Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
2686/08.9TJCBR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FALCÃO DE MAGALHÃES
Descritores: EXPROPRIAÇÃO POR UTILIDADE PÚBLICA
CÁLCULO DA INDEMNIZAÇÃO
AVALIAÇÃO
PERITO
Data do Acordão: 03/25/2010
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COIMBRA – 2º JUÍZO CÍVEL
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE ANULADA
Legislação Nacional: ARTºS 23º, 25º, 26º, Nº 2, E 27º, NºS 1 E 2, DO CÓDIGO DE EXPROPRIAÇÕES APROVADO PELO DEC. LEI Nº 168/99, DE 18/09 (CE), COM A REDACÇÃO CONFERIDA PELAS LEIS NºS 13/2002,DE 19/02, E 4-A/2003, DE 19/02.
Sumário: I – Em princípio, o valor que resultar da utilização dos critérios preferenciais estabelecidos nos artºs 26º, nº 2, e 27º, nº 1, do CE, só será de postergar se se constatar, em concreto, que o mesmo não corresponde à justa indemnização e que o valor desta se obtém com o auxílio de um outro critério (cfr. artº 23º, nºs 1 e 5, do CE).
II – A inobservância de tais critérios preferenciais só é de admitir em caso de efectiva impossibilidade de obtenção dos elementos que permitam a respectiva utilização, devendo o Tribunal, no caso contrário, diligenciar, ainda que oficiosamente, no sentido de tais elementos serem colocados à disposição dos peritos.
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

I - A) - 1) - Na sequência da deliberação da Assembleia Municipal de 27 de Dezembro de 2006, tornada pública através da Declaração n° 85-B/2007, no Diário da República, 2ª Série, n° 64, de 30 de Março de 2007, foi declarada a utilidade pública (Declaração n° 85-A/2007), da expropriação das parcelas aí identificadas, nas quais se englobava a parcela de terreno nº 330, com a área de 1.179.00 m2, destinada à construção da Via de Acesso ao Coimbra Inovação Parque, a partir da Antiga E.N.1, parcela essa a destacar do prédio rústico sito na freguesia de Antanhol, concelho de Coimbra, inscrito na matriz predial rústica dessa freguesia sob o artigo nº 1030, com a área matricial de 5,110 m2.

Nos autos de expropriação litigiosa, por utilidade pública, em que são expropriados, A...., B.... e C...., por decisão de 12/08/2008 do 2º Juízo Cível de Coimbra, foi adjudicada à Câmara Municipal de Coimbra, nos termos do art.º 51º, n.° 5, do Código das Expropriações (CE), a propriedade da referida parcela de terreno. Os árbitros haviam fixado em 2.582,01 € o valor da indemnização a atribuir aos expropriados.

2) - Da decisão arbitral interpuseram recurso para aquele Tribunal os expropriados, sustentando que, em face dos motivos que aduzem, o valor da parcela expropriada não poderia ser inferior a 8.547,75 € ou a 8.630,28 €, consoante se considerasse ser de classificar o terreno como apto à construção urbana, ou ser de recorrer ao critério do art. 27º, nº1 do CE.

3) - Admitido que foi o recurso dos expropriados, respondeu a entidade expropriante, pugnando pela sua improcedência.

4) - Procedeu-se à avaliação, tendo os Srs. Peritos nomeados pelo tribunal e o Sr. Perito indicado pela entidade expropriante apresentado relatório conjunto, propondo indemnização no valor de 3.065,40 €.

O Sr. Perito nomeado pelos expropriados juntou relatório em que conclui

ser de atribuir à parcela o valor de 6 230,50 €.

5) - Por despacho de 13/03/2009, o Mmo. Juiz do Tribunal “a quo”, referindo não descortinar “a existência de qualquer facto controvertido para cujo apuramento se afigure útil a produção de outras provas, nomeadamente a testemunhal”, considerou concluídas as diligências de prova e ordenou a notificação das partes para alegarem, nos termos do artigo 64 do CE.

6) - Em sentença de 21/09/2009 (fls. 222 e ss.), o Mmo. Juiz do Tribunal “a quo”, julgou inteiramente procedente o recurso interposto pelos expropriados, fixando o montante indemnizatório a pagar a estes em 8.757,33 €.

