Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
3347/15.8T8ACB-D.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FALCÃO DE MAGALHÃES
Descritores: EXONERAÇÃO DO PASSIVO RESTANTE
RENDIMENTO DISPONÍVEL
INSOLVENTE
SALÁRIO MÍNIMO NACIONAL
Data do Acordão: 07/06/2016
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE LEIRIA – ALCOBAÇA – INST. CENTRAL – 2ª SEC. DE COMÉRCIO – J2
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTº 239º, NºS 2 E 3 DO CIRE.
Sumário: I – Embora o legislador não tenha consignado limite mínimo para a quantia a excluir nos termos do artº 239º, nºs 2 e 3 do CIRE, deve entender-se que este não poderá ser menor do que o salário mínimo nacional (retribuição mínima mensal garantida), por dever considerar-se ser esse o montante mais baixo que ainda é susceptível de assegurar a subsistência com o mínimo de dignidade.

II - Efectivamente, embora abaixo do salário mínimo nacional ainda exista o “rendimento social de inserção”, este corresponderá não à importância capaz de assegurar sustento minimamente digno" que refere o preceito do CIRE, mas antes àquilo que se tem como consubstanciando o "limite mínimo de sobrevivência".

III - Empregando a expressão “…do que seja razoavelmente necessário para o sustento minimamente digno do devedor e do seu agregado familiar”, o legislador optou por utilizar um conceito aberto/indeterminado, pelo que ao julgador se impõe, para a determinação da quantia a fixar a esse título, a ponderação das circunstâncias específicas do caso e, em particular, da situação do devedor e do respectivo agregado.

IV - Atente-se a que o escopo do preceito não é excluir do “rendimento disponível” o montante a que ascendem, em média, o total das despesas regulares do insolvente e do agregado familiar a seu cargo, mas apenas o valor daquelas despesas que, em termos razoáveis, sejam adequadas a assegurar, com dignidade, o respectivo sustento.

V - Nas despesas atinentes ao sustento do devedor, estarão compreendidas, designadamente, as destinadas a satisfazer as necessidades de alimentação, vestuário, calçado, higiene, saúde e transportes.

VI - O insolvente não pode pretender continuar a usufruir das mesmas condições que mantinha antes de se encontrar em estado de insolvência, tendo que ter presentes os interesses dos credores bem como os sacrifícios que deste seu estado lhe advirão para satisfazer as suas obrigações, sendo que o legislador concedeu um período limitado para esses sacrifícios - 5 anos, após o encerramento do processo.

VII - Não parece destituída de razoabilidade, mesmo considerando os € 650 líquidos que a Ré alegou receber em função do seu trabalho por conta de outrem, a fixação de uma quantia de € 530,00, correspondente à retribuição mínima mensal garantida (RMMG), como valor subtraído ao rendimento disponível, já que a insolvente vive sozinha, sem encargos (provados), senão com ela própria, não sendo de considerar como estritamente necessário um montante de 400 € mensais para assegurar, com despesas de arrendamento, as suas necessidades de habitação.

Decisão Texto Integral:

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

I - A) - 1) – E...[1], nascida a 22/06/1969, divorciada, residente na Rua ..., veio requerer, em 21/10/2015, na Instância Central - 2ª Secção de Comércio - J2 (Alcobaça), da Comarca de Leiria, a sua declaração de insolvência, mais requerendo, nos termos do art.º 235° e ss. do Código da Insolvência e Recuperação de Empresas (doravante CIRE)[2], a sua exoneração do pagamento do passivo restante, referindo, nesse âmbito, que auferindo do seu trabalho por conta de outrem um total mensal de cerca de 650 €, líquidos, tinha despesas mensais - com electricidade, água, gás, alimentação, vestuário, calçado e renda da casa -, que ascendiam a 650 €, montante este que considerava o necessário para dispor de “um mínimo para o sustento digno”, pelo que requereu que esse montante fosse considerado e “deduzido ao rendimento disponível”.

2) - Por sentença de dia 29/10/2015, que transitou em julgado, foi declarada a insolvência da Requerente, tendo-se designado dia para reunião da assembleia de credores.

3) - Os credores não se pronunciaram quanto ao pedido de exoneração do passivo restante.

4) - O Sr. Administrador da Insolvência, embora não se tenha oposto ao pedido de exoneração do passivo, consignou no seu relatório, entre o mais: «[…] mal se percebe que a insolvente, havendo recorrido ao arrendamento de um imóvel para habitação, considerando que o agregado familiar é apenas constituído por ela, despenda no predito arrendamento - (€ 400,00) - um valor superior a mais de metade dos rendimentos que aufere, sendo do conhecimento funcional do signatário a existência de imóveis no mercado de arrendamento em Caldas da Rainha, de natureza T2 (3 assoalhadas) por valores inferiores. […]».

B) - a) - Por despacho proferido em 13/01/2016, a Mma. Juiz do Tribunal “a quo”, por considerar não se verificar qualquer uma das circunstâncias previstas no art.º 238°, n° 1, do CIRE, que acarretariam o indeferimento liminar de tal pedido, proferiu despacho inicial de admissão do pedido de exoneração do passivo, nos seguintes termos:

«[…] decido:

1. Admitir liminarmente o pedido de exoneração do passivo restante formulado pela devedora e determino que durante os cinco anos subsequentes ao encerramento do processo de insolvência o rendimento disponível que a devedora venha a auferir se considere cedido ao fiduciário; considera-se rendimento disponível todos os rendimentos que advenham a qualquer título ao devedor, com exclusão dos previstos nas als. a) e b) do n.º 3 do art. 239.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, e nomeadamente do que seja razoavelmente necessário para o seu sustento, que se fixa em 1 (um) salário mínimo nacional.

2. Todos os rendimentos que venha a obter e que excedam tal montante devem ser cedidos ao fiduciário, nos termos sobreditos.

3. Fica a insolvente advertida de que, durante o período da cessão, está obrigada a:

a) Não ocultar ou dissimular quaisquer rendimentos que aufira, por qualquer título, e a informar o Tribunal e o fiduciário sobre os seus rendimentos e património na forma e no prazo em que isso lhes seja requisitado;

b) Exercer uma profissão remunerada, não a abandonando sem motivo legítimo, e a procurar diligentemente tal profissão quando desempregada, não recusando sem razoabilidade algum emprego para que seja apta;

c) Entregar imediatamente ao fiduciário, quando por este recebida, a parte dos seus rendimentos objecto de cessão;

d) Informar o Tribunal e o fiduciário de qualquer mudança de domicílio ou de condições de emprego, no prazo de dez dias após a respectiva ocorrência, bem como, quando solicitados e dentro de igual prazo, sobre as diligências realizadas para obtenção de emprego;

e) Não fazer quaisquer pagamentos aos credores da insolvência a não ser através do fiduciário e a não criar qualquer vantagem especial para algum desses credores.

A violação das obrigações impostas sujeitará o insolvente à recusa da concessão da exoneração do passivo restante, nos termos dos artigos 243.º, n.º 1, alínea a) e 244.º, n.º 2, ambos do CIