamente, se o requerimento da apelante à sombra do invocado art. 512º, nº 1, do CPC, se mostrava totalmente impertinente, por não ter aplicação tal norma ao oferecimento dos meios probatórios e pedido de gravação da audiência final - o que levou à prolação de tal despacho (de 17.6.2011) de indeferimento dos meios probatórios apresentados -, porque razão se haveria de entender que o mesmo despacho se circunscrevia, no decisório, apenas àqueles meios e não à peticionada gravação ? Seria incompreensível.

E de outro lado, se a dita gravação da audiência final se destina justamente a captar tais meios de prova – art. 522º-B, do CPC -, de modo a obter-se a sua documentação, para que serviria a gravação se os mencionados meios de prova foram indeferidos ? Seria ilógico, com certeza.

A indicada arguição de nulidade mostra-se, pois, acertadamente indeferida, pois inexistia qualquer nulidade, antes se tendo de entender que houve decisão que indeferiu a requerida gravação.

Não havendo motivo para alterar o decidido, mostra-se improcedente esta parte do recurso.

3. Defende a recorrente que o facto provado 19. não assentou em qualquer sustentação, o que importa vício de falta de fundamentação, que acarreta nulidade da sentença, nos termos do art. 668º, nº 1, b), do CPC.

Não está certo, porquanto não se devem confundir vícios de fundamentação da decisão da matéria de facto com vícios da sentença.

A ocorrer tal falta de motivação, com violação do art. 653º, nº 4, então a ora apelante bem podia ter reclamado no momento próprio, o que teve a possibilidade de fazer, pois esteve presente na audiência (de 9.12.2011) em que se respondeu à matéria de facto (vide acta de fls.539). Mas não o fez. Assim como poderia ter posto em marcha o funcionamento do art. 712º, nº 5, do CPC, pedindo que a 1ª instância fundamentasse tal resposta. Mas também não o fez. Em todo o caso sempre estaríamos perante vício da decisão da matéria de facto, não perante vício da decisão final ou da sentença que a lei contemplou em várias alíneas no art. 668º, nº 1, do CPC – designadamente na b), onde se estatui que a sentença é nula se não especificar os fundamentos de facto ou de direito que justificam a prolação da mesma.

O que circunstancialmente não ocorre, visto que na decisão se elencaram os factos provados, são os 35 acima enumerados, e se discorreu juridicamente expondo-se a fundamentação de direito que levou à tomada da decisão final (que infra em 5. está parcialmente transcrita).

Inexiste, pois, a acusada nulidade da sentença.    

4.1. Diz a recorrente que o facto provado 17. deve ser alterado de modo a dele constar que também houve pagamento em dinheiro, o que resulta do depoimento das testemunhas (…) e dos documentos que indica.

Assim como, a matéria constante da M) dos factos não provados deve ser dada como provada, face ao depoimento das mesmas testemunhas e mesmos documentos.

O facto M) dado como não provado é que tivessem sido os compradores a expurgar as hipotecas referidas em 30., 32. e 34.

As vendas referidas são as que estão provadas em 21., 31., 33. e 35.

Os documentos que indica estão juntos às acções com vista à impugnação das resoluções de tais vendas em benefício da massa insolvente (vide facto 18.).

São os docs. 1 a 4 da acção intentada pela P (…), Lda, que consistem em 2 cheques de 60.000 € e 50.000 € emitidos por entidade desconhecida a favor da insolvente, extracto de conta bancária desta com menção de depósito do total de 110.000 €, do mesmo dia em que os cheques estão datados, e declaração da CGD, credora hipotecária, a informar que tais cheques serviram para cancelar as hipotecas que incidiam sobre as 2 fracções vendidas.

São, também, os docs. 2 a 4, 8 e 9 da acção intentada pela V (…) Lda, que consistem em 2 cheques de 30.000 € e 70.000 € com a menção de terem sido emitidos pela mesma a favor da insolvente, declaração da CGD, credora hipotecária, a informar que este último cheque serviu para cancelar as hipotecas que incidiam sobre a fracção vendida, e declaração de renúncia da hipoteca pela CGD.

E são os docs. 3 a 5 da acção intentada pela Irmãos (…)Lda, que consistem em 1 cheque de 55.000 € com a menção de ter sido emitido pela mesma a favor da insolvente, extracto de conta bancária daquela referenciando levantamento de tal importância do mesmo dia em que o cheque está datado, e nota de cobrança do IMT.

Também estão juntos aos autos, como consta dos docs. referidos nos aludidos factos provados 30., 32. e 34., declarações de renúncia das hipotecas sobre as referidas fracções por parte da credora hipotecária CGD.

Compulsando a fundamentação do despacho de resposta à matéria provada e não provada (cfr. fls. 527 a 538) vemos que a julgadora exarou que “As respostas dadas à matéria de facto controvertida basearam-se no conjunto dos documentos juntos aos autos e …assinalados, no confronto com a prova testemunhal produzida…

Do depoimento da testemunha (…), legal representante das sociedades (…)resulta que na qualidade de representante da P (…)comprou fracções à devedora, sendo o “preço” em parte abatido na dívida da devedora à …credora P (…)l, também representada por essa testemunha.

Telmo …Dinis, legal representante das sociedades (…)…mencionou que, na qualidade de representante legal da primeira sociedade, comprou uma fracção à devedora, sendo o “preço” em parte abatido na dívida da devedora à …V (…)também representada por essa testemunha, sendo que …compradora não era credora da devedora.

