Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
97/06.0TBGVA.C2
Nº Convencional: JTRC
Relator: TELES PEREIRA
Descritores: EXPROPRIAÇÃO POR UTILIDADE PÚBLICA
INDEMNIZAÇÃO
CLASSIFICAÇÃO
SOLOS
Data do Acordão: 06/20/2012
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DE GOUVEIA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Legislação Nacional: ARTºS 25º, 26º E 27º DO CÓDIGO DAS EXPROPRIAÇÕES; 62º, Nº 2 DA CONSTITUIÇÃO
Sumário: I – É sabido que o Legislador, seguindo uma técnica que já vinha do anterior Código das Expropriações, no qual constituíra uma inovação relativamente ao Código de 1976, delimitou o conceito correspondente a cada um dos grupos de solos definindo-os pela positiva, no caso dos “solo[s] apto[s] para construção” (nº 2 do artigo 25º do CE), e delimitando pela negativa o respectivo universo, no caso dos “solo[s] apto[s] para outros fins” (nº 3 do mesmo artigo).

II - Releva tal classificação como pressuposto da operação de cálculo do valor do solo expropriado (por referência, fundamentalmente, aos critérios gerais diferenciados contidos nos artigos 26º e 27º do CE), maxime para a aplicação prática do conceito de “justa indemnização”, nos termos em que esta é condicionalmente associada pelo texto constitucional – através do uso do advérbio de exclusão “só” – à ideia de requisição e expropriação por utilidade pública (artigo 62º, nº 2 da CRP).

III - A especificidade da indemnização por expropriação reside na sua caracterização teleológica por referência à ideia de recomposição da igualdade afectada pelo acto de apropriação forçada (extinção coactiva) pelo Estado de um concreto direito de propriedade alheio.

IV - Existe uma correspondência entre o chamado “valor de troca” e o conceito de “justa indemnização”, representando este último, assim, uma espécie de “preço” ou contrapartida necessária da restrição.

Decisão Texto Integral:

Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra

I – A Causa


            1. Refere-se a presente expropriação por utilidade pública, cuja fase judicial teve início em 07/03/2006[1], à denominada “Parcela nº 1” (trata-se esta de uma parcela com a área de 10.341 m2 a destacar de um prédio rústico/misto sito na freguesia de S. Julião, concelho de Gouveia[2]), cuja apropriação pelo Estado Português, através da entidade expropriante, EP – Estradas de Portugal, S.A. (doravante referida como Expropriante e no contexto deste recurso como Apelante), se destina à execução da obra pública designada como “variante à EN 232 em Gouveia”.

            Neste procedimento expropriativo assumiu a qualidade de Expropriado a proprietária do indicado prédio, M… (doravante referida como Expropriada e também como Apelante).

            Referem-se os dois recursos de apelação aqui em causa – o interposto pela Expropriante a fls. 688 e 697/703 e o interposto pela Expropriada a fls. 691 e 707/734[3] –, referem-se as duas apelações, dizíamos, à Sentença de fls. 667/686[4], que fixou – e é disso ou dessa incidência que trata este duplo recurso – em €220.048,08 o montante indemnizatório devido pela expropriação da parcela aqui em causa, sendo que o fez, depois do Acórdão anulatório desta Relação de fls. 543/555, a culminar recursos interpostos na sequência da fase arbitral necessária[5], sucessivamente, pela entidade Expropriante (este a fls. 115/120) e pela Expropriada (este, aí dito ser de natureza subordinada, a fls. 149/151 vº).

            1.1. Com efeito – e percorremos aqui o iter da expropriação até a esta segunda chegada do processo a este Tribunal –, foi a mencionada “parcela nº 1”, conjuntamente com outras e visando possibilitar a execução da mencionada obra, objecto de Declaração de Utilidade Pública (DUP) pelo Despacho nº 9222-F/2004 (2ª série), do Secretário de Estado das Obras Públicas de 5 de Abril de 2004 [publicado no Diário da República – II Série, nº 107, de 7 de Maio de 2004 (pp. 7184-80/81)].

            Na sequência desta declaração, realizada que foi a vistoria ad perpetuam rei memoriam (consta ela de fls. 30/33) e inexistindo acordo entre a Expropriada e a Expropriante, foi fixado, no quadro da arbitragem necessária prevista no artigo 42º e seguintes do Código das Expropriações (CE), como se referiu, o valor de €260.845,00, sendo a propriedade da parcela adjudicada à Expropriante através do despacho de fls. 101.

            1.2. Notificados que foram deste despacho, interpuseram a Expropriante e a Expropriada os recursos de fls. 115/120 e de fls. 149/151 vº, respectivamente – referimo-nos aos recursos da decisão arbitral, dirigidos ao Tribunal de Comarca da situação da parcela expropriada, previsto no artigo 52º, nº 1 do CE –, aí impugnando as premissas e os critérios da decisão arbitral, propondo como valores indemnizatórios justos o de €45.179,51 (a Expropriante, negando ela à parcela objecto da expropriação a natureza de terreno apto para construção) e o de €706.343,00 (a Expropriada, pressupondo a capacidade edificativa mas discutindo os critérios de valoração correspondentes a tal classificação).

            Admitidos estes recursos (a fls. 133 o da Expropriante; a fls. 164 o da Expropriada), realizou-se a avaliação prevista no artigo 61º, nº 2 do CE (relatório de fls. 291/306)[6], tendo os peritos, por maioria (contraditados pelo voto discrepante do perito da Expropriante[7]), atribuído à parcela expropriada (aí unitariamente classificada como terreno apto para construção) o valor de €434.188,05

            1.3. Alcançou-se, assim, a fase de julgamento (a primeira fase de julgamento), que culminou com a Sentença de fls. 466/477 (a qual, classificando o terreno como apto para construção, fixou a indemnização devida pela Expropriante em €434.188,05), posteriormente anulada pelo Acórdão desta Relação de fls. 543/555.

            1.3.1. Regressado, na sequência da referida anulação, o processo à primeira instância, foi proferida, depois de colhidos novos elementos reportados à prova pericial, a Sentença de fls. 667/686esta constitui a decisão objecto do presente recurso –, fixando, em termos que adiante neste Acórdão serão especificados, a indemnização global devida pela Expropriante em €220.048,08.

            1.4. De novo inconformadas com este segundo pronunciamento, recorreram a Expropriante (fls. 688; alegações a fls. 697/703) e a Expropriada (fls. 691; alegações a fls. 707/734), concluindo nos seus recursos, respectivamente, o seguinte:
“[…]


II – Fundamentação

            2. Relatada a marcha do processo, importa apreciar os dois recursos.

            A incidência temática de cada um deles capta-se pelo teor das respectivas conclusões [artigos 684º, nº 3 e 690º, nº 1 do Código de Processo Civil (CPC)], importando decidir as questões colocadas através dessas conclusões – e, bem assim, se se colocarem, as que forem de conhecimento oficioso –, exceptuadas aquelas cuja decisão se mostre prejudicada pela solução dada a outras precedentemente apreciadas e decididas nesta instância ( como resulta do artigo 660º, nº 2 do CPC e tem aplicação nesta instância; sublinhamos esta incidência porque ela apresentará relevância na economia decisória deste recurso).

