Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
31/2002.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FREITAS NETO
Descritores: EXPROPRIAÇÃO
CLASSIFICAÇÃO
SOLOS
INDEMNIZAÇÃO
Data do Acordão: 11/14/2006
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DA LOUSÃ
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 25º Nº2 AL. B) DO CÓDIGO DAS EXPROPRIAÇÕES APROVADO PELA LEI Nº 168/99, DE 18 DE SET.
Sumário: 1. A qualificação pelo PDM de um solo com potencialidade construtiva como espaço canal destinado a uma determinada via de comunicação integra um primeiro acto ou acto preparatório da expropriação.

2. Neste contexto, a inclusão total ou parcial de um determinado solo em espaço canal, com o fim da ulterior declaração de utilidade pública, prévia ao correspectivo acto expropriativo, nunca pode descaracterizar a sua aptidão construtiva. Sem embargo desta mesma aptidão poder ser objecto de restrição física ou administrativa de outra ordem.

Decisão Texto Integral: Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra:

Nos autos de expropriação por utilidade pública, a correr termos na comarca da Lousã, em que é Expropriante A..., presentemente B..., e são Expropriados C..., D..., E..., F..., G..., H... e I..., por despacho de 8.1.2001 do Secretário de Estado Adjunto e das Obras Públicas, publicado no DR. N.° 21, II Série, de 25.1.2001, foi declarada a utilidade pública, com carácter de urgência, da parcelas n.° 588/1.1 e 588/1.2 da planta parcelar de localização na Escala 1.1000 da E.N. 342 - Variante entre Miranda do Corvo e Lousã, com a área total de 2017 m2, a destacar do prédio sito em Oliveira Grande, na freguesia e concelho da Lousã, marginando a Nascente numa extensão da ordem dos 27 metros com a Estrada do Matadouro, inscrito na matriz predial urbana da referida freguesia sob o art° 7109 e descrito na Conservatória do Registo Predial da Lousã sob o nº 06023/97 1002, apresentando as seguintes confrontações:
Parcela 588/1.1 / Parcela 588/1.2
Norte: Albano Vaz Duarte Peneda; / Aníbal Antunes Bandeira
Sul: Herd. José de Matos Sandinha / Herd. José de Matos Sandinha
Nascente: Parte restante do Prédio / Estrada
Poente: Rosa da Conceição Marques / Parte restante do prédio.
Mais foi autorizada a Expropriante a tomar posse administrativa das mencionadas parcelas de terreno.
Foi efectuada vistoria «ad perpetuam rei memoriam», cujo relatório consta de fls. 4 a 7, e procedeu-se à arbitragem, tendo os árbitros nomeados avaliado as referidas parcelas em Esc. 5.899.112$00 (cfr. Fls. 11 a 21).
A fls. 29 veio o A... depositar a quantia fixada.
Por despacho proferido a fls. 124 foi adjudicada à entidade expropriante A..., a propriedade das referidas parcelas de terreno.
A Expropriante A... recorreu da decisão arbitral, alegando, em resumo, que a indemnização fixada pelo acórdão é manifestamente exagerada, devendo o montante a pagar não ultrapassar Esc. 4.770.608$00.

O processo seguiu os seus termos, nomeadamente com a avaliação da parcela pelos peritos, e, a final, foi proferida sentença julgando improcedente o recurso da entidade expropriante A... e fixando a indemnização a pagar aos Expropriados no valor de 30.749,28 Euros, a actualizar à data da decisão de acordo com a evolução do índice de preços no consumidor, com exclusão da habitação, publicado pelo INE; sendo a actualização pela sua totalidade, até à data da notificação do despacho de fls. 168, que autorizou o levantamento da quantia de 5.628,95 Euros e, a partir da data daquela notificação, sobre a diferença entre aqueles dois valores, acrescendo juros de mora.

Inconformada, apelou a Expropriante, rematando as respectivas alegações com as seguintes conclusões delimitantes do objecto do recurso (art.ºs 684, nº 3 e 690, nº 1 do CPC):

