Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1727/09.7PBVIS.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ISABEL VALONGO
Descritores: OBRIGAÇÃO ALIMENTAR
VIOLAÇÃO
Data do Acordão: 07/03/2013
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: 1.º JUÍZO DO TRIBUNAL JUDICIAL DE VISEU
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: PARCIALMENTE CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGO 250.º DO CP
Sumário: Relativamente à obrigação de alimentos aos filhos, quando existe mais de um co-obrigado, se um dos progenitores não cumpre a sua parte e o outro, em consequência disso, cumpre de forma mais onerosa, isto é, com maiores encargos devido ao incumprimento daquele, nesta parte [da maior onerosidade da prestação], o pai cumpridor é terceiro para efeitos de preenchimento do tipo do artigo 250.º, n.º 3, do CP, na redacção da Lei n.º 61/2008, de 31 de Outubro.
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra


I. RELATÓRIO

No 1º Juízo do Tribunal Judicial de Viseu, foi submetido a julgamento em processo comum, com intervenção do tribunal singular, o arguido A..., divorciado, nascido a 22 de Dezembro de 1972, natural da freguesia de (... ), concelho de Seia, filho de (... ) e de (... ), comerciante, residente (... ), Seia, a quem era imputada a prática, de um (1) crime de violação de obrigação de alimentos, previsto e punido pelo artigo 250.º/3[1] do Código Penal.  

Por sentença de 2013-01-08, foi o arguido condenado como autor material de um crime de violação da obrigação de alimentos, previsto e punido pelo artigo 250.º/3 do Código Penal, na pena de 1 (um) ano de prisão, cuja execução foi suspensa pelo período de um ano, com a condição do pagamento à queixosa da quantia relativa aos alimentos em dívida à sua filha menor, no montante global de € 6.807,32 (seis mil, oitocentos e sete euros e trinta e dois cêntimos), pagamento que deverá mostrar-se cumprido no prazo de três (3) meses.


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            Inconformado com a sentença dela recorre o arguido, formulando no termo da respectiva motivação as conclusões que se transcrevem:

            “ (…).

 I. Os factos constantes dos pontos 4, 6, 13 e 15 foram indevidamente dados como provados, porquanto, da audiência de discussão e julgamento e demais elementos constantes dos autos a prova produzida é contrária à matéria de facto dada como provada

II. Quanto ao ponto 4, da prova produzida resulta que a mãe da menor, pese embora com dificuldades, tem condições para prover ao sustento da menor.   III. Existe, pois, erro de julgamento quanto à matéria de facto provada, porquanto o Tribunal devia ter dado como não provado, e deu, os factos acima identificados.  IV. Quanto aos pontos 6 e 15, referentes às condições económicas do arguido, e contrariamente ao constante da sentença recorrida, não resultou provado que o arguido aufira o salário  mínimo  nacional,  nem  que  disponha  de  rendimentos  que  gasta  em  proveito próprio, optando  por não efectuar o pagamento da prestação de alimentos.  V.  De  facto,  quanto  a  este  ponto  releva  o  depoimento  do  arguido,  que afirmou explorar um restaurante há 3 meses, do qual retira rendimentos que lhe permitem, apenas, fazer face às despesas.  VI. Dir-se-á, ainda, que na falta de prova quanto aos rendimentos, tal falta terá  de  ser  valorada  em  favor do arguido,  nos  termos  impostos  pelo princípio  in  dubio  pro  reo, concluindo-se que o arguido  não  aufere rendimentos para o seu próprio sustento.  VII. Ao  não  aplicar  tal  princípio  violou  o  Tribunal  a  quo  o  art.  32º  nº  2  da C.R.P.  VIII. Consta ainda da matéria de facto provada, sob o ponto  13  que  “o arguido sempre trabalhou por conta de outrem desde Abril de 2008”.  IX.   Ao dar como provado tal facto, apontando a prova em sentido diverso,  porquanto consta dos documentos juntos a fls. 223-228 pela Segurança Social  que  no  período  entre  Abril  de  2008  e  Junho  de  2012  o  arguido  trabalhou  apenas  19  meses,  incorreu  novamente  o  Tribunal  a  quo  em erro  de  julgamento  pois  que  não  deveria  ter  dado  como  provado  tal facto.   X. Tais pontos deverão, pois, ser eliminados da matéria de facto, por não serem coincidentes com a prova produzida em audiência de discussão e julgamento.   XI. Atenta a  prova  produzida  o  Tribunal  a  quo  deveria  ter  dado  como provado,  e  não  deu,  que  “a)  desde  Abril  de  2008  o  arguido  apenas  trabalhou 19 meses interpolados”.   XII. E ainda que  “b)  a  menor C...  é   presenteada,  frequentemente,  com  roupa  e  calçado  pelos  familiares  do  arguido”,  facto que resulta do depoimento do arguido e da testemunha B....   XIII. A alteração à matéria de facto  provada ora  propugnada, com  exclusão dos pontos 4, 6, 13 e 15, e com a adenda das alíneas a) e b) ínsitas  nas  conclusões  X  e  XI  impunha  uma  alteração  quanto  à  decisão de Direito, o que se requer.   XIV. De facto, não possuindo o arguido rendimentos, vivendo à custa dos pais sem meios próprios de subsistência, estava o arguido totalmente impossibilitado de pagar a pensão de alimentos.   XV. Razão pela qual não está preenchido o tipo objectivo de ilícito, por não estar em condições de o prestar, o que impunha a absolvição do arguido.   XVI. Não tendo assim decidido, violou o Tribunal a quo o art. 250º nº 3 do Código Penal.  XVII.  Termos em  que  deve  a  decisão  proferida  pelo  Tribunal a  quo ser revogada e substituída por outra que absolva o arguido do crime de violação da obrigação de alimentos por que vinha acusado. Por mera cautela:  XVIII.  Caso se entenda estar verificado o tipo objectivo de crime, sempre se dirá que o arguido não procedeu com o cuidado que lhe era exigido, não chegando a  representar  a  possibilidade  de  existência  de  perigo  da satisfação das necessidades da menor, o que integra o conceito de   negligência ínsito no art. 15º do Código Penal.  XIX. Não  sendo o crime em  referência  punido  a  título  de  negligência,  impunha-se a absolvição do arguido.  XX.  Decidindo em sentido diverso, violou o Tribunal a quo os arts. 13º, 15 e  250º nº 3 do Código Penal.  XXI.   Caso assim se não entenda, sempre se dirá que andou mal o Tribunal a  quo  na  escolha  da  pena  e  ainda  na  determinação  da  sua  medida, aplicando de forma imprecisa o disposto nos arts. 70º e 71º do Código Penal. XXII. Tratando-se de crime punido,  em  alternativa,  em  pena  de  prisão  e pena de multa, e dando o critério de escolha da pena, ínsito no art. 70º  do C.P, primazia à pena não privativa da liberdade sempre que esta realize de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, mal  andou  o  Tribunal  a  quo  ao  condenar  o  arguido  na  pena  de  1  ano  de  prisão, assim violando o disposto no art. 70º do C.P.   XXIII. Deve, assim,  ser  concedido  provimento  ao  recurso,  aplicando-se  ao arguido uma pena de multa, que se deverá situar próxima do limite  mínimo legal.  XXIV. Mal andou também o Tribunal a quo ao suspender a pena de prisão sua  execução  pelo  período  de  1  ano,  sob  condição  de  o  arguido  pagar a quantia em dívida (6.807,32€) no prazo de 3 meses.   XXV. Tal condição torna a suspensão da execução da pena de prisão numa mera ficção, atenta a impossibilidade de pagamento por quem, como o arguido, não tem rendimentos.  XXVI.  Deverá pois, caso se mantenha a condenação em pena de prisão, ser diluída no tempo a obrigação de pagar a quantia devida, em termos razoáveis para o arguido, nos termos do art. 51º do C.P.   XXVII. No que se refere à medida da pena concretamente aplicada (1 ano de prisão suspensa na sua execução pelo período de 1 ano, sob condição da quantia em dívida no  prazo de 3 meses), afigura-se-nos ser a mesma excessiva, desadequada  e   desproporcional,  violando o  Tribunal a quo os arts. 40º do C.P., 18º nº 2 da C.R.P. Termos em que deve o recurso ser julgado procedente e consequentemente:  a)  Ser  o  arguido  absolvido,  atento  o  não  preenchimento  do  tipo objectivo do crime por que vinha acusado;  b)  Se assim  não se entender, deve o arguido ser condenado  em pena de multa, nos termos do art. 70º do C.P.  c)   Caso  se  entenda,  o  que  apenas  por  mera hipótese de  raciocínio se admite, que deve ser mantida a condenação  do arguido em pena de prisão, deve este Tribunal reduzir  pena aplicada pelo Tribunal a quo, a qual será justa se se aproximar   do   seu   limite   mínimo,   devendo   ainda   ser  diluída  no  tempo  a  obrigação  de  pagar  a  quantia  em dívida  a  título  de  alimentos  para  um  prazo  razoável,  atenta a débil situação económica do arguido.    Assim se fará JUSTIÇA!  (…)”.


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            Respondeu ao recurso o Digno Procurador da República formulando no termo da respectiva contra motivação a conclusão que se transcreve:

            “Ressalvada a parte que se refere ao facto provado nº 15 «Declara auferir o S.M.N.», que terá ficado a constar por mero lapso certamente decorrente da utilização dos meios informáticos e que, portanto, deverá ser eliminado, no mais, deve o recurso ser julgado improcedente.”


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            Na vista a que se refere o art. 416º, nº 1 do C. Processo Penal, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no qual conclui pelo não provimento do recurso.

Foi cumprido o art. 417º, nº 2 do C. Processo Penal.

Colhidos os vistos e realizada a conferência, cumpre decidir.


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II. FUNDAMENTAÇÃO

            Dispõe o art. 412º, nº 1 do C. Processo Penal que a motivação enuncia especificamente os fundamentos do recurso e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do pedido.

            Por isso é entendimento unânime que as conclusões da motivação constituem o limite do objecto do recurso, delas se devendo extrair as questões a decidir em cada caso (cfr. Prof. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Vol. III, 2ª Ed., 335, Cons. Simas Santos e Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 6ª Ed., 2007, 103, e Acs. do STJ de 24/03/1999, CJ, S, VII, I, 247 e de 17/09/1997, CJ, S, V, III, 173).

            Assim, atentas as conclusões formuladas pelo arguido, as questões a decidir, sem prejuízo das de conhecimento oficioso, são:

- O erro de julgamento por errónea apreciação da prova;

- Do princípio in dúbio pro reo;

- O preenchimento do tipo do art. 250º, nº 3, do C. Penal;

- Escolha e medida concreta da pena;

- Prazo para cumprimento das condições de suspensão da pena.


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            Para a resolução destas questões importa ter presente o que de relevante consta da decisão objecto do recurso. Assim:

           

A) Na sentença foram considerados provados os seguintes factos (transcrição):

            “ (…).

1) Por acordo homologado no âmbito do Processo de Regulação do Poder Paternal n.º 2565/08.0TBVIS, do 2.º Juízo Cível deste Tribunal, o arguido obrigou-se a prestar alimentos à sua filha menor, C..., no montante mensal de € 75, quantia que, mais tarde, pelo incumprimento do arguido foi fixada em € 86, durante o ano de 2009, a que acresceria a quantia inicialmente acordada;

2) Esse acordo tornou-se definitivo e válido, assim como a condenação posterior que impunha o pagamento das prestações atrasadas e não pagas;

3) O arguido, no entanto, não pagou qualquer mensalidade referente aos ditos alimentos, pelo menos até 27 de Maio de 2010 (data das últimas declarações da mãe da menor), nem posteriormente, conforme resulta destes autos, aos quais não foi dada notícia desse facto;

4) O arguido tem perfeita consciência que a mãe da sua filha não tem rendimentos que lhe permita, só por si, satisfazer as necessidades básicas da menor, dado que o montante de encargos que suporta, nomeadamente com a alimentação, vestuário, bem como nos demais bens essenciais à pessoa, vendo-se obrigada a recorrer a pessoas amigas e a familiares para superar as suas dificuldades financeiras, advindas da necessidade de alimentar a menor;

5) O arguido sabe que está legalmente (para além do acordo homologatório) obrigado a prestar alimentos à filha, além de bem conhecer aquele acordo que lhe impõe a mensalidade referida;

6) Apesar disso e de dispor de rendimentos que gasta em proveito exclusivo, não contribui com tal obrigação;

7) Vem agindo o arguido livre, voluntária e conscientemente, sabendo também que a sua conduta é proibida e punida pela lei penal;

8) Até à data o arguido apenas pagou, em cumprimento daquela decisão judicial, a quantia de € 75, a título de prestação de alimentos à sua filha menor;

9) Por despacho transitado em julgado, proferido no processo supra referido, datado de 23-01-2009, decidiu-se que a essa data se encontrava em dívida o montante global de € 3.746,10, sendo que a prestação mensal devida a partir de Janeiro de 2009 foi fixada em € 83,75;

10) Assim, até 31-01-2012 (já que a partir de 01-02-2012 o Fundo de Garantia dos Alimentos Devidos a Menores vem suportando a pensão em dívida), encontra-se em dívida a título de alimentos devidos à menor por parte do arguido, o montante total de € 6.807,32 (seis mil, oitocentos e sete euros e trinta e dois cêntimos);

11) Por despacho transitado em julgado, proferido no processo supra referido, datado de 13-01-2012, face à impossibilidade de cobrança coerciva dos montantes em dívida (global e mensal devido), foi determinado que os alimentos devidos à menor passassem a ser pagos pelo Fundo de Garantia dos Alimentos Devidos a Menores, sendo o montante mensal a suportar pelo Fundo no montante de € 87,97;

12) O Fundo de Garantia dos Alimentos Devidos a Menores iniciou o pagamento daquela prestação alimentícia – no montante mensal de € 87,97 – no dia 21-04-2012, com referência a 01-02-2012;

13) O arguido sempre trabalhou por conta de outrem desde Abril de 2008;

14) Desde Julho/Agosto de 2012 que explora em nome individual o restaurante “Os Amigos”, em Seia, tendo ao seu serviço 2 empregados, aos quais paga o S.M.N.;

15)  Declara auferir o S.M.N.;

16) Vive com os pais;

17) O arguido é primário;

18) A queixosa – mãe da menor – encontra-se actualmente desempregada desde Agosto de 2012, altura em que, por iniciativa da sua entidade patronal e após “baixa” por doença, acordaram na cessação do contrato de trabalho, o que aceitou para poder acompanhar a sua filha, que sofre de problemas de saúde (dislexia congénita grave e problemas de audição no ouvido esquerdo), que é acompanhada no Hospital;

19) Trabalhou durante 8 anos e ½ no “AKI”, onde auferia mensalmente o salário de € 555, acrescido de subsídios e prémios;

20) Com o dinheiro que recebeu de indemnização do “AKI”, no montante de cerca de € 3.000, tem pago as suas despesas, tem de pagar a prestação da casa, no montante mensal de € 333;

21) Recebeu do Fundo de Desemprego recebeu, por 2 meses, cerca de € 600, desconhecendo quanto irá receber mensalmente;

22) Vive com um companheiro, camionista, há cerca de 5 anos, uma sua filha de 4 anos, a sua filha e do arguido (cujos alimentos aqui estão em causa);

23) Faz algumas horas – neste momento 12 horas por semana – em limpezas, a fim de poder acompanhar a sua filha nas idas ao hospital e assisti-la nos estudos;

24) Tem ajudas da “Caritas” e da Junta de Freguesia, onde se dirige quando precisa;

25) Os livros da menor são comparticipados pela escola, porque pertence ao escalão 1;

26) A filha nunca recebeu ajuda em dinheiro da família do arguido;

27) É vestida com roupa de uma prima mais velha, que lha vai dando;

28) Chegou a ter 3 empregos, a fim de poder sustentar a casa e a filha;

 (…)”.

B) E dela consta a seguinte fundamentação de facto (transcrição):

“ (…).