Referem-se os dois recursos ao valor indemnizatório agora fixado, sendo que (a) o recurso da Expropriante Estradas de Portugal discute, nesse contexto, a natureza da parte da parcela que o Tribunal a quo considerou apta para construção, nessa específica natureza (como terreno que possa ser classificado como apto para construção), pretendendo que todo o terreno seja considerado como apto para outros fins. (b) O recurso da Expropriada M…, por sua vez, discute, em termos simetricamente antagónicos aos da impugnação da Expropriante, a opção da Sentença de isolar na parcela áreas (sub-parcelas) consideradas como terreno não apto para construção, pugnando a Expropriada por um arrastamento de todo a parcela pela classificação de parte dela como terreno apto para a construção.

A apreciação dos diversos argumentos específicos, que sustentam estas duas pretensões cruzadas, terá lugar no quadro da fixação fundamentada por este Tribunal do valor da parcela expropriada, nas suas diversas incidências, sendo caso de recordar aqui que a obrigação de pronúncia desta instância se refere à – podíamos mesmo dizer que se esgota na – apreciação dos fundamentos operantes do recurso e não no esgotamento expositivo de todas as linhas argumentativas equacionadas pelos recorrentes.

É o que faremos de seguida, apreciar os fundamentos do recurso operantes para a fixação da indemnização, indicando aqui, desde já, os factos que a primeira instância, na Sentença aqui recorrida, consignou como provados (sublinhando-se, todavia, que referindo-se estes a incidências documentalmente expressas no processo, já amplamente conhecidas e discutidas pelas partes, nada impede esta Relação de, sendo caso disso, se reportar, em sede de subsunção, a outros elementos emergentes dos autos, mesmo que não descritos no elenco infra). Assim, os factos considerados provados elencados na decisão são os seguintes:
“[…]
1. Por despacho do Senhor Secretário de Estado das Obras Públicas, de 5 de Abril de 2004, publicado no Diário da República, n.º 107, II Série, de 7 de Maio de 2004, com vista à execução da obra da variante à EN 232 em Gouveia, foi declarada a utilidade pública da expropriação, com carácter de urgência, das parcelas de terreno necessárias à execução da obra, onde se inclui a parcela n.º 1 (fls. 7 a 8).
2. A parcela número um tem a área de 10.341 (dez mil trezentos e quarenta e um) m2, foi desanexada de um prédio rústico sito ao lugar de … com a área total de 37.760m2, que faz parte do prédio misto descrito na Conservatória do Registo Predial de Gouveia sob os n.ºs …, registada a aquisição a favor da expropriada, M…, viúva, pela inscrição G-1, apresentação 2 de 18/01/2002 por legado de J… (fls. 10 a 16 e 107 a 111).
3. De acordo com o Plano Geral de Urbanização de Gouveia, publicado no Diário da República n.º 56, II série, de 8 de Março de 1989, eficaz à data da publicação da declaração da utilidade pública, a parcela expropriada destina-se aos seguintes usos ‘verde de protecção’ – 3.370m2, ‘rede rodoviária – vias regionais’ – 6.616m2 e ‘zona agrícola’ – 855m2 (fls.17, 316 e 638).
4. A vistoria ad perpetuam rei memoriam foi realizada no dia 28/05/2004, pelo perito nomeado pelo Ex.mo Presidente do Tribunal da Relação de Coimbra, conforme auto de vistoria junto a fls. 30 a 38, que aqui se dá por reproduzido e onde consta, em síntese, o seguinte:
a. A parcela a expropriar situa-se no aglomerado urbano de Gouveia, em zona de construção dispersa;
b. A parcela a expropriar encontrava-se numa parte em regime de pousio e noutra parte ocupada por horta e lavradio, por uma oliveira grande, por duas oliveiras médias, por trinta e oito oliveiras pequenas, todas em regular estado vegetativo, por três macieiras grandes, por uma cerejeira grande, por uma cerejeira pequena e por uma figueira muito pequena;
c. Na parcela a expropriar existia um muro de vedação, confinante com a via pública, em alvenaria argamassada, com o comprimento de cerca de cento e dez metros, a espessura de quarenta centímetros e a altura, incluindo fundação, de sessenta centímetros, que se mostrava capeado com recurso a lajetas de granito com a largura de cinquenta centímetros e a espessura de quinze centímetros e uma mina cuja extensão e natureza não foi possível conhecer.
d. A parcela expropriada era acessível através da via pública, pavimentada a betuminoso, equipada com rede de abastecimento de água, rede de saneamento ligada a estação depuradora, rede de drenagem de águas pluviais, rede de distribuição de energia eléctrica em baixa tensão, rede telefónica e rede de iluminação pública.
5. No dia catorze de Julho de dois mil e quatro a entidade expropriante tomou posse administrativa da parcela expropriada (fls. 47 a 48).
6. A arbitragem foi realizada em 12/08/2005 e nesta atribuída uma indemnização aos expropriados de €260.845,00, discriminada da forma seguinte: €258.525,00 correspondente ao valor do terreno avaliado como ‘solo apto para construção’, €1.320,00 relativo ao valor do muro e €1.000,00 ao valor da mina
(fls. 79 a 90).
7. A parte restante do prédio expropriado ficou dividido em duas áreas distintas, uma de cada lado da nova estrada (fls. 18, 86).
8. No âmbito da peritagem efectuada, os peritos designados pelo Tribunal e expropriada atribuíram à mencionada parcela de terreno o valor de €421.395,75, avaliada como solo apto para construção, €3.000,00 relativo ao custo da reposição dos caudais de água eliminados, €2.310,00 do muro e €7.482,30 relativa à desvalorização da parte sobrante, no total de €434.188,05 (fls. 292 a 306).
9. O perito designado pela expropriante atribuiu à parcela o valor de €46.017,45, avaliada como ‘solo apto para outros fins’, às oliveiras, macieiras, cerejeiras e figueiras o valor total de €1.170,00, ao muro o valor de €660,00, à mina o valor de €1.000,00 e à desvalorização da parte sobrante a poente da parcela a importância de €4.301,40, tendo sido deduzido o valor de €1.710,80 (fls. 315 a 322).
10. Na sequência da notificação efectuada, os peritos designados pelo Tribunal e expropriada consideraram que o valor da parcela expropriada, como solo agrícola, é de €31.023,00 (fls. 572 a 573 e 577 a 578).
11. De acordo com o Plano Geral de Urbanização de Gouveia as características da envolvente dos 300 metros da parcela e os prédios existentes são os mencionados a fls. 508 a 602 e 609 a 611 respectivamente, sendo o índice médio de construção de 0,54.
12. No espaço envolvente da parcela expropriada não existem focos de poluição (fls. 293 e 568).
[…]”
            [transcrição de fls. 670/672].

            2.1. Discute-se aqui, pois, constituindo o que identificamos como questão operante para ambas as apelações, a natureza do terreno que integra a parcela expropriada, enquanto elemento-base da operação de fixação de uma “justa indemnização” por referência às duas categorias matriciais legais de classificação dos solos que subjazem ao nº 1 do artigo 25º do CE[8].

A introdução de tal discussão implica determinar se o terreno em causa, conforme entendeu a Sentença recorrida, dispõe de uma parte que deve ser considerada – equiparada a, para sermos rigorosos – solo apto para construção e de outra que deve ser classificada e avaliada como solo apto para outros fins, ou se, pelo contrário, como defende a Expropriante, deve ser considerado como solo não classificável como dispondo de aptidão legal edificativa, ou se, como entende a Expropriada, deve ser todo ele absorvido pela aptidão edificativa que a Sentença referiu apenas a uma parte da parcela expropriada. Trata-se aqui, fundamentalmente de caracterizar e referir ao caso concreto os critérios legais referidos no Código das Expropriações à determinação do valor do solo para efeitos indemnizatórios em caso de Expropriação.