a) As parcelas expropriadas, integram não três zonas distintas (residencial R2, industrial IR e RAN), como se concluiu na sentença recorrida, mas também uma zona de espaço canal (cfr. conferência de arbitragem), que não foi tida em conta, sendo que, quer pelos peritos quer pelo Tribunal "a quo", todo o solo foi valorizado como sendo apto para construção, quando a existência daquele espaço canal o vedava, já que nesta zona o solo terá de classificar-se e ser avaliado como sendo solo para outros fins, devendo por isso a decisão recorrida ser revogada, dado violar o art°s 3°, n° 2 do DL 380/99 de 22 de Setembro e o art° 3° do RPDM;
b) As parcelas expropriadas são interiores e não têm as infra estruturas necessárias (como resulta da acta de conferência de arbitragem), não tendo sido levadas em conta na decisão recorrida as quantias que os recorridos teriam de despender em projectos, loteamento, licenças, infra-estruturas e alvarás, o que leva a que o cálculo da justa indemnização se encontre mal efectuado, violando o art° 23° CE e tornando nula a decisão por contradição entre os factos e aquela decisão, violando o art° 668°, n° 1, al.ª c) do CPC;
Assim,
c) Deve a douta decisão recorrida ser revogada, substituindo-se por outra que determine considerar-se e dever avaliar-se a zona de espaço canal com sendo de terreno para outros fins e levar em conta os aspectos relativos a falta de infra estruturas e gastos na sua realização, com as demais consequências legais.

Não houve contra-alegações.

Nada obstando ao conhecimento do recurso, e colhidos os vistos, cumpre decidir.

É a seguinte a factualidade pressuposta na decisão recorrida:

Os Expropriados, C..., D..., E...,F..., G...,H... e I... eram proprietários do prédio designado como parcelas n.º 588/1.1 e 588/1.2 da planta parcelar de localização na Escala 1.1000 da E.N. 342 - Variante entre Miranda do Corvo e Lousã - com a área total de 2017 m2, a destacar do prédio sito em Oliveira Grande, na freguesia e concelho da Lousã, marginando a Nascente numa extensão da ordem dos 27 metros com a Estrada do Matadouro, encontrando-se inscrito na matriz predial urbana da referida freguesia, sob o art° 7109 e descrito na Conservatória do Registo Predial da Lousã sob o n° 06023/971002, apresentando as seguintes confrontações.
Parcela 588/1.1 / Parcela 588/1.2

Norte: Albano Vaz Duarte Peneda; / Aníbal Antunes Bandeira

Sul: Herd.José de Matos Sandinha / Herd.José de Matos Sandinha

Nascente: Parte restante do Prédio / Estrada

Poente: Rosa da Conceição Marques / Parte restante do prédio (auto de vistoria “ad perpetuam rei memoriam”).

O solo das parcelas é de natureza areno argiloso xistoso, com algum xisto à mistura. Tem boa profundidade e fertilidade sendo um solo de regadio imperfeito com capacidade de uso entre as classes B e C, estando em pousio e praticamente repleta de infestantes mas um bom solo, embora imperfeito, para culturas hortícolas em rotação com forragens e cereais de pragana. Das hortícolas referimos a batata, milho forrageiro e outras, no entanto, também podia dar favas, grão-de-bico e feijão-frade (auto de vistoria “ad perpetuam rei memoriam”).

Tinha algumas oliveiras mas praticamente abandonadas, sem formação e a caminho da decrepitude (auto de vistoria “ad perpetuam rei memoriam”).

Trata-se de uma parcela de terreno formada por 2 sub parcelas de um só prédio mãe, distando de cerca de 100 metros, sendo a mais pequena com a área de 236 m2 praticamente rectangular e uma 2ª com 1 781 m2 com a configuração de um hexágono irregular (auto de vistoria “ad perpetuam rei memoriam”).

São ambas planas de exposição franca e fazendo parte de um bom prédio agrícola de regadio imperfeito. A parcela maior 588/1.1 é servida por um caminho fazendeiro com inicio na estrada de Coimbra à Lousã, também conhecida por Rua de Coimbra aonde há saneamento básico e rede de iluminação pública, isto é, a poente (auto de vistoria “ad perpetuam rei memoriam”).

A nascente e junto à estrada pavimentada e asfaltada conhecida pela estrada do Matadouro fica a sub parcela 588/1.2 tendo esta também saneamento a meio e rede de iluminação pública. São ambas de sequeiro mas com bom solo, fundo e fértil (auto de vistoria “ad perpetuam rei memoriam”).

Na parcela encontram-se: A sub parcela 588/1.1, tendo 3 oliveiras adolescentes e 5 oliveiras médias. Todas elas mal formadas e abandonadas. A sub parcela 588/1.2 tendo 3 oliveiras adolescentes e 1 média mas em idênticas condições às da anterior sub parcela. Servem somente para lenha (auto de vistoria “ad perpetuam rei memoriam”).

