Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
462/06.2TATMR.C2
Nº Convencional: JTRC
Relator: EDUARDO MARTINS
Descritores: CRIME DE VIOLAÇÃO DA OBRIGAÇÃO DE ALIMENTOS
PENA
PEDIDO CIVIL
LEGITIMIDADE
Data do Acordão: 09/29/2010
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE TOMAR – 1º J
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA PARCIALMENTE
Legislação Nacional: ARTIGOS250.º, N.º 1, E 51.º, N.º 1, AL. A) DO CP, 26º DO CPC
Sumário: 1. Na violação da obrigação de alimentos sendo um crime contra a família(um dos pilares da nossa sociedade),não tendo o arguido consciencializado o mal do crime, não manifestando qualquer arrependimento, tratando-se de situação prolongada no tempo, revelando grande indiferença no cumprimento da obrigação em causa, é de aplicar pena detentiva.
2. A mãe do menor não tem legitimidade para, em nome próprio, deduzir pedido civil contra o arguido/progenitor com base na violação da obrigação de prestar alimentos ao filho menor.
3. Os danos não patrimoniais sofridos pela mãe do menor não radicam no crime de violação da obrigação alimentos pelo que deve ser absolvido da instância o demandado pai do menor.
Decisão Texto Integral: I. Relatório: No âmbito do processo comum (tribunal singular) n.º 462/06.2TATMR que corre termos no Tribunal de Família Judicial de Tomar, 1.º Juízo, foi imputada ao arguido F... a prática, em autoria material, de um crime de violação da obrigação de alimentos, p. e p. pelo artigo 250.º, n.º 1, do Código Penal.
Por sentença proferida em 8 de Julho de 2008, o arguido, para além do pagamento de indemnização à demandante civil, enquanto mãe do menor R..., nascido em 9/6/1996, foi condenado, pela autoria de um crime de violação da obrigação de alimentos, p. e p. pelos artigos 250.º, n.º 1, e 51.º, n.º 1, al. a), ambos do C. Penal, na pena de 11 meses de prisão, suspensa na sua execução, sujeita à condição de pagar em cinco meses a compensação fixada a título de indemnização civil, a documentar nos autos.
Daquela sentença, interpuseram recurso o Ministério Público e o arguido, tendo este TRC, por acórdão de 28 de Janeiro de 2009, determinado o reenvio parcial do processo para novo julgamento, limitado à questão da nulidade da sentença quanto à falta de apuramento dos rendimentos económicos e financeiros auferidos pelo arguido e suprimento do vício da contradição insanável da fundamentação – artigo 410.º, n.º2, al. c), do CPP -, por ter sido dado como provado que o arguido se dedicava à exploração de estabelecimentos de cafetaria e bares e como não provado que «o arguido fosse proprietário dum estabelecimento comercial e que explore através de testas de ferro estabelecimentos de cafetaria e bares» (artigos 426.º, n.º 1, e 426.º-A, ambos do CPP).
Realizada nova audiência de discussão e julgamento, limitada às questões concretamente identificadas no acórdão de reenvio, foi proferida nova sentença, em 29 de Setembro de 2009, tendo o arguido sido condenado, de novo, pela prática do aludido crime, na pena de 11 meses de prisão, suspensa na sua execução por 3 anos, ficando esta sujeita à condição de pagar em cinco meses a compensação fixada na sentença, devendo tal ser comprovado nos autos, de acordo com o seguinte: “pagar à demandante, enquanto mãe do menor R...(sendo este o credor), a título de indemnização cível pela ocorrência de danos materiais e morais, a quantia total de € 6.300,00, acrescidos os juros de mora vencidos e vincendos, à taxa de 4% até efectivo pagamento, e desde a notificação do pedido de indemnização civil, ao que acrescem os juros à taxa de 5.º e apenas a partir do trânsito em julgado desta sentença, como sanção pecuniária compulsória.
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Inconformado com a decisão, dela veio o arguido interpor recurso, em 19/10/2009, defendendo a sua revogação, extraindo da sua motivação as seguintes Conclusões:
1. O Tribunal recorrido não fez uma correcta apreciação dos factos, pois fundamenta a prova da matéria de facto por meras aparências.
2. Entendemos que, salvo o devido respeito e melhor e douta opinião, que o facto de a ofendida afirmar só por si que efectivamente o próprio ex-marido lhe tinha dito que ele ia abrir o dito Bar, sabendo ela que ele é que explora o dito bar e não a dita companheira, dado que a mesma não terá expediente para tal; também disse que o arguido vai jantar muitas vezes fora, ao restaurante, levando o seu filho consigo, isso não será suficiente para alicerçar toda a convicção de que o arguido tinha e tem meios económicos para o sustento do filho e que ao não proceder ao pagamento da pensão de alimentos devida ao seu filho menor põe em causa as necessidades básica e que só com o auxílio de outros familiares é que o menor vê satisfeitas tais necessidades e, todavia, quis actuar da forma descrita.
3. Da análise da prova produzida, resulta que não ficou demonstrado que o recorrente, apesar de possuir meios para o fazer, nunca pagou qualquer quantia, a título de pensão de alimentos a que foi judicialmente obrigado a pagar, e que o mesmo trabalha, auferindo rendimentos e lucros que lhe possibilitam proceder ao pagamento da pensão de alimentos a que se encontra judicialmente obrigado.
4. Os depoimentos das testemunhas “supra” referidas apenas se limitaram às aparências daquilo que julgam o arguido ter.
5. Entendeu a Meritíssima Juiz a quo, salvo o devido respeito, erradamente, na sua motivação, a fls. 345, que: “Por outro lado, o tribunal ficou com a convicção que o arguido não só trabalha para o pai como é ele que de facto gere o dito Bar Rainha, sito em Vila de Rei, que, no entanto, tudo indica que esteja no nome da sua actual companheira, isto como forma de se eximir a declarar tais rendimentos”.
6. Por esse motivo, desconsiderou de um modo global a defesa apresentada pelo arguido e, limitando-se a um mero formalismo legal, não teve qualquer dúvida em considerar que o arguido trabalha, auferindo rendimentos que lhe possibilitam proceder ao pagamento da pensão de alimentos a que se encontra judicialmente obrigado.
7. Aceitou a versão da ofendida, da ex-sogra e de uma amiga da ofendida.
8. Não aceitou nem considerou a versão apresentada pelo próprio arguido, pelas testemunhas de defesa e nem tão pouco considerou a completa ausência de prova documental que viesse comprovar que de facto o mesmo trabalha !!
9. Sendo certo que, não resultando provado, (consta dos factos não provados) que:
- o arguido aparece socialmente na cidade como comerciante de sucesso;
- é conhecido na cidade como pessoa que vive com desafogo económico,
- na sequência do provado em 11, não se apurou que o arguido fosse proprietário de um estabelecimento comercial;
- o mesmo explore, através de testas de ferro, estabelecimentos de cafetaria e bares;
- o demandado não cumpre como pagamento da pensão de alimentos, como forma de fazer sofrer a queixosa, comprazendo-se a isso.
10. Pergunta-se, então, vive o recorrente de quê? Onde trabalha, então?
11. Mais, como pode a Meritíssima Juiz a quo fundamentar a sua, aliás, douta sentença, no sentido que é o arguido que gere o bar de Vila de Rei, quando dá como provado no ponto 15 que “o arguido desconhece os rendimentos retirados do dito bar, pela sua companheira”????.
12.Isto para dizer, Venerandos Desembargadores, que em face desta grande contradição entre tais factos provados e não provados e não existindo nos autos elementos que, com segurança, possam confirmar e assegurar e confirmar que o arguido retire benefícios económicos, com a eventual gerência de um bar em Vila de Rei (cujos rendimentos do Bar nem tão pouco se encontram apurados) e não se apurando que o arguido fosse proprietário de um estabelecimento comercial e que o mesmo explore, através de testas de ferro, estabelecimentos de cafetaria e bares, como será, então, possível considerarem-se provados os factos n.ºs 4 a 15 e 21 a 29 (matéria dada como provada).
13. Ao dar como provados os factos indicados sob os n.ºs 4 a 15 e 21 a 29, a Douta Sentença recorrida violou o princípio da legalidade, da livre apreciação da prova (artigo 127.º, do CPP), bem como o artigo 32.º, n.º 1, da Lei Fundamental.
14. O Tribunal a quo julgou incorrectamente os factos dados como provados da matéria dada como provada, por manifesta falta de correspondência entre tais conclusões plasmadas na fundamentação da decisão condenatória e a prova produzida em audiência, pelo que foram também violadas as regras da experiência comum.
15. Não resultam, assim, preenchidos os elementos do tipo de crime de violação da obrigação de alimentos imputado ao recorrente, pelo que foram violados os respectivos normativos.
16. Pelo que a douta decisão recorrida enferma de nulidade insanável nos termos do artigo 379.º, n.º 1, al. b), do CPP, por insuficiência da prova produzida para a matéria dada como provada.
17. Mais foi violado o disposto no artigo 412.º, n.º 3, als. a) e b), do CPP.
18. Pelo exposto, deve o presente recurso ser julgado procedente por provado e, consequentemente, deverá ser revogada a decisão sobre a factualidade provada, nos termos supra alegados, absolvendo o arguido aqui recorrente da prática do crime que lhe é imputado, tendo em atenção a sobredita ausência de prova documental não valorada e fazendo uso, como é mister, em caso de dúvida relevante, do princípio in dubio pro reo. 19. De todo o modo, diga-se também que o Douto Tribunal recorrido alicerçou a sua convicção e fundamentou a sua decisão através de factos que não vinham descritos na douta acusação, mas sim no pedido de indemnização civil.
20. O que, porventura, gerará a nulidade referida na al. c) do n.º 1 do artigo 379.º, do CPP, uma vez que é nula a sentença quando o Tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.
21. A MM.ª Juiz a quo alicerça a sua convicção no dado que o arguido trabalha e aufere rendimentos e que janta todos os dias fora, pelo que conclui que estão verificados todos os pressupostos de facto e de direito relativos a este crime e não existem causas de exclusão da culpa, nem falta qualquer condição de punibilidade.
22. Motiva, ainda, a análise crítica da prova produzida que o arguido possui vida social.
23. Porém, em momento algum vinha o arguido acusado de:
a) que trabalha e aufere rendimentos que lhe proporcionam um bom nível de vida (janta fora todos os dias).
b) que frequenta a noite, possuindo vida social.
24. A MM.ª Juiz fundamentou, assim, a sua decisão penal com base em factos alegados pela demandante no pedido cível, mas que, contudo, não se encontravam descritos na acusação deduzida pelo M.P.
25. Com efeito, é nula a sentença quando condenar por factos diversos dos descritos na acusação ou na pronúncia, se a houver, fora dos casos e das condições previstos nos artigos 358.º e 359.º, sendo que o douto Tribunal recorrido alicerçou a sua decisão em aspectos diversos daqueles que o arguido vinha acusado e fundamentou a sua decisão de aplicar ao arguido pena privativa de liberdade de acordo, também, com esses mesmos factos, tirando o julgador, no caso concreto, consequências para a sua decisão.
26. Ora, como refere a al. c) do n.º 1 do artigo 379.º, do CPP, é nula a sentença quando o Tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.
27. Sendo certo que vem o ora recorrente arguir no presente recurso tal nulidade, pois tal como refere o Ac. do S.T.J., de 21 de Junho de 1989, as nulidades da sentença são nulidades dependentes de arguição que podem ser arguidas na motivação dos recursos e, portanto, dentro do prazo da motivação.
28. Além do mais, a pena aplicada ao arguido, segundo nosso modesto entendimento, mostra-se completa e manifestamente exagerada, tendo em consideração todas as condições pessoais e atenuantes que beneficia Note-se que, pela prática de um crime de violação de alimentos, p. e p. pelo artigo 250.º, n.º 1, e 51.º, n.º 1, al. a), todos do C. P., o arguido foi condenado na pena de 11 meses de prisão, suspensa a sua execução por 3 anos, e sujeita à obrigação de pagar em cinco meses a compensação fixada, devendo o arguido comprovar nos autos o pagamento realizado.
29. Não obstante, e admitindo-se, por mera hipótese, que o arguido tenha praticado o crime da forma como vem descrita na douta sentença de que se recorre, o Tribunal a quo deveria ter levado em conta todas as circunstâncias pessoais do arguido e todas as atenuantes de que o mesmo goza.
30. Com efeito, dispõe o artigo 71.º, do C.P., no seu n.º 2, que “…na determinação concreta da pena, deve atender-se a todas as circunstâncias que não fazendo parte da norma incriminadora, dispuserem a favor do agente…”.
31. Dispõe o artigo 70.º, do C. P., que, se ao crime forem aplicáveis em alternativa pena privativa e pena não privativa da liberdade, o Tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
32. Porém, o Tribunal recorrido considerou “Ora, considerando a natureza do crime em questão e as suas consequências em concreto serem muito gravosas, sendo a vítima quem é, filho do arguido e sopesando a inexistência de antecedentes criminais quanto ao arguido, a frieza de sentimentos demonstrada e a desfaçatez da atitude do arguido que apresentando ter meios económicos para pagar os alimentos, todavia não o faz porque não quer, bem como o desrespeito demonstrado por várias decisões judiciais, julgo que in casu só uma pena de detenção serve para salvaguardar as exigências de prevenção especial e geral que ao caso cabem e para punir o arguido, pelo que decido aplicar-lhe 11 meses de prisão”.