A convicção do Tribunal para considerar provados os factos acima referidos resultou:

a) Do teor da certidão junta a fls. 142-220, extraída autos de Processo de Incumprimento do Poder Paternal n.º 2565/08.0TBVIS, do 2.º Juízo Cível deste Tribunal, cuja genuinidade e fidedignidade não foi posta em causa;

b) Do teor dos documentos e informações juntos a fls. 63-63 vs.º, 158, 170, 178, 185, referentes a vários estabelecimentos de restauração onde o arguido trabalhou e de onde se despediu, comprovativos de que o arguido sempre trabalhou e exerceu actividade remunerada, tendo ainda direito a alimentação gratuita, como expressamente admitiu em audiência de julgamento, documentos cuja genuinidade e fidedignidade não foi posta em causa;

c) Do teor da certidão junta a fls. 223-228, solicitada à Segurança Social, da qual constam as entidades patronais e respectivas remunerações auferidas pelo arguido, no período compreendido entre Abril de 2008 a Maio de 2012, da qual decorre que o arguido, em tal período, sempre trabalhou e exerceu actividade remunerada, tendo ainda direito a alimentação gratuita, como expressamente admitiu em audiência de julgamento, documento cuja genuinidade e fidedignidade não foi posta em causa;

d) Do teor do ofício da Segurança Social, junto a fls. 247, o qual informa que o Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores iniciou o pagamento da prestação de alimentos à menor C... em Abril de 2012, com referência a Fevereiro de 2012, através de transferência bancária, o que já resultava da certidão supra referida em a), documento cuja genuinidade e fidedignidade não foi posta em causa;

e) Das declarações do arguido, o qual acabou por admitir, confrontado com os documentos juntos aos autos, que ao contrário do que inicialmente declarou – que não havia pago porque não podia em virtude de estar desempregado durante o período do incumprimento e que actualmente o não pode fazer pois que “anda a trabalhar para os empregados” – sempre trabalhou e sempre teve alimentação gratuita, em virtude de trabalhar na restauração, mais referindo ter tido problemas de consumo abusivo de álcool e de drogas. Das declarações prestadas não resultou nenhum tipo de arrependimento ou auto-censura da sua conduta omissiva para com a sua própria filha menor;

f) Do depoimento da testemunha B..., mãe da menor C..., também filha do arguido, que foi prestado nos exactos termos dados como provados, de forma sentida sofrida, cujo depoimento foi prestado com conhecimento directo dos factos, de forma clara, isenta, convicta e desapaixonada, depoimento suportado pelos vários elementos documentais juntos aos autos e aqui referidos na fundamentação;

g) Do documento de fls. 174, cuja genuinidade e fidedignidade não foi posta em causa;

h) Do documento junto a fls. 229-244, remetido pelo Centro Hospitalar de Lisboa Ocidental, EPE, ficha clínica do arguido, referente a internamento ocorrido em 28-08-2005, devido a queda no trabalho, cuja genuinidade e fidedignidade não foi posta em causa;

Do teor do Certificado de Registo Criminal do arguido, junto a fls. 107, cuja genuinidade e fidedignidade não foi posta em causa.

  (…)”.

C - Sobre a medida da pena, consta da sentença:

4. Medida da pena:

O crime cometido pelo arguido é punível com pena de prisão até 2 anos ou com pena de multa até 240 dias (artigo 250.º/3 do Código Penal). Ou seja, com pena de prisão entre 1 mês (cfr. artigo 41.º/1 do Código Penal) e 2 anos ou com pena de multa entre 10 (artigo 47.º/1 do Código Penal) e 240 dias.

Na determinação da medida concreta da pena observar-se-á o disposto nos artigos 29.º e 30.º da Constituição e 40.º/2, 70.º, 71.º, 72.º e 73.º do Código Penal.

No caso em apreço, sendo aplicável ao tipo legal de crime abstractamente punível a pena de prisão ou a pena de multa, ou seja, prevê-se em alternativa medida privativa e medida privativa da liberdade, entendemos não ser de lançar mão à medida não privativa da liberdade (pena de multa), uma vez que entendemos que no caso em apreço a pena não privativa da liberdade não realiza de forma adequada as finalidades da punição, não obstante o facto de o arguido ser primário, ou seja, não protegerá os bens jurídicos violados (o titular do direito a alimentos face ao perigo de não satisfação das necessidades fundamentais – que nunca cumpriu, desde 2005 até à presente data – e, indirectamente a protecção da comunidade (em especial as instituições de segurança social) da necessidade de colocar à disposição do alimentado os meios que o obrigado a alimentos teria, por força da lei, de cumprir), bem como a reintegração do agente na sociedade (artigo 40.º/1 do Código Penal), sem esquecer as particulares exigências e as necessidades de prevenção geral deste tipo legal de crime, fazendo sentir à sociedade a reprovação deste tipo de condutas, bem como de prevenção especial, fazendo sentir ao arguido o desvalor e condenação ético-social e jurídica da sua conduta omissiva, que incumpriu porque o quis, o que mantém até à data, ou seja, num longo período temporal, não podendo tal conduta ser agora premiada com uma simples pena de multa. Face ao exposto entendemos ser de aplicar ao arguido a pena privativa da liberdade – pena de prisão[2].

A determinação da medida da pena dentro dos limites aplicáveis far-se-á em função da culpa do agente e das exigências de prevenção – geral e especial –, nos termos do disposto no artigo 70.º/1 do Código Penal.

Atentar-se-á a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele, designadamente o elevadíssimo grau de ilicitude do facto (não prestação de alimentos desde 2005 até à data. o que denota uma personalidade desconforme às normas legais, sociais e familiares, impondo-se colocar um travão nessa conduta), o modo de execução do crime (omitindo o cumprimento de obrigação legal e judicialmente determinada) [artigo 71.º/2, a) do Código Penal]; o dolo directo (manifestado na sua conduta violadora da lei, cuja proibição o arguido bem conhecida) [artigo 71.º/2, b) do Código Penal]; as condições pessoais do arguido e a sua situação económica (proventos e encargos do mesmo) [artigo 71.º/2, d) do Código Penal], o facto de o arguido ser primário, entendemos ser de aplicar ao arguido uma pena de prisão que fixaremos pelo seu limite médio, ou seja, em 1 (um) ano, sendo certo que tal pena não ultrapassa a culpa do arguido (artigo 40.º/2 do Código Penal), culpa essa de grau e intensidade muitíssimo elevado.

***

Sucede que, na situação ajuizada a pena de prisão não se revela, do ponto de vista da prevenção especial de socialização, necessária, sendo certo que as exigências de prevenção geral, enquanto conteúdo mínimo de prevenção de integração indispensável à defesa do ordenamento jurídico, não constituem obstáculo a aplicação de uma pena de substituição.

A este propósito escreve Figueiredo Dias que “desde que impostas ou aconselhadas à luz das exigências de socialização, a pena alternativa ou pena de substituição só não serão aplicadas se a execução da pena de prisão se mostrar indispensável para não sejam postas irremediavelmente em causa a necessária tutela dos bens jurídicos e estabilização contrafáctica das expectativas comunitárias”[3].

A execução das penas de prisão a impor ao arguido será suspensa, nos termos do disposto no artigo 50.º/1 do Código Penal, já que a pena concreta não é superior a cinco anos. Efectivamente tendo-se em conta a sua conduta anterior e posterior ao facto e às circunstâncias deste, à idade do arguido (jovem), não terem tido contacto com o sistema prisional, e entendermos ter sido este facto um (último) acidente isolado na vida do arguido, que não irá (nem deverá) repetir, não sendo aconselhável o ingresso do arguido no meio prisional, com todos os seus malefícios, dando-se-lhe a oportunidade de cumprir a Lei e o Direito, evitando assim a privação judicial da liberdade do arguido, privando-os do segundo bem fundamental da pessoa humana (logo a seguir ao direito à vida – artigo 24.º da Constituição da República Portuguesa), com assento constitucional (cfr. artigos 17.º, 18.º e 27.º/1 da Constituição da República Portuguesa), enveredando pelo cumprimento das obrigações decorrentes da vida em sociedade, entendemos que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizará de forma adequada e suficiente as finalidades da punição – de protecção dos bens jurídicos violados e a reintegração do agente (cfr. artigo 40.º/1 do Código Penal) –, suspensão a vigorar pelo período de 1 (um) anos (artigo 50.º/5 do Código Penal), período suficientemente longo para que o arguido possa compreender e interiorizar a manifesta gravidade da sua conduta e lembrar o gravíssimo ilícito cometido e para que a sociedade interiorize e se consciencialize de que tais condutas não devem ser cometidas e, sendo-o, serão devidamente punidas.