Embora tais testemunhas tenham mencionado negociações e reuniões com a CGD para distrate de hipotecas, com “passagem de cheques” directamente à CGD, tais invocados convénios não surtem cabalmente demonstrados, apenas sendo seguro que a CGD declarou renunciar às hipotecas mencionadas na factualidade apurada, o que sucedeu em circunstâncias não apuradas.

Não resulta de tais depoimentos que tenha entrado dinheiro em caixa na …insolvente a título de pagamento dos preços acordados, tendo antes sido mencionado por aquelas testemunhas a emissão de cheques directamente a favor da CGD e o abate/compensação nos saldos credores de sociedades terceiras, com o mesmo representante das sociedades compradoras.

Tais depoimentos revelam bem a promiscuidade de interesses e a falta de transparência subjacente à celebração dos contratos de compra e venda em causa nos autos, em que os preços devidos pelos compradores não foram pagos à devedora, sendo antes “convertidos” em “abate” de dívidas da ora insolvente em relação a terceiros não intervenientes na compra e venda, mas com gerência comum com as sociedades compradoras.

(…)

Assim se formou, no essencial, a convicção do Tribunal“.

Ou seja, o tribunal na formação da sua convicção levou em consideração os documentos existentes nos autos em confronto com a prova testemunhal referida pela recorrente. Articulou-os e com base na sua análise conjugada respondeu á matéria de facto. E como a prova não foi gravada não há maneira de sindicar a valoração da prova testemunhal efectuada pela 1ª instância.

Deste modo, nenhum dos nomeados documentos particulares, emissão de cheques, extractos bancários e declarações informativas da CGD têm força probatória plena (art. 376º, nº 1 e 2, do CC).

Isto é, quando se articula prova testemunhal e prova documental com força probatória não plena, um tríplice resultado pode ocorrer. Ou a prova de factos que os documentos visam comprovar pode assentar na conjugação desse meio de prova com a prova testemunhal. Ou, ao invés, a não prova de tais factos, pela dúvida sobre a realidade dos mesmos, pode assentar no confronto/concorrência entre ambos os meios de prova. Ou pode também a prova testemunhal ser suficiente para dar como provada uma concreta factualidade, sem tal meio de prova ser abalado pela existência de determinada prova documental dissonante, de apreciação livre.

Foi o que a julgadora fez. Ponderou a aludida prova documental e a prova testemunhal e deu por provado que nenhuma dessas vendas gerou a entrada de dinheiro a favor da insolvente, ao contrário do que a apelante pretende. Bem como deu por não provado que tivessem sido os compradores a expurgar as hipotecas referidas em 30., 32. e 34.   

Uma das hipóteses em que se pode alterar a matéria de facto é quando os elementos fornecidos pelo processo impuserem decisão diversa, insusceptível de ser destruída por quaisquer outras provas (art. 712º, nº 1, b), do CPC).       

Abarcam-se neste segmento as situações em que constem do processo elementos que, só por si, determinem uma decisão diversa e cujo valor probatório seja insusceptível de ser afectado ou perturbado pela análise de outros meios de prova, como ocorre quando o tribunal recorrido tenha desrespeitado a força probatória plena de certo meio de prova.

Por exemplo, por ter sido junto ao processo um documento com valor probatório pleno relativamente a determinado facto (arts. 371º, nº 1, e 376º, nº 1, do CC), mas apesar disso, o julgador considerou-o não provado, ou foi desatendida determinada declaração confessória constante de documento ou resultante do processo (arts. 358º do CC, e 484º, nº 1, e 563º, do CPC), ou um acordo estabelecido entre as partes nos articulados quanto a determinado facto (art. 490º, nº 2, do CPC), atribuindo-se prevalência à livre convicção formada a partir de outros elementos probatórios. Ou, ainda, foi dado como provado certo facto com base em meio legalmente insuficiente (por ex, depoimento testemunhal, nos termos do art. 393º do CC).

Aliás esta alteração nem sequer depende da iniciativa da parte, devendo oficiosamente ser levada a cabo pela Relação, face ao disposto nos arts. 713º, nº 2, ex vi do 659º, nº 3, do CPC, pelo que o juiz tomará sempre em consideração os factos admitidos por acordo e os provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito. Por outro lado, nos termos do art. 646º, nº 4, do CPC, devem ter-se por não escritas as respostas do tribunal dadas sobre factos que só possam provar-se por documentos ou que estejam provados por documentos, por acordo ou por confissão das partes (vide A. Geraldes, Recursos em Proc. Civil, Novo Regime, 2ª Ed., nota 2. ao citado artigo 712º, pág. 274/275).

Ora, os aludidos documentos particulares, atrás indicados, não têm a virtualidade de por si, implicar, sem mais, a resposta pretendida pela recorrente, por não terem força probatória plena.

Acresce que a possibilidade legal de alteração encontra no citado dispositivo o seu limite, ou seja, que não tenham sido produzidas outras provas capazes de destruir o efeito probatório decorrente de alguns daqueles elementos.

Desta maneira, constatando-se que o julgador não estava vinculado probatória e plenamente, pelos aludidos documentos particulares, a responder como provado no sentido propugnado pela recorrente, antes podendo fazê-lo, como fez, com recurso a outros elementos probatórios, e considerando que no despacho de resposta à matéria de facto o julgador explicitou, na respectiva fundamentação, que foram levados em consideração os apontados depoimentos testemunhais, então fica seguro e claro que não pode alterar-se as respostas ao actual facto provado 17. e ao facto não provado M), por se estar fora do campo de actuação do referido normativo legal – art. 712º, nº 1, b).