É sabido que o Legislador, seguindo uma técnica que já vinha do anterior Código das Expropriações[9], no qual constituíra uma inovação relativamente ao Código de 1976[10], delimitou o conceito correspondente a cada um dos grupos de solos definindo-os pela positiva, no caso dos “solo[s] apto[s] para construção” (nº 2 do artigo 25º do CE), e delimitando pela negativa o respectivo universo, no caso dos “solo[s] apto[s] para outros fins” (nº 3 do mesmo artigo)[11].

Releva tal classificação – e é ela que aqui se discute – como pressuposto da operação de cálculo do valor do solo expropriado (por referência, fundamentalmente, aos critérios gerais diferenciados contidos nos artigos 26º e 27º do CE), maxime para a aplicação prática do conceito de “justa indemnização”, nos termos em que esta é condicionalmente associada pelo texto constitucional – através do uso do advérbio de exclusão “só” – à ideia de requisição e expropriação por utilidade pública (artigo 62º, nº 2 da CRP)[12].

            Existe, assim, um espaço argumentativo preambular, referido à caracterização do conceito de “justa indemnização”, que importa aqui percorrer, no quadro da dilucidação do recurso. Em termos gerais, poderemos observar desde já, como princípio muito geral, que um condicionamento geral, de base legal, à construção num determinado terreno, torna-o, em princípio (e das excepções a este princípio falaremos subsequentemente), como terreno não apto para a construção, descartando a indemnização correspondente essa dimensão: a valorização económica em função da possibilidade de se construir nesse terreno.

            2.1.1. Interessa-nos concretizar, pois, o sentido do conceito operativo fundamental em torno do qual se constrói o poder do Estado de afectar ao domínio público, com base em lei e mediante indemnização, bens objecto de direitos de propriedade privada. Importará caracterizar, enfim, como se disse, o conceito de “justa indemnização”, reportado à concreta realidade predial aqui em causa.

            Há que não esquecer – e seguimos as observações tecidas por Miguel Nogueira de Brito a respeito da caracterização do direito fundamental de propriedade privada –, que “[t]oda a norma que disciplina a expropriação deve ser entendida como uma norma restritiva do direito fundamental de propriedade […]. O direito a não ser privado da propriedade é o direito fundamental de propriedade consagrado no artigo 62º, nº 1 da [CRP]; a expropriação por utilidade pública e a requisição, previstas no nº 2 do mesmo artigo, são apenas casos de restrição daquele direito fundamental, não integrando o seu conceito”[13].

            Embora diferenciados os conceitos de propriedade e de património apresentam uma relevante conexão em sede de expropriação, que os torna operativamente complementares. Esta questão é equacionada em termos gerais por Miguel Nogueira de Brito, nos seguintes termos:
“[…]
Qual é […] a conexão que se estabelece entre os conceitos de propriedade e de património? A resposta prende-se com o necessário reconhecimento de que a propriedade, na ordem económica actual, é sempre também património, porque é convertível em dinheiro […].”[14]

            E acrescenta o mesmo Autor, formulando uma resposta na base da distinção, relativamente à garantia constitucional da propriedade, entre as duas dimensões relevantes dessa garantia: a “garantia de permanência” e a “garantia de valor”:
“[…]
[A] propriedade em sentido constitucional não consiste no património dos cidadãos, mas nas suas posições jurídicas com valor patrimonial.
[…]
A distinção entre uma função primária, ou de defesa, e uma função secundária, ou de compensação, da garantia da propriedade, corresponde à ideia de que essa garantia não consiste, em primeira linha, numa «garantia de valor», mas sim numa «garantia de permanência» […]. Isso significa também […] que a transformação da «garantia de permanência» numa «garantia de valor» apenas ocorre quando se verifiquem os pressupostos de uma expropriação legítima ou de um legítimo acto de nacionalização ou socialização de meios de produção. Mais ainda, as duas dimensões da garantia individual da propriedade e a relação de prioridade que entre elas se estabelece, conduzem a uma distinção entre garantia de valor de uso e garantia de valor de troca. A garantia de permanência é uma garantia de valor de uso dos concretos direitos de propriedade, tal como eles existem na ordem jurídica; pelo contrário, apenas em caso de expropriação ou nacionalização, em que a garantia de permanência dá lugar a uma garantia de valor, é assegurado ao proprietário o valor de troca (ou valor de mercado) do bem expropriado ou nacionalizado. Assim, no âmbito da sua tarefa de determinação do conteúdo e limites da propriedade, o legislador está obrigado a preservar o valor de uso dos bens objecto da propriedade, nos termos em que eles são configurados num caso concreto, e só num caso de afectação de tais bens que reúna os pressupostos de uma expropriação ou nacionalização se pode falar numa garantia do valor de troca.”[15]
            [sublinhado acrescentado]


Existe uma correspondência entre este “valor de troca” e o conceito de “justa indemnização”, representando este último, assim, uma espécie de “preço” (v., todavia, contextualizando a expressão “preço” aqui empregue, a nota 22, infra e o texto deste Acórdão que para ela remete) ou contrapartida necessária da restrição e, nos termos em que o caracterizam J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, expressa estruturalmente a ideia de transformação do direito de propriedade, para o expropriado, em função do acto lesivo deste direito consubstanciado na expropriação por utilidade pública, “no direito ao respectivo valor”[16].
Com efeito, embora a Constituição – e continuamos a citar os dois últimos Autores – não estabeleça “[…] qualquer critério indemnizatório (‘valor venal’, ‘valor de mercado’, ‘valor real’, etc.) […]”, não deixa ela de expressar, através do conceito de “justa indemnização” uma imposição de respeito pelo “[…] princípio da equivalência de valores, expulsando desta equivalência valores especulativos ou ficcionados, decisivamente perturbadores da «justa medida» que deve existir entre as consequências da expropriação e a sua indemnização”, valendo aqui, numa espécie de súmula do conceito (constitucional) de “justa indemnização”, as seguintes ideias-força: “[…] (a) uma ideia tendencial de contemporaneidade, pois, embora não sendo exigível o pagamento prévio, também não existe discricionariedade quanto ao adiamento do pagamento da indemnização; (b) justiça de indemnização quanto ao ressarcimento dos prejuízos suportados pelo expropriado, o que pressupõe [uma] fixação do valor dos bens ou direitos expropriados que tenha em conta, por exemplo, a natureza dos solos (aptos para construção ou para outro fim), o rendimento, as culturas, os acessos, a localização, os encargos, etc.; isto é, as circunstâncias e as condições de facto”[17].

É este, aliás, o sentido profundo da jurisprudência do Tribunal Constitucional, na caracterização que faz, num já vasto corpo de decisões, do conceito de “justa indemnização”, podendo captar-se esse sentido através do seguinte trecho retirado do Acórdão nº 422/2004[18] relatado pelo Conselheiro Artur Maurício, Presidente do Tribunal entre 2004 e 2007:
“[…]
A justeza de um montante indemnizatório por expropriação dependerá, em termos gerais, da circunstância de esse valor «traduzir uma adequada restauração da lesão patrimonial» (palavras do Acórdão nº 381/89), o que implica – e a jurisprudência do Tribunal Constitucional também o tem afirmado (v.g. no […] Acórdão nº 314/95) – um mínimo de correspondência a referenciais de mercado na determinação do quantum indemnizatório. É que, se é no mercado onde os actores económicos, através da oferta e da procura, fixam o valor dos bens transaccionados, não poderá ter-se por adequado um valor completamente desfasado daquilo que corresponderia, nesse mesmo mercado, ao valor de transacção do bem expropriado.
Quando se fala em um mínimo de correspondência a referenciais de mercado, quer-se sublinhar um outro elemento, também invariavelmente presente na jurisprudência deste Tribunal, e que acentua que a expressão (que é usada por Alves Correia, in O Plano Urbanístico e o Princípio da Igualdade, Coimbra, 1989, p. 540) «valor de mercado normativamente entendido» corresponde «a um valor de mercado «normal» ou «habitual», em que não entrem em linha de conta factores especulativos ou anómalos, o que faz com que, algumas vezes, o pretium dos bens que poderia ser obtido num mercado onde jogam livremente as regras da oferta e da procura, seja, acentuada ou substancialmente diferente daquele que se obteria por recurso ao conceito normativo delineado» (citação do Acórdão nº 314/95; v. ainda Alves Correia, A Jurisprudência do Tribunal Constitucional..., cit. pp. 233/234, dos nºs. 3905 e 3906).
Ou seja, o que se pretende dizer é que o valor justo, o «justo preço», não podendo ser alheio aos critérios de mercado, não tem que coincidir integralmente com eles, sendo possíveis, sem que a indemnização deixe de ser constitucionalmente adequada, «reduções (...) impostas pela especial ponderação do interesse público que a expropriação serve», tal como «são admitidas majorações, devido à natureza dos danos provocados pelo acto expropriativo» (Alves Correia, o Plano Urbanístico..., cit.).
[…]”
            [sublinhado acrescentado]

            Servem estas considerações para tornar claro – e trata-se de um elemento relevante para a ulterior exposição relativamente à determinação da natureza do solo a considerar e da correspondente contrapartida indemnizatória – que o parâmetro aferidor da justeza de uma indemnização respeitante a expropriação por utilidade pública de solo, não se encerrando ou esgotando na procura de um – rectius, “do” – valor de mercado, entendido este como a procura de um montante que exactamente expresse uma espécie de intercepção estatística entre a curva da “oferta agregada” de terra (o conjunto de terra passível de colocação no mercado num determinado espaço territorial) e a “procura agregada” do mesmo bem (o conjunto do que os consumidores de terra, nesse espaço, estão dispostos a gastar na aquisição de terra com aquelas características)[19], não se encerrando a fixação de uma indemnização, dizíamos, na procura do tal valor idealizado de mercado, não pode deixar ela de manter, sob pena de já não ser “justa” no sentido de “valor de troca”, uma espécie de “reserva mínima” referida ao valor ou preço de mercado, em termos de excluir valores que, para mais ou para menos, se mostrem, como sublinhou o Tribunal Constitucional no citado Acórdão nº 422/2004 (e em tantos outros), “completamente desfasado[s]” dos valores de mercado, ou que, acrescenta-se aqui, não se baseiem em elementos susceptíveis de actuar no que poderíamos indicar como o “ambiente de mercado”[20]. É que a ideia de justiça referida a uma indemnização – o conceito matriz de “justa indemnização” –, expressando também um elemento relacional, não pode prescindir de uma comparação de realidades, e o elemento fundamental de comparação do qual dispomos para aferir a compensação devida àquele que é privado, contra ou sem a sua vontade, de um direito, não pode deixar de ser, em última análise, a situação de quem transacciona no mercado um bem dessa mesma natureza. É neste sentido que um dos elementos de controlo dessa justeza indemnizatória é referido como “princípio da igualdade na relação externa de expropriação” (Acórdão do Tribunal Constitucional nº 422/2004), assentando numa comparação entre expropriados e não expropriados.
            Aliás, esta referenciação ao princípio da igualdade coloca-nos no núcleo central do problema da natureza da indemnização nas expropriações por utilidade pública. Trata-se através da indemnização, com efeito, de realizar, ainda, através da introdução de um elemento de substituição, uma ideia de igualdade entre os cidadãos, quando um destes é directamente afectado pela atribuição individualizada de um custo da prossecução do interesse público, não repartido equitativamente pelos restantes colocados na mesma posição de partida do afectado. É neste sentido que a indemnização devida pela expropriação é elevada, pelo texto constitucional, à categoria valorativa de justa; é também neste sentido que o entendimento desta indemnização (da indemnização por expropriação) evoluiu de concepções ligadas a institutos jurídicos cujo referencial se esgota numa enganadora aparência induzida pelas palavras, mas que não captam devidamente a essência – a especificidade – que a ideia de indemnização aqui apresenta. Referimo-nos, a propósito dessa aparência, que reputamos de enganadora, a concepções da indemnização que procuram o seu sentido na construção de uma espécie de “compra e venda forçada”, na qual haveria que procurar algo aparentado, ou mesmo idêntico, a um “preço” no quadro ficcionado de uma venda[21]. Não se trata aqui, com efeito de realizar uma venda coactiva, embora a ficção da venda do bem expropriado forneça, como acima referimos, elementos relevantes e consistentes de aferição da justeza do valor indemnizatório, sendo nesse quadro que podemos obter elementos valorativos de comparação desta transferência onerosa (via expropriação) com outras transferências onerosas (as que se realizam no mercado fundamentalmente através da celebração de contratos de compra e venda).
A especificidade da indemnização por expropriação reside na sua caracterização teleológica por referência à ideia de recomposição da igualdade afectada pelo acto de apropriação forçada (extinção coactiva[22]) pelo Estado de um concreto direito de propriedade alheio. É neste sentido – e seguimos aqui a exposição de Menezes Cordeiro e de Miguel Teixeira de Sousa – que se afirma, a propósito da “[…] natureza da indemnização atribuída, por lei e pela Constituição, ao expropriado”:
“[…]
Não se trata duma verdadeira indemnização, uma vez que não deriva do funcionamento do instituto da responsabilidade civil.
Também se deve afastar a hipótese dum preço, uma vez que foi repudiada a construção da expropriação como «venda forçada».
Tão pouco esclarece a afirmação da presença duma conversão de bens em dinheiro: trata-se duma fórmula descritiva que não pretende, por certo, sugerir a aplicação de nenhum particular instituto civil.
A Ciência do Direito actual inclina-se para fazer derivar a indemnização do princípio da igualdade.
As diversas Constituições, designadamente nos Estados de Direito, consagram o princípio da igualdade nas suas várias facetas. Entre elas, conta-se o dever de contribuir para o bem público: todos devem fazê-lo na medida da sua capacidade. Ora, tal princípio seria gravemente perturbado pela expropriação que atingiria selectivamente as pessoas, sem consideração do seu património global.
A indemnização visa, pois, restabelecer a igualdade perdida, colocando o expropriado na precisa situação em que se encontram os seus concidadãos que, tendo bens idênticos, não foram atingidos.
[…]”[23]    

            É com base nestes pressupostos que importa avançar nas específicas questões suscitadas a propósito da qualificação do solo integrante da parcela expropriada (de todo ele ou de partes distintas dele) e, em função disso, da determinação da forma de cálculo da indemnização a suportar pela entidade Expropriante.
            2.2. Configuram-se aqui três alternativas na caracterização qualitativa do terreno, enquanto pressuposto da avaliação visando determinar o seu justo valor.
            A entidade Expropriante caracteriza o terreno – toda a parcela – como solo apto para outros fins, para fins distintos da edificação, e que, em função disso, deve ser avaliado nos termos do artigo 27º do CE, concretamente por extrapolação da sua aptidão produtiva agrícola (artigo 27º, nº 3 do CE).
            A Expropriada, no quadro geral da afirmação da parcela como terreno com aptidão edificativa (sujeito às regras de determinação de valor correspondentes a essa situação, as do artigo 26º do CE), entende que a indemnização a fixar, tendo presente a posição da primeira instância considerando uma capacidade edificativa restrita a determinada área da parcela, deve absorver nessa natureza todo o terreno integrante da parcela, fixando a indemnização como se todos os 10.341 m2 fossem terreno apto para construção.
            Finalmente, o entendimento do Tribunal a quo, expresso na segunda Sentença aqui recorrida – e será esta (este entendimento) que nos fornecerá a base argumentativa a considerar na subsequente exposição –, corresponde essa Sentença, dizíamos, à dissociação de três tipos de solo dentro da parcela (v. item 3 dos factos), por referência à classificação (afectação) decorrente do Plano Geral de Urbanização de Gouveia (doravante PGU, consta ele de fls. 771/775 e foi publicado em 08/03/1989), a saber: (a) 3370 m2 de “zona verde de protecção” (artigo 10º do PGU[24]); (b) 855 m2 de “Zona Agrícola” (artigo 12º do PGU e Reserva Agrícola Nacional[25]); (c) 6.616 m2 de “Rede rodoviária – vias regionais” (artigo 14º, §1 do PGU[26]). Através desta diferenciação a primeira instância calculou a indemnização global por fracções, sub-parcelas, fixando às zonas agrícola e de espaço verde um valor próprio de terra para fins diversos da construção (artigo 27º do CE) e fixando à zona afecta à rede rodoviária regional um valor calculado dentro de um dos parâmetros do artigo 26º do CE (o do nº 12 deste), considerando-a, por isso, como solo apto para construção.
            Assentou este entendimento na consideração, em primeira linha, da existência de uma impossibilidade legal de edificar no terreno expropriado, decorrente dos dois instrumentos de gestão territorial considerados (o PGU e o PDM[27]), sendo que, em segunda linha, a passagem da propriedade do prédio que contém a parcela a expropriar para a Expropriada ocorreu posteriormente à afectação especial de destino decorrente desses dois instrumentos (v. item 2 dos factos provados no seu trecho final)[28], circunstância de tempo que foi considerado bloquear a aplicação do nº 12 do artigo 26º do CE[29]: estaria – está – em causa, por banda da Expropriada, uma aquisição do terreno posterior ao PGU de Gouveia (este é de 1989) contendo as exclusões à construção nas três sub-parcelas detectadas, desde a fase arbitral, no terreno expropriado[30].
            Note-se que o cálculo da indemnização, no que tange à consideração de aptidão edificativa, excluindo-a numa parte e afirmando-a noutra, foi aqui alcançado por referência ao critério decorrente do nº 12 do artigo 26º do CE. A questão coloca-se – só se coloca – porque a Sentença apelada fez funcionar esse elemento negativo da norma (a exclusão deste nº 12 da aquisição do terreno expropriado posterior ao instrumento de ordenamento contendo a reserva ao fim distinto da edificação) no caso das sub-parcelas “Zona Verde de protecção” e “Zona Agrícola”, não funcionando essa mesma exclusão, todavia, no caso da zona qualificada pelo PGU como “rede rodoviária – vias regionais”, sendo que neste caso a Sentença considerou, utilizando-o como instrumento de cálculo, o critério do nº 12 do indicado artigo 26º.

            O fundamento desta diferenciação, sendo certo que nos três casos a aquisição pela Expropriada é posterior à afectação ao fim distinto da construção – em todos eles funcionaria (funciona), portanto, a correspondente exclusão do indicado nº 12 –, assenta na leitura que a decisão recorrida faz da articulação indemnizatória dos terrenos afectos a vias de comunicação (os chamados espaços canal) por referência a uma situação tratada na jurisprudência deste Tribunal da Relação, expressamente assumida pela Sentença recorrida como argumento com vocação de precedente persuasivo[31].
            Sucede, porém, que a consideração deste entendimento pressupõe – só assim ele tem sentido – a aplicação (logo, o ser aplicável) o nº 12 do artigo 26º do CE[32], pois este constitui a única disposição que permite a extensão de um cálculo pressupondo capacidade construtiva (porque extrapola para o caso concreto um valor de referência obtido nesse pressuposto: o dos terrenos adjacentes onde se pode construir ou onde se construiu) a um terreno onde essa possibilidade está excluída à partida por um outro destino decorrente de um instrumento de planeamento territorial[33].
            Ora, sendo assim que as coisas se colocam, tudo se reconduz à aplicabilidade do nº 12 do artigo 26º do CE e esta implica que a aquisição do terreno seja anterior à introdução da limitação ou afectação específica que bloqueia a aptidão edificativa, elemento da norma que aqui, como o próprio Tribunal a quo reconheceu, não se verifica. O que esta Relação diz, ao invés da primeira instância, é que essa limitação negativa constante do nº 12 do referido artigo 26º funciona relativamente a toda a parcela objecto da expropriação.
            Vale isto, enfim, pela afirmação de não existir fundamento para reconduzir a avaliação de qualquer das sub-parcelas do terreno expropriado ao critério do nº 12 do artigo 26º do CE, designadamente da sub-parcela de 6.616 m2 reportada pelo PGU à rede rodoviária. Toda a parcela expropriada deve – repete-se – ser considerada apta para outros fins e o respectivo valor calculado nesse pressuposto (ou seja, com base no artigo 27º do CE).
            É o que importará fazer no subsequente passo deste Acórdão, adiantando-se aqui que a não aplicação neste caso do nº 12 do artigo 26º do CE nos dispensa, por razões de falta de utilidade prática para a decisão, de discutir aqui as questões de constitucionalidade que se vêm suscitando em torno desse artigo 26º, nº 12 – não teria sentido discutir aqui a constitucionalidade de uma norma que não vai ser aplicada no cálculo desta indemnização.
            Elimina esta caracterização do problema, por prejudicialidade adjectivamente reportada ao artigo 660º, nº 2 do CPC, muitas das questões-fundamento equacionadas nos dois recursos. A caracterização do terreno que aqui fazemos é como não apto para construção e esse pressuposto base – concorde-se ou discorde-se dele – impõe-se no subsequente cálculo, tendo em vista os dados técnicos pericialmente determinados e as incidências processuais que condicionam a determinação do valor da parcela expropriada.
            2.2.1. Tratando-se de solo apto para outros fins, somos reconduzidos ao critério do nº 3 do artigo 27º do CE (no pressuposto de exclusão dos critérios dos nºs 1 e 2 deste artigo 27º)[34], significando isso (v. a este respeito o despacho de fls. 575) que apresentaria relevância a avaliação da parcela como solo agrícola, tendo os Senhores peritos considerado a fls. 577/578 que, neste pressuposto resultante da expressa indicação dada pelo Tribunal, o valor dos 10.341 m2 da parcela expropriada seria (como solo afecto à agricultura) de €31.032,00, valor este ao qual haveria que acrescentar os restantes itens indemnizatórios referentes a cómodos da Expropriante suprimidos pela expropriação (árvores arrancadas, muro destruído, mina e desvalorização da parcela sobrante).
            Note-se, todavia, no que toca ao valor do solo expropriado calculado como apto para outros fins (no quadro geral do artigo 27º do CE), a indicação constante do relatório discrepante do perito da entidade Expropriante, constante de fls. 315/321, no qual se opta (convincentemente) por uma determinação de valor referida aos critérios dos nºs 1 e 2 do artigo 27º do CE, alcançando-se, neste pressuposto, como valor do solo o de €46.017,45 (v. fls. 319 e item 9 dos factos)[35].
            Consideramos aqui este valor como o que mais fielmente expressa uma indemnização justa, no quadro geral da avaliação dos terrenos que não dispõem de aptidão edificativa, no quadro relacional dos outros terrenos com a mesma aptidão (ou, se preferirmos dizer o mesmo de outra forma, com a mesma inaptidão edificativa) na mesma zona: o valor resultante da média aritmética actualizada entre os preços unitários de aquisições ou avaliações fiscais que corrijam os valores declarados efectuadas na mesma freguesia e nas freguesias limítrofes nos três anos, de entre os últimos cinco, com média anual mais elevada, relativamente a prédios com idênticas características, atendendo aos parâmetros fixados em instrumento de planeamento territorial e à sua aptidão específica, como indica o nº 1 do artigo 27º do CE.