De acordo com o Plano Director Municipal publicado no D.R. n° 1 03/93 — 1 Série B, de 4 de Maio, a parcela tem a nascente a estrada do Matadouro, pavimentada e asfaltada com rede de iluminação pública e saneamento básico a meio. A poente e a cerca de 110 metros da sub-parcela 588/1 .1 fica a Rua de Coimbra ou estrada de Coimbra à Lousã. A parcela está integrada no PDM plenamente eficaz do concelho de Lousã. Integra-se em zona diferenciada do aglomerado urbano (Acta de Conferência de Arbitragem).

Por resultar dos dados ínsitos no Acórdão Arbitral -cfr. fls. 5 da respectiva Acta de Conferência e 15 dos autos, para a qual se remete na parte final do enunciado fáctico da decisão recorrida - é ainda de consignar que as sub-parcelas expropriadas (588/1.1 e 588/1.2) se integram em área de "Espaço Canal", na planta de Ordenamento do PDM da Lousã, publicado no DR nº 103/93 - 1ª Série B de 4 de Maio, previsto para a implantação da via e respectivos nós.

Podem condensar-se as questões levantadas pelo recurso do seguinte modo:

1º - A classificação dos solos das sub-parcelas em função da sua inserção em área de Espaço Canal.

2º - A dedução, no cálculo do respectivo valor de indemnização, dos custos com a infra estruturação, loteamento e licenciamento para a construção.

A classificação dos solos

A determinação da lei aplicável à expropriação, em caso de sucessão de leis no tempo, deve ser feita segundo a data em que for publicada a declaração de utilidade pública.
A declaração de utilidade pública de expropriação foi publicada no DR. N.° 21, II Série, de 25.1.2001, pelo que se aplica o regime actual, instituído pela Lei n.° 168/99, de 18 de Setembro.

Insurge-se a apelante contra a posição assumida pela sentença de aceitar o laudo pericial quanto à qualificação das parcelas como solo apto para construção perante os critérios decorrentes do nº 2 do art.º 25 do CE de 99, por entender que a inserção regulamentar das mesmas em espaço canal obrigava à respectiva subsunção à categoria de solo para outros fins, com o valor a determinar nos termos do art.º 27 do mesmo Código.
Vejamos.
Os peritos, em consonância com os árbitros, logo enfatizaram, no ponto 5 do respectivo Relatório, atinente às "Características da Parcela Objecto de Expropriação" que "a parcela tem a nascente a estrada do Matadouro, pavimentada e asfaltada com rede de iluminação pública e saneamento básico a meio. A poente e a cerca de 110 metros da sub parcela 588/1.1 fica a Rua de Coimbra ou estrada de Coimbra à Lousã.(…) Integra-se no aglomerado urbano da Lousã ou, talvez melhor dizendo, em zona diferenciada do aglomerado urbano". Depois procederam à avaliação subdividindo a área global em área afecta a zona Industrial de Reserva (IR) - 1008 m2 - e zona residencial R2 - 1009 m2. Terão - aparentemente - tomado como exacto que o condicionalismo que permitia a caracterização legal das sub-parcelas como solo apto para construção se filiava no disposto na al.ª b) do nº 2 do art.º 25 CE. Norma na qual se prescreve como tal dever ser considerado o solo que «apenas dispõe de parte das infra-estruturas referidas na alínea anterior, mas se integra em núcleo urbano existente».
A decisão recorrida parece não ter trilhado exactamente o mesmo caminho porquanto se socorreu da envolvência constituída pela ditas áreas IR e R2. Também sem especificar claramente o fundamento legal desse critério, deixou apesar de tudo a impressão de ter querido fazer prevalecer o disposto no nº 12 do art.º 26 do CE, normativo que prevê a equiparação de terrenos situados a 300 metros do perímetro de zona edificada ou edificável, desde que adquiridos antes da entrada em vigor do plano municipal de ordenamento.
O enquadramento levado a cabo pelos peritos afigura-se, no entanto, mais ajustado à materialidade apurada.
Com efeito, a inserção das sub-parcelas em zona de aglomerado urbano, ainda que diferenciado, dispondo de energia eléctrica e saneamento básico, além de acessos rodoviários, conferia-lhes, por si só, a natureza legal de solo com aptidão construtiva diante dos requisitos da dita al.ª b) do nº 2 do art.º 25.
Será que, como sustenta a apelante, a circunstância de na planta do PDM elas se encontrarem abrangidas por uma zona (em forma de mancha alargada - cfr. fls. 15) reservada a espaço canal constituía obstáculo à aplicação dos critérios de avaliação assentes na respectiva capacidade edificativa?
A nosso ver a resposta a esta pergunta só pode ser negativa.
Na verdade, o chamado espaço canal configura-se como uma área com fins meramente infra estruturantes, visando a realização de vias de comunicação na malha do ordenamento territorial, permitindo a sua operacionalidade global. O próprio Regulamento do PDM da Lousã vem a defini-lo como o espaço que corresponde a corredores e áreas de passagem de infra estruturas, existentes ou previstas, que têm efeito de canal de protecção ou barreira física em relação aos usos marginantes, no sentido de garantir a boa execução dessas infra-estruturas (art.° 3°, al.ª s)).
Ora, a via estruturante que ficou adstrita ao planeamento do referido espaço canal foi precisamente a E.N. 342 - Variante entre Miranda do Corvo e Lousã, via (com os inerentes nós de ligação) que veio a desencadear a declaração de utilidade pública e o acto expropriativo das sub-parcelas em causa.
Como é óbvio, as limitações de ordem administrativa à aptidão construtiva do imóvel expropriado têm de ser não só anteriores como extrínsecas à própria expropriação e declaração de utilidade pública. Sob pena de se cair no posição absurda de defender que a aptidão construtiva de um solo sempre estaria impedida por causa da utilidade pública que justificou a sua expropriação. Afinal, o solo expropriado só teria aptidão para … a concreta utilização que lhe viria a ser dada pela própria entidade expropriante.
Daí que se deva entender que a qualificação pelo PDM de um solo com potencialidade construtiva como espaço canal destinado a uma determinada via de comunicação integra um primeiro acto ou um acto preparatório da expropriação (neste sentido o Acórdão desta Relação de 20/04/2004, proferido no p.716/04, in www.dgsi.pt/jtrc).
Neste contexto a inclusão total ou parcial de um determinado solo em espaço canal, com o fim da ulterior declaração de utilidade pública, prévia ao correspectivo acto expropriativo, nunca pode descaracterizar a sua aptidão construtiva. Sem embargo desta mesma aptidão poder ser objecto de restrição física ou administrativa de outra ordem.
Mostrando-se por isso adequada a avaliação das sub-parcelas expropriadas como solos com aptidão edificativa, por força da respectiva inclusão em núcleo ou aglomerado urbano e dotação de algumas infra estruturas e não, propriamente, por virtude da envolvência das zonas residencial e industrial previstas no PDM.
Improcedem, por conseguinte, as conclusões formuladas em A e C, 1ª parte.