Outra das hipóteses em que se pode alterar a matéria de facto é quando constarem do processo todos os elementos de prova que serviram de base à decisão sobre os pontos da matéria de facto (art. 712º, nº 1, a), 1ª parte, do CPC).  

Abarcam-se neste segmento as situações em que a decisão de facto, na parte impugnada, tenha sido exclusivamente sustentada na apreciação, isolada ou conjuntamente, de documentos, de declarações confessórias, de relatórios periciais, de depoimentos escritos, sem exclusão do uso simples ou conjugado de regras da experiência congregadas em presunções judiciais.

Acontece que no nosso caso a prova testemunhal não foi gravada, sendo, por isso, insindicável por esta Relação. Como assim fica afastada a aplicabilidade do dito art. 712º, nº 1, a), 1ª parte, visto que era necessário que todos os elementos de prova de que o tribunal recorrido fez uso constassem do processo, o que não acontece quanto aos referidos depoimentos testemunhais, pelo que a Relação está inibida dos seus poderes de reapreciação (vide Acds. do STJ, de 15.1.2004, Proc. 03B2748, A. Geraldes, ob. cit., nota 4., pág. 279).

Quando assim acontece, como no caso em apreço, quando o julgador de facto motiva a sua decisão da matéria de facto em prova documental e prova testemunhal, a impugnação da matéria de facto com base em documentos de apreciação livre não tem a aptidão de conseguir desmontar ou fazer desabar a matéria dada por provada ou não provada, invertendo o teor das respostas dadas como agora pretende a apelante.

Em remate podemos, aliás, fazer notar que do que consta do depoimento de tais testemunhas, sumariado pela julgadora de facto na fundamentação da sua decisão da matéria de facto, tais depoimentos não são nada favoráveis à pretendida alteração da matéria de facto, bem pelo contrário, até desajudam a apelante….

Não procede, por isso a pretensão da recorrente, de alteração da matéria de facto.     

4.2. Sustenta a apelante que o facto provado 19. não pode ser dado como provado, com base em presunção judicial.

Efectivamente o julgador de facto pode fazer uso, simples ou conjugado, de regras da experiência para firmar determinada factualidade, tal como é possível fixar a mesma através do recurso à prova testemunhal (art. 351º do CC).

As presunções judiciais são, nos termos do art. 349º do CC, ilações que o julgador tira de um facto conhecido para afirmar um facto desconhecido, constituindo um mecanismo valorativo de outros meios de prova e que, com a condicionante legal constante do citado art. 351º podem servir para suprir lacunas de conhecimento ou de informação.

Como explica A. Varela (CC Anot., Vol I, 3ª Ed., nota 2. ao artigo 349º, pág. 310) as presunções judiciais, ou simples, assentam no raciocínio de quem julga, inspirando-se nas máximas da experiência, nos juízos correntes de probabilidade nos princípios da lógica ou nos próprios dados da intuição humana.

Ora, se atentarmos nos factos provados 5., 13. e 29., comprova-se a existência de inúmeros credores. Dos factos 4., 5., 11., 14. e 29., vê-se que a data da venda dos imóveis ocorreu cerca de um ano antes do despedimento ilícito dos seus trabalhadores, e cerca de 1 ano e meio antes de ser declarada insolvente. Do facto 14. resulta que tais vendas foram feitas a uma sociedade administrada pela mesma pessoa que era gerente da insolvente (a ora recorrente) e que não geraram efectiva entrada de dinheiro nos cofres da insolvente. Do facto 17. correlacionado com os demais referidos resulta que à data das venda das 4 fracções a insolvente já tinha despedido os seus trabalhadores, nesse mesmo mês tinha emitido as declarações confessórias de dívidas aos mesmos e estava à beira (3 meses) da sua declaração de insolvência, não tendo também tais vendas gerado a entrada de dinheiro nos seus cofres.

Tudo relacionado e conjugado é compreensível que a julgadora de facto tenha considerado como provado o facto 19. Aceita-se, pois, o seu veredicto quanto a tal materialidade.

Consequentemente, indefere-se a impugnação da recorrente quanto a tal facto.

4.3. Afirma a recorrente que a matéria constante da E) dos factos não provados deve ser dada como provada, face à comprovada compensação de créditos e aos documentos que indica que demonstram a diminuição avultada do seu passivo

Nesta E) foi dado como não provado que com os factos referidos em 14., 16. e 17. tenha sido intenção da devedora impulsionar a sua actividade.

Sintetizando, a prova documental que a recorrente invoca é a referente ao balancete analítico de 2009, junto aos autos, que revela que a dívida da insolvente para com a credora hipotecária CGD à data era de cerca de 1.755.000 € passando depois, à data de reclamação de créditos, para cerca de 148.000 €, que a dívida para coma Fazenda Pública diminuiu de cerca de 20.550 €, conforme certidão junta com a oposição ao presente incidente, para cerca de 5.400 € aquando da reclamação de créditos, que a insolvente tudo fez para diminuir as suas dívidas, nomeadamente vendendo as 4 fracções referidas nos factos provados 31., 33. e 35., que a insolvente devia aos sócios (…) e à recorrente M (…), por conta de suprimentos destes, cerca de 328.000 €, conforme docs. juntos com a dita oposição e em momento posterior, e que nas vendas que fez dos imóveis à firma C (…) & Filhos houve pagamento do preço por esta compradora, que assumiu aquela dívida de suprimentos da insolvente, fazendo com que esta se visse livre de tal dívida de suprimentos aos referidos sócios, pelo que a actuação da sócia-gerente/recorrente M (…) ao livrar-se, a todo o custo, das dívidas existentes na insolvente comprova que queria impulsionar a actividade da mesma.