            Na determinação da indemnização global haverá que adicionar, ao valor de €46.017,45 correspondente ao terreno em si mesmo, o valor das árvores (€1.170,00, item 9 dos factos), o valor do muro (€1.320,00[36]), o valor da mina (€1.000,00, item 9 dos factos) e o valor correspondente à desvalorização da parte sobrante (€2.889,00[37]), somando tudo isto alcançamos o montante global de €52.996,45, expressando ele o valor correspondente à indemnização pela expropriação da dita “parcela nº 1”, actualizada esta nos termos indicados na Sentença apelada no trecho inicial de fls. 686.
            2.3. É este o entendimento deste Tribunal da Relação, correspondendo ele, fundamentalmente, ao triunfo da pretensão recursória da Expropriante e à derrota da pretensão recursória da Expropriada.

III – Decisão
            3. Pelo exposto, na procedência do recurso da Expropriante e na improcedência do recurso da Expropriada, fixa-se, alterando no elemento correspondente a Sentença de fls. 667/686, a indemnização a satisfazer pela Expropriante, EP – Estradas de Portugal, S.A., à Expropriada, M…, em €52.996,45, actualizada nos exactos termos indicados no final do item 2.2.1., supra.
            As custas deste recurso ficam a cargo da Expropriada. As custas em primeira instância serão contadas a cargo da Expropriada e Expropriante, com base no respectivo decaimento em função do valor da indemnização fixado neste recurso, tomando por base os valores por cada um proposto na impugnação da decisão arbitral necessária (v. item 1.2., supra).