De acordo com o disposto nos artigos 50.º/2/3/4 e 51.º/1, a)/2 do Código Penal, atenta a natureza do crime cometido – violação da obrigação legal e judicialmente determinada de alimentos à sua própria filha menor, de que apenas pagou uma única prestação – entendemos que a suspensão deverá ficar condicionada ao pagamento pelo arguido à queixosa/ofendida da quantia relativa aos alimentos em dívida à sua filha menor, no montante global de € 6.807,32 (seis mil, oitocentos e sete euros e trinta e dois cêntimos), pagamento que deverá mostrar-se cumprido no prazo de três (3) meses.”

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            Do erro de julgamento por errónea apreciação da prova

            1. Discorda o arguido da decisão proferida sobre a matéria de facto, relativamente aos factos provados nos pontos 4, 6, 13 e 15, tendo indicado no corpo da motivação as concretas passagens em que funda a impugnação.

            A decisão proferida sobre a matéria de facto pode ser modificada pela Relação se a prova tiver sido impugnada nos termos do nº 3 do art. 412º, do C. Processo Penal (art. 431º, b), do mesmo código).

O recurso assim interposto, porém, não pressupõe nem permite a realização de um novo julgamento, em que se aprecia toda a prova que fundamenta a decisão recorrida, como se o efectuado na 1ª instância não tivesse existido.

Ele é apenas um instrumento de correcção dos erros de julgamento e de procedimento apontados, erros que devem ser indicados com precisão pelo sujeito processual que por eles se sente afectado, através da enunciação dos concretos pontos que considera incorrectamente julgados e da indicação precisa das provas concretas que, em seu entender, os demonstram, impondo diferente decisão.

            Esta a razão por que na impugnação ampla da matéria de facto, o nº 3 do art. 412º do C. Processo Penal se impõe ao recorrente que impugne a decisão o ónus de uma tripla especificação: a indicação dos concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados; a indicação das concretas provas que impõem decisão diversa; e a indicação das provas que devem ser renovadas, quando tal pretenda.

No que respeita a estas duas últimas especificações, dispõe o nº 4 do artigo citado que o recorrente deve fazer referência ao consignado na acta da audiência de julgamento, bem como deve indicar concretamente as passagens em que se funda a impugnação pois serão estas as ouvidas e/ou visualizadas pelo tribunal, sem prejuízo de outras que este considere relevantes (nº 6 do mesmo artigo).

Reportando-nos aos autos verifica-se que o arguido deu cumprimento a tais ónus, pois ainda que de forma não modelar mostram-se cumpridas as exigências previstas no art. 412º, nºs 3 e 4, do C. Processo Penal, nada obstando portanto, ao conhecimento do recurso da matéria de facto, nos exactos termos que ficam definidos.

2. Na valoração da prova para alcançar a verdade material o princípio que orienta o tribunal é o da livre apreciação da prova, previsto no art. 127º, do C. Processo Penal, de acordo com o qual, salvo quando a lei dispuser diferentemente, a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção do julgador.

Contudo, a livre convicção do julgador não é, nem pode ser, sinónimo de arbítrio ou decisão irracional. Pelo contrário, exige-se uma apreciação crítica e racional, fundada nas regras da experiência, mas também nas da lógica e da ciência, bem como da percepção da personalidade do depoente e da dúvida inultrapassável que conduz ao princípio in dubio pro reo, de forma a que a valoração da prova resulte de numa convicção do julgador objectivável e motivável, únicas características que lhe permitem impor-se, quer dentro do processo, quer fora dele.

É óbvio que o processo de valoração da prova não corresponde a uma ciência exacta. A convicção alcançada pelo tribunal é o resultado da conjugação dos dados objectivos consubstanciados nos documentos e em outras provas constituídas, com as impressões proporcionadas pela prova por declarações, tendo em conta a forma como esta foi produzida, relevando designadamente, a razão de ciência dos declarantes e depoentes, a sua serenidade e distanciamento ou falta deles, as suas certezas, hesitações e contradições, a sua linguagem e cultura, sinais e comportamento, e a coerência do raciocínio, aqui assumindo determinante importância os princípios da imediação e da oralidade pois são eles que permitem ao julgador detectar as forças e fraquezas da prova por declarações e da prova testemunhal. 

E aqui, o tribunal não está condicionado, nem pela quantidade dos depoimentos, nem pela natureza dos meios de prova, como não tem que atribuir credibilidade ou não, à totalidade de um qualquer depoimento [este pode merecer credibilidade em parte e não o merecer, noutra]. 

O princípio da livre apreciação da prova vigora em todas as instâncias que conhecem de facto. Mas no que respeita à valoração da prova testemunhal [e da prova por declarações], existe uma enorme diferença entre a que é feita na 1ª instância e a que pode ser efectuada pelo tribunal de recurso, com base na audição das passagens concretamente indicadas.

É que a impressão produzida no julgador pela prova testemunhal [e por declarações], que se fundamenta no conhecimento das reacções humanas e análise psicológica que traçam o perfil de cada testemunha, só alcança a sua plenitude através da imediação ou seja, do contacto próximo e directo entre o tribunal e as testemunhas e outros intervenientes processuais. Por isso, quando o julgador da 1ª instância atribui, ou não, credibilidade a uma fonte de prova testemunhal [ou por declarações], porque a opção tomada se funda na oralidade e na imediação, o tribunal de recurso, em princípio, só a deverá censurar quando for feita a demonstração de que a opção tomada carece de razoabilidade, violando as regras da experiência comum.

A plena actuação do princípio da livre apreciação da prova e o seu controlo, pressupõe a indicação na sentença dos meios de prova e o seu exame crítico, pois só desta forma pode ser avaliado o processo lógico e racional que, eventualmente conjugado com as regras da experiência, conduziu o tribunal a uma determinada decisão de facto.

Assim o ponto de partida para sindicar a observância de tal princípio é a fundamentação da decisão de facto, e muito particularmente, os motivos de facto que fundamentam a decisão, entendidos como os elementos que em razão das regras da experiência ou de critérios lógicos constituem o substrato racional que conduziu a que a convicção do tribunal se formasse em determinados sentido ou valorasse de determinada forma os diversos meios de prova apresentados em audiência (Marques Ferreira, Jornadas de Direito Processual Penal/O Novo Código de Processo Penal, 228 e ss.).

Posto isto.

2.1. Insurge-se o recorrente quanto à matéria de facto dada como provada sob os pontos 4, 6, 13 e 15.

2.1.1 No que respeita ao ponto 4alega o recorrente que da prova produzida resulta que «a mãe da menor, pese embora com dificuldades tem condições para prover ao sustento da menor».

É certo que a B... - queixosa e mãe da menor – está desempregada desde Agosto de 2012, (altura em que, por iniciativa da sua entidade patronal e após “baixa” por doença, acordaram na cessação do contrato de trabalho, o que aceitou para poder acompanhar a sua filha, que sofre de problemas de saúde (dislexia congénita grave e problemas de audição no ouvido esquerdo), que é acompanhada no Hospital) tendo trabalhado até então no “AKI” (trabalhou no AKI durante 8 anos e ½,) onde auferia mensalmente o salário de € 555, acrescido de subsídios e prémios.

Dado que resultou provado que até 31-01-2012 (já que a partir de 01-02-2012 o Fundo de Garantia dos Alimentos Devidos a Menores vem suportando a pensão em dívida), se encontra em dívida a título de alimentos devidos à menor por parte do arguido, o montante total de € 6.807,32 (seis mil, oitocentos e sete euros e trinta e dois cêntimos) - facto provado nº 10 - a situação a que se reporta o ponto 4 coincide com o período em que a B... trabalhava no AKI.

Reportando-nos a este período, tendo em conta o montante da prestação mensal paga ao banco pelo empréstimo para aquisição da casa onde reside( facto provado nº 20 montante mensal de € 333), bem andou o tribunal ao considerar provado o ponto 4 realçando-se a expressão “só por si” pois é manifesto que a B..., sem ajuda de terceiros ( aqui incluindo o companheiro e familiares, além da Caritas) não tinha que lhe permitissem, só por si, satisfazer as necessidades básicas da menor. No período subsequente, com as mesmas necessidades e desempregada, sobrevivendo com o subsídio e 12 horas de trabalho doméstico, a situação é pior, mas beneficia da acção do Fundo de Garantia, que fica sub-rogado em todos os direitos dos menores a quem sejam atribuídas prestações, com vista à garantia do respectivo reembolso.