A argumentação da recorrente merece-nos 3 observações.

Desde logo se pode dizer que não é líquido que o facto de alguém pagar as suas dívidas implique necessariamente um impulsionamento da sua actividade. Muito longe disso, pois o pagamento de dívidas pode ter variados motivos não sendo, primariamente, mais que o simples cumprimento das respectivas obrigações pelo devedor. Não andando, assim, tal cumprimento e correspectivo reduzir do passivo associado objectivamente ao impulsionamento da actividade do devedor.

Depois não se consegue descortinar como é que via prova documental do cumprimento das obrigações de um devedor, e consequente diminuição do seu passivo, se consegue provar um facto psicológico, a intenção daquele que solve as suas dívidas em, através desse pagamento, impulsionar a sua actividade. Essa intenção podia ser objecto de prova testemunhal, que contudo não se mostra produzida.

Terceiro, os factos provados 14., 16. e 17. mostram que as vendas referidas não importaram efectiva contrapartida monetária para a insolvente, pelo que não se consegue automaticamente alcançar como teria a insolvente querido impulsionar a sua actividade sem a correspondente liquidez, factor comercial importantíssimo, que uma compra e venda normal faz gerar.

Não vislumbramos, pois, razão para dar como provada a matéria referida na dita E), indeferindo-se, por isso, a impugnação factual da recorrente quanto a esta parte.     

5. Na sentença recorrida escreveu-se que:

“O artigo 186.º, n.º 1 do CIRE dispõe que «A insolvência é culposa quando a situação tiver sido criada ou agravada em consequência da actuação, dolosa ou com culpa grave, do devedor, ou dos seus administradores, de direito ou de facto, nos três anos anteriores ao início do processo de insolvência».

Está, assim, prevista uma definição geral de insolvência culposa, prevendo-se no nº 2 do mesmo preceito algumas presunções (…)

O novo regime estabelece pois uma série de presunções que permitem qualificar como culposa a insolvência do devedor sempre que esteja em causa um dos comportamentos previstos nas alíneas a) a i) o n.º 2 do artigo 186º, presumindo-se ainda a culpa grave nos casos revistos no nº 3 do aludido normativo.

(…)

No caso vertente, as posições da Sra Administradora e do Ministério Público plasmadas nos respectivos pareceres são concordantes, convergindo no sentido da qualificação da insolvência como culposa com fundamento, segundo a Administradora da Insolvência, na previsão do 186º, nº2, al. a) e h), 186º, nº 3, al. b) do CIRE e, segundo o Ministério Público, na previsão do art. 186º, nº 2, al a) e f) e, nº 3, al. a) e b) do CIRE.

(…)

Nos termos do art. 186º, nº 2 do CIRE, considera-se sempre culposa a insolvência do devedor que não seja uma pessoa singular quando os seus administradores, de direito ou de facto, tenham:

()

f) feito do crédito ou dos bens do devedor uso contrário ao interesse deste, em proveito pessoal ou de terceiros, designadamente para favorecer outra empresa na qual tenham interesse directo ou indirecto,

(…)

O art. 186º, nº 2 do CIRE estabelece presunções inilidíveis de culpa que têm por pressuposto, considerado assente, a existência de um nexo causal entre a “circunstância padrão” e a criação ou agravamento do estado de insolvência.

Nesse sentido, sustenta-se no ac. RP de 25-05-2009, processo 2419/05.1tjvnf-B.P1, in http://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/, que: “Por contraposição aos casos previstos no nº 3 do mesmo art. 186º, a jurisprudência e a doutrina vêm entendendo que o nº 2, com a expressão “considera-se sempre”, estabelece uma presunção «juris et de jure» (por isso, inilidível) de que a verificação de algum dos requisitos taxativamente indicados nas suas nove alíneas importa, inexoravelmente, quer a existência de culpa por parte dos administradores (de direito ou de facto) da sociedade insolvente, quer do nexo de causalidade adequada entre a(s) actuação(ões) daqueles e a criação ou o agravamento do estado de insolvência, ao passo que no nº 3 se prevê apenas uma presunção «juris tantum» (ou seja, ilidível) de culpa grave dos administradores, mas não também da verificação do nexo causal entre as condutas nele apontadas e a criação ou o agravamento da insolvência, havendo, nos casos previstos nas alíneas do nº 3, necessidade de prova deste pressuposto para que a insolvência seja declarada culposa [neste sentido, Acs. desta Relação do Porto de 09/10/2008, proc. 5039/08-3, in Boletim nº 32 desta Relação, de 27/11/2007, proc. 0723926, desta secção, de 13/09/2007, proc. 0731516, de 18/06/2007, proc. 0731779, todos publicados in www.dgsi.pt/jtrp, de 07/01/2008, proc. 4886/07, in Cadernos de Direito Privado, nº 21, Jan./Mar. 2008, pgs. 54 a 59; idem, Carvalho Fernandes e João Labareda, in “Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado”, Ed. de 2008, pgs. 610 e 611; Divergindo um pouco da posição largamente dominante, Catarina Serra, in “Decoctor ergo fraudator? - A insolvência culposa (esclarecimentos sobre um conceito a propósito de umas presunções)”, Cadernos de Direito Privado, nº 21, Jan./Mar. 2008, pgs. 59 a 71, mas particularmente a pgs. 65 e 66, coloca algumas reservas a que as situações das als. h) e i) do nº 2 possam constituir também presunções inilidíveis de culpa e de verificação do nexo causal, embora aceite que as demais conduzam à falada presunção «juris et de jure»].