J. A. Teles Pereira (Relator)
Manuel Capelo
Jacinto Meca


[1] Por estar em causa um processo que teve início – referimo-nos à fase judicial induzida pelo requerimento de fls. 2/4 – anteriormente à entrada em vigor da reforma dos recursos em processo civil (processos posteriores a 01/01/2008), introduzida pelo Decreto-Lei nº 303/2007, de 24 de Agosto, aplicam-se aqui as disposições do Código de Processo Civil na redacção anterior à introduzida por este Diploma.
[2] Refere-se a indicada parcela a área a destacar de prédio referido como misto inscrito na matriz predial rústica da indicada freguesia sob o nº 68 e que inclui um artigo urbano ao qual corresponde o nº 408.
[3] Admitidos os dois a fls. 693.
[4] Proferida depois da anulação de uma primeira decisão pelo Acórdão desta Relação de fls. 543/555 (a Sentença anulada nesse trecho consta de fls. 466/477 e fixou a indemnização em €434.188,05).
[5] Esta teve o seu epílogo no Acórdão arbitral de fls. 79, o qual, no pressuposto de se tratar de terreno apto para construção, fixou a indemnização em €260.845,00 (o laudo arbitral necessário consta de fls. 80/91).
[6] Avaliação esta posteriormente objecto de diversos esclarecimentos adicionais, sendo que a Sentença aqui recorrida – e este recurso – enfrenta as diversas questões suscitadas nesses esclarecimentos.
[7] A fls. 315/321 (terreno apto para outros fins, €42.835,25).
[8] Diz este:
Artigo 25º
(Classificação dos solos)
1 – Para efeitos do cálculo da indemnização por expropriação, o solo classifica-se em:
a) Solo apto para a construção;
b)Solo apto para outros fins
------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------.
[9] O Código aprovado pelo Decreto-Lei nº 438/91, de 9 de Novembro (v. o respectivo artigo 24º).
[10] Desta feita o aprovado pelo Decreto-Lei nº 845/76, de 11 de Dezembro.
[11] Aqui se transcrevem, completando a nota 9 supra, os nºs 2 e 3 do referido artigo 25º do CE:
Artigo 25º
(Classificação dos solos)
1 – ---------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------
2 – Considera-se solo apto para construção:
a) O que dispõe de acesso rodoviário e de rede de abastecimento de água, de energia eléctrica e de saneamento, com características adequadas para servir as edificações nele existentes ou a construir;
b) O que apenas dispõe de parte das infra-estruturas referidas na alínea anterior, mas se integra em núcleo urbano existente;
c) O que está destinado, de acordo com instrumento de gestão territorial, a adquirir as características descritas na alínea a);
d) O que, não estando abrangido pelo disposto nas alíneas anteriores, possui, todavia, alvará de loteamento ou licença de construção em vigor no momento da declaração de utilidade pública, desde que o processo respectivo se tenha iniciado antes da data da notificação a que se refere o nº 5 do artigo 10º.
3 – Considera-se solo para outros fins o que não se encontra em qualquer das situações previstas no número anterior.
[12] Diz-se neste que “[a] requisição e a expropriação por utilidade pública podem ser efectuadas com base em lei e mediante o pagamento de justa indemnização”.
[13] A Justificação da Propriedade Privada numa Democracia Constitucional, Coimbra, 2007, p. 994.
[14] A Justificação da Propriedade…, cit. p. 973.
[15] A Justificação da Propriedade…, cit. p. 975/976.
[16] CRP Constituição da República Portuguesa anotada, Vol I, 4ª ed., Coimbra, 2007, p. 808.
[17] CRP…, cit., pp. 808/809.
[18] Tenha-se presente que este Acórdão nº 422/2004, disponível no sítio do Tribunal Constitucional em http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20040422.html, na sua formulação decisória reportada ao artigo 23º, nº 4 do CE/99, foi posteriormente exautorado pelo Acórdão nº 11/2008 (Cura Mariano), disponível em http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20080011.html. Foi este último aresto objecto de anotação concordante de F. Alves Correia, na Revista de Legislação e de Jurisprudência, Ano 137º (Janeiro-Fevereiro de 2008), nº 3948, pp. 195/200. Note-se, aliás, que o artigo 23º, nº 4 do CE (julgado inconstitucional pelo referido Acórdão nº 11/2008) foi entretanto revogado pela Lei nº 56/2008, de 4 de Setembro.
Esta questão (a exautoração do “precedente” consubstanciado no Acórdão nº 422/2004) é, todavia, totalmente independente da (e irrelevante para a) caracterização, feita preambularmente nesse Acórdão, do conceito de justa indemnização. É neste sentido que, retomando considerações já tecidas em anteriores decisões das quais fomos relatores nesta Relação, utilizamos aqui a caracterização da ideia de justa indemnização feita no referido Acórdão nº 422/2004, sublinhando a vocação de generalidade dessa caracterização – rectius, de independência da questão concreta nele julgada. Aliás, também resumindo as grandes linhas de força da nossa jurisprudência constitucional respeitantes ao conceito de justa indemnização, poderíamos remeter para o texto de um outro Acórdão do Tribunal, o nº 276/2007 (Benjamim Rodrigues), disponível em http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20070276.html
[19] É assim, em termos gerais, que se forma no mercado o preço da terra (v. Robert B. Ekelund, Jr., Robert D. Tollison, Economics, 4ª ed., Nova Iorque, 1994, pp. 370/373).
[20] No direito anglo-saxónico, em que o instituto da expropriação é tradicionalmente referido como “eminent domain” [usando a designação clássica latina – dominium eminens – de Hugo Grócio, no De Jure Belli et Pacis, publicado em 1625, visando o direito do Estado – dito “domínio supremo” – de apropriar bens alheios para satisfação do interesse público mediante uma contrapartida: “[b]ut it is to be added that when this is done the state is bound to make good the loss to those who lose their property”], no direito anglo-saxónico, dizíamos, a caracterização da contrapartida devida pela “expropriação”, é genericamente caracterizada como correspondendo a um “ justo valor de mercado”: “[a]lthough the Fifth Amendment requires payment of "just compensation,"[a]merican courts have held that the proper measure of compensation is "fair market value," i.e., the price that a willing but unpressured buyer would pay a willing but unpressured seller for the subject property, with both parties fully informed of the property's good and bad features. Also, this approach takes into account the property's highest and best use (i.e., its most profitable use) which is not necessarily its current use or the use mandated by current zoning if there is a reasonable probability of zone change” (v. a entrada “Eminent domain” na Wikipédia, em,  http://en.wikipedia.org/wiki/Eminent_domain, na versão de Maio de 2012).
[21] Cunha Gonçalves, Tratado de Direito Civil, em comentário ao Código Civil Português, vol XII, Coimbra, 1937, pp. 189/190: “[…] o termo «expropriação» não é rigorosamente exacto; porque a nossa lei só autoriza a exigência da venda forçada da cousa apropriada. O proprietário recebe o respectivo preço […]. O proprietário não é privado do seu direito; este direito é, apenas, transformado; a cousa é substituída pelo seu preço, exactamente como na vulgar compra e venda. […] a expropriação é o acto pelo qual legalmente se impõe ao proprietário a venda de uma cousa sua, para a realização de um determinado proveito da colectividade”.
[22] É hoje dominante o entendimento que nega à expropriação a natureza de aquisição a título derivado (transmissão da propriedade), prevalecendo o entendimento de que o expropriante “[…] adquire a título originário, isto é, vê constituir-se ex novo um direito seu sobre a coisa expropriada. Consequentemente, a expropriação provoca a extinção do direito ou direitos anteriores” (António Menezes Cordeiro, Direitos Reais, II vol., Lisboa, 1979, p. 802).
[23] “Expropriação por Utilidade Pública”, Parecer publicado na Colectânea de Jurisprudência, Tomo V/1990, p. 25.
[24] Este (o artigo 10º do PGU), afora a existência de Planos de Pormenor (o que não é o caso), exclui a construção: “[…] não são permitidas construções” (fls. 773).
[25] O que também exclui a possibilidade de construir (porque não existe na parcela expropriada edificação a reconstruir, a reparar ou a construir para habitação de agricultor que a explore), Note-se que esta incidência do PGU induz a inclusão deste espaço na Reserva Agrícola Nacional, por articulação com outro instrumento contendo essa afectação (v. o artigo 5º, nº 1 do Decreto-Lei nº 73/2009, de 31 de Março, e por proibição de construir estabelecida no artigo 21º, nº 1, alínea a) deste Diploma).
[26] Que, traduzindo-se fundamentalmente no estabelecimento de uma zona non aedificandi, bloqueia a capacidade edificativa no espaço em causa: este estava destinado à implantação de uma via de comunicação e esse destino pré-definido concretizou-se com a expropriação especificamente para esse fim.
[27] Este último, o Plano Director Municipal de Gouveia (o Regulamento respectivo), é de 1995, foi publicado no Diário da República – I Série B, nº 241, de 18/10/1995.
[28] Como se indica na Sentença:
“[…]

Conforme se mencionou no Acórdão da Relação de Coimbra de fls. 543 e seguintes a ‘aplicabilidade do disposto no art.º 26.º, n.º 12, do mesmo Diploma (…) está, de facto, condicionada à anterioridade, em relação à vigência do PDM, da aquisição, por parte do expropriado, do prédio em que se integra a parcela expropriada (e não pela consideração deste no âmbito do património de herança a que o expropriado concorra ou à posse que o mesmo tenha sobre esse bem)’ – pág. 11, 1.º parágrafo, fls. 553.

O Plano Geral de Urbanização foi publicado no Diário da República em 8 de Março de 1989 e a expropriada não provou, como lhe competia, que adquiriu a parcela expropriada em data anterior à vigência do PGU.

Apesar de não ter junto aos autos o título aquisitivo, cujo ónus da apresentação incumbia à expropriada, certo é que, por um lado, da certidão matricial de fls. 11 resulta que o processo de imposto sucessório é do ano de 1991 e, por outro lado, que a aquisição foi registada em 18 de Janeiro de 2002 (art.º 1.º dos factos provados).

O que afasta a aplicação do disposto no n.º 12, do artigo 26.º […].
[…]” (transcrição de fls. 677/678, com sublinhado acrescentado aqui).
[29] Diz este: “[s]endo necessário expropriar solos classificados como zona verde, de lazer ou para a instalação de infra-estruturas e equipamentos públicos por plano municipal de ordenamento do território plenamente eficaz, cuja aquisição seja anterior à sua entrada em vigor, o valor de tais solos será calculado em função do valor médio das construções existentes ou que seja possível edificar nas parcelas situadas numa área envolvente, cujo perímetro exterior se situe a 300 metros do limite da parcela expropriada”.
[30] Esta asserção decorre da consideração da data do PGU e da circunstância da Expropriada não ter, ao longo de todo o processo, alegado ou provado uma aquisição anterior. Aliás, como se sublinha na Sentença no trecho transcrito na nota 29, supra, todas as referências documentais constantes dos autos apontam para uma transmissão do prédio à Expropriada posterior ao PGU. Note-se que esta, mesmo nas alegações deste recurso, aceita esta circunstância (nunca a discutiu e continua a não a discutir agora que ela assume particular significado decisório). Seja como for, considerando a situação como de indefinição, sempre estaríamos perante facto do interesse da Expropriada, que a esta incumbiria trazer aos autos, arcando ela com a consequência desvaliosa da indemonstração dessa incidência (uma hipotética aquisição anterior ao PGU).
Poderíamos, é certo, argumentar com uma projecção da situação do antecessor da Expropriada, mas também isso – também a hipotética relevância disso – quedou por demonstrar aqui constituindo facto não passível de consideração. Seja como for, sobre esse aspecto, já o Acórdão anterior desta Relação tomou posição no trecho sublinhado na nota 29. O que interessa a este respeito é, fundamentalmente, as expectativas de valor existentes ao tempo em que alguém se torna proprietário de um determinado prédio e não as expectativas de quem era proprietário anteriormente com base em dados que, entretanto, se alteraram.
[31] Acórdão da Relação de Coimbra de 14/11/2006 (Freitas Neto), proc. nº 31/2002.C1, disponível em: http://www.dgsi.pt/jtrc.nsf/c3fb530030ea1c61802568d9005cd5bb/144421bb656a7cce80257234004deaf9.
Sumário:

1. A qualificação pelo PDM de um solo com potencialidade construtiva como espaço canal destinado a uma determinada via de comunicação integra um primeiro acto ou acto preparatório da expropriação.