Como salienta o MP na resposta que o próprio recorrente reconhece na motivação do recurso  que a mãe da menor não tem rendimentos que lhe permitam, por si só, satisfazer as necessidades básicas da menor, pois alega que ela tem possibilidades em função das ajudas que lhe são prestadas pela escola, pelo companheiro e pelos familiares do arguido.

Com efeito, consta do texto da motivação (fls. 295): «De facto sempre trabalhou e tem apoios quer da escola, no que respeita a livros escolares (ponto 25 dos factos provados), quer do companheiro com quem reside, o qual exerce a profissão de motorista internacional, quer ainda dos familiares do arguido. Encontra-se actualmente desempregada (a receber subsídio de desemprego), por opção própria, por pretender acompanhar a sua filha em virtude de problemas de saúde de que esta padece».

Da audição das declarações do arguido resulta que este sabia qual o tipo de trabalho que a B... desenvolvia pelo que não ignorava o salário auferido, embora se tenha “escudado” no facto dos seus alegados telefonemas para saber da filha não serem atendidos pela ex mulher. O que suscitou a pergunta “ se a criança podia prover ao seu próprio sustento”. O que revela a ingenuidade da pretensão de convencer o tribunal que ignorava a situação da ex-mulher e da filha.

Por último, uma singela referência à alegada ajuda prestada à mãe para satisfação das necessidades básicas da filha por parte dos familiares do arguido, já que da audição do depoimento da B... resulta somente que em regra era oferecido calçado à menor nas épocas festivas - Aniversário, Páscoa e Natal - sendo que pela avó paterna, mesmo fora de tais épocas e episodicamente davam à criança 5 euros para comprar sorvete. O que se harmoniza com o que consta do relatório elaborado pela segurança social de fls. 204 e ss.

De notar que a credibilidade do depoimento desta testemunha não mereceu quaisquer reservas ao tribunal, como claramente resulta da fundamentação de facto e, mais concretamente, da alína f)

Mantém-se pois, o ponto 4 da matéria de facto provada:

 «O arguido tem perfeita consciência que a mãe da sua filha não tem rendimentos que lhe permita, só por si, satisfazer as necessidades básicas da menor, dado que o montante de encargos que suporta, nomeadamente com a alimentação, vestuário, bem como nos demais bens essenciais à pessoa, vendo-se obrigada a recorrer a pessoas amigas e a familiares para superar as suas dificuldades financeiras, advindas da necessidade de alimentar a menor».

2.1.2 Quanto ao ponto 6: «Apesar disso e de dispor de rendimentos que gasta em proveito exclusivo, não contribui com tal obrigação», de pagamento da mensalidade devida à filha.

Das declarações do arguido, que procurou furtar-se à verdade, mas acabou por assumir que trabalhou em vários locais, - ao contrário do que afirmava no início das suas declarações e por força das informações que constavam dos autos das várias entidades patronais para quem trabalhou em tal período - resulta que sempre lhe pagaram os salários.

Aliás, se é certo que do histórico da segurança social junto a fls. 224 e ss consta a efectivação de descontos do arguido por conta de outrem desde 1/2007 a 6/2007 - por conta da D... ldª-, 1/2008 -por conta de E..., Lda.»-, Abril a meados  Dezembro de 2008 - por conta do restaurante « F...» ,  7/2010 até Abril de 2011 - por conta de G... -, e em 6/2012 - por conta de H..., tal não implica necessariamente que o arguido não tenha trabalhado nos restantes períodos em que não cumpriu a obrigação de alimentos.

Tal como assinala o MP, existem elementos nos autos que nos permitem, segundo as regras da experiência, afirmar o contrário.

No início do seu depoimento a instâncias do Juiz disse que «Na altura que era para pagar estava desempregado e vivia à custa dos favores de conhecidos». Contudo, a instâncias do MP e confrontado com alguns dos nomes das entidades patronais mencionadas nos autos veio a admitir ter trabalhado para elas e até admitiu ter trabalhado «ao negro, sem recibos, sem nada.

O que impõe a conclusão de que para além dos salários que comprovadamente auferiu constantes do histórico enviado pela segurança Social o arguido exerceu outros trabalhos e auferiu remunerações não declaradas.

Aliás, do depoimento da B... percebe-se que no decurso do processo de execução, sempre que a polícia descobria o seu local de trabalho e ali se deslocava para proceder à penhora, o arguido demitia-se e procurava novo trabalho. Por essa razão era informada no tribunal que o processo regressara “à estaca zero”.

Repare-se que foi na sequência de ter sido notificada para proceder aos descontos no salário do arguido, que a entidade patronal G..., juntou aos autos de incidente de incumprimento do poder paternal o documento cuja certidão consta a fls. 185, que é uma carta do arguido a rescindir unilateralmente o contrato de trabalho com efeitos a partir de Abril de 2011.

Como conclui o MP essa rescisão do contrato de trabalho segundo as regras da normalidade e da experiência não pode ter outro objectivo que não o de impedir a efectivação dos descontos no seu ordenado - que, então, já era de si conhecida -, pois que, ninguém se despede a não ser que tenha arranjado trabalho melhor (ou por razões de força maior que não foram invocadas) e, em 21 de Maio do mesmo ano, a GNR informa a fls. 188 que o arguido está desempregado, e a partir daquele período o arguido só volta a efectuar descontos para a segurança social em 6/2012 (por conta de outrem), tendo iniciado a exploração do restaurante por conta própria no mês seguinte. Tais factos legitimam a conclusão de que o arguido continuou a trabalhar não obstante o tenha feito sem declarar o salário auferido e sem efectuar descontos, com vista a obviar à penhora do salário.

 Aliás, a instâncias do seu Defensor o arguido, confrontado com o histórico da Segurança Social e para esclarecer por que razão teria trabalhado tão pouco tempo (nomeadamente não tendo procedido a descontos durante todo o ano de 2009) viria a oferecer uma explicação que se veio a apurar completamente falsa, dizendo ter tido um acidente de trabalho que o impossibilitou de exercer a sua função durante 2,3 anos (aos minutos 23:00 e ss. do seu depoimento), quando, afinal, se veio a apurar que tal acidente ocorrera em 28/8/2005, ou seja, muito tempo antes de 2009, tendo estado internado apenas alguns dias em consequência do mesmo (de 28/8 a 31/8), ou seja, sem que se descortinem as consequências gravosas que referiu para a sua capacidade de trabalho (cfr. docs. fls. 229 e ss). Aliás, dessas mesmas declarações resulta também que o arguido trabalhava algumas vezes sem efectuar quaisquer descontos para a SS, pois é o próprio arguido que reconhece que quando ocorreu o acidente trabalhava «sem fazer quaisquer descontos» (aos minutos 24:21 do seu depoimento)

Mas, como quer que seja, a verdade é que os ordenados que comprovadamente recebeu e aos quais deu na íntegra o destino que bem entendeu - segundo referiu droga e álcool, encontrando-se, porém, liberto de tais vícios por acção única e exclusiva de acompanhamento psicológico desde há 7 meses, à data do julgamento, conforme declarou ao minuto 18:50 e ss do seu depoimento -, sem cuidar de dar cumprimento às suas obrigações parentais, ainda para mais acrescidos do facto de ter sido ele próprio a dar causa a ficar sem rendimentos (ao despedir-se da entidade patronal para a qual trabalhava, sem cuidar de arranjar outro trabalho), são mais do que suficientes para concluir, como se deu como provado sob o art. 9º, que o mesmo «dispondo de condições para o efeito, não deu cumprimento à obrigação de pagamento de alimentos à filha, a que bem sabia estar obrigado». E isso é quanto basta, não sendo necessário para a sua condenação que tivesse de ter estado sempre/ininterruptamente a trabalhar.

No que respeita ao período em que afirmou ter estado desempregado, - 2/3 anos - o arguido disse que tinha tido um acidente de trabalho, quando trabalhava para uma empresa que não fazia descontos. Disse que então viveu de “café, café…açúcar.”  E que os pais o ajudavam.