B) - A finalizar as doutas alegações do recurso de apelação que, inconformada, interpôs dessa sentença, a entidade expropriante formulou as seguintes conclusões:

«1.Entendendo o Tribunal “a quo” que o relatório dos peritos tem deficiências, nomeadamente por não estar devidamente justificada a impossibilidade de aplicação do critério estabelecido no artigo 27.º, n.º 1, do C. Exp., deveria determinar as diligências necessárias a suprir essa falha e não, como fez, afirmar o incumprimento, por parte da entidade expropriante, da obrigação de solicitar a lista a que se refere o artigo 27.º, n.º 1, do C. Exp., e daí partir, sem mais, para a fixação daquela que entende ser a justa indemnização;

2.   Como se afirma no Ac. dessa Relação de 21.10.2008, proferido no proc. n.º 337/04.0TBACN, “...se a entidade expropriante não solicitar à entidade competente, previamente, a lista das transacções e das avaliações fiscais que corrijam os valores declarados efectuadas na zona e os respectivos valores (art. 26.º, n.º 2 e 27.º, n.º 2), incumbe ao tribunal diligenciar em ordem à obtenção desses elementos, tendo em conta os princípios consignados nos artigos 265.º, n.ºs 1 e 3 e 266.º, n.º 1, do CPC, submetendo-se depois os mesmos à ponderação dos peritos”;

3.   Não tendo o tribunal “a quo” diligenciado nesse sentido, a sentença recorrida viola os artigos 27.º, n.ºs 1 e 3 do C. Exp.;

4.   Ainda que assim não fosse, sempre o cálculo da indemnização haveria de ter em conta, na opinião do Recorrente, os factores expressamente previstos no artigo 27.º, n.º 3 - cuja avaliação consta do Relatório de Peritagem -, não se bastando apenas com o valor pelo qual os expropriados adquiriram o prédio aqui em questão, pelo que, nessa hipótese, a sentença recorrida violaria, igualmente, este preceito normativo.».

Terminou, pugnando pela anulação da sentença recorrida.

Corridos os “vistos”, cumpre decidir.


II - Em face do disposto nos art.ºs 684º, n.º 3 e 685-Aº, n.º 1, ambos do Código de Processo Civil (CPC)[1], o objecto dos recursos delimita-se, em princípio, pelas conclusões dos recorrentes, sem prejuízo do conhecimento das questões de que cumpra apreciar oficiosamente, por imperativo do art.º 660, n.º 2., “ex vi” do art.º 713, nº 2, do mesmo diploma legal.
Não haverá, contudo, que conhecer de questões cuja decisão se veja prejudicada pela solução que tiver sido dada a outra que antecedentemente se haja apreciado, salientando-se que, com as “questões” a resolver se não confundem os argumentos que as partes esgrimam nas respectivas alegações e que, podendo, para benefício da decisão a tomar, ser abordados pelo Tribunal, não constituem verdadeiras questões que a este cumpra solucionar (Cfr., entre outros, Ac. do STJ de 13/09/2007, proc. n.º 07B2113 e Ac. do STJ de 08/11/2007, proc. n.º 07B3586[2]).
E a questão a solucionar é a de saber se o montante fixado na 1.ª Instância a favor dos expropriados - € 8.757,33 -, deve ser aceite como valor da justa indemnização que cabe atribuir-lhes pela expropriação da parcela em causa.

III - A decisão apelada teve em consideração a seguinte factualidade que considerou assente:

«1. A parcela expropriada, com a área de 1.179 m2, faz parte de um prédio rústico, sito na freguesia de Antanhol, com uma área de 5.110 m2;

2. A parcela expropriada, de configuração geométrica irregular, é constituída por um terreno de textura argilo-arenoso, medianamente fundo e fértil, com boa aptidão florestal.