Nos termos do art. 186º, nº 3, alíneas a) …. do CIRE, presume-se a existência de culpa grave quando os administradores, de direito ou de facto, do devedor que não seja uma pessoa singular, tenham incumprido o dever de requerer a declaração de insolvência (al. a) ….

No que se refere à previsão do art. 186º, nº 3, al. a) do CIRE, dispõe o art. 18º, nº 1 do CIRE que o devedor deve requerer a declaração da sua insolvência dentro dos 60 dias seguintes à data do conhecimento da situação de insolvência, tal como descrita no nº 1 do art. 3º, ou à data em que devesse conhecê-la.

Por sua vez, preceitua o art. 3º, nº 1 do CIRE que é considerado em situação de insolvência o devedor que se encontre impossibilitado de cumprir as suas obrigações vencidas.

A presunção consagrada no art. 186º, nº 3, alínea a) do CIRE é juris tantum, ou seja, passível de ser ilidida.

Tal preceito deve ser articulado com o art. 186º, nº 1 do CIRE, impondo-se assim a prova de que a situação de insolvência foi criada ou agravada pela conduta dos seus administradores, ou seja, a prova da existência do nexo causal, não dispensada pela previsão daquele preceito legal.

Assim, apenas é lícito, ao abrigo daquele preceito legal, presumir a existência de culpa grave quando os administradores, de direito ou de facto, do devedor que não seja uma pessoa singular, tenham incumprido o dever de requerer a declaração de insolvência e tal incumprimento tenha criado ou agravado a situação de insolvência.

(…)

Nesse sentido, tem vindo a pronunciar-se maioritariamente a jurisprudência, citando-se a título exemplificativo, os ac. RL de 22-01-2008, processo 10141/2007-7, ac. RP de 15-03-2007, processo 0730992, de 18-06-2007, processo 0731779, de 13-09-2007, processo 0731516, de 07-01-2008, processo 0754886, ac RG de 20-09-2007, processo 1278/07-2, todos eles acessíveis em http://www.dgsi.pt/.

Vejamos então se os factos apurados se enquadram nas previsões legais acima citadas.

Ora, resulta dos factos vertidos nos pontos 9, 10, 11, 14, 15, 16, 17, 19, 20, 21, 22, 30 a 35 que a devedora realizou negócios tendo por objecto o património imobiliário da insolvente, transferindo a respectiva titularidade para terceiros sem entrada de dinheiro, sendo que, em vez do recebimento do dinheiro correspondente ao preço, acordou com os compradores uma compensação de saldos credores, em relação à devedora, da titularidade dos compradores ou de terceiros com eles relacionado.

Ao adoptar tais procedimentos, a devedora impediu o pagamento, pelo produto das vendas, das dívidas aos demais credores da devedora, sendo certo que a dívida de IMI beneficia de privilégio imobiliário especial que prefere à hipoteca nos termos dos art. 744º, 734º, 735º, nº 3, 751º do CC (vide art. 122º do CIMI).

Tais condutas consubstanciam disposição de bens em proveito de terceiros nos termos da alinea d) do nº 2 do art. 186º do CIRE, bem como uso de bens da devedora contrário aos interesses desta, em proveito pessoal ou de terceiros, designadamente para favorecer outra empresa na qual tenha um interesse directo ou indirecto nos termos da alinea f) do nº 2 do art. 186º do CIRE.

(…)

É incontroversa a ligação da requerida à Construções M (…) & Filhos SA, cuja administradora única era simultaneamente a gerente da ora devedora, a qual, nessa dupla qualidade, interveio na escritura de compra e venda celebrada com essa sociedade (sem que o preço tenha dado entrada em caixa), sendo certo que em relação aos restantes compradores também não foi recebido o dinheiro correspondente ao preço, tendo sido efectuada uma compensação de saldos credores da titularidade dos compradores e, até, de terceiros com eles relacionados.

(…)

Vejamos agora se estão verificadas as hipóteses das alíneas a) …. do nº 3 do art. 186º do CIRE.

A declaração de insolvência deve ser requerida dentro dos 60 dias seguintes à data do conhecimento da situação de insolvência, tal como descrita no n.º 1 do artigo 3.º, ou à data em que devesse conhecê-la (art.º 18º, nº 1 do CIRE).

Ora, considerando que a devedora procedeu ao despedimento ilícito dos seus trabalhadores em Janeiro de 2010, tendo deixado de lhes pagar os respectivos vencimentos em Dezembro de 2009, e tendo em conta que insolvência foi decretada por sentença proferida em 29-06-2010 na sequência do pedido formulado por 9 trabalhadores, despedidos em finais de Janeiro de 2010, cuja petição inicial foi remetida a juízo em 14-05-2010, é manifesto que a devedora tinha (ou deveria ter) conhecimento, pelo menos em Janeiro de 2010, da situação de insolvência em que se encontrava.