A propósito e a instância do seu Defensor o arguido, confrontado com o histórico da Segurança Social e para esclarecer por que razão teria trabalhado tão pouco tempo (nomeadamente não tendo procedido a descontos durante todo o ano de 2009) produziu afirmações falsas referindo o mencionado acidente (aos minutos 23:00 e ss. do seu depoimento), que afinal ocorrera em 28/8/2005, tendo em consequência estado internado apenas entre 28/8 e 31/8, ou seja, sem a produção de consequências gravosas que referiu para a sua capacidade de trabalho (cfr. docs. fls. 229 e ss).

Como se disse, destas declarações resulta que o arguido trabalhava algumas vezes sem efectuar quaisquer descontos para a SS, pois é o próprio arguido que reconhece que quando ocorreu o acidente trabalhava «sem fazer quaisquer descontos»

2.1.3 No que se refere ao ponto 15: «Declara auferir o S.M.N.»,

Afirmou o arguido que explora um restaurante “restaurante Os Amigos”, sito em Seia, Avª Terras de Sena, nº 105, do qual apenas retira dinheiro para pagar aos trabalhadores - « trabalha porque gosta (…) trabalha para os empregados»), não retirando qualquer rendimento para si próprio. Mais disse que está colectado, em seu nome. E que o restaurante fica perto da zona industrial. O que conjugado com as regras da experiência e com a patente falta de credibilidade do arguido, justifica-se que o tribunal recorrido tenha dado como provado que o arguido auferia o SMM, embora o arguido não o tenha declarado expressamente.

No que respeita à afirmação de «que apesar de dispor de rendimentos que gasta em proveito exclusivo, o arguido não paga a prestação de alimentos», é o próprio recorrente que assume a falta de pagamento, assim como assume ter trabalhado, auferindo o salário mínimo e alimentação (almoço e jantar) e utilizar o dinheiro que ganhava para sustentar os seus vícios de droga e álcool (cfr. transcrição do seu depoimento que o recorrente faz a fls. 298, vícios esses de que, segundo declarou, se libertou desde há cerca de 7 meses, à data do julgamento, com  acompanhamento psicológico.

O que é mais do que suficiente para justificar se tenha dado como provado que efectivamente o arguido dispôs de condições para pagar e não pagou, utilizando o dinheiro que auferia em benefício próprio.

Aliás, a certa altura do seu depoimento o arguido tentou justificar o não pagamento com o facto da sua ex-mulher B... não o deixar ver a filha.

Portanto, se não pagou atempadamente as prestações devidas foi porque não o pretendeu fazer.

2.1.4 Quanto ao ponto 13 da matéria de facto provada: «que o arguido sempre trabalhou por conta de outrem desde Abril de 2008».

Remetemos para o que acima se expendeu a propósito dos pontos 6 e 15.

De todo o modo cumpre lembrar que «O não cumprimento pode, além disso, resultar de um estado de incapacidade de prestação (omissio ilícita in causa). A situação mais corrente é a do agente se despedir do emprego, ou reduzir o seu horário de trabalho. (…) Por fim, o não cumprimento pode verificar-se pelo facto do alimentante omitir medidas pelas quais ele teria possibilidade de cumprir a obrigação (omissio ilícita in omittendo). Exemplo mais recorrente é o de o alimentante não explorar em pleno, a sua capacidade de trabalho»cfr J. M. Damião da Cunha, em Comentário Conimbricense ao CP, tomo II, edº 1999, pág. 631, em anotação ao artigo 250, apud contra motivação do MP.

Mantêm-se pois os factos provados impugnados, alterando-se apenas a redacção do ponto 15 que passa a ler-se: “ O arguido aufere, pelo menos, o Salário Mínimo nacional”.

Relativamente à alegação de que o recorrente agiu com negligência, não chegando a representar a existência de perigo para a satisfação das necessidades da menor, é inverosímil que, - ciente que está obrigado a prestar alimentos à filha e não cumpre e que a ex mulher desempenha funções modestas - possa desconhecer que, com a sua omissão, coloca em risco a satisfação das necessidades básicas da menor, que obviamente não tem capacidade para prover ao seu próprio sustento, apenas sobrevivendo com o auxílio de terceiros.

Improcede assim este segmento do recurso.

            *

3  - A violação do princípio “in dubio pro reo”

O princípio “in dubio pro reo” é unanimemente reconhecido entre nós como princípio fundamental do direito processual penal, muito embora não se encontre expressamente contemplado em qualquer preceito da Constituição ou da legislação ordinária.

Respeita à decisão da matéria de facto, constituindo uma regra legal de decisão em matéria de facto, segundo a qual o tribunal deve decidir a favor do arguido se não se encontrar convencido da verdade ou falsidade de um facto, ou seja, se permanecer em estado de dúvida sobre a sua realidade ( nonliquet).

Este princípio não constitui uma regra probatória em sentido próprio, uma regra relativa à produção ou valoração da prova, nomeadamente à dúvida sobre a credibilidade de um dado meio de prova individualmente considerado, antes se reporta às consequências da não realização de prova suficiente sobre a verdade ou falsidade de um facto, depois de concluído o processo de valoração da prova produzida.

Reportando-nos ao caso concreto, o arguido A... não tem razão em invocar a violação do princípio in dubio pro reo, desde logo porque este princípio só deve ser aplicado quando os elementos probatórios, no seu conjunto, não foram suficientes para o julgador formar a sua convicção num sentido ou noutro, como refere o acórdão desta Relação de Coimbra, de 24/03/2004 (em www.dgsi.pt/jtrp). Ou, como escreve o Prof. Germano Marques da Silva, quando um non liquet na questão da prova tem de ser valorado a favor do arguido (Curso de Processo Penal, vol. I, 4ª ed., Verbo, 2000, p. 83).

Neste caso, como se depreende da leitura da motivação constante da sentença recorrida, da apreciação e valoração das provas feita segundo o critério estabelecido no art. 127º do Código de Processo Penal ─ o qual prescreve que a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção do julgador, no sentido de que a apreciação da prova realiza-se segundo critérios lógicos e objectivos, que determinam uma convicção racional, objectivada e motivada, capaz de impor-se aos outros - cfr. o ac. do STJ de 11/11/2004, - ww.dgsi.pt/jstj.) - nenhuma dúvida razoável ficou a subsistir, quanto aos factos praticados pelo arguido nas situações objecto de impugnação..

A propósito da relação do princípio da livre apreciação da prova com o princípio in dubio pro reo, escreve o Prof. Figueiredo Dias que “a liberdade de apreciação da prova é, no fundo, uma liberdade de acordo com um dever ─ o dever de perseguir a chamada “verdade material” ─ de tal sorte que a apreciação há-de ser, em concreto, recondutível a critérios objectivos e, portanto, em geral susceptível de motivação e controlo”, acrescentando que "as dúvidas relevantes para a operância do princípio in dubio pro reo são só as dúvidas razoáveis, aquelas que por uma via racionalizável o tribunal não logre afastar e para as quais subsistam razões" (em Lições Coligidas de Direito Processual Penal, ed. de 1988/1989 da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, p. 141).

Como é sabido o princípio in dúbio pro reo, traduz uma imposição feita ao juiz no sentido de que este tem de decidir a favor do arguido sempre que tiver dúvidas sobre os factos decisivos para a solução da causa.

Só que de tal princípio não se podem extrair as conclusões do recorrente.

A violação deste princípio pressupõe um estado de dúvida no espírito do julgador, só podendo existir quando, de forma evidente resulte que o tribunal, na dúvida optou por decidir contra o arguido.

É porém evidente que a testemunha B... produziu depoimento considerado credível pelo tribunal a quo, que avaliou a documentação junta aos autos e sopesou todo o circunstancialismo envolvente, por isso que não se vislumbra que tenha havido no espírito do tribunal qualquer dúvida sobre a prova dos factos que considerou provados.

“A prova, mais do que uma demonstração racional, é um esforço de razoabilidade» (idem, pág. 17): «O juiz lança-se à procura do «realmente acontecido» conhecendo, por um lado, os limites que o próprio objecto impõe à sua tentativa de o «agarrar» (idem, pág. 13). E, por isso, é que, «nos casos [como este] em que as regras da experiência, a razoabilidade e a liberdade de apreciação da prova convencerem da verdade da acusação, não há lugar à intervenção da «contra face (de que a «face» é a «livre convicção») da intenção de imprimir à prova a marca da razoabilidade ou da racionalidade objectiva» que é o in dubio pro reo (cuja pertinência «partiria da dúvida, suporia a dúvida e se destinaria a permitir uma decisão judicial que visse ameaçada a sua concretização por carência de uma firme certeza do julgador» (idem).