33. Acontece que, e tal como se encontra demonstrado nos autos, o mesmo é primário e está inserido socialmente e ainda assim mantém contactos com o filho, privando com o mesmo.
34. Além do mais, embora o tenha considerado provado, motivando a sua decisão da matéria de facto como provada que o arguido janta fora todos os dias e trabalha para o pai, sendo que as regras da experiência comum levam a considerar que aquele possui rendimentos materiais capazes de pagar uma pensão de alimentos de € 100,00 a um filho menor, ainda por cima deles carenciado!, teremos também de concluir que, embora a MM.ª juiz a quo o não faça (tendo em consideração esse facto para a determinação da medida da pena privativa ou não privativa da liberdade), que o ora recorrente se encontra também inserido profissionalmente.
35. Estamos a falar de uma pessoa que tem 46 anos de idade, social e profissionalmente integrada, inserida num meio familiar, convive com o seu filho, dando-lhe toda a atenção, é primário, nunca respondeu em tribunal e nunca esteve preso.
36. Por isso, entendemos que a decisão que optou pela pena privativa da liberdade não teve em consideração todas as circunstâncias atenuantes do arguido e nem tão pouco as condições pessoais do agente e sua situação económica, sendo certo que o ora recorrente encontra-se social e familiarmente integrado, é primário, nunca tendo respondido em tribunal.
37. Entendemos ter sido exagerada a aplicação da pena de prisão de 11 meses, suspensa por 3 anos, tendo a MM.ª Juiz a quo desvalorizado as condições pessoais do agente e também a moldura mínima e máxima do crime em questão.
38. Entendemos como razoável a aplicação de uma pena de multa e não de prisão, sendo certo que da letra do artigo 70.º transparece claramente a filosofia subjacente ao diploma de reagir contra penas detentivas sempre que os fins das penas possam atingir-se por outras vias.
39. O recurso às penas privativas da liberdade só será legítimo quando, dadas as circunstâncias, não se mostrem adequadas as sanções não detentivas.
40. Por isso, tem-se reconhecido que a detenção oferece em muitos casos o risco de ser prejudicial, quer pelos perigos que apresenta de contaminação para o condenado quer porque dificilmente permite qualquer processo consequente de reeducação.
41. Será prejudicial para o menor, a quem se pretende assegurar as necessidades básicas, designadamente de alimentação, de vestuário, e de saúde, além das de educação, como também as necessidades afectivas de seu pai, se o mesmo se vir privado da companhia do seu progenitor, deixando de conviver e privar com este.
42. Pensamos, pois, que a pena de prisão, embora suspensa na sua execução, se mostra completa e manifestamente desproporcional e exagerada, tendo em conta as condições pessoais e atenuantes que goza o arguido.
43. A pena de multa será seguramente suficiente para formular um juízo favorável no tocante às exigências de prevenção de futuras actuações ilícitas.
44. Pois para o caso concreto a censura dos factos e a ameaça de no futuro lhe ser possivelmente aplicada uma pena privativa da liberdade, condenando-o numa pena de multa, será certamente suficiente para dissuadir o recorrente do comportamento em que é deixado em crise.
45. Por isso, considerando a moldura penal do crime, e de acordo com o que já tivemos oportunidade de alegar, e face ao preceituado no disposto, entendemos ser de substituir a pena de prisão imposta ao arguido por 200 dias de multa, à razão diária de cinco euros, tendo em conta a sua situação económica, o que perfaz um total de mil euros.
46. Ao não decidir assim, violou a MM.ª juiz a quo o disposto nos artigos 70.º, 71.º, 72.º e 250.º, do C. Penal.
47. Mais, na decisão recorrida, foi imposta ao arguido a pena de 11 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 3 anos.
48. Na pendência dos autos, entrou em vigor a nova redacção do C. P., introduzida pela Lei n.º 59/2007, de 4 de Setembro, pelo que se nos depara nos autos uma sucessão de leis penais no tempo.
49. Na actual redacção, diz-nos agora o n.º 5, do artigo 50.º, do C. P., que “o período de suspensão tem duração igual à da determinada na sentença, mas nunca inferior a um ano a contar do trânsito em julgado da decisão”, ou seja, o período de suspensão da execução da pena de prisão não pode ser superior ao da pena de prisão aplicada.
50. Na anterior redacção, previa-se que “o período de suspensão é fixado entre 1 a 5 anos a contar do trânsito em julgado da decisão”.
51. Nos termos do artigo 2.º, n.º 4, do C. Penal, deverá aplicar-se “o regime que concretamente se mostrar mais favorável ao agente”.
52. Da análise destas duas versões, resulta claramente que a redacção introduzida pela Lei n.º 59/2007, de 4 de Setembro, é a mais favorável ao arguido.
53. Uma vez que da mesma vem a resultar um período de suspensão de execução da pena de prisão mais curto.
54. Pelo que a decisão recorrida deveria ter procedido à suspensão da execução da pena de prisão aplicada ao ora recorrente pelo período de um ano, nos termos do n.º 5 do artigo 50.º da actual redacção do C. Penal.
55. Foram, assim, violados os artigos 2.º, n.º 4. e 50.º, n.º 5, do C. Penal.
56. Finalmente, sempre se dirá que o pedido de indemnização civil, e a consequente indemnização atribuída, não foi legitimamente peticionado na qualidade de quem o pediu além de que a MM.ª juiz a quo condenou o demandado, ora recorrente, no pagamento de juros de mora, quando os mesmos não foram peticionados na acção.
57. Tal como vem referido na douta sentença recorrida, “sendo a vítima quem é, filho do arguido”, e diz-nos o artigo 74.º, n.º 2, do CPP, que “o pedido de indemnização civil é deduzido pelo lesado, entendendo-se como tal a pessoa que sofreu danos ocasionados pelo crime”.
58. Porém, o pedido foi formulado por A..., na qualidade de queixosa, sendo que quem resulta dos autos como ofendido é o menor R....
59. Os menores cujo poder paternal compete a ambos os pais são por estes representados em juízo, sendo necessário o acordo de ambos para a propositura das acções (artigo 10.º, do CPC).
60. A queixosa não tinha, pois, legitimidade para demandar nos presentes autos (artigo 26.º, do CPC).
61. Devendo, assim, improceder o pedido de indemnização formulado.
62. Não fazendo, violou a MM.ª Juiz a quo os artigos 10.º e 26.º, do CPC.
63. Além do mais, sendo credora de alimentos por parte do ex-marido, pai do menor, poderia e deveria ter demandado o ora recorrente nos autos de Regulação de Poder Paternal sob o n.º 979/03.0TBTMR, do 3.º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Tomar e não no presente processo, já que neste caso o ofendido é o menor R..., sendo praticado pelo arguido um crime de violação da obrigação de alimentos na pessoa do seu filho.
64. O montante fixado pelo douto tribunal condena o arguido, demandado, no pagamento de € 6.300,00, acrescidos dos juros de mora vencidos e vincendos, à taxa de 4% até efectivo pagamento e 5% de juros, a partir do trânsito em julgado desta sentença, como sanção pecuniária compulsória.
65. Porém, e uma vez mais, a MM.ª Juiz a quo ampliou, salvo o devido respeito, arbitrariamente o pedido deduzido pela demandante, condenando o demandado no pagamento de juros à taxa de 4% até efectivo pagamento, sendo que, em momento algum, nos podemos deparar com um pedido de condenação de pagamento de juros à taxa de 4%.
66. O que a demandante havia peticionado era a condenação do demandado no pagamento da quantia de € 7.312,50, à taxa de 5% a incidir sobre € 6.900,00, justificando no artigo 13.º que “a cada prestação mensal vence juros à taxa legal de 5% ao ano, nos termos do artigo 829.º-A, do Código Civil”.
67. Violou, assim, a MM.ª Juiz a quo o artigo 688.º, do CPC, e o artigo 379.º, do CPP.
68. Com efeito, nos termos da al. e), do artigo 688.º, do CPC, “é nula a sentença quando o juiz condene em quantidade superior ou em objecto diverso do pedido”, sendo certo também que é ainda nula quando condenar por factos diversos dos descritos na acusação ou na pronúncia, se a houver, fora dos casos e das condições previstos nos artigos 358.º e 359.º
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O Ministério Público junto do Tribunal recorrido, em 2/11/2009, apresentou resposta, defendendo a improcedência do recurso, quanto à matéria criminal, não se pronunciando quanto à parte cível, por falta de legitimidade processual, apresentando as seguintes conclusões:
1. Ao dar como assentes os factos n.ºs 11 a 14, 17 e 18, a MM.ª juiz a quo fundou-se na prova documental constante dos autos, mas também nas declarações prestadas pelo arguido e nos depoimentos das testemunhas inquiridas no decurso da audiência de julgamento.
2. Designadamente, e quanto aos factos acima referidos e dados como provados, cumpre sublinhar que foi o próprio arguido quem declarou, nas declarações que prestou em audiência de julgamento, que trabalha por conta do respectivo progenitor, retirando de tal actividade cerca de € 200,00 a € 300,00 por mês, acrescentando que a sua companheira possui um bar sito em Vila de Rei, assim como foi o próprio arguido quem esclareceu o tribunal acerca do horário de funcionamento de tal estabelecimento, bem como as despesas que suporta em conjunto com a respectiva companheira.
3. Logo, a prova dos factos acima transcritos assentou nas declarações do próprio recorrente, não traduzindo meras aparências.
4. A matéria de facto considerada provada e não provada na sentença recorrida é, a nosso ver, perfeitamente lógica, quer em função da prova produzida quer à luz das regras da experiência comum, pelo que não se verifica, ressalvando sempre melhor opinião, o invocado erro (e muito menos notório) na apreciação da prova.
5. O facto de o tribunal a quo ter considerado relevantes e credíveis os depoimentos das testemunhas de acusação não consubstancia um erro notório, evidente na apreciação da prova.
6. Da análise da sentença recorrida, não vislumbramos qualquer trecho que revele que, para a decisão sobre a verificação do crime que vinha imputado ao arguido, a MM.ª Juiz se tenha feito valer dos factos a que o recorrente alude como tendo sido alegados no pedido de indemnização cível.
7. A condenação do arguido pela prática do crime pelo qual o mesmo vinha acusado assentou, apenas, nos factos vertidos na acusação pública deduzida.
8. No que respeita à pena aplicada ao arguido, remetemos para o que por nós foi alegado no recurso interposto pelo Ministério Público e já constante dos autos.
9. Ressalvando tal aspecto, é nosso entendimento que as exigências de prevenção geral e especial reclamam a aplicação ao recorrente de uma pena de prisão, suspensa na sua execução, com a condição do arguido pagar à demandante, em cinco meses, a quantia de € 6.300,00, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos.
10. Transpondo os critérios que devem pautar a fixação da medida da pena para o caso dos autos, constata-se que os mesmos foram tidos em consideração pelo tribunal a quo, ao condenar o arguido numa pena de prisão, suspensa na sua execução.
11. Na verdade, atendendo aos contornos específicos do caso vertente, a pena de prisão é a única que não só satisfaz a finalidade punitiva da pena como protege, de forma efectiva, o bem jurídico tutelado pela norma incriminadora e, por outro lado, contribui para a ressocialização do recorrente, na perspectiva de o consciencializar para a necessidade de pagar a pensão de alimentos devida ao seu filho.
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O recurso foi, em 5/11/2009, admitido.
Nesta Relação, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto, em 3/2/2010, emitiu douto parecer no sentido da improcedência do recurso.
Cumpriu-se o disposto no artigo 417.º, n.º 2, do CPP, não tendo sido exercido o direito de resposta.
Em 25/2/2010, foi aberta conclusão nos autos ao Exmo. Senhor Desembargador Barreto do Carmo que, após tal data, passou a estar ausente do serviço, por razões de saúde, e que, por isso, não elaborou acórdão até 26/5/2010, altura em que os autos foram redistribuídos ao ora Relator.
Efectuado o exame preliminar e colhidos os vistos, teve lugar conferência, cumprindo apreciar e decidir.