Na verdade, ao despedir ilicitamente os seus trabalhadores, cujos vencimentos já haviam deixado de pagar, a devedora não podia ignorar que não tinha já, à data dos respectivos despedimentos, condições objectivas para assumir os respectivos compromissos e cumprir as suas obrigações, chegando, por isso, a "livrar-se" dos seus trabalhadores e do encargo por eles representado.

Nenhum dos factos apurados é susceptível de afastar a culpa da sócio-gerente da insolvente, pois que não resulta da factualidade que a falta de apresentação à insolvência e a própria situação de insolvência, que naturalmente se agravou com a perda da força de trabalho daqueles trabalhadores ilicitamente despedidos e com a obrigação de pagamento das indemnizações que desses despedimentos ilícitos advieram, se tenham ficado a dever a factos externos, alheios à vontade do requerido” – fim de transcrição.

Consideramos ser de acolher o discurso jurídico-argumentativo exposto na sentença recorrida, e que transcrevemos, relativamente à caracterização do citado art. 186º do CIRE.

Efectivamente decorre do texto legal (art. 186º, nº 1) que para a qualificação da insolvência como culposa importa que tenha havido uma conduta do devedor, ou dos seus administradores, de facto ou de direito, que: a) tenha criado ou agravado a situação de insolvência; b) essa conduta seja dolosa ou com culpa grave; c) tenha ocorrido nos três anos anteriores ao início do processo. Bem como resulta do teor do nº 1 da referida norma, que para que a insolvência seja qualificada como culposa mostra-se necessário que tal actuação (ou omissão) tida como dolosa ou com culpa grave do devedor seja causal na criação ou no agravamento da situação de insolvência.

Além disso, o nº 2 do mesmo artigo elenca diversas situações concretas em que a insolvência há-de ser sempre - iuris et de iure - considerada culposa, considerando-se, também, sempre que existe o referido nexo de causalidade, enquanto no nº 3 do mencionado normativo legal se estabelece uma presunção de culpa, presunção esta juris tantum, podendo, pois, ser elidida por prova em contrário, não dispensando, todavia, o aludido nexo de causalidade.

Esta é a interpretação da lei que temos levado a cabo (foi a que expusemos e seguimos no acórdão proferido no Proc. 407/09.8TBCNT, datado de 7.2.2012, em que o relator e 2º adjunto são os actuais relator e 1º adjunto) e que é largamente seguida pela maioria da jurisprudência, assim divergindo da posição defendida pela recorrente na conclusão g) do seu recurso (acima indicada).

Vejamos, agora, a aplicação concreta de tal normativo que a sentença recorrida levou a cabo, ou seja a subsunção dos factos apurados às disposições especificamente estabelecidas nos apontados nº 1, 2 e 3 do falado art. 186º.

A lei reza, no mencionado nº 2, que “Considera-se sempre culposa a insolvência do devedor que não seja uma pessoa singular quando os seus administradores, de direito ou de facto, tenham:

d) Disposto dos bens do devedor em proveito pessoal ou de terceiros;”.

Ponderando casuisticamente e dissecando cada uma das alíneas em discussão no presente recurso – d) e f) do nº 2 e a) do nº 3 - entendemos que se chega às seguintes conclusões.

Respeitantemente à d), do nº 2, acompanhamos a fundamentação de direito da sentença recorrida, visto que resulta conjugadamente dos factos provados 11., 14. 15., 16., 17., 20. 21., 22., 31., 33. e 35. que a devedora realizou negócios tendo por objecto o seu património imobiliário, com transferência da respectiva titularidade para terceiros, a Construções (…) & Filhos, SA,  sem entrada de dinheiro correspondente ao preço. Firma esta com a qual a insolvente e a recorrente têm uma ligação especial, já que, por um lado, num dos imóveis vendidos se situava a sede da insolvente tendo a ora insolvente sede na morada fiscal daquela SA, enquanto que, por outro lado, a administradora única da mesma SA era simultaneamente a gerente da ora insolvente, a qual, nessa dupla qualidade, interveio na escritura de compra e venda celebrada com aquela sociedade anónima. 

Sendo que, relativamente às vendas das 4 fracções a outros 3 compradores também não houve entrada de dinheiro. Acabando por acordar com pelo menos 2 compradores (a (…)) uma “compensação”, como consta dos factos provados, de saldos credores em relação à devedora, da titularidade não dos compradores mas sim de terceiros (a (…)) com eles relacionados - pelo que, em rigor nem sequer se pode falar em compensação, como decorre dos arts. 847º e 851º do CC.

Tais condutas consubstanciam, por conseguinte, disposição de bens em proveito de terceiros nos termos da d) do nº 2 do art. 186º do CIRE.

Mas não consubstanciam o preenchimento da f) do mesmo nº 2, como sustentado na decisão recorrida, pois o que a lei quer sancionar é o uso de bens da devedora contrário aos interesses desta e em proveito pessoal ou de terceiros, designadamente para favorecer outra empresa na qual tenha um interesse directo ou indirecto, o que o acervo probatório não revela, de modo algum.