Considere-se que «são admissíveis [em processo penal] as provas que não forem proibidas por lei» (art. 125.º do CPP), nomeadamente as presunções judiciais, isto é, as ilações que o julgador tira de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido: art. 349.º do CC. Daí que a circunstância de a presunção judicial não constituir «prova directa» não contrarie o princípio da livre apreciação da prova, que permite ao julgador apreciar a «prova» (não proibida por lei) segundo as regras da experiência e a sua livre convicção (art. 127.º do CPP).

Consequentemente, é lícito que a 1ª instância e este tribunal de recurso, ante factos conhecidos, extraia - por presunção judicial – ilações capazes de «firmar um facto desconhecido».

Não ficando a subsistir essa dúvida razoável sobre algum dos factos, como não ficou, nem tinha que ficar face à clareza da prova, não há que fazer apelo ao princípio in dubio pro reo. Com efeito, lendo a sentença recorrida, não se percebe a mínima incerteza no espírito do Juiz a quo que pelo contrário, afasta claramente qualquer dúvida, sendo certo que, face à prova existente, valorada nos termos em que o foi, não se detectam razões para qualquer incerteza ou dúvida – objectiva e intransponível.

Concluindo, não resulta demonstrado ter o tribunal a quo violado o princípio em referência e por essa via, infringido o disposto no art. 32º, nº 2, da Lei Fundamental.

*

Não se evidencia que a sentença recorrida enferme de algum dos vícios previstos no nº 2 do art. 410º do C. Processo Penal.

Face a tudo o que antecede, considera-se definitivamente fixada a matéria de facto, tal como o foi na sentença recorrida, com a alteração da redacção do ponto 15 dos factos provados, nos termos antes assinalados.

E, como tal improcede manifestamente o recurso quanto a esta matéria.

*

            3 - Do preenchimento do tipo do art. 250º, nº 3, do C. Penal

            Dispõe o art. 250º, nº 3 do C. Penal na redacção da Lei nº 61/2008, de 31 de Outubro que, quem, estando legalmente obrigado a prestar alimentos e em condições de o fazer, não cumprir a obrigação, pondo em perigo a satisfação, sem auxílio de terceiro, das necessidades fundamentais de quem a eles tem direito, é punido com pena de prisão até 2 anos ou com pena de multa até 240 dias

            São pois elementos constitutivos do tipo deste crime de perigo e de omissão própria, que tutela o titular do direito a alimentos face ao perigo de não satisfação das necessidades fundamentais (Prof. Damião da Cunha, Comentário Conimbricense do código Penal, Parte Especial, Tomo II, 621):

            [tipo objectivo]

            - Que o agente esteja legalmente obrigado a prestar alimentos;

            - Que o agente tenha capacidade para cumprir tal obrigação e não a cumpra;

            - Que este incumprimento ponha em perigo, sem auxílio de terceiro, as necessidades fundamentais do alimentando;   

            [tipo subjectivo]

            - O dolo genérico, o conhecimento e vontade de praticar o facto, em qualquer uma das modalidades previstas no art. 14º do C. Penal.

            Essencial e conferindo dignidade penal à conduta, permitindo ultrapassar o princípio da intervenção mínima, é o desvalor resultante da colocação em perigo de direitos fundamentais do alimentando.

 O simples incumprimento da obrigação alimentar, em si mesmo, apenas tem conteúdo económico ou seja, é uma dívida civil.

            Por isso, a colocação em perigo das necessidades fundamentais do alimentando é o elemento fulcral do tipo em questão.

  Imposta reter que não é pelo facto de alguém se substituir ao obrigado não cumpridor na satisfação na satisfação das necessidades dos alimentandos que deixa de ter existido o perigo exigido pelo tipo, não sendo necessário que o progenitor guardião ou qualquer outro terceiro se abstenha de intervir, aguardando a verificação do dano para então, se poder concluir pela verificação do perigo típico. Este ocorre logo com o incumprimento da decisão, não se verificando o dano, quer pela intervenção da avó paterna, quer pela intervenção do companheiro da mãe da menor, quer pela própria queixosa, ( que segundo afirmou se viu forçada a ter três ocupações.)

3.1.1. Que o arguido estava legalmente obrigado a prestar alimentos à menor sua filha não restam dúvidas. Com efeito, a menor é sua filha como se provou, decorrendo tal obrigação do disposto no art. 1878º, nº 1 do C. Civil que, fixando o conteúdo do poder paternal, nele inclui, além do mais, o dever dos pais de prover ao sustento dos filhos menores, de velar pela sua segurança e saúde e de dirigir a sua educação ou seja, tudo o que integra a noção de alimentos definida legalmente no art. 2003º do mesmo código.

Por outro lado, ainda que tal não seja necessário para o preenchimento do tipo, provou-se igualmente que o arguido se encontrava judicialmente obrigado a satisfazer os alimentos, nos termos das duas decisões, provisória e definitiva, proferidas nos autos de regulação do exercício do poder paternal - factos provados nºs 1 e 2.   

            3.1.2. Que o arguido tinha condições para satisfazer os alimentos devidos decorre de ter sido efectuada a prova de que sempre trabalhara auferindo salário, que gastava além do mais em bebidas alcoólicas e estupefacientes em vez de prover às necessidades da sua filha.

            Portanto, se não pagou atempadamente as prestações devidas foi porque não o pretendeu fazer.

            E que não cumpriu tal obrigação, resulta dos factos provados nºs e 8 a 12.

            3.1.3. Assim, verificados que estão os atrás referidos elementos do tipo objectivo do crime, a questão que agora se coloca é a de saber se o incumprimento da obrigação de alimentos por parte do arguido pôs em perigo ou não [como pretende o arguido] a satisfação, sem auxílio de terceiro, das necessidades fundamentais dos menores. 

            Retomando os argumentos acima enunciados, essencial é que opreenchimento do tipo não depende apenas do incumprimento da obrigação mas que deste resulte o perigo para a satisfação das necessidades do respectivo credor.

            Por outro lado, resulta provada a efectiva carência do alimentando.

                        E a verificação do tipo não pressupõe que as necessidades fundamentais sejam efectivamente prejudicadas, bastando para tanto que tenham sido postas em perigo.

Acresce que quando existe mais do que um co-obrigado, como acontece com os pais relativamente à obrigação de alimentos dos filhos, se um deles não cumpre a sua parte e o outro, em consequência disso, cumpre a sua parte mas de forma mais onerosa isto é, com maiores encargos devido ao incumprimento daquele, nesta parte [da maior onerosidade da prestação], o progenitor cumpridor é terceiro para efeitos de preenchimento do tipo (cfr. Prof. Damião da Cunha, Comentário, loc. cit., 632).

Assim, ainda que não se provasse que as necessidades fundamentais da menor apenas eram satisfeitas devido à ajuda monetária do companheiro da queixosa, esta não deixaria, enquanto progenitora à guarda de quem se encontra a menor, de ser considerada terceira, na exacta medida em que contribuísse para a satisfação das necessidades fundamentais da filha acima do que lhe competia, e para compensar, total ou parcialmente, a omissão do arguido relativamente ao contributo que lhe fora fixado para aquela satisfação. Ou seja, é necessária a demonstração de uma conexão íntima entre o auxílio prestado por terceiro e o incumprimento por parte do alimentante (Prof. Damião da Cunha, loc. cit., 631). O que não resultou provado nos autos.

Provado ficou que a queixosa suporta com sacrifício parte das despesas decorrentes das necessidades básicas da filha, sendo a restante produto de auxílios diversos - factos provados nºs 18 a 28.

 Em síntese conclusiva do que antecede, entende-se que a matéria de facto provada que consta da sentença recorrida preenche todos os elementos do tipo objectivo e subjectivo do crime de violação da obrigação de alimentos pelo que, também nesta parte, não merece a decisão qualquer censura.