3. Do ponto de vista orográfico, um pouco acidentado, embora com moderada inclinação, no sentido nascente/poente, bem como Sul/Norte;

4. O terreno encontrava-se ocupado com eucaliptos e pinheiros bravos, de regeneração espontânea, com cinco a sete anos, e mato;

5. Os eucaliptos, com povoamento disperso, e compasso de três metros x 3 metros, haviam sofrido corte, apresentando-se as toucas, com rebentos resultantes de corte em períodos diferentes - um a seis anos;

6. A parcela insere-se na planta de Ordenamento e Condicionantes do PDM, em “Zona Florestal”;

7. A parcela não dispõe de quaisquer infra-estruturas urbanísticas;

8. O acesso ao prédio faz-se sobre outros prédios, com ligação a um caminho fazendeiro, em terra batida;

9. A expropriação dá origem a uma área sobrante com 4.202,00 m2;

10. O acesso ao prédio é feito por um caminho municipal, com uma largura de três metros e o piso de terra batida;

11. Na envolvente, os terrenos têm as mesmas características, também de uso florestal;

12. Os expropriados haviam adquirido o prédio objecto de expropriação, por escritura de compra e venda celebrada a 26.11.2002, na qual foi declarado o preço de 37.410 €.».

IV - Tendo a declaração de utilidade pública (DUP) sido publicada no DR de 30/03/2007, a lei aplicável para efeitos de fixação do valor da indemnização a atribuir pela expropriação em causa, é a vigente nessa ocasião, ou seja, o Código das Expropriações aprovado pelo DL n.º 168/99, de 18/9 (CE), com a redacção que lhe foi conferida pelas Leis n.ºs 13/2002, de 19/2 e 4-A/2003, de 19/2.

De acordo com o Art.º 62º nº 2 da Constituição da República Portuguesa, a expropriação por utilidade pública, só pode ser efectuada com base na lei e mediante o pagamento de justa indemnização.

Por outro lado, o art.º 1310º do Código Civil (CC) preceitua que «Havendo expropriação por utilidade pública ou particular ou requisição de bens, é sempre devida a indemnização adequada ao proprietário e aos titulares dos outros direitos reais afectados».

De harmonia com o disposto no art.º 1º, do CE, “Os bens imóveis e os direitos a eles inerentes podem ser expropriados por causa de utilidade pública compreendida nas atribuições, fins ou objecto da entidade expropriante, mediante o pagamento contemporâneo de uma justa indemnização nos termos do presente Código.”.

O n.º 1 do art.º 23º do CE preceitua: «A justa indemnização não visa compensar o benefício alcançado pela entidade expropriante mas ressarcir o prejuízo que para o expropriado advém da expropriação, correspondente ao valor real e corrente do bem de acordo com o seu destino efectivo ou possível numa utilização económica normal, à data da publicação da declaração de utilidade pública, tendo em consideração as circunstâncias e condições de facto existentes naquela data.».

Por sua vez, o nº 5 desse artº 23º dispõe: «Sem prejuízo do disposto nos n.ºs 2 e 3 do presente artigo, o valor dos bens calculado de acordo com os critérios referenciais constantes dos artigos 26.º e seguintes deve corresponder ao valor real e corrente dos mesmos, numa situação normal de mercado, podendo a entidade expropriante e o expropriado, quando tal se não verifique requerer, ou o tribunal decidir oficiosamente, que na avaliação sejam atendidos outros critérios para alcançar aquele valor.».

Estabelecendo o art.º 25.º do CE, os critérios para a classificação do solo, para efeitos do cálculo da indemnização por expropriação, regem os art.ºs 26º e 27º, respectivamente, quanto ao cálculo do valor do solo apto para a construção e quanto ao cálculo do valor do solo apto para outros fins.

Tendo presente o exposto, deve entender-se, conforme se refere no Ac. nº 52/90, de 7/3/90, do Tribunal Constitucional (BMJ nº 395, pag. 91 e ss.), que «...a «justa indemnização» há-de corresponder ao valor adequado que permita ressarcir o expropriado da perda que a transferência do bem que lhe pertencia para outra esfera dominial lhe acarreta, devendo ter-se em atenção a necessidade de respeitar o princípio da equivalência de valores: nem a indemnização pode ser tão reduzida que o seu montante a tome irrisória ou meramente simbólica nem, por outro lado, nela deve atender-se a quaisquer valores especulativos ou ficcionados, por forma a distorcer (positiva ou negativamente) a necessária proporção que deve existir entre as consequências da expropriação e a sua reparação».