No que respeita à a), do nº 3, como se retira da fundamentação da decisão recorrida supra transcrita, concorda-se com a mesma quando conclui que, considerando que a devedora procedeu ao despedimento ilícito dos seus trabalhadores em 31.1.2010, tendo deixado de lhes pagar os respectivos vencimentos, é manifesto que a devedora tinha, ou deveria ter, conhecimento pelo menos desde essa data da situação de insolvência em que se encontrava, situação que, aliás, foi reconhecida na sentença que decretou a insolvência em 29.6.2010, sob requerimento dos trabalhadores apresentado judicialmente em 14.5.2010 – sentença onde ademais se reconheceu como verdadeira a alegação de tais trabalhadores, que além das dívidas a estes a insolvente se encontrava numa situação de incumprimento generalizado aos fornecedores e que tinha pendentes contra si diversas acções executivas e acções de condenação para pagamento de quantia certa. É o que resulta dos factos provados 4. e 5., articulado com o citado art. 3º, nº 1, e 20º, nº 1, a), b), e g), iii), do CIRE, sendo as declarações confessórias de dívidas aos seus trabalhadores (facto provado 29.), emitidas cerca de 2 meses dos despedimentos ilícitos a confirmação da sua impotência para cumprir as suas obrigações, e não o facto genético revelador da data da impossibilidade da devedora de cumprir tais obrigações, como defende a recorrente nas suas alegações.

Deste modo a devedora deveria ter-se apresentado à insolvência o mais tardar até 1.4.2010, o que contudo não fez.     

Ora, como já ficou dito supra a presunção prevista no nº 3 do art. 186º do CIRE, apenas faz presumir a existência de culpa grave em relação à insolvência, mas é, por si só, insuficiente para qualificar a insolvência como culposa, porquanto, face aos requisitos exigidos pelo nº 1 do mesmo artigo, é ainda necessário demonstrar que o incumprimento que a lei presume gravemente culposo foi causa da criação ou de agravamento da situação de insolvência. Haveria pois que demonstrar, através dos factos provados, que esse incumprimento presumido de gravemente culposo foi causal da situação de insolvência, criando-a ou agravando-a.

E sobre esta causalidade e agravamento da situação de insolvência, além da devedora ter ficado sem a força de trabalho dos referidos trabalhadores e ficar com a obrigação de pagamento das respectivas indemnizações, pelo despedimento ilícito, os factos provados 17., 31., 33. e 35., revelam, ainda, que no ínterim, em Março de 2010, já em situação de insolvência, a devedora ainda foi vender 4 imóveis sem que de tais vendas tenha resultado a entrada de dinheiro a seu favor. O que quer dizer que fez diminuir o seu património sem retorno da necessária liquidez, assim impedindo o pagamento, pelo produto das vendas, das dívidas aos demais credores (vide factos provados 13. e 19.). Ficou, por isso, provado tal nexo de causalidade entre a não apresentação da devedora à falência e o agravamento de tal situação, pelo que considera como verificado o preenchimento de tal alínea.

Improcede, assim, o recurso nesta parte.

6. Diz a apelante que o disposto no art. 189º, nº 2, do CIRE não é taxativo, pelo que a recorrente deve ser poupada às consequências nele previstas.

Dispõe o art. 189º, nº 2 do CIRE (redacção anterior à Lei 16/12, de 20.4, não aplicável ao caso dos autos) que “Na sentença que qualifique a insolvência como culposa, o juiz deve:

a) identificar as pessoas afectadas pela qualificação;

(…)

c) declarar essas pessoas inibidas para o exercício do comércio durante um período de 2 a 10 anos, bem como para a ocupação de qualquer cargo de titular de órgão de sociedade comercial ou civil, associação ou fundação privada de actividade económica, empresa pública ou cooperativa,

d) determinar a perda de quaisquer créditos sobre a insolvência ou sobre a massa insolvente detidos pelas pessoas afectadas pela qualificação e a sua condenação na restituição dos bens ou direitos já recebidos em pagamento desses créditos”.

Foi o que a sentença recorrida dispôs, como se pode ver do seguinte passo “Cumpre para além disso declarar essa pessoa inibida para o exercício do comércio durante um período de 2 a 10 anos, bem como para a ocupação de qualquer cargo de titular de órgão de sociedade comercial ou civil, associação ou fundação privada de actividade económica, empresa pública ou cooperativa (alínea c).

Na fixação do período dessa inibição, o juiz deve atender à gravidade do comportamento das pessoas atingidas e à sua relevância na verificação ou agravamento da situação de insolvência.

No caso vertente, ponderando tais critérios, bem como a gravidade das circunstâncias apuradas que conduziram ao agravamento da situação de insolvência, entendo justo e adequado fixar em cinco anos o período de inibição.

Por força do atrás exposto, M (…) perde quaisquer créditos sobre a insolvência ou sobre a massa insolvente de que seja titular, sendo ainda condenada na restituição dos bens ou direitos já recebidos em pagamento desses créditos (alínea d)”.

O elemento literal – deve – da referida disposição legal é tão claro que não deixa qualquer dúvida que é de aplicação obrigatória, resultando directamente da lei, cabendo apenas ao juiz decretar os seus efeitos, pelo que a sentença sob recurso cumpriu estritamente a lei, não se alcançando como a apelante defende aquela sua posição, nem, aliás, a recorrente chega a dar qualquer justificação jurídica aceitável para o seu entendimento (vide L. Carvalho Fernandes e J. Labareda, ob. cit., 2ª Ed., 2008, nota 6. ao referido artigo, pág. 624).

Improcede esta parte do recurso.