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4 - Da escolha e da medida concreta da pena

            Entende o arguido que lhe deveria ter sido aplicada uma pena de multa, ou, assim não se entendendo, «ser diluída no tempo a obrigação de pagar a quantia devida».

Segundo o disposto no art.º 70.º do Código Penal “se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição” que são, segundo o n.º 1 do art.º 40.º do mesmo diploma “a protecção dos bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade”.

Assim, dependendo a escolha da pena de critérios de prevenção geral e especial, perante um caso concreto, o julgador tem primeiro que os ponderar e valorar para em seguida optar por aplicar uma pena detentiva ou não detentiva.

Como explica o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 25 de Janeiro de 2001 (processo n.º 3404/00-5ª) “subjaz à norma constante no art.º 70.º, do CP, toda a filosofia informadora do sistema punitivo vertido no Código Penal vigente, ou seja, a de que embora se aceitando a existência da prisão (ou pena corporal) como pena principal para os casos em que a gravidade dos ilícitos, ou de certas formas de vida, a impõem ou justificam, a recorrência deverá ter lugar quando, face ao circunstancialismo que se perfile, se não apresentem adequadas, suficientes ou convenientes, as sanções não detentivas, às quais não é de recusar elevada capacidade (ou potencialidade) ressocializadora. Tudo isto se insere no desiderato de se evitarem as curtas penas de prisão (ou a eventualidade da efectivação dessas penas) donde que, por regra, a alternativa por pena de multa se autorize nos casos em que aos ilícitos caiba pena prisional não demasiado elevada”.

E ainda a este respeito, o Professor Jorge de Figueiredo Dias in Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, §§ 497 e 498, entende que “o tribunal deve preferir à pena privativa de liberdade uma pena alternativa ou de substituição sempre que, verificados os respectivos pressupostos de aplicação, a pena alternativa ou a de substituição se revelem adequadas e suficientes à realização das finalidades da punição, o que vale logo por dizer que são finalidades exclusivamente preventivas, de prevenção especial e de prevenção geral, não finalidades de compensação da culpa, que justificam (e impõem) a preferência por uma pena alternativa ou por uma pena de substituição e a sua efectiva aplicação. Bem se compreende que assim seja: sendo a função exercida pela culpa, em todo o processo de determinação da pena, a de limite inultrapassável do quantum daquela, ela nada tem a ver com a questão da escolha da espécie de pena. Por outras palavras: a função da culpa exerce-se no momento da determinação quer da medida da pena de prisão (necessária como pressuposto da substituição), quer da medida da pena alternativa ou de substituição; ela é eminentemente estranha, porém, às razões históricas e político-criminais que justificam as penas alternativas e de substituição, não tendo sido em nome de considerações de culpa, ou por força delas, que tais penas se constituíram e existem no ordenamento jurídico.”
Explica ainda aquele Ilustre Professor que “o tribunal só deve negar a aplicação de uma pena alternativa ou de uma pena de substituição quando a execução da prisão se revele, do ponto de vista da prevenção especial de socialização, necessária ou, em todo o caso, provavelmente mais conveniente do que aquelas penas” (§ 500) e que deve surgir aqui unicamente sob a forma do conteúdo mínimo de prevenção de integração indispensável à defesa do ordenamento jurídico, como limite à actuação das exigências de prevenção especial de socialização. Quer dizer: desde que impostas ou aconselhadas à luz de exigências de socialização, a pena alternativa ou a pena de substituição só não serão aplicadas se a execução da pena de prisão se mostrar indispensável para que não sejam postas irremediavelmente em causa a necessária tutela dos bens jurídicos e estabilização contrafáctica das expectativas comunitárias”.

De acordo com o disposto no art. 70° do Código Penal o Tribunal só deve optar pela pena não privativa da liberdade se esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, mormente que seja suficiente para satisfazer as exigências de prevenção do crime que o caso concreto suscita e para promover a recuperação social do delinquente. — cfr. art. 40° do Código Penal.

Ora, no caso em apreço, constata-se, por um lado, que o arguido não tem antecedentes criminais, o que foi considerado na sentença recorrida.

Mas, por outro lado, são muito elevadas as exigências de prevenção geral positiva neste tipo de crime.

Ora, atendendo a que o arguido não mostra a mínima consciência do desvalor e gravidade da sua conduta, julgamos, tal como o entendeu o Mmº Juiz ad quo, que só a aplicação de uma pena de prisão é adequada a punir tais factos e a satisfazer as finalidades da punição, máxime de prevenção especial.

Na verdade, o comportamento do arguido e mesmo a sua atitude em sede de julgamento, é revelador da sua total indiferença pela obrigação que lhe incumbe de providenciar pelo pagamento dos alimentos á filha menor, obrigação que vem violando há vários anos, não obstante tenha tido condições para a cumprir, estando mesmo actualmente a explorar um restaurante em nome próprio, com dois empregados, e continuando, ainda assim, a afirmar-se financeiramente incapaz de pagar os alimentos à filha, alegando que não tira qualquer rendimento de tal actividade e que trabalha por gosto, para os empregados.

Assim, não poderia o tribunal recorrido deixar de considerar que somente a pena de prisão se mostra adequada a satisfazer as exigências de prevenção geral de integração e também as evidentes exigências no caso de prevenção especial de socialização

Da medida concreta da pena

Tal pena deverá ser determinada nos termos do art. 71° do Código Penal, de acordo com o qual a referida determinação é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, atendendo o Tribunal a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele e, assim de acordo com tal dispositivo, observado na sentença, a pena de 12 meses de prisão mostra-se ajustada ao grau de culpa do arguido e adequada às já referidas exigências de prevenção – ainda que a mesma seja suspensa na sua execução nos termos do art. 50º do Código Penal,  sujeita a regras de conduta de carácter pecuniário.

No entanto, ponderando a fase inicial de investimento no restaurante “Os amigos” afigura-se-nos adequado dilatar o prazo para cumprimento da condição de suspensão da pena, determinando-se que o arguido proceda ao pagamento da quantia em dívida em doze prestações mensais e sucessivas no valor de 567,28 (quinhentos e sessenta e sete euros e vinte e oito cêntimos) cada.



            III. Dispositivo

            Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam os juízes do Tribunal da Relação em conceder parcial provimento ao recurso e, em consequência, alteram a redacção do facto provado nº 15 para ” O arguido aufere pelo menos o salário mínimo nacional” e decidem dilatar o prazo para cumprimento da condição de suspensão da pena, determinando-se que o arguido proceda ao pagamento da quantia em dívida em doze prestações mensais e sucessivas no valor de 567,28 (quinhentos e sessenta e sete euros e vinte e oito cêntimos) cada.

No mais confirmam a sentença recorrida.

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Sem tributação.

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(Isabel Valongo - Relatora)

 (Joaquim Correia Pinto)



[1]Atento o requerido pela Digna Magistrada do Ministério Público aquando da efectivação da audiência de julgamento (fls. 250-252), no que diz respeito à alteração não substancial dos factos (concretização do crime imputado ao arguido, já que da acusação apenas se lhe imputava a prática do crime previsto no artigo 250.º do Código Penal, sem especificar a qual dos seus números), atenta a prova dos respectivos factos integradores de tal tipo legal de crime e atenta a posição da defesa concordando com a posição aí expendida por aquela Ex.ma Magistrada, entendemos também que os factos narrados – e que ficaram provados, como infra se ficará assente, integram a prática de um crime previsto e punido pelo artigo 250.º/3 do Código Penal, entendendo verificada a alteração não substancial dos factos, como infra se determinará.
[2]Neste sentido se vem pronunciando a jurisprudência. Veja-se o acórdão da Relação de Coimbra de 29-09-2010, Processo n.º 462/06.2TATMR.C2, Relator Eduardo Martins «Na violação da obrigação de alimentos sendo um crime contra a família (um dos pilares da nossa sociedade),não tendo o arguido consciencializado o mal do crime, não manifestando qualquer arrependimento, tratando-se de situação prolongada no tempo, revelando grande indiferença no cumprimento da obrigação em causa, é de aplicar pena detentiva.», cujo texto integral se encontra disponível na página da internet do I.T.I.J. (www.dgsi.pt) http://www.dgsi.pt/jtrc.nsf/8fe0e606d8f56b22802576c0005637dc/f479050202bf8723802577bd00497434?OpenDocument
[3] Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, Editorial Noticias, 1993, página 333.