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II. Decisão Recorrida: A presente decisão resulta do douto acórdão proferido pelo Venerando Tribunal da Relação de Coimbra, o qual mandou repetir o presente julgamento com base em nulidade verificada na sentença por nós proferida em 1ª instância, mas apenas no concernente ao apuramento dos rendimentos económicos e financeiros auferidos pelo arguido, bem como quanto à contradição em se ter dado como provado que este se dedica à exploração de estabelecimentos de cafetaria e bares e como não provado que “o arguido fosse proprietário dum estabelecimento comercial e que explore através de testas de ferro estabelecimentos de cafetaria e bares”. Pelo que apenas se alterará a sentença já proferida, nesses aspectos particulares, retirando-se as consequências jurídico-penais devidas. II – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO: Da discussão da causa resultaram provados os seguintes factos:
1. O arguido é pai do menor R..., nascido a …;
2. Após o divórcio dos respectivos progenitores, por acordo homologado por sentença proferida em 3 de Outubro de 2003, transitada em julgado, no âmbito do processo de regulação do poder paternal que correu termos sob o nº 979/03.0 TBTMR, do 3º Juízo deste Tribunal, foi determinado que o menor R...ficasse confiado à guarda e cuidados da mãe, A…, ficando o arguido obrigado a contribuir com a quantia mensal de €100 (cem Euros), a título de pensão de alimentos devidos ao seu filho, (conforme teor de certidão de fls. 19 e ss.); 3. Quantia que deveria ser paga até ao dia 8 de cada mês e entregue directamente à mãe do menor (conforme certidão de fls. 19 e ss.);
4. O arguido, apesar de possuir meios para o fazer, nunca pagou qualquer quantia, a título da pensão de alimentos, a que fora judicialmente obrigado a pagar; 5. O menor reside com a mãe, que exerce as funções de balconista, no estabelecimento comercial de que é proprietária a sua mãe, auferindo o salário mínimo nacional;
6. O menor não possui bens, nem rendimentos próprios; 7. Encontrando-se na dependência exclusiva da mãe, cuja única fonte de sustento é o vencimento por ela auferido; 8. Em virtude do não pagamento da pensão de alimentos devida ao menor, A...teve de recorrer à ajuda de familiares, designadamente, a avó materna do menor, para lograr satisfazer as necessidades básicas do filho, designadamente, fazer face às despesas de educação e sustento do mesmo; 9. O menor recebe explicações, pelas quais a respectiva mãe paga cerca de € 70 (setenta Euros) mensais; 10. Aquando da instauração da queixa que ocorreu em Agosto de 2006, o menor padecia de muitas alergias, pelo que era sujeito com frequência, a várias consultas médicas por € 50, sendo que actualmente tal já não se verifica, encontrando-se muito melhor tendo-se reduzido o número das consultas; 11. O arguido aufere rendimentos, nomeadamente trabalha para o seu pai no Stand de Automóveis que aquele possui, o qual lhe paga cerca de 200 € a 300 € por mês, relativos às comissões de venda de alguns carros que vai fazendo ao pai; 12. O arguido vive com a sua actual companheira e seus dois filhos menores de 9 e 13 anos respectivamente, sendo que esta última possui um bar denominado de “Bar Rainha”, sito em Vila de Rei; 13. O horário de funcionamento do dito bar é entre as 14 horas e as 2 horas da madrugada; 14. Por via disso, o arguido ajuda a companheira na exploração do dito bar, por vezes abrindo-o e normalmente é ele que a vai buscar no encerramento e ajuda no que for preciso; 15. O arguido desconhece os rendimentos retirados do dito bar, pela sua companheira; 16. O casal paga de renda de casa, a quantia mensal de 244 € e de luz paga cerca de 40 €/mês e de água cerca de 24 €; 17. Todas estas despesas são divididas ao meio pelo arguido e pela companheira; 18. Quanto à alimentação e outros gastos, o arguido praticamente nada gasta, sendo que é a sua companheira que compra as mercearias para a casa e ele come juntamente com eles; 19. Recentemente, o pai (ora arguido) e mãe, em metade cada um, compraram uma mesa de pingue-pongue para o menor R..., a qual custou cerca de 100 €;
20. Sabendo que está obrigado judicialmente a pagar a quantia mensal de cem euros, a título de pensão de alimentos devidos ao seu filho menor e, no entanto, nunca pagou qualquer quantia, o que quis, com o propósito de se eximir ao pagamento das prestações alimentares que sabe serem-lhe legal e judicialmente exigíveis e às quais, por acordo com a mãe do seu filho, se obrigou;
21. Mais sabe que, ao não proceder ao pagamento da pensão de alimentos devida ao seu filho menor, põe em causa as suas necessidades básicas e que só com o auxílio de outros familiares, é que o menor vê satisfeitas tais necessidades e todavia, quis actuar da forma descrita; 22. O arguido agiu, em todos os momentos, com vontade livre e consciente; 23. Bem sabendo que o seu comportamento era e é proibido e punido pela lei penal; 24. O arguido é divorciado, vivendo em união de facto com a companheira supra citada; 25. Possui o 9º Ano de escolaridade; 26. Nunca respondeu em tribunal, nem esteve preso; 27. Sem a ajuda da mãe do menor Rui, que também é pessoa de modesta condição social e económica, a queixosa não conseguiria alimentar e vestir o seu filho;
28. O demandado quando vai buscar o seu filho, bem como quando é avistado na cidade de Tomar faz-se transportar normalmente em dois automóveis a saber, um Opel Tigra e um Twingo, de propriedade desconhecida; 29. O arguido auxilia a actual companheira, na exploração do “Bar Rainha”; 30. Tem vida social e nocturna; 31. Estão vencidas as pensões dos meses de Outubro de 2003 a Maio de 2007, inclusive; 32. Derivado da conduta do demandado, quer a queixosa, quer o seu filho Rui, têm sentido um enorme desgosto e sofrimento;
33. Colocando uma maldade premeditada, no incumprimento do pagamento dos alimentos;
34. O menor R...vive privado de melhor qualidade vida que o pagamento da pensão do pai lhe traria.

FACTOS NÃO PROVADOS: Resultaram não provados os seguintes factos com interesse para a decisão da causa: 1. Que o arguido aparece socialmente na cidade como comerciante de sucesso; 2. É conhecido na cidade como pessoa que vive com desafogo económico; 3. Na sequência do provado em 11, não se apurou que o arguido fosse proprietário dum estabelecimento comercial;

4. E que o mesmo explore através de “testas de ferro”, estabelecimentos de cafetaria e bares;
5. Que o demandado não cumpre com o pagamento da pensão de alimentos, como forma de fazer sofrer a queixosa, comprazendo-se com isso.

MOTIVAÇÃO: Para além do já exposto na nossa anterior sentença e que não foi posta em causa pelo douto acórdão que ora se vem referindo, para os aspectos concretos que importou ouvir novamente a prova, o Tribunal formou a sua convicção e procedeu a uma análise crítica da prova produzida com base no seguinte: atendeu a toda a prova documental existente nos autos bem como, nas declarações prestadas pelo arguido e demais testemunhas ouvidas em sede de audiência de julgamento. Assim, o arguido novamente apresentou um discurso que no essencial não foi credível a este tribunal e os rendimentos que foi possível apurar como supra se expôs, o arguido só os foi debitando quase como uma “obrigação sua”, ou seja, não foi um depoimento espontâneo. Por outro lado, o tribunal ficou com a convicção que o arguido não só trabalha para o pai, como é ele que de facto gere o dito “Bar Rainha” sito em Vila de Rei, que no entanto tudo indica esteja no nome da sua actual companheira, isto como forma de se eximir a declarar tais rendimentos.

Aliás, o próprio arguido diz que ajuda no dito Bar quando é preciso, nomeadamente já o foi abrir e normalmente ao encerramento é ele que vai buscar a companheira. Quanto às suas despesas aquele afirmou que são mínimas e tudo dividindo com a companheira. Quanto à testemunha e queixosa A…, ajudou no esclarecimento dos factos agora dados como provados e não provados, apresentando um discurso credível e portanto afirmou que efectivamente o próprio ex-marido lhe tinha dito que ele ia abrir o dito Bar, sabendo ela que ele é que explora o dito bar e não a dita companheira, dado que a mesma não terá expediente para tal; também disse que o arguido vai jantar muitas vezes fora, ao restaurante, levando o seu filho consigo e que ela apenas ganha o seu ordenado como empregada de balcão na loja cujo trespasse pertence à sua mãe e que tem muitas dificuldades para criar o filho precisando dos alimentos. De resto não conseguiu concretizar mais nada sobre o modo de vida do arguido.
Quanto à testemunha E..., do seu depoimento não obstante nos parecer credível, a mesma não conseguiu também concretizar muita coisa sobre o modo de ganhar a vida do arguido, dizendo que ele andava por Tomar em dois carros o dito Opel Tigra e o Twingo que não sabe a quem pertence e que o via bem vestido e arranjado e muito bem acompanhado na noite. Quanto aos factos não provados – não se fez qualquer prova sobre os mesmos.

III - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

Ao arguido é imputada a prática de um crime de violação da obrigação de alimentos p e p pelo artigo 250º/1 do CP, o qual determina que quem estando legalmente obrigado a prestar alimentos e em condições de o fazer, não cumprir a obrigação, pondo em perigo a satisfação sem auxílio de terceiro das necessidades fundamentais de quem a eles tem direito, é punido com pena de prisão até 2 anos ou com pena de multa até 240 dias e no nº 2 se diz que o procedimento criminal depende de queixa e no nº 3 afirma-se que se a obrigação vier a ser cumprida, pode o tribunal dispensar de pena ou declarar extinta, no todo ou em parte a pena ainda não cumprida. Entretanto, entrou em vigor nova lei penal a nº 59/2007 de 04.09, que veio acrescentar um novo nº 2 pelo qual se impõe que na mesma pena prevista no nº 1 (que se mantém idêntico) incorre quem, com intenção de não prestar alimentos, se colocar na impossibilidade de o fazer e violar a obrigação a que está sujeito, criando o perigo previsto no número anterior. Ora, analisando esta versão actual, consideramos que a mesma vem punir novos comportamentos que na data da prática dos factos ainda não eram puníveis, pelo que tal é um regime que concretamente é mais desfavorável ao agente e por isso será a versão anterior a que se aplicará in casu. Pelo artigo em apreço, está-se a proteger criminalmente o agregado familiar com carências de natureza material. De acordo com o artigo 2003º do CC, entende-se por alimentos tudo o que é indispensável ao sustento, habitação e vestuário, neles se compreendendo também a instrução e educação do alimentando no caso de ser menor.
No âmbito do poder paternal, temos as regras especiais previstas nos artigo 1877º e ss., do CC, designadamente o artigo 1878º/1 impõe que compete aos pais, no interesse dos filhos, velar pela sua segurança e saúde e prover ao seu sustento, dirigir a sua educação, representá-los e administrar os seus bens. Para que se verifique a prática deste crime, basta que se perspective o perigo, não sendo necessária a carência efectiva, mesmo que se esteja a receber auxílio de terceiros, quer estes auxiliem por estar legalmente obrigados, quer o façam voluntariamente, neste sentido Manuel Leal Henriques e Manuel Simas Santos, in Código Penal Anotado, 3ª Edição, 2º vol., Editora Rei dos Livros, págs., 1065 e ss., posição que aderimos. Estamos pois perante um prime de perigo e não de dano. Por outro lado e nos termos do artigo 2004º/1 do CC, determina-se que os alimentos serão proporcionados aos meios daquele que houver de prestá-los e à necessidade daquele que houver de recebê-los. Posto isto e tendo em conta os factos dados como provados e não provados no concernente aos aspectos concretos que ora importa dilucidar, temos de concluir que o arguido cometeu efectivamente este crime de violação da obrigação de alimentos, fazendo perigar de modo efectivo as necessidades básicas do seu filho menor Rui, designadamente de alimentação, de vestuário e de saúde além das de educação, dado que quer a mãe do menor, quer este mesmo não possuem rendimentos que por si sós, possam fazer cessar tal necessidade, o que arguido não cumpre a dita obrigação de alimentos porque não quer, até porque o mesmo aufere cerca de 200 € a 300 €/mês e as despesas que possui com a renda de casa e o restante dado como provado supra, são mínimas ao que tudo acresce que também se provou que o arguido auxilia a sua actual companheira na exploração dum Bar denominado de “Rainha”, sito em Vila de Rei. É verdade que não se apurou os rendimentos concretos que o dito Bar gere, bem como não se apurou concretamente quanto é que a sua companheira lhe “paga” pela ajuda que ele lhe dá nesse bar. No entanto, sabe-se que pelo menos para a alimentação e contas da casa que este casal mantém, a sua companheira ajuda-o com os rendimentos do dito bar.
Portanto, o arguido tem rendimentos que lhe permitam pagar objectivamente a pensão de alimentos ao seu filho Rui; a qual se cifra em apenas 100 €/mês, o que não é excessivo mesmo para os rendimentos supra referidos, atendendo ao modo de vida que o arguido leva bem como, relevam aqui as próprias regras de experiência comum dado que quem janta fora várias vezes é porque não passa assim tantas necessidades e porque pode pagar tais despesas, pelo que cumpre concluir que estão verificados todos os pressupostos de facto e de direito relativos a este crime e não existem causas de exclusão da culpa, nem falta qualquer condição de punibilidade.
* No concernente à medida da pena, mantenho tudo o que antes já foi decidido na sentença anterior.

*

Quanto ao pedido de indemnização cível apresentado, por A..., enquanto mãe do menor R... e por via do crime supra citado, mantenho a anterior decisão nesta parte, dado que provou-se o cometimento do crime pelo qual o arguido se encontra acusado, apenas com as alterações à matéria de facto que supra ora se decidiu, mas que não relevam em termos substanciais para que se alterasse a nossa anterior decisão.