2. Neste contexto, a inclusão total ou parcial de um determinado solo em espaço canal, com o fim da ulterior declaração de utilidade pública, prévia ao correspectivo acto expropriativo, nunca pode descaracterizar a sua aptidão construtiva. Sem embargo desta mesma aptidão poder ser objecto de restrição física ou administrativa de outra ordem.

A Sentença assume este precedente nos seguintes termos:

“[…]

Já em relação à área integrada na “rede rodoviária – vias regionais”, para efeitos de cálculo da indemnização, deve ser qualificada como solo apto para construção (Salvador da Costa, ob. cit., pág. 167), na medida em que aquele uso tem subjacente a implantação da infra-estrutura que determinou a declaração da utilidade pública.

Conforme se decidiu no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 14-11-2006, Proc. n.º 31/2002.C1 (in www.dgsi.pt), “as limitações de ordem administrativa à aptidão construtiva do imóvel expropriado têm de ser não só anteriores como extrínsecas à própria expropriação e declaração de utilidade pública. Sob pena de se cair no posição absurda de defender que a aptidão construtiva de um solo sempre estaria impedida por causa da utilidade pública que justificou a sua expropriação. Afinal, o solo expropriado só teria aptidão para … a concreta utilização que lhe viria a ser dada pela própria entidade expropriante. Daí que se deva entender que a qualificação pelo PDM de um solo com potencialidade construtiva como espaço canal destinado a uma determinada via de comunicação integra um primeiro acto ou um acto preparatório da expropriação’.

Pelo que, para efeitos de cálculo da correspondente indemnização a parcela de 6.616m2 deve ser avaliada como ‘solo apto para construção’.

[…]” (transcrição de fls. 678).
[32] É sintomático que este Acórdão remeta para o Acórdão desta mesma Relação de 20/04/2004 (Artur Dias), proc. nº 716/04, disponível em:
http://www.dgsi.pt/jtrc.nsf/c3fb530030ea1c61802568d9005cd5bb/b8e877c4ebb3ceec80256e7f0047124e.
Sumário:
I- Os Planos Directores Municipais, porque contêm regras gerais destinadas a todos os que sejam ou venham a ser titulares de direitos reais actuais ou futuros sobre imóveis situados no âmbito espacial da sua aplicação, são regulamentos administrativos.

II- A classificação pelo PDM, de solo com potencialidades construtivas, como espaço canal destinado a uma determinada via de comunicação, integra um primeiro acto, ou um acto preparatório, da expropriação, já que, nos termos do nº 5 do artigo 24º do CE, afasta a possibilidade de tal solo vir a ser classificado como apto para a construção.
III- Nesse caso, em posterior processo de expropriação, o valor da indemnização deve ser calculado, de acordo com o nº 12 do artigo 26º do CE, aplicável por analogia, em função do valor médio das construções existentes ou que seja possível edificar nas parcelas situadas numa área envolvente cujo perímetro exterior se situe a 300 metros do limite da parcela expropriada.
[33] Aliás, este sentido do nº 12 do CE, é explanado no processo argumentativo do recente Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10/05/2012 (Bettencourt de Faria), proc. nº 10.600/05.7TBMTS.S1, em: http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/f6f8b9e0dbb74a75802579fa003b858e.
“[…]
No caso das ditas zonas verdes e de lazer ou de instalação de equipamentos públicos, se não fosse a previsão do referido nº 12 do art.º 26º, poder-se-ia estar face a uma ilegítima manipulação do valor de mercado. É que é a mesma entidade autárquica que vai qualificar os terrenos e posteriormente os irá expropriar. Precisamente para os fins que foram a causa dessa qualificação. Fácil é, pois de ver, que o expropriante teria na sua mão os meios de embaratecer os custos da eventual e futura expropriação. O preço de mercado seria mais baixo, mas isto seria devido à sua própria e prévia manipulação desse mercado, ao retirar a aptidão para construção do terreno expropriado. Não seria, assim, um verdadeiro valor de mercado, pelo que seria injusto. O que o citado nº 12 veio evitar. Cf. – Alves Correia RLJ 133º nº 3910 53 54 -. No fundo, trata-se ainda de reconduzir o valor da indemnização ao efectivo valor de mercado.
É como se a expropriação, em termos económicos, se desse em dois momentos, aquando da qualificação do terreno e depois no momento da decisão de expropriar. E é o lapso de tempo entre eles que o nº 12 do artigo 26º do CE pretende preencher, compensando a desvalorização entretanto ocorrida. A média do valor das construções à volta é a valorização que poderia ter acontecido ao item em apreço se não fosse a ocorrência do plano municipal. Tudo para determinar o preço justo, aquele que seria o de mercado, não fora a intervenção urbanística da entidade expropriante.

[…]”.
[34] Diz este:

Artigo 27º
Cálculo do valor do solo apto para outros fins
1 - O valor do solo apto para outros fins será o resultante da média aritmética actualizada entre os preços unitários de aquisições ou avaliações fiscais que corrijam os valores declarados efectuadas na mesma freguesia e nas freguesias limítrofes nos três anos, de entre os últimos cinco, com média anual mais elevada, relativamente a prédios com idênticas características, atendendo aos parâmetros fixados em instrumento de planeamento territorial e à sua aptidão específica.
2 - Para os efeitos previstos no número anterior, os serviços competentes do Ministério das Finanças deverão fornecer, a solicitação da entidade expropriante, a lista das transacções e das avaliações fiscais que corrijam os valores declarados efectuadas na zona e os respectivos valores.
3 - Caso não se revele possível aplicar o critério estabelecido no n.º 1, por falta de elementos, o valor do solo para outros fins será calculado tendo em atenção os seus rendimentos efectivo ou possível no estado existente à data da declaração de utilidade pública, a natureza do solo e do subsolo, a configuração do terreno e as condições de acesso, as culturas predominantes e o clima da região, os frutos pendentes e outras circunstâncias objectivas susceptíveis de influir no respectivo cálculo.
[35] É errada a posterior pretensão deste perito (v. fls. 320/321) de descontar neste valor o elemento que anteriormente à Lei nº 56/2008, de 4 de Setembro constava do nº 4 do artigo 23º do CE (tal nº 4, como se explicou na nota 19 supra, foi entretanto revogado, depois de considerado inconstitucional pelo Tribunal Constitucional).
[36] Segue-se aqui a determinação deste valor explicitada na Sentença a fls. 683/684.
[37] Nos termos justificados a fls. 684 da Sentença.