A dedução dos custos de urbanização.

Nestas conclusões pugna a apelante pelo abatimento dos montantes relativos às despesas com loteamento, infra estruturas, projectos e licenciamento ao valor achado pelos peritos para cada sub-parcela.
Não emerge do complexo fáctico a atender que as parcelas já se encontrassem com algum desses itens do processo de urbanização.
Nem o laudo dos peritos pressupôs, nem a lei previu, que a avaliação do imóvel expropriado deveria ter por objecto o respectivo solo já loteado com construção projectada e licenciada, a menos que essa situação já então se verificasse. O loteamento e o projecto construtivo, quando ainda inexistentes à data da DUP, não são requisitos essenciais da valorização de um terreno para construção, dependendo dos interesses e objectivos casuísticos de cada utilizador, sendo o respectivo investimento nesse domínio algo aleatório e mesmo impossível de quantificar em abstracto.
Do que se trata nos presentes autos é do cálculo do valor bruto para fins edificativos, a que apenas se devem descontar a percentagem atinente ao risco e esforço construtivo, até 15% (nº 10 do art.º 26 do CE), já levado em conta pelos peritos, e, eventualmente, o encargo com a necessidade de reforço ou complemento das infra estruturas já existentes (nº 9 do art.º 26 do mesmo Código).
Invoca ainda a apelante a nulidade da sentença.
Não ocorre nulidade da sentença por contradição entre os factos e a decisão, uma vez que esta nulidade (art.º 668, nº1, al.ª c) do CPC), não se confundindo com a incorrecta aplicação da lei aos factos, só se verificaria com a contradição lógico-formal entre o dispositivo e os fundamentos, patentemente inexistente.
Soçobra deste modo o concluído em B e C, 2ª parte.

Pelo exposto, julgando a apelação improcedente, confirmam, se bem que sem inteira coincidência na fundamentação, a sentença.
Sem custas, atenta a isenção de que ainda beneficia a apelante (art.º 2º, nº 1 do CCJ aplicável).