IV – DECISÃO Nestes termos e decidindo, julgo a acusação totalmente procedente por provada, e em consequência: a) Condeno o arguido F..., como autor material e na forma consumada, pela prática de um crime de violação da obrigação de alimentos p e p pelo artigo 250º/1 e 51º/1-a), todos do CP, na pena de prisão de 11 meses, suspensa a sua execução por três anos e sujeita à condição de pagar em cinco meses a compensação que infra se fixa, devendo o arguido comprovar nos autos o pagamento realizado. b) Condeno também o arguido no pagamento de três UC’s de Taxa de Justiça, nas custas do processo, com o mínimo de procuradoria, bem como em 1% da Taxa de justiça aplicável, a reverter para o cofre, nos termos do art.º 13º/3, do D.L. nº 423/91, de 30 de Outubro e ainda nos honorários à ilustre Defensora Oficiosa até à escusa apresentada por aquela, a adiantar pelo IGFPJ. c) Condeno ainda o demandado F..., a pagar à demandante enquanto mãe do menor R...(sendo este o credor), a título de indemnização cível pela ocorrência de danos materiais e morais a quantia total de 6.300 € (seis mil e trezentos euros), acrescidos os juros de mora vencidos e vincendos à taxa de 4 % até efectivo pagamento e desde a notificação do pedido de indemnização civil, ao que acrescem os juros à taxa de 5 % e apenas a partir do trânsito em julgado desta sentença, como sanção pecuniária compulsória. d) Custas cíveis, por ambas as partes, na proporção do decaimento.
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III. Decisão de 8 de Julho de 2008 (quanto à medida da pena e ao pedido de indemnização cível): “(…)
MEDIDA DA PENA: Feito o enquadramento jurídico da forma acima descrita, importa agora proceder à determinação da pena concreta a aplicar ao arguido. Ao crime de violação da obrigação de alimentos p e p no artigo 250º/1 do CP, é aplicável pena de prisão que vai dentro da moldura abstracta da lei no mínimo de um mês até dois anos no máximo ou, com pena de multa que dentro da moldura abstracta da lei vai de 10 dias no mínimo até ao máximo de 240 dias, com montantes diários que variam entre 1 € e 498,80 € no máximo. Importa determinar a medida da pena que em concreto se adeque ao comportamento do arguido, para o que de acordo com o artigo 71º do CP, se tem de atender à culpa do agente, bem como a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo, deponham a seu favor ou contra ele. A pena tem, pois, como suporte axiológico-normativo uma culpa concreta, o que quer dizer que não pode haver uma pena sem culpa por um lado e, que é a culpa que determina a pena, por outro lado. Sendo a culpa pressuposto da validade da pena e seu limite máximo, a pena concreta tem de fixar-se entre um limite mínimo já adequado a ela e um limite máximo ainda adequado à mesma, ambos determinados também com a consideração das finalidades próprias da punição. O arguido agiu com culpa, na modalidade de dolo directo e com elevada intensidade, na medida em que agiu com intenção e vontade deliberadas de praticar os factos criminosos, colocando em perigo a satisfação das necessidades básicas do seu próprio filho! Violou desse modo os valores que a ordem jurídica lhe impunha. É ainda de considerar a atitude do arguido em sede de audiência de julgamento, que negou a prática dos factos, bem como a sua recusa sistemática em não cumprir com os alimentos a que está obrigado e que neste caso até surgiu de um acordo por ele consentido. As necessidades de prevenção especial mostram-se elevadas dado que o arguido contacta muito proximamente com o filho e até a queixosa. Dispõe o artigo 70º do CP, que se ao crime forem aplicáveis em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, o Tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição. Ora, considerando a natureza do crime em questão e as suas consequências em concreto serem muito gravosas, sendo a vítima quem é, filho do arguido e sopesando a inexistência de antecedentes criminais quanto ao arguido, a frieza de sentimentos demonstrada e a desfaçatez da atitude do arguido que apresentando ter meios económicos para pagar os alimentos, todavia não o faz porque não quer, bem como o desrespeito demonstrado por várias decisões judiciais, julgo que in casu só uma pena de detenção serve para salvaguardar as exigências de prevenção especial e geral que ao caso cabem e para punir o arguido, pelo que decido aplicar-lhe 11 meses de prisão (neste sentido por exemplo acórdão do STJ de 11.03.1987, in BMJ 365-410). Quanto ao artigo 50º do CP determina esse dispositivo legal que, o tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a 3 anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição. Ora, não obstante a gravidade do crime cometido, o qual afecta mesmo a vida/a satisfação das necessidades do seu próprio filho, a verdade é que o mesmo é primário e está inserido socialmente e ainda assim mantém contactos com o filho, privando com o mesmo, enfim tudo me leva a considerar que ainda neste caso em concreto, é suficiente a simples censura do facto e a ameaça da prisão, pelo que decido suspender a pena de prisão a aplicar em concreto ao arguido, pelo período de 3 anos, mas sujeita tal suspensão a que aquele pague a compensação financeira a fixar infra no pedido de indemnização civil e que se prende com o cumprimento dos alimentos, em cinco meses, devendo o arguido fazer juntar aos autos o comprovativo em como pagou tal quantia financeira, nos termos do artigo 51º/1-a) do CP, nesse prazo (o qual dispõe que “A suspensão da execução da pena de prisão pode ser subordinada ao cumprimento de deveres impostos ao condenado e destinados a reparar o mal do crime, nomeadamente: a) pagar dentro de certo prazo, no todo ou na parte que o tribunal considerar possível, a indemnização devida ao lesado ou garantir o seu pagamento por meio de caução idóneo.
* No pedido de indemnização cível apresentado, por A..., mãe do menor R... e enquanto tal e por via do crime supra citado, aquela alega em síntese que sem a ajuda da sua mãe e avó do menor em causa, não conseguiria ter meios para sustentar o Rui; que o arguido faz questão de todas as vezes que vai buscar o filho, de se fazer transportar num bom automóvel e aparece socialmente como um comerciante de sucesso, explorando por outras pessoas estabelecimentos de cafetaria e bares, sendo visto nesta cidade de Tomar, como pessoa que vive com desafogo económico e com vida social intensa, demonstrando satisfação por não cumprir com a obrigação de alimentos que lhe foi imposta; logo desde Outubro de 2003 a Maio de 2007, estão em dívida 4.400 €, vencendo cada prestação juros à taxa legal de 5 %, de acordo com o artigo 829º A do CC e de juros à data temos a quantia de 412,50 €, mas para além disso a conduta do arguido tem provocado quer na queixosa como mãe do menor Rui, quer neste enorme desgosto e sofrimento, tendo que recorrer à sua mãe também ela com dificuldades para que a ajude a criar o neto, quando aquele com satisfação vê toda esta situação, evidenciando uma maldade fria, possuindo boa qualidade de vida, pelo que a título de danos morais reclama a quantia de 2.500 €, o que tudo totaliza a quantia de 7.312,50 €. A responsabilidade civil é a ocorrência jurídica pela qual um dano verificado na esfera jurídica de uma pessoa é imputada à esfera jurídica de outra pessoa, através da sua constituição numa obrigação de indemnizar. Esta imputação pode ser feita por três títulos diferentes: por facto ilícito, pelo risco e por facto lícito. No âmbito deste instituto compreende-se, assim, tanto a responsabilidade contratual, como a responsabilidade extracontratual, nas suas três modalidades de responsabilidade por factos ilícitos, pelo risco e por factos lícitos A responsabilidade extracontratual por facto ilícito, regulada nos artigos 483º e seguintes do CC, verifica-se quando alguém causa um dano a outra pessoa por, ilícita e culposamente, ter violado um direito de outrem ou uma disposição legal destinada a proteger interesses alheios. De acordo com a melhor técnica jurídica (cfr. Cod. Civil Anot., Profs. Pires de Lima e Antunes Varela, 3ª edição, págs. 444 e sgts.), ela pressupõe os seguintes requisitos: o facto, a ilicitude, a imputação do facto ao lesante, o dano e um nexo de causalidade entre o facto e dano. Nos termos do artigo 496º/1 do Código Civil, determina-se que na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito. Estes danos associam-se aos vexames, às dores morais, às inibições e outras limitações de comportamento, aos complexos que entretanto se criaram com a lesão sofrida, aos desgostos, à perda de prestígio e reputação no meio local, os quais podem atingir a saúde o bem estar das pessoas bem como a sua honra ou o bom nome. Como decorre do acima exposto, ficou provado nos presentes autos que o arguido praticou um crime de violação da obrigação de alimentos na pessoa do seu filho R…. Mais se provou que aquele possui capacidade e económica para suportar tal pagamento, porque se apurou que trabalha e gera rendimentos. Provou-se ainda que o menor passa por muitas dificuldades e que a sua mãe não conseguiria sozinha salvaguardar a sua saúde a integridade física, alimentação, etc., não fosse a ajuda que recebe da sua própria mãe/avó do menor R… . Que quer o seu filho, quer ela própria como mãe têm passado por muitos desgostos e sofrimento, não podendo proporcionar ao filho todas aquelas condições razoáveis de sobrevivência quotidianas, sabendo que o demandado vive bem. Encontram-se pois preenchidos todos os pressupostos de que depende a atribuição de indemnização civil quer a título de danos materiais, quer a título de danos morais pela ocorrência ilícita do crime em questão. Assim, de pensão de alimentos por pagar o que inclui o mês de Outubro de 2003 e abarca até ao mês de Maio de 2007 (inclusive), fixo a quantia de 4.400 €, ao que acrescem os juros de mora à taxa legal de 4 % (relações civis), desde a data da notificação do pedido de indemnização civil, artigos 805º e 806º do CC até efectivo cumprimento. Acrescem ainda juros à taxa de 5 %, desde a data que a presente sentença transitar em julgado, que fixo como sanção pecuniária compulsória, prevista no artigo 829º A/4 do CC (o qual estabelece que “Quando for estipulado ou judicialmente determinado qualquer pagamento em dinheiro corrente, são automaticamente devidos juros à taxa de 5 % ao ano, desde a data em que a sentença de condenação transitar em julgado, os quais acrescerão aos juros de mora, se estes forem também devidos, ou à indemnização a que houver lugar”). Quanto aos danos morais, atendendo ao grande lapso de tempo que se mantém este incumprimento, os muitos sofrimentos causados e o estar em causa um menor, considero adequado fixar a quantia de 1900 €. Pelo que no total, vai o demandado obrigado a pagar a quantia de 6.300 € (seis mil e trezentos euros), acrescidos os juros de mora vencidos e vincendos à taxa de 4 % até efectivo pagamento e ainda em 5 % de juros a partir do trânsito em julgado desta sentença, como sanção pecuniária compulsória.
O pedido de indemnização cível procede na quase totalidade.”
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IV. Apreciação do Recurso:
De harmonia com o disposto no n.º1, do artigo 412.º, do C.P.P., e conforme jurisprudência pacífica e constante (designadamente, do S.T.J. – Ac. de 13/5/1998, B.M.J. 477/263, Ac. de 25/6/1998, B.M.J. 478/242, Ac. de 3/2/1999, B.M.J. 477/271), o âmbito do recurso é delimitado em função do teor das conclusões extraídas pelos recorrentes da motivação apresentada, só sendo lícito ao tribunal ad quem apreciar as questões desse modo sintetizadas, sem prejuízo das que importe conhecer, oficiosamente por obstativas da apreciação do seu mérito, como são os vícios da sentença previstos no artigo 410.º, n.º 2, do mesmo diploma, mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito (Ac. do Plenário das Secções do S.T.J., de 19/10/1995, D.R. I – A Série, de 28/12/1995).
São só as questões suscitadas pelo recorrente e sumariadas nas conclusões, da respectiva motivação, que o tribunal ad quem tem de apreciar – artigo 403.º, n.º 1 e 412.º, n.º1 e n.º2, ambos do C.P.P. A este respeito, e no mesmo sentido, ensina Germano Marques da Silva, “Curso de Processo Penal”, Vol. III, 2ª edição, 2000, fls. 335, «Daí que, se o recorrente não retoma nas conclusões as questões que desenvolveu no corpo da motivação (porque se esqueceu ou porque pretendeu restringir o objecto do recurso), o Tribunal Superior só conhecerá das que constam das conclusões».
Sendo o objecto do recurso delimitado pelas conclusões extraídas da correspondente motivação (artigos 403.º, n.º 1 e 412º, nº 1 do Código de Processo Penal), as questões que vêm colocadas pelo recorrente são as seguintes:
1) saber se os factos provados sob os n.ºs 4 a 15 e 21 a 29 foram incorrectamente julgados, na sequência de errada apreciação da prova (conclusões 1 a 15); 2) saber se há nulidade insanável da sentença, nos termos do artigo 379.º, n.º 1, al. b), do CPP, por insuficiência da prova produzida para a matéria dada como provada (conclusão 16);
3) saber se há violação do disposto no artigo 412.º, n.º 3, als. a) e b), do CPP (conclusão 17);
4) saber se a sentença recorrida enferma da nulidade referida na al. c), do n.º 1, do artigo 379.º, do CPP (conclusões 19 a 27);
5) saber se a pena aplicada é exagerada, justificando-se, antes, uma pena de multa (conclusões 28 a 46);
6) saber se o período de suspensão da execução da pena deve ser reduzido a um ano (conclusões 47 a 55);
7) saber se a queixosa tinha legitimidade para formular o pedido de indemnização civil, nos termos em que o fez (conclusões 57 a 62);
8) saber se o tribunal a quo condenou o demandado para além do pedido (conclusões 64 a 68).
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1), 2) e 3) Das três primeiras questões:
Por uma questão de lógica, há que abordar em conjunto a apreciação das 3 primeiras questões acima enumeradas.