No que concerne ao solo que seja de classificar, “para outros fins”, o seu valor deverá ser, de acordo com o critério preferencial estabelecido no n.º 1 do artº 27º do CE, “o resultante da média aritmética actualizada entre os preços unitários de aquisições ou avaliações fiscais que corrijam os valores declarados efectuadas na mesma freguesia e nas freguesias limítrofes nos três anos, de entre os últimos cinco, com média anual mais elevada, relativamente a prédios com idênticas características, atendendo aos parâmetros fixados em instrumento de planeamento territorial e à sua aptidão específica.”.

Para o caso de não se revelar possível, por falta de elementos, a aplicação do critério fiscal previsto no nº1, do 27º do CE, o nº 2 deste artigo estabelece que o valor do solo para outros fins seja calculado tendo em atenção os seus rendimentos efectivo ou possível no estado existente à data da declaração de utilidade pública, a natureza do solo e do sub-solo, a configuração do terreno e as condições de acesso, as culturas predominantes e o clima da região, os frutos pendentes e outras circunstâncias objectivas susceptíveis de influir no respectivo cálculo.

Conforme se salienta no Acórdão desta Relação de 17/06/2008 (apelação n.º 156/05.6TBPNL.C1) sem que isso signifique uma “…irrestrita vinculação ao laudo maioritário, já que o tribunal pode introduzir-lhe ajustamentos, fazer correcções, colmatar falhas, ou seguir o laudo ou critérios diferentes, se os tiver por mais justos, de acordo com os elementos probatórios que possuir (cf. por ex., ALBERTO DOS REIS, CPC Anotado, vol. IV, pág. 186; Ac. RL de 12/4/94, C.J. XIX, tomo II, pág.109)”, constitui entendimento jurisprudencial uniforme, efectivamente, “que o tribunal deve dar preferência ao parecer dos peritos escolhidos pelo tribunal, quer pela competência técnica que lhes é reconhecida, quer pelas melhores garantias de imparcialidade que oferecem ( cf., por ex. Ac. da RP de 27/5/80, C.J. ano V, tomo III, pág. 82; Ac RC de 21/5/91, C.J. ano XVI, tomo III, pág. 73; Ac RE de 25/6/92, C.J. ano XVII, tomo III, pág. 343; Ac RL de 23/5/95, C.J. ano XX, tomo II, pág. 88)”[3].

Ora, no caso “sub judice”, houve um laudo pericial, elaborado, não só por todos os peritos nomeados pelo Tribunal, como, também, pelo perito da entidade expropriante, onde, classificando o solo da parcela expropriada como “apto para outros fins”, se indicou como indemnização a atribuir aos expropriados o valor de 3.065,40 €. O Mmo. Juiz do Tribunal “a quo”, contudo, sem análise crítica fazer ao laudo em questão, afastou-se desse valor, bem como do valor de 6.230,50 indicado no laudo oferecido pelo outro Sr. Perito - que entendeu que o solo seria de classificar como “solo apto para construção", abrangido na alínea a) do n° l do Art° 25° do CE -, fixando a indemnização em 8.757,33 €.

Para esse efeito, entendeu que o solo da parcela em causa se deveria classificar como “como apto para outros fins”, tomou como base de atribuição da indemnização o valor pelo qual os expropriados adquiriram o prédio (7.32 €/m2), afastando - embora referindo que o Código a ele dá prevalência -, o critério fiscal previsto no nº1 do art. 27º, do CE, pois entendeu que os autos não possuíam os elementos necessários para esse efeito e que era à entidade expropriante que competia a obrigação de solicitar aos serviços competentes do Ministério das Finanças, a listas das transacções e das avaliações fiscais que corrijam os valores declarados efectuados na zona e respectivos valores.

Ora, não se negando que o preço pago pelos expropriados na ocasião da aquisição do prédio possa ser um factor a ponderar, entende-se que o cálculo da justa indemnização não pode repousar nesse elemento, nem, sequer, nele se sustentar com expressão significativa.

É que, para além de o preço pelo qual o expropriado adquiriu o prédio poder depender de inúmeras circunstâncias aleatórias, algumas, até, de cariz subjectivo, outros factores - cfr. o já referido art.º 27º - são mandados ter em conta pela lei na fixação da justa indemnização, havendo que os contemplar, na medida do possível, na ponderação a fazer para o efeito.