7. Deve a sentença ser reformada quanto a custas, devendo as mesmas ficar a cargo da insolvente na sua totalidade.

Dispõe o art. 304º do CIRE que as custas do processo de insolvência são encargo da massa insolvente se a insolvência tiver sido decretada por decisão transitada em julgado. Foi o que aconteceu no nosso caso. Por sua vez o art. 303º do mesmo diploma esclarece, para efeitos de tributação, o que abrange o processo de insolvência, concretizando que é o processo principal mais, entre variadíssimos outros, o incidente de qualificação da insolvência.

Da articulação entre estas duas disposições legais específicas do processo de insolvência, como duas premissas, resulta, como silogismo, que as custas de tal incidente continuam a caber, em regra, à massa insolvente, salvo disposição especial que determinasse diferentemente, o que no caso não se verifica. Não se justificando, portanto, a aplicação da regra da causalidade, estabelecida no art. 446º do CPC para a generalidade das situações processuais.

Por conseguinte, a recorrente tem razão neste aspecto, importando, assim, revogar a decisão recorrida, nesta parte, ficando as custas do incidente de qualificação da insolvência, na totalidade, a cargo da insolvente.  

8. Sumariando (art. 713º, nº 7, do CPC):

i) Por força da remissão do art. 188º, nº 7, do CIRE (redacção anterior à Lei 16/12, de 20.4,) para o art. 134º, nº 1, e deste para o art. 25º, nº 2, do mesmo diploma, o momento processual próprio para o oferecimento de todos os meios de prova e requerimento de gravação da audiência final pelo oponente ao incidente de qualificação da insolvência é o da apresentação da oposição, e não em momento posterior, visto que a lei afastou a aplicação do art. 512º, nº 1, do CPC, em tal incidente, como decorre do art. 136º, nº 3, ex vi do citado art. 188º, nº 7, do CIRE;

ii) A eventual falta de motivação da resposta a determinado ponto factual é susceptível de gerar vício da decisão da matéria de facto, mas não qualquer vício da sentença, designadamente da referida na b), do nº 1, do art. 668º do CPC – omissão de fundamentação – que respeita à estrutura da mesma;

iii) A Relação não pode alterar a resposta a certo ponto da matéria de facto, nos termos do art. 712º, nº 1, a), do CPC, se não tiver sido transcrito o depoimento das testemunhas ou se não tiver havido gravação da prova e o juiz tiver fundamentado a sua convicção nos depoimentos prestados oralmente, ou nestes e em documentos particulares de livre apreciação;

iv) Tendo sido produzida prova testemunhal em julgamento, não reduzida a escrito nem gravada, e o juiz tiver fundamentado a sua convicção da resposta a certo ponto da matéria de facto nos depoimentos prestados oralmente, não pode a mesma ser alterada, ao abrigo do art. 712º, nº 1, b), do CPC, se os documentos particulares, existentes nos autos, em que o recorrente baseia a sua impugnação factual não conseguirem impor decisão diversa, por destituídos de força probatória material plena;

v) As presunções judiciais são (nos termos do art. 349º do CC) ilações que o julgador tira de um facto conhecido para afirmar um facto desconhecido, constituindo um mecanismo valorativo de outros meios de prova e que (com a condicionante legal constante do art. 351º do CC) podem servir para suprir lacunas de conhecimento ou de informação;

vi) Assentando as mesmas no raciocínio de quem julga, e inspirando-se nas máximas da experiência, nos juízos correntes de probabilidade nos princípios da lógica ou nos próprios dados da intuição humana, pode o julgador de facto fazer uso de tais presunções para firmar determinada factualidade;

vii) Para efeito de qualificação da insolvência como culposa o nº 2 do artigo 186º do CIRE elenca diversas situações concretas em que a insolvência há-de sempre ser considerada como culposa, instituindo a lei consequentemente uma presunção iuris et de iure, quer da existência de culpa grave, quer do nexo de causalidade desse comportamento para a criação ou agravamento da situação de insolvência;

viii) Ao invés, o nº 3 do mencionado normativo legal estabelece apenas uma presunção de culpa grave, presunção juris tantum que pode ser elidida por prova em contrário, pelo que, mesmo que tal presunção se verifique, se exige ainda, para a qualificação da insolvência como culposa, que se demonstre que tenha sido a actuação/omissão do devedor a causar ou agravar tal situação de insolvência, nos termos do nº 1 do citado art. 186º;

ix) As consequências legais advindas da qualificação da insolvência como culposa são as previstas no art. 189º, nº 2, do CIRE, e são taxativas e de aplicação obrigatória;

x) Da articulação entre as disposições legais específicas do art. 304º do CIRE, que dispõe que as custas do processo de insolvência são encargo da massa insolvente se a insolvência tiver sido decretada por decisão transitada em julgado, e do art. 303º do mesmo diploma, que esclarece, para efeitos de tributação, o que abrange o processo de insolvência, concretizando que é o processo principal mais, entre outros, o incidente de qualificação da insolvência, resulta que as custas de tal incidente continuam a caber, em regra, à massa insolvente, não se justificando, portanto, a aplicação da regra da causalidade, estabelecida no art. 446º do CPC para a generalidade das situações processuais.

IV – Decisão

Pelo exposto, julga-se procedente, parcialmente, o recurso, revogando-se a decisão recorrida na parte referente a custas, que são da total responsabilidade da massa insolvente, no demais se confirmando a mesma decisão recorrida.

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Custas pela recorrente na proporção de 5/6.

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Moreira do Carmo ( Relator )

Alberto Ruço

Fernando Monteiro