O recorrente coloca em causa certa matéria de facto dada como provada.
Em resumo, começa por considerar que os depoimentos de certas testemunhas não foram concludentes e que o tribunal desconsiderou o que, por si e pelas testemunhas de defesa, foi afirmado em julgamento, para, depois, deixar expresso que a sentença violou o princípio da livre apreciação da prova e que julgou incorrectamente factos, por falta de correspondência entre o que consta da fundamentação e a prova produzida em audiência.
Uma pergunta, desde já, se justifica. O recorrente pretende invocar vícios oficiosos do artigo 410º, do CPP, assim impugnando a matéria de facto dada como provada, ou pretende reapreciar a matéria dada como provada, nos termos do artigo 412º, n.º 3 do CPP? Não há que confundir estas duas formas de impugnação da matéria factual – por um lado, a invocação dos vícios previstos no artigo 410º, n.º 2, alíneas a). b) e c), e por outro, os requisitos da impugnação – mais ampla - da matéria de facto a que se refere o artigo 412º, n.º 3, alíneas a), b) e c), todos do CPP. **** Estabelece o art. 410.º, n.º 2, do CPP, que, mesmo nos casos em que a lei restringe a cognição do tribunal, o recurso pode ter como fundamentos, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum: a) A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada; b) A contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão; c) Erro notório na apreciação da prova. Saliente-se que, em qualquer das apontadas hipóteses, o vício tem que resultar da decisão recorrida, por si mesma ou conjugada com as regras da experiência comum, não sendo por isso admissível o recurso a elementos àquela estranhos, para o fundamentar, como, por exemplo, quaisquer dados existentes nos autos, mesmo que provenientes do próprio julgamento (cf. Maia Gonçalves, Código de Processo Penal Anotado, 10. ª ed., 729, Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Vol. III, Verbo, 2ª ed., 339 e Simas Santos e Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 6.ª ed., 77 e ss.), tratando-se, assim, de vícios intrínsecos da sentença que, por isso, quanto a eles, terá que ser auto-suficiente. A “insuficiência para a decisão da matéria de facto provada”, vício previsto no artigo 410.º, n.º 2, alínea a), ocorrerá quando a matéria de facto provada seja insuficiente para fundamentar a decisão de direito e quando o tribunal não investigou toda a matéria de facto com interesse para a decisão – diga-se, contudo, que este vício se reporta à insuficiência da matéria de facto provada para a decisão de direito e não à insuficiência da prova para a matéria de facto provada, questão do âmbito do princípio da livre apreciação da prova, que é insindicável em reexame restrito à matéria de direito. A “contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão”, vício previsto no artigo 410.º, n.º 2, alínea b), consiste na incompatibilidade, insusceptível de ser ultrapassada através da própria decisão recorrida, entre os factos provados, entre estes e os não provados ou entre a fundamentação e a decisão. Tal ocorre quando um mesmo facto com interesse para a decisão da causa seja julgado como provado e não provado, ou quando se considerem como provados factos incompatíveis entre si, de modo a que apenas um deles pode persistir, ou quando for de concluir que a fundamentação conduz a uma decisão contrária àquela que foi tomada. Finalmente, o “erro notório na apreciação da prova”, a que se reporta a alínea c) do artigo 410.º, verifica-se quando um homem médio, perante o teor da decisão recorrida, por si só ou conjugada com o senso comum, facilmente percebe que o tribunal violou as regras da experiência ou de que efectuou uma apreciação manifestamente incorrecta, desadequada, baseada em juízos ilógicos, arbitrários ou mesmo contraditórios. O erro notório também se verifica quando se violam as regras sobre prova vinculada ou das legis artis (sobre estes vícios de conhecimento oficioso, Simas Santos e Leal-Henriques, Recursos em processo penal, 5.ª edição, pp.61 e seguintes). Esse vício do erro notório na apreciação da prova existe quando o tribunal valoriza a prova contra as regras da experiência comum ou contra critérios legalmente fixados, aferindo-se o requisito da notoriedade pela circunstância de não passar o erro despercebido ao cidadão comum ou, talvez melhor dito, ao juiz “normal”, ao juiz dotado da cultura e experiência que deve existir em quem exerce a função de julgar, devido à sua forma grosseira, ostensiva ou evidente (cf. Prof. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Vol. III, Verbo, 2ª Ed., 341). Trata-se de um vício de raciocínio na apreciação das provas que se evidencia aos olhos do homem médio pela simples leitura da decisão, e que consiste basicamente, em decidir-se contra o que se provou ou não provou ou dar-se como provado o que não pode ter acontecido (cf. Simas Santos e Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 6ª Ed., 74). Não se verifica tal erro se a discordância resulta da forma como o tribunal teria apreciado a prova produzida – o simples facto de a versão do recorrente sobre a matéria de facto não coincidir com a versão acolhida pelo tribunal não leva ao ora analisado vício.
**** Por sua vez, o erro de julgamento, consagrado no artigo 412º, nº 3, do CPP, ocorre quando o tribunal considere provado um determinado facto, sem que dele tivesse sido feita prova pelo que deveria ter sido considerado não provado ou quando dá como não provado um facto que, face à prova que foi produzida, deveria ter sido considerado provado. Aqui, nesta situação de erro de julgamento, o recurso quer reapreciar a prova gravada em 1ª instância, havendo que a ouvir em 2ª instância. Neste caso, a apreciação não se restringe ao texto da decisão, alargando-se à análise do que se contém e pode extrair da prova (documentada) produzida em audiência, mas sempre dentro dos limites fornecidos pelo recorrente no estrito cumprimento do ónus de especificação imposto pelos n.º 3 e 4 do art. 412.º do CPP. Nos casos de impugnação ampla, o recurso da matéria de facto não visa a realização de um segundo julgamento sobre aquela matéria, agora com base na audição de gravações, antes constituindo um mero remédio para obviar a eventuais erros ou incorrecções da decisão recorrida na forma como apreciou a prova, na perspectiva dos concretos pontos de facto identificados pelo recorrente. E é exactamente porque o recurso em que se impugne (amplamente) a decisão sobre a matéria de facto não constituiu um novo julgamento do objecto do processo, mas antes um remédio jurídico que se destina a despistar e corrigir, cirurgicamente, erros in judicando ou in procedendo, que o recorrente deverá expressamente indicar, é que se impõe a este o ónus de proceder a uma tríplice especificação, estabelecendo o artigo 412.º, n.º 3, do C.P. Penal: «3.Quando impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, o recorrente deve especificar: a)- Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados; b)-As concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida; c)-As provas que devem ser renovadas». A dita especificação dos «concretos pontos de facto» traduz-se na indicação dos factos individualizados que constam da sentença recorrida e que se consideram incorrectamente julgados, só se satisfazendo tal especificação com a indicação do conteúdo especifico do meio de prova ou de obtenção de prova e com a explicitação da razão pela qual essas «provas» impõem decisão diversa da recorrida.
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Pois bem, posto isto, face ao teor das conclusões do recurso, é forçoso concluir que o recorrente aponta, claramente para um erro de julgamento, na medida em que coloca em crise determinados factos dados como provados com base em declarações e depoimentos prestados em audiência de julgamento (elementos extrínsecos à sentença).
Importa, então, ter bem presente que o n.º 4, do citado artigo 412.º contempla o seguinte:Quando as provas tenham sido gravadas, as especificações previstas nas alíneas b) e c) do número anterior fazem-se por referência ao consignado na acta, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 364.º, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens em que se funda a impugnação.Ora, no caso em apreço, o recorrente, pura e simplesmente, não observou os requisitos dos n.ºs 3 e 4, do artigo 412.º, do CPP, e é neste âmbito que deve ser enquadrada a impugnação da matéria de facto feita pelo arguido, limitando-se à transcrição parcial (em sede de motivação) de certos depoimentos prestados em audiência, sendo certo que não indica, em momento algum, por referência aos suportes técnicos, as concretas passagens/segmentos desses depoimentos que impõem, em seu entender, decisão diversa da recorrida.
É preciso ter bem presente, e daí que o salientemos uma vez mais, que as especificações em causa são efectuadas por referência ao consignado em acta – adaptação que é exigida, actualmente, pela ausência da transcrição da prova, o que obriga o recorrente a indicar concretamente as passagens em que funda a impugnação – ver, neste sentido, Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código de Processo Penal, p. 1135. Que consequências retirar do exposto até agora? Resulta, em bom rigor, das conclusões, como da própria motivação do recurso, que o arguido/recorrente não cumpriu, na sua plenitude, as referenciadas exigências normativas, porquanto não especificou os pontos de facto que considera incorrectamente julgados e as provas que impõem decisão diversa da recorrida por referência aos respectivos suportes técnicos de gravação e, por via disso, está este Tribunal de Relação impossibilitado de proceder à modificação da decisão proferida em sede de matéria de facto pelo Tribunal a quo (v. g., art. 431.º do CPP). Tenhamos presente, nesse sentido, o Ac. do S.T.J., de 24/10/2002, proferido no Processo n.º 2124/02, em que pode ser lido o seguinte: “(…) o labor do tribunal de 2.ª Instância num recurso de matéria de facto não é uma indiscriminada expedição destinada a repetir toda a prova (por leitura e/ou audição), mas sim um trabalho de reexame da apreciação da prova (e eventualmente a partir dos) nos pontos incorrectamente julgados, segundo o recorrente, e a partir das provas que, no mesmo entender, impõem decisão diversa da recorrida – art.º 412.º, n.º 3, als. a) e b) do C.P.P. e levam à transcrição (n.º 4 do art.º 412.º do C.P.P.). Se o recorrente não cumpre esses deveres, não é exigível ao Tribunal Superior que se lhe substitua e tudo reexamine, quando o que lhe é pedido é que sindique erros de julgamento que lhe sejam devidamente apontados com referência à prova e respectivos suportes”. Consideremos, ainda, que é posição constante da jurisprudência, quer a do STJ, quer a do TC, aquela que entende que “as menções a que aludem as alíneas a), b) e c) do n.º 3 e o n.º 4 do artigo 412º do Código de Processo Penal não traduzem um ónus de natureza puramente secundária ou formal que sobre o recorrente impenda, antes se conexionando com a inteligibilidade e concludência da própria impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto. É o próprio ónus de impugnação da decisão da matéria de facto que não pode considerar-se minimamente cumprido quando o recorrente se limite a, de uma forma vaga ou genérica, questionar a bondade da decisão proferida sobre a matéria de facto” – v.g. ac. TC 140/2004. E não se diga que o caso justifica a prolação de despacho dirigido ao recorrente no sentido de aperfeiçoar as motivações de recurso. Como adverte a jurisprudência do Tribunal Constitucional, não está aqui em causa apenas uma certa insuficiência ou deficiência formal das conclusões apresentadas pelo arguido recorrente, isto é, relativa à forma de exposição ou condensação de uma impugnação que é, quanto ao mais, apreensível pela motivação do recurso - falta, essa, para a qual a rejeição liminar do recurso, sem oportunidade de correcção dos vícios formais detectados, constitui exigência desproporcionada. Antes, a indicação exigida pela al. b) do n.º 3 e pelo n.º 4 do art. 412.º do CPP - repete-se, das provas que impõem decisão diversa da recorrida, por referência aos suportes técnicos - é imprescindível logo para a delimitação do âmbito da impugnação da matéria de facto, e não um ónus meramente formal. O cumprimento destas exigências condiciona a própria possibilidade de se entender e delimitar a impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto, exigindo-se, pois, referências específicas, e não apenas uma impugnação genérica da decisão proferida em matéria de facto. Importa, aliás, recordar, por um lado, que da jurisprudência do T.C. não pode retirar-se uma exigência constitucional de convite ao aperfeiçoamento sempre que o recorrente não tenha, por exemplo, apresentado motivação, ou todos ou parte dos fundamentos possíveis da motivação (e que, portanto, o vício seja substancial, e não apenas formal). E ainda, por outro lado, que o legislador processual pode definir os requisitos adjectivos para o exercício do direito ao recurso, incluindo o cumprimento de certos ónus ou formalidades que não sejam desproporcionados e visem uma finalidade processualmente adequada, sem que tal definição viole o direito ao recurso constitucionalmente consagrado. Ora, é manifestamente este o caso das exigências constantes do artigo 412.º, n.ºs 3, alínea b) e 4, do CPP, cujo cumprimento não é desproporcionado e antes serve uma finalidade de ordenamento processual claramente justificada. Aliás, o modo de especificação por referência aos suportes técnicos é deixado em aberto pelo n.º 4 do art. 412.º do CPP, não tendo, porém, no presente caso, como já vimos, existido sequer qualquer esboço dessa referência. O despacho de aperfeiçoamento neste caso equivaleria, no fundo, à concessão de novo prazo para recorrer, que não pode considerar-se compreendido no próprio direito ao recurso. Enfatizemos, sendo este o caso, existindo falta de indicação, na motivação e nas conclusões do recurso, das menções contidas nos n.ºs. 2 e 3, do artigo 412.º, do CPP, não há que convidar o recorrente a corrigir o seu requerimento de recurso. (vide os acórdãos do TC. n.ºs 259/02 e 140/2004). É o que resulta, igualmente, da jurisprudência exarada no STJ. No que tange a esta matéria, vide o Acórdão do STJ, 15-12-2005 (Processo Nº 05P2951, sendo relator o conselheiro Simas Santos): “1 - São inconstitucionais, por violação dos direitos a um processo equitativo e do próprio direito ao recurso, as normas dos n.ºs 3 e 4 do art. 412.º do CPP na interpretação segundo a qual o incumprimento dos ónus aí fixados, conduz à rejeição do recurso, sem a possibilidade de aperfeiçoamento, pelo que a Relação não pode sem mais rejeitar o recurso em matéria de facto, nem deixar de o conhecer, por ter por imodificável a matéria de facto, nos termos do art. 431.º do CPP (cfr. Ac. n.º 320/2002 do T. Constitucional, DR-IA, 07.10.2002); 2 - Em tal caso a Relação deve tomar posição sobre a suficiência ou insuficiência das conclusões das motivações, sobre a posição assumida pelos recorrentes face à notificação ordenada ao abrigo do n.º 2 do art. 417.º do CPP e ordenar, se for caso disso, a notificação dos recorrentes para corrigirem/completarem as conclusões das motivações de recurso, conhecendo, depois, desses recursos; 3 - Mas isso apenas quando as deficiências se encontrem nas conclusões, sendo insanável a deficiência resultante da omissão na motivação dessas especificações, pois o conteúdo do texto da motivação constitui um limite absoluto que não pode ser extravasado através do convite à correcção das conclusões da motivação.Por conseguinte, não há que conhecer, nesta parte, do recurso, considerando-se definitivamente fixada a matéria de facto.