É o próprio julgador, que refere na sentença recorrida, que o CE “dá prevalência ao critério fiscal previsto no nº2 do art. 26º e nº1 do art. 27º, só remetendo para outros critérios, quando não se possa recorrer a tais critérios por falta de elementos” esclarecendo-se que, “in casu”, não se encontra sequer “demonstrada a impossibilidade de recorrer a tais elementos”.

Diga-se que até nem repugna considerar, por exemplo, que a ressalva estabelecida no n.º 3, do aludido art.º 27º seja extensível aos casos em que, muito embora haja materialmente elementos para a aplicação do critério estabelecido no n.º 1, estes sejam de se considerar, em concreto, insuficientes ou pouco fiáveis.

O que não se pode é, havendo possibilidade material de obter os elementos para utilizar o critério a que a lei dá preferência, deixar de perseguir esse desiderato, seja por uma questão formal, seja por um perspectivado insucesso do contributo de tais elementos em ordem a atingir o escopo pretendido, insucesso esse que aprioristicamente se antecipe, sem que real e concretamente se comprove verificar-se.

Assim, vedado está aos Srs. Peritos, descartarem, sem demonstração cabal da sua irrelevância concreta, a utilização dos critérios preferenciais estabelecidos nos art.ºs 26º, n.º 2 e 27º, n.º 1, do CE, devendo o Juiz assegurar a observância dos mesmos.

Não se vê justificação cabal para que, no despacho de 13/03/2009 se tenha negado a necessidade da realização de qualquer outra diligência, referindo não se afigurar útil a produção de outras provas, para depois, na sentença, dizer-se, afinal, para justificar a não observância da primazia ditada pela lei quanto à utilização do critério estabelecido no art.º 27º, n.º 1, que os autos não possuíam elementos que permitissem lançar mão desse critério e que era à entidade expropriante que cumpria fornecê-los.

Carece, além do mais, de congruência, a posição do Tribunal ao declarar primeiro que mais nenhuns elementos se revelavam necessários para decidir e, posteriormente, afirmar, na sentença, que não podia julgar segundo o critério a que lei dava primazia, porque nos autos faltavam os elementos para tal, referindo, simultaneamente, não estar demonstrada a impossibilidade da obtenção destes.

O que cumpriria fazer - para assegurar que a justa indemnização iria ser fixada com o contributo de todos os elementos que fosse possível reunir e a que a lei dá relevância -, era requisitar oficiosamente tais elementos, ou, no mínimo, notificar a entidade expropriante para os colocar à disposição do Tribunal, conduta que encontraria justificação plena no disposto nos art.ºs 535.º e 265º, nºs 1 e 3, do CPC e no dever de cooperação processual (art.º 266º do CPC).

Isto em nada é contrariado pela circunstância de, no nº 3 do art.º 27º do CE, se estabelecer que os serviços competentes do Ministério das Finanças devem fornecer, a solicitação da entidade expropriante, a lista das transacções e das avaliações fiscais que corrijam os valores declarados efectuadas na zona e os respectivos valores.

Como se disse no Acórdão deste Relação de 21/10/2008, (Apelação nº 337/04.0TBACN.C1) «… não é relevante nem está em causa saber de que forma ou que entidade devia carrear tais elementos para o processo, tendo-se como certo que, para além da expropriante, tinham os Srs. Peritos a possibilidade de colher esses elementos (art. 583º, nº1 do C.P.C.) e, em última instância, sempre incumbiria ao tribunal fazê-lo, tendo em conta os princípios consignados nos arts. 265º, nºs 1 e 3 e 266º, nº1 do C.P.C.».

Excluídas, obviamente, as normas afastadas expressamente pelo CE (caso das relativas à 2.ª avaliação - art.º 61, n.º 6), na fase do recurso de arbitragem, são subsidiariamente aplicáveis, todos os preceitos do CPC relativos à instrução, com excepção daqueles que não se mostrem compatíveis com os princípios que informam o processo de expropriação (463º, nº 1, do CPC), havendo que afirmar, também, a aplicabilidade dos preceitos que contemplam os poderes/deveres do juiz no regular desenvolvimento da instância e na justa composição do litígio, como sejam, os dos art.ºs 265º, n.ºs 1 e 3 e 266º, n.º 1.