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4) Da nulidade referida na al. c), do n.º 1, do artigo 379.º, do CPP:
O recorrente entende que a sentença recorrida contém a citada nulidade, afirmando que o Tribunal a quo alicerçou a sua convicção e fundamentou a sua decisão através de factos que não vinham descritos na acusação, mas sim no pedido de indemnização civil.
Consagra o artigo 379.º, n.º 1, c), do C.P.P.:
1 – É nula a sentença:
a) …;
b) …;
c) Quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento
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O artigo 379.º, n.º 1, al. c), do C.P.P., ao consagrar que a sentença é nulaquando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento”, significa, por um lado, que o juiz deve resolver todas as questões que tenham sido submetidas à sua apreciação, bem como aquelas que sejam do seu conhecimento oficioso.
Ficam exceptuadas deste dever de pronúncia as questões cuja decisão reste prejudicada pela solução dada a outra, bem como as questões juridicamente irrelevantes ou cuja apreciação se torne inútil pelo enquadramento jurídico escolhido.
Decorre, do âmbito assim traçado, que o juiz não tem de se pronunciar sobre todas as razões ou argumentos esgrimidos pelos outros intervenientes processuais, desde que não deixe de apreciar os problemas fundamentais e necessários que lhe são colocados, ou que ele próprio deva colocar.
Este dever de pronúncia, cuja inobservância leva à nulidade da sentença, tem, por outro lado, como correspectivo um dever de não pronúncia, cujo incumprimento é também sancionado com a nulidade da sentença, ou seja, o juiz não pode ocupar-se senão de determinadas questões suscitadas no processo.
Na sentença, o julgador deve fazer constar todos os factos que, constando do thema decidendum, tenham sido carreados para os autos e que tenham relevância para a boa decisão da causa.
O objecto do processo penal é, essencialmente, o objecto da acusação, sendo este que, por sua vez, delimita e fixa os poderes de cognição do tribunal (actividade cognitória) e a extensão do caso julgado (actividade decisória), ao que se chama de vinculação temática do tribunal, nele se consubstanciando os princípios da identidade (o objecto do processo deve manter-se o mesmo desde a acusação até ao trânsito em julgado da sentença), da unidade ou indivisibilidade (o objecto do processo deve ser conhecido e julgado pelo Tribunal na sua totalidade, é indivisível) e da consunção (o objecto do processo deve considerar-se irrepetivelmente decidido na sua totalidade). A vinculação temática é também justificada pela necessidade de assegurar todas as garantias à defesa do arguido, escorada no princípio da presunção de inocência: “O processo penal assegura todas as garantias de defesa, incluindo o recurso”, proclama o n.º 1 do art.º 32º da CRP, o que impede arbitrários alargamentos da actividade cognitória e decisória do tribunal. Daí que o objecto do processo tenha de manter-se o mesmo, desde a acusação até ao trânsito em julgado da sentença, o objecto do processo deve ser conhecido e julgado pelo Tribunal na sua totalidade, é indivisível, e o objecto do processo deve considerar-se irrepetivelmente decidido na sua totalidade.
No caso presente, o tribunal recorrido não se afastou do objecto do processo.
Acontece que, quanto à prática do crime, a decisão da condenação assentou nos factos constantes da acusação pública, já que nenhum facto novo foi considerado na sentença, em sede de matéria de facto dada como provada.
O recorrente, nesta matéria, não está a levar em consideração o artigo 11.º da acusação (fls. 91794), em que se lê o seguinte: “o arguido trabalha por conta própria, sendo proprietário de um estabelecimento comercial, sito em Tomar, do qual aufere rendimentos e lucros que lhe possibilitam proceder ao pagamento da pensão de alimentos a que se encontra judicialmente obrigado”.
Em boa verdade, nos factos provados, não é feita qualquer alusão a que o arguido “trabalha e aufere rendimentos que lhe proporcionam um bom nível de vida e janta fora várias vezes,”.
Aliás, no pedido de indemnização civil, de fls. 107/111, também não constam tais frases.
É certo que tais expressões são usadas, mas apenas na fundamentação da sentença e devidamente contextualizadas, devendo, por isso, serem aceites como elementos de pura argumentação que, em nada, extravasam o objecto do processo.
Por fim, no que tange ao facto da sentença fazer alusão à vida social e nocturna do arguido (facto provado n.º 30), o mesmo é inócuo para a caracterização do tipo de crime, pelo que, também aqui, não há qualquer desvio à vinculação temática do tribunal.
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5) Da medida da pena:
O recorrente entende, em síntese, que a pena aplicada se mostra completa e manifestamente exagerada, não tendo levado em consideração todas as respectivas circunstâncias pessoais e atenuantes.
Para tanto, avança que está demonstrado nos autos que é delinquente primário, está inserido social e profissionalmente, mantém contactos com o filho.
Assim sendo, sempre seria justificada a aplicação de pena de multa.
Que se oferece dizer quanto a isto?
Façamos uma breve análise sobre as finalidades legais das penas com reflexos no seu doseamento e nos critérios legais concretos a observar neste doseamento.
Como dispõe o artigo 40.º, n.º 1, do Código Penal, a aplicação de penas visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade. As finalidades das penas, na previsão, na aplicação e na execução, são assim na filosofia da lei penal vigente a protecção de bens jurídicos e a integração do agente do crime nos valores sociais afectados.
Na protecção de bens jurídicos está ínsita uma finalidade de prevenção de comportamentos danosos que afectem tais bens e valores (prevenção geral) como também a realização de finalidades preventivas que sejam aptas a impedir a prática pelo agente de futuros crimes (prevenção especial negativa).
As finalidades das penas na sua vertente de prevenção positiva geral e de integração ou prevenção especial de socialização conjugam-se na prossecução do objectivo comum de, por meio da prevenção de comportamentos danosos, proteger bens jurídicos comunitariamente valiosos cuja violação constitui crime.
No caso concreto a finalidade de tutela e protecção de bens jurídicos há-de constituir o motivo fundamento da escolha do modelo e da medida da pena, da tutela da confiança das expectativas da comunidade na validade das normas e especificamente na validade e integridade das normas e dos correspondentes valores concretamente afectados.
Por seu lado, a finalidade de reintegração do agente na sociedade há-de ser em cada caso prosseguida pela imposição de uma pena cuja espécie e medida, determinada por critérios derivados das exigências de prevenção especial, se mostre adequada e seja exigida pelas necessidades de ressocialização do agente, ou pela intensidade da advertência que se revele suficiente para realizar tais finalidades.
Nos limites da prevenção geral de integração e de prevenção especial de socialização será encontrada a medida concreta da pena, sempre de acordo com o princípio da culpa que, nos termos do artigo 40.º, n.º 2, do Código Penal, constitui limite inultrapassável da prevenção a realizar através da pena (cfr. nomeadamente Jorge de Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, 1ª edição, pags. 238 a 255).
Postas estas considerações gerais, que devem estar presentes no juízo conducente à pena concreta e adequada, o artigo 71.º, n.º 1, do Código Penal, preceitua, na senda do citado artigo 40.º, que a determinação concreta da pena, dentro dos limites legalmente definidos, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção e o n.º 2 do mesmo artigo determina que o tribunal atenda a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor ou contra o agente, enumerando algumas a título exemplificativo, circunstâncias estas que nos darão a medida das exigências de prevenção em concreto a realizar porque indicadoras do grau de violação do valor em causa e da prognose de no futuro o agente se poder determinar com o respeito pelo valor penalmente protegido (a necessidade da pena revela-se desse modo em função da menor ou maior exigência do exercício da prevenção e da reintegração).
Em resumo, tendo como suporte axiológico-normativo uma culpa concreta, ou seja, tendo como primeira referência a culpa, a fixação da medida da pena perseguirá concomitantemente a prevenção (que, neste contexto, exige fixação de pena que seja entendida pela sociedade como a necessária à tutela do direito e adequada à confiança na aplicação da justiça) e, sempre, objectivos pedagógicos e ressocializadores, tudo tendo em vista a protecção de bens jurídicos e a reinserção social do agente.
Neste quadro, há que ter presente o artigo 70.º, do Código Penal, segundo o qual «se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição». Como refere Anabela Rodrigues, «a prisão – se cumprido o programa de alargamento de margens legais no âmbito das quais se pode recorrer a penas de substituição e se a tipologia destas penas, por sua vez, também for suficientemente ampla – deve ver a sua aplicação reduzida aos casos de cometimento de crimes mais graves, em que uma reacção através de outras formas de pena não poderia assegurar o efeito essencial de prevenção geral desejado», cf. «Sistema punitivo português. Principais alterações ao Código Penal Revisto», Sub Judice, nº 11, p. 32. É claro, como bem se refere na posição referida, que a aplicação deste último princípio deve depender do leque variado de penas alternativas à prisão, disponíveis perante o aplicador. “Importa sublinhar a afirmação de que a pena de prisão só deve ser aplicada, nomeadamente na criminalidade menos grave, se todas as outras penas disponíveis estiverem, no caso concreto, dir-se-ia, «esgotadas». É esse o sentido da lei e sobre ele os Tribunais devem cumpri-lo.”, conforme consta do recente Acórdão deste Tribunal da Relação de Coimbra, de 14/4/2010, Processo n.º 390/01.8TAVIS – A.C1, em que foi Relator o Exmo. Desembargador Mouraz Lopes, in www.dgsi.pt/jtrc.
Como escreve o Prof. Figueiredo Dias, in Direito Penal Português, Consequências Jurídicas do Crime, Ed. Notícias, pág.333, “Desde que impostas ou aconselhadas à luz de exigências de socialização, a pena alternativa ou a pena de substituição só não serão aplicadas se a execução da pena de prisão se mostrar indispensável para que não sejam postas irremediavelmente em causa a necessária tutela dos bens jurídicos e estabilização contrafáctica das expectativas comunitárias”.
Como salienta a Prof. Maria João Antunes, in Consequências Jurídicas do Crime, pág. 12, “o CP de 1982 apostou na superioridade politico-criminal da pena de multa face à pena de prisão, no tratamento da pequena e média criminalidade…”, acrescentando, “torna-se particularmente necessário que esta pena seja legalmente conformada e concretamente aplicada de forma a permitir a plena realização das finalidades das penas (art. 40, nº 1 do CP), o que acarreta, desde logo, o estabelecimento de limites mínimos e máximos suficientemente afastados para que a determinação concreta da pena possa fazer dela uma pena com eficácia politico-criminal…”,apresentando como indiscutíveis as vantagens da pena de multa sobre a pena de prisão.
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Pois bem, tudo está em saber se, no caso concreto dos autos, uma pena de multa realiza de forma adequada e suficiente as finalidades da punição. O Tribunal a quo foi muito claro, ao explicar a sua opção pela pena de prisão. Relembre-se:
Dispõe o artigo 70º do CP, que se ao crime forem aplicáveis em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, o Tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição. Ora, considerando a natureza do crime em questão e as suas consequências em concreto serem muito gravosas, sendo a vítima quem é, filho do arguido e sopesando a inexistência de antecedentes criminais quanto ao arguido, a frieza de sentimentos demonstrada e a desfaçatez da atitude do arguido que apresentando ter meios económicos para pagar os alimentos, todavia não o faz porque não quer, bem como o desrespeito demonstrado por várias decisões judiciais, julgo que in casu só uma pena de detenção serve para salvaguardar as exigências de prevenção especial e geral que ao caso cabem e para punir o arguido, pelo que decido aplicar-lhe 11 meses de prisão (neste sentido por exemplo acórdão do STJ de 11.03.1987, in BMJ 365-410).”
No caso em apreço, são particularmente exigentes as necessidades de prevenção geral e especial, fazendo-se sentir à sociedade e ao agente a reprovação deste tipo de condutas.