Na sequência daquilo que a propósito se disse quanto à aplicabilidade do disposto no art.º 265, n.º3, do CPC, tem-se por seguro que na concretização dos poderes conferidos ao Tribunal para alcançar o desiderato ditado por esse preceito, assume particular relevância no âmbito da actividade instrutória, o poder-dever previsto no art.º 535.º do CPC, a coberto do qual sempre poderiam ser obtidos os elementos em causa, importantes para o cabal apuramento da verdade, ou, o que é equivalente, para a boa decisão da causa (cfr. art.ºs 61.º, n.ºs 1 e 7, do CE99, 265º, n.º 3, do CPC).

Do exposto resulta que este Tribunal não pode dar o seu beneplácito ao montante indemnizatório atribuído na sentença recorrida a favor dos expropriados, pois que, salvo o devido respeito, não se demonstra que o mesmo, calculado sem a observância dos critérios legais, corresponda à justa indemnização devida pela expropriação, não se podendo, outrossim, fundar nos laudos dos Sr. Peritos, já que estes não utilizaram os critérios a que a lei dá primazia (art.ºs 26º, n.º 2 e 27º, n.º 1), e que não afastaram justificadamente, por demonstrada impossibilidade de obter os elementos para o efeito ou em virtude de uma constatada desadequação desses critérios à fixação de um valor indemnizatório justo.

Ocorre, pois, falta de elementos para fixar a justa indemnização que, sopesando o disposto no n.º 5 do artigo 23º do CE, sempre cumpre alcançar com o contributo oficioso do tribunal, insuficiência essa que legitima, face preceituado no artigo 712º, n.º 4, do CPC, a ampliação da matéria de facto, com avaliação da parcela expropriada, também à luz dos critérios expressos nos apontados art.ºs 26º, n.º 2 e 27º, n.º 1, do CE (consoante o concluído quanto à aptidão do solo), para o que aos Srs. Peritos deverão ser fornecidos os pertinentes elementos, que o Tribunal “a quo” deverá, “ex officio” solicitar à entidade competente.[4]

Do exposto, poder-se-á sumariar o seguinte:

a) - Em princípio, o valor que resultar da utilização dos critérios preferenciais estabelecidos nos art.ºs 26º, n.º 2 e 27º, n.º 1, do CE, só será de postergar se se constatar, em concreto, que o mesmo não corresponde à justa indemnização e que o valor desta se obtém com o auxílio de um outro critério (cfr. art. 23º, nºs1 e 5, do CE).

b) - A inobservância de tais critérios preferenciais só é de admitir em caso de efectiva impossibilidade de obtenção dos elementos que permitam a respectiva utilização, devendo o Tribunal, no caso contrário, diligenciar, ainda que oficiosamente, no sentido de tais elementos serem colocados à disposição dos Peritos.

V - Em face de tudo o exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação, na procedência da Apelação, em:

- Determinar que os Srs. Peritos procedam à avaliação da parcela expropriada, em conformidade com o que acima se indicou, para o que lhes deverão ser fornecidos os pertinentes elementos, que o Tribunal recorrido, “ex officio”, solicitará à entidade competente, sem prejuízo, claro está, do demais que o Tribunal “a quo” venha a entender como necessário para apuramento da justa indemnização;

- Declarar nulo o processado subsequente à junção dos relatórios dos Srs. Peritos, incluindo a decisão ora recorrida.

Custas pela parte vencida a final.


[1] Código este a considerar na redacção que lhe foi dada pelo DL n.º 303/07, de 24/08.
[2] Consultáveis na Internet, através do endereço http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/, tal como todos os Acórdãos do STJ ou os respectivos sumários que adiante se citarem sem referência de publicação.
[3] Acórdão consultável na Internet, no endereço http://www.dgsi.pt/jtrc.nsf?OpenDatabase, tal como os restantes da mesma Relação que se citarem sem referência de publicação.
[4] Cfr., em sentido idêntico, o mencionado Acórdão desta Relação de 21/10/2008 e o Acórdão da Relação de Lisboa de 09/02/2010 (Apelação nº 1296/07.2TBVFX.L1-1), este último consultável em “http://www.dgsi.pt/jtrl.nsf?OpenDatabase”.