Estamos em presença de um crime contra a família (um dos pilares da nossa sociedade), conforme resulta da sua inserção no Código Penal – Livro II, Parte Especial, Título IV – Dos crimes contra a vida em sociedade, Capítulo I – Dos crimes contra a família, os sentimentos religiosos e o respeito devido aos mortos, Secção I – Dos crimes contra a família. Os factos em análise respeitam ao crime de violação da obrigação de alimentos, sendo que o arguido não se consciencializou do mal do crime, ou seja, não interiorizou o desvalor da sua conduta, não manifestando qualquer arrependimento.
Sublinhe-se que o presente recurso é disso exemplo, na medida em que o recorrente, nos termos acima abordados, veio impugnar a matéria de facto, tendo em vista, primordialmente, a sua absolvição (veja-se a conclusão n.º 18).
Estamos perante uma conduta prolongada no tempo, o que revela grande indiferença por parte do arguido no cumprimento da obrigação em causa.
Qual o sentido de aplicar uma pena de multa, tendo em linha de conta a sua natureza pecuniária, a um cidadão que está ser julgado, precisamente, por violar, durante anos, uma obrigação de alimentos e que não revela a mínima intenção de a regularizar?... Nenhum. Assim, atento ao exposto, temos que a gravidade da culpa e necessidade de prevenção especial se tornam prementes, de molde a justificarem a não aplicação de uma pena não detentiva, nos termos constantes da sentença recorrida.
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6) Do período de suspensão da execução da pena:
Pela alteração da Lei n.º 59/2007, de 4 de Setembro, ao artigo 50.º, n.º 5, do Código Penal, o prazo de suspensão passou a ser igual à medida da pena, não podendo ser inferior a um ano.
O recorrente entende que o período da suspensão da execução da pena em causa nos autos, à luz do artigo 2.º, n.º 4, do C. Penal, deve passar a ser de um ano.
Assiste razão ao arguido?
A resposta é negativa, por uma razão muito simples.
Relembre-se o que consta da fundamentação da sentença recorrida:
Ao arguido é imputada a prática de um crime de violação da obrigação de alimentos p e p pelo artigo 250º/1 do CP, o qual determina que quem estando legalmente obrigado a prestar alimentos e em condições de o fazer, não cumprir a obrigação, pondo em perigo a satisfação sem auxílio de terceiro das necessidades fundamentais de quem a eles tem direito, é punido com pena de prisão até 2 anos ou com pena de multa até 240 dias e no nº 2 se diz que o procedimento criminal depende de queixa e no nº 3 afirma-se que se a obrigação vier a ser cumprida, pode o tribunal dispensar de pena ou declarar extinta, no todo ou em parte a pena ainda não cumprida. Entretanto, entrou em vigor nova lei penal a nº 59/2007 de 04.09, que veio acrescentar um novo nº 2 pelo qual se impõe que na mesma pena prevista no nº 1 (que se mantém idêntico) incorre quem, com intenção de não prestar alimentos, se colocar na impossibilidade de o fazer e violar a obrigação a que está sujeito, criando o perigo previsto no número anterior. Ora, analisando esta versão actual, consideramos que a mesma vem punir novos comportamentos que na data da prática dos factos ainda não eram puníveis, pelo que tal é um regime que concretamente é mais desfavorável ao agente e por isso será a versão anterior a que se aplicará in casu.”
Como resulta do que acaba de ser transcrito, o tribunal a quo entendeu que a versão anterior da lei penal era mais favorável ao arguido.
Ora, como todos sabem, uma vez decidido aplicar um dado regime jurídico, não é possível deixar de o aplicar na sua globalidade.
Por outras palavras, não se pode aplicar de cada uma das leis (antiga e nova) o que for mais favorável ao arguido, aplicando-se, por isso, uma só lei, escolhido que esteja o regime a considerar na sua totalidade.
Em síntese, não é possível a miscigenação de regimes.
Tal é a orientação, mantida ao longo dos anos, do S.T.J. ,conforme resulta, a título meramente exemplificativo, das seguintes já distantes decisões:
1) Ac. de 19/9/96, Processo 48440, 3ª Secção: “ A determinação do regime aplicável como sendo o concretamente aplicável tem de ser feita em bloco e não com o recurso aos aspectos parcelares mais favoráveis de cada um dos regimes que se tenham sucedido no tempo”;
2) Ac. de 7/11/96, Processo 601/96, 3ª secção: “A escolha dos regimes penais em confronto para determinar qual o regime concretamente mais favorável para o agente tem de ser feita em bloco.”;
3) Ac. de 2/10/97, Processo 386/97, 3ª secção. “A interpretação do n.º 4, do artigo 2.º, do C. Penal, é no sentido de aplicar ao condenado o regime que se mostre, em concreto, mais favorável, face às circunstâncias do caso, devendo optar-se por tal regime penal em bloco e não pela combinação de normas do regime anterior com normas do regime penal novo. Designadamente, é claramente violador do espírito do artigo 2.º, n.º 4, do C. Penal, o procedimento de se determinarem as penas segundo o regime de um dado código e ir buscar os pressupostos da suspensão da execução das penas a um novo código.”
Por isso, nada há que censurar, nesta matéria, na decisão ora em crise.
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7) Da falta de legitimidade da queixosa para demandar nos presentes autos – artigo 26.º, do C.P.C.:
O recorrente começa por invocar o artigo 74.º, n.º 1, do CPP, no qual está consagrado o seguinte:
O pedido de indemnização civil é deduzido pelo lesado, entendendo-se como tal a pessoa que sofreu danos ocasionados pelo crime, ainda que se não tenha constituído ou possa constituir-se assistente”.
Depois, alega que o pedido de fls. 107/111 foi formulado por A…, na qualidade de queixosa, sendo que, como resulta dos autos, ofendido é o menor R....
Continua, argumentando que os menores, cujo poder paternal compete a ambos os pais, são por estes representados em juízo, sendo necessário o acordo de ambos para a propositura das acções (artigo 10.º, do CPC).
Por fim, conclui, face ao exposto, que a referida A… não tinha, pois, legitimidade para demandar nos presentes autos.
Acrescenta, ainda, que, sendo a demandante credora de alimentos, poderia e deveria ter demandado o recorrente nos autos de Regulação do Poder Paternal sob o n.º 979/03.0TBTMR, do 3.º Juízo do tribunal Judicial da Comarca de Tomar.
Que dizer quanto a isto?
Em primeiro lugar, sendo um pressuposto processual, a questão da competência do tribunal criminal para conhecer do pedido de indemnização formulado pela demandante haverá de apreciar-se em conformidade com a relação jurídica controvertida tal como foi configurada pelo demandante. O arguido vinha acusado da prática do crime de violação da obrigação de alimentos devidos ao seu filho Rui. Dos artigos 71.º e 74.º, do CPP, flui que o pedido de indemnização fundado na prática de um crime é deduzido pelo lesado no processo penal, entendendo-se como lesada a pessoa que sofreu os danos ocasionados pelo crime. O pedido da demandante foi formulado com base na violação da obrigação do arguido prestar alimentos, violação criminosa no dizer da acusação. Daqui que se conclua que era o processo-crime o próprio para a dedução do pedido, concluindo-se pela competência do tribunal criminal para o seu conhecimento.
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Em segundo lugar, o pedido de indemnização cível (fls. 107/111) visa a condenação do demandado no pagamento de:
a) pensões vencidas e em dívida, dos meses de Outubro/2003 a Maio/2007, totalizando a quantia de quatro mil e quatrocentos euros, e juros, no valor de quatrocentos e doze euros e cinquenta cêntimos;
b) danos não patrimoniais sofridos pela demandante, A…,
no valor de dois mil e quinhentos euros.
Termina, assim, o pedido em causa:
Deve o presente pedido cível ser julgado procedente por provado e, em consequência, ser o demandado F... condenado a pagar à demandante a quantia de sete mil trezentos e doze euros e cinquenta cêntimos, quantia esta acrescida de juros à taxa de 5%, a incidir sobre seis mil e novecentos euros, vencidos desde a notificação do presente pedido até ao integral pagamento.
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Em 3/10/2003, nos autos de Regulação do Exercício de Poder Paternal n.º 979/03.0TBTMT, do 3.º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Tomar, de acordo com a certidão de fls. 18 a 21, foi homologado o seguinte acordo:
“PRIMEIRO
O menor fica à guarda e cuidados de sua mãe, A..., que exercerá o poder paternal.
SEGUNDO
O pai poderá visitar e ter o menor consigo sempre que o desejar desde que não perturbe o seu horário de descanso e lazer.
TERCEIRO
O menor passará alternadamente os fins-de-semana com cada um dos progenitores.
QUARTO
O menor passará 30 dias no período de férias com o pai.
QUINTO
O pai contribuirá, mensalmente, com a quantia de 100 (cem) euros de alimentos ao seu filho, que entregará directamente à mãe, até ao dia 8 de cada mês;
Tal quantia será actualizada anualmente, de acordo com o índice da inflação oficial, divulgado pelo I.N.E.”
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Para efeitos do artigo 74.º, do C. Penal, deve ser considerado lesado todo aquele que, em face do Direito Processual Civil, tiver legitimidade para formular o pedido de indemnização.
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Relativamente aos danos patrimoniais, estes consistem no montante das prestações de alimentos em falta até determinada data, acrescido de juros de mora vencidos. Na obrigação de alimentos, quando integrada no complexo que constitui o conteúdo do poder paternal, os filhos assumem a posição de credores e os pais a posição de devedores. No caso em apreço, o credor da prestação de alimentos peticionada é pois o menor R...e não a demandante, sendo certo que esta não efectuou o pedido, nesta parte, em representação de seu filho, mas em nome próprio (ver teor do pedido de fls. 107 a 111 – “Ana Simões, divorciada, comerciante,…, queixosa nos autos em epígrafe, vem, ao abrigo do disposto no artigo 77.º, n.º 2, do CPP, formular o seu pedido de indemnização cível contra…” ). E não se diga que, na sentença homologatória proferida nos autos de regulação do exercício do poder paternal relativos ao menor seu filho e do arguido, este tenha sido condenado a pagar-lhe a quantia mensal de cem euros, mas antes que foi condenado a contribuir com tal quantia mensal para o seu filho, a título de alimentos, a ser entregue à mãe, até ao dia 8 do mês a que respeitar. Perante isto, uma vez que os únicos danos patrimoniais peticionados pela assistente dizem respeito às prestações de alimentos não pagas pelo arguido ao seu filho, independentemente do que se provou, torna-se evidente a sua ilegitimidade para, em nome próprio – e não, em representação de seu filho –, efectuar o pedido respectivo. Em conclusão, não há que conhecer de mérito o pedido de indemnização relativamente aos danos patrimoniais.
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Relativamente aos danos não patrimoniais peticionados, independentemente do que se provou, não radicam no crime de violação da obrigação de alimentos mas antes numa conduta do arguido dirigida à pessoa da demandante, a qual, apesar de associada ao incumprimento da obrigação alimentícia (aí, dirigida ao menor), dela é autónoma.
Também neste plano, a demandante considera que a conduta do arguido ofende a sua personalidade moral, causando-lhe enorme desgosto e sofrimento, situando o pedido de indemnização ao nível do “sofrimento que o demandado provoca na demandante”.
Significa isto que a demandante não está a pedir uma determinada quantia em representação do seu filho, por desgosto por este sofrido.
Não pode ser, pois, afirmado que a demandante sofreu, directamente, danos ocasionados pelo crime, visto que a vítima é o menor, ou seja, a demandante não pode ser vista como lesada, mas antes como alguém que, reflexamente, surge na qualidade de terceiro, faltando-lhe, também aqui, legitimidade para, nestes autos, demandar o pai do menor, nos termos em que o fez. Assim, não há, também, que conhecer de mérito, no que tange ao pedido de indemnização relativamente aos danos não patrimoniais peticionados.
Deve, pois, o demandado ser absolvido da instância, no que tange ao pedido de indemnização cível, na sua totalidade.
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Que consequências devem ser retiradas do que vem de ser exposto quanto à condição imposta na sentença recorrida para a suspensão da execução da pena, na medida em que a mesma diz respeito à compensação fixada em sede de pedido de indemnização cível?
Como é evidente, perante a referida absolvição da instância, deixa de ser possível condicionar a suspensão da execução da pena ao pagamento da quantia a fixar no pedido em causa, na medida em que o pedido acaba por não ser conhecido de mérito.
Simplesmente, tal não inviabiliza que a suspensão da execução da pena não possa ser sujeita a outro tipo de condição. Na realidade, o artigo 51.º, n.º1, al. a), do C. Penal, permite que a suspensão da execução da pena seja subordinada ao cumprimento de deveres impostos ao condenado e destinados a reparar o mal do crime, nomeadamente, pagar dentro de certo prazo, no todo ou na parte que o tribunal considerar possível, a indemnização devida ao lesado, ou garantir o seu pagamento por meio de caução idónea.
A este propósito, e com a devida vénia, passamos a citar o Acórdão do S.T.J, de 31/1/2008, Processo 07P4843, in www.dgsi.pt,jstj:Não se trata, no entanto, de atribuição oficiosa de indemnização civil de natureza penal, própria do direito penal anterior ao Código Penal de 1982, diploma que veio dispor, diversamente, que a indemnização de perdas e danos emergentes de crime é regulada pela lei civil – art. 129.º, (cfr. neste sentido, Figueiredo Dias, Direito Penal Português As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas/Editorial Notícias, pp. 345 e ss). Neste mesmo sentido se vem pronunciando este Supremo Tribunal de Justiça, quer considerando que pode a sentença condenar em pena suspensa com a condição de ser paga uma quantia à vítima destinada a reparar o mal do crime, ainda que não tenha sido formulado o pedido de indemnização (Ac. STJ de 9.4.1991, AJ n.º 18 e CJ XVI, 2, 14, BMJ 406-499, de 11.11.1992, CJ XVII, 10 e BMJ 421-305, de 23.10.1996, proc. nº 48364, de 11/06/1997, Acs STJ V, 2, 226 ,de 27.1.1999, proc. nº 1000/98, de 31.5.2000, proc. nº 67/2000, de 26.1.2005, proc. nº 3671/04-3; diversamente o Ac. STJ de 9.12.1998, proc. nº 1092/98), quer entendendo que o assistente não pode pedir no recurso o pagamento de juros, se a indemnização foi arbitrada como condição da suspensão da pena e não como condenação em pedido cível formulado (Ac. STJ de 24.5.1991, BMJ 407-356, proc. nº 41457). Mais impressivamente, tem vindo a reafirmar a natureza da imposição de tal dever, distinguindo-o da indemnização arbitrada em consequência de pedido cível deduzido em processo penal.: – (1) - Se o tribunal o julgar conveniente e adequado à realização das finalidades da punição, pode, nos termos do art.º 50 do C. Penal de 1995, subordinar a suspensão da execução da pena de prisão ao cumprimento de deveres ou à observância de regras de conduta. (2) - Um desses deveres destinados a reparar o mal do crime, consiste precisamente em pagar dentro de certo prazo, no todo ou na parte que o tribunal considerar possível, a indemnização ao lesado. (Ac.STJ de 10/12/1996, proc. nº 869/96) – A quantia cujo pagamento a favor do lesado é imposto ao arguido como condição de suspensão da execução da pena não constitui uma verdadeira indemnização, mas apenas uma compensação destinada ao reforço do conteúdo reeducativo e pedagógico da pena de substituição e a dar finalidade suficiente às finalidades da punição, respondendo nomeadamente à necessidade de tutela dos bens jurídicos e estabilização contrafactiva das expectativas comunitárias. (Ac.STJ de 11.6.1997, Acs. STJ V, 2, 226) – (1) - Quando a medida de suspensão da execução da pena é composta com o dever económico de reparar o mal do crime, não fica constituída e imposta uma obrigação de indemnização civil em sentido estrito. (2) - Esse dever (ou obrigação em sentido lato) vale apenas no seio do referido instituto, sendo o sancionamento pelo não cumprimento apenas o que deriva das regras da própria suspensão da execução da pena. (3) - Contudo, ao lado da suspensão da execução da pena, sujeita ao referido dever económico, pode surgir uma obrigação de indemnizar em sentido técnico, com conexa condenação do sujeito passivo a cumpri-la, sob pena de se poder recorrer aos meios legais, sendo a esta indemnização que se reporta o art.º 129, do CPP. (4) - Mas, a indemnização referida na al. a), do n.º 1, do art.º 51, do CP, não pode ser imposta arbitrariamente. Formulado o pedido civil, e existindo condenação em indemnização, não pode o julgador, na composição do mencionado dever económico - condição da suspensão - ir além do montante indemnizatório fixado, embora, como decorre da lei, possa ser inferior. (5) - Assim, o dever de indemnizar, componente da suspensão da execução da pena de prisão, não se pode cumular com o dever de indemnizar constante da decisão sobre o pedido civil, quando se verifiquem as duas situações. No caso, o que então o julgador pode fazer é subordinar a suspensão da execução ao pagamento de toda ou parte da indemnização arbitrada na decisão civil. (Ac.STJ de 27.5.1998, proc. n.º 274/98) – Embora a indemnização de perdas e danos não constitua no actual CP um efeito penal da condenação, este dever de indemnizar assume no quadro desse instituto da suspensão uma função adjuvante da realização da finalidade da punição. Trata-se da imposição de um dever que visa a reparação do mal do crime pelo arguido e, mediante esta, a sua reinserção social. (Ac.STJ de 20.10.1999, proc. nº 317/99) – A decisão que condiciona a suspensão da execução da pena de prisão ao pagamento de determinada quantia e nos prazos constantes de termo de transacção lavrado no início do julgamento, em nada afecta a existência e o conteúdo da obrigação civil de indemnização por perdas e danos resultantes da prática do crime, que o arguido assumiu na referida transacção. (AcSTJ de 27.10.1999, proc. nº 1294/98) – (2) - Porém, a "obrigação" de pagar essa indemnização, imposta nos termos do art. 51.º, n.º 1, al. a), do CP, embora não constitua um efeito penal da condenação, assume natureza penal, na medida em que se integra no instituto da suspensão da execução da pena, no quadro do qual o dever de indemnizar, destinado a reparar o mal do crime, assume uma função adjuvante da realização da finalidade da punição. (3) - De forma que o montante da indemnização a arbitrar como integrando o conteúdo desse dever imposto como condição da suspensão da execução da pena, embora deva, naturalmente, ser fixado tendo em atenção os critérios regulados pela lei civil, por forma a corresponder o mais possível ao que resulta da consideração desses critérios e a não os exceder, deve obedecer em tudo o mais, quer quanto à medida desse montante objecto específico de tal dever, quer quanto ao prazo e modalidade do pagamento, à sua referida função no quadro do mencionado instituto. (AcSTJ de 11.10.2000, proc. nº 1110/99-3) – É legalmente permitido fazer depender a suspensão da execução da pena do cumprimento, por parte do destinatário, de determinados deveres ou obrigações, quer com um objectivo pedagógico e ressocializador, quer com a finalidade de se minorarem os nefastos efeitos materiais e morais do delito (arts. 50.º, n.º 2, 51.º, 52.º e 53.º, do CP). (AcSTJ de 6.02.2002, proc. nº 4016/01-3) – (1) - No art. 51.º, n.º 1, al. a) do CP não está prevista uma obrigação em sentido técnico. Nem o Estado, nem o beneficiário da reparação ou indemnização ficam, por virtude da imposição do dever em causa, na situação de credores e, por consequência, também o arguido não fica adstrito ao cumprimento de uma prestação, com todas as consequências jurídicas derivadas do respectivo incumprimento parcial. (2) - Os deveres do art. 51.º do CP fazem parte do conteúdo do instituto da suspensão da execução da pena de prisão, participando, portanto, da natureza penal do mesmo. Assim, o dever ou obrigação de pagar (em sentido lato) vale apenas no seio do instituto da suspensão, sendo o sancionamento pelo não cumprimento o que deriva das regras do referido instituto. (3) - Contudo, ao lado daquela suspensão sujeita ao referido dever económico, pode surgir uma obrigação de indemnizar em sentido técnico (art. 377.º do CC), com conexa condenação do sujeito passivo a cumpri-la, sendo a esta indemnização que se reporta o art. 129.º do CPP, caso em que será por referência a ela que se individualizará o dever económico da suspensão. (4) - Pela sua função integrativa das finalidades da punição se explica que ao arguido possa ser imposto apenas um dever de pagamento parcial (al. a) do n.º 1 do art. 51.º do CP), que os deveres impostos não possam em caso algum representar para o condenado obrigações cujo cumprimento não seja razoavelmente de lhe exigir (n.º 2 do art. 51.º) e que os deveres impostos possam ser modificados em certas circunstâncias (n.º 3 do art. 51.º). (AcSTJ de 27.2.2002, proc. n.º 104/01-3) – (1) - A "obrigação" de indemnizar imposta nos termos do art. 51.º, n.° 1, al. a), do CP, embora não constitua um efeito penal da condenação, assume natureza penal, na medida em que se integra no instituto da suspensão da execução da pena, no quadro do qual este dever de indemnizar se destina a reparar o mal do crime, como forma complementar idónea das finalidades da punição. (2) - O montante dessa indemnização deve ser fixado tendo em atenção os critérios que emanam da lei civil, sem excesso, obedecendo, no mais, quer quanto à medida desse montante objecto específico de tal dever, quer quanto ao prazo e modalidade do pagamento, à referida função no quadro do instituto da suspensão da execução da pena. (3) - Distinguindo-se a indemnização pedida nos termos da lei civil, desta "obrigação" de indemnizar que tem por fundamento não apenas o dano mas a realização ou o fortalecimento das finalidades da punição, não existe qualquer contradição na posição do Colectivo quando desatendeu, por razões formais, os pedidos de indemnização civil, mas veio a fixar, na decisão final, aquela obrigação. (AcSTJ de 19.6.2002, proc. nº 1680/02-3) – A obrigação de pagar a indemnização nos termos do art. 51º nº 1, al. a) do C. Penal, embora não constitua um efeito penal da condenação, assume natureza penal, na medida em que se integra no instituto da suspensão da execução da pena, no quadro do qual o dever de indemnizar, destinado a reparar o mal do crime, assume uma posição adjuvante da realização da finalidade da punição. Não constitui uma verdadeira indemnização ao ofendido e é admissível ainda que não tenha sido formulado pedido nesse sentido. (AcSTJ de 17.6.2004, Acs STJ XII, 2, 229) – O art. 51.º, n.º 1, do CP, assinala expressamente aos deveres impostos a função de reparação do mal do crime, mas, como ensina a doutrina e vem sendo seguido pela jurisprudência, também lhe cumpre fortalecer a função retributiva da pena, fazendo sentir ao arguido, por via dessa imposição, os efeitos da condenação. Por isso é que o dever em causa pode ser imposto mesmo que nenhum pedido cível tenha sido deduzido no processo penal ou em separado. (AcSTJ de 26.1.2005, Processo nº 3671/04-3) – A reparação pecuniária do dano como condição da suspensão da execução da pena não deve encarar-se numa restrita perspectiva do agente, desinseridamente da vítima, por ser, à luz de razões de política criminal, reconhecidamente, a medida que melhor satisfaz os seus intentos, sendo, ainda, portadora de visível eficácia em ordem a satisfazer as necessidades comunitárias relacionadas com a força, crença e validade da lei, além de que concorre para assegurar a paz jurídica, como instrumento de “concerto” e reconciliação com a vítima. (AcSTJ de 1.2.2006, proc. nº 3464/05-3) – De acordo com o disposto nos arts. 50.º, n.º 2, e 51.º, n.º 1, al. a), do CP, o poder-dever de condicionar a suspensão da execução da pena rege-se pelo critério da conveniência e adequação à realização das finalidades da punição, sendo que, no caso de imposição de deveres, a condicionante deve ser reportada às exigências de reparação do mal do crime, e a subordinação pode consistir no pagamento, do todo ou da parte que o tribunal considerar possível, da indemnização devida ao lesado. (Ac. STJ de 20.9.2006, proc. nº 1611/06-3).”
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Aqui chegados, fácil é concluir que, não obstante o acima decidido em sede de pedido de indemnização cível, nada impede que a suspensão da execução da pena fique condicionada ao pagamento de uma indemnização ao lesado, nos exactos termos previstos no artigo 51.º, do C. Penal.
Neste âmbito, é preciso ter em conta o disposto no n.º 2, da citada norma, no qual se dispõe que “os deveres impostos não podem em caso algum representar para o condenado obrigações cujo cumprimento não seja razoavelmente de lhe exigir”.
Ora, perante os factos dados como provados quanto à situação do arguido (n.º 11 a n.º 18), e só a esses pode o Tribunal recorrer, não surge como razoável que a suspensão da execução da pena de prisão fique subordinada ao pagamento total das prestações em dívida ao menor.
Relembre-se que o ora recorrente nunca chegou a pagar a prestação mensal a que se obrigou, sendo certo que, em Maio de 2007, a quantia em dívida atingia já quatro mil e quatrocentos euros.
Há, por conseguinte, uma impossibilidade prática de pagamento total da indemnização devida, perante os factos apurados em audiência de julgamento, tendo em consideração o rendimento mensal do arguido.
Daí que se entenda como adequado impor ao condenado o dever de pagar ao lesado (seu filho) a quantia de dois mil e quinhentos euros (parte das prestações mensais em dívida), no período de um ano, nos termos do artigo 51.º, n.º 1, al. a), do C. Penal.
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Perante o acabado de decidir, prejudicado está o conhecimento da última questão suscitada pelo recorrente.
É o que se declara.
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IV. Decisão:
Nestes termos, decide-se conceder parcial provimento ao recurso, nos seguintes termos: a) o arguido vai condenado na pena de prisão de onze meses, sendo suspensa a sua execução por três anos, subordinada à condição de pagar ao lesado (seu filho) a quantia de dois mil e quinhentos euros (parte das prestações mensais em dívida), no período de um ano, devendo tal pagamento ser comprovado nos autos.
Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em cinco UC. b) o demandado vai absolvido da instância, no que diz respeito ao pedido de indemnização cível.
Custas pela demandante, fixando-se a taxa de justiça no mínimo legal..
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(elaborado e revisto pelo relator, antes de assinado)
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Coimbra, 29 de Setembro de 2010
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(José Eduardo Martins)



_______________________________ (Isabel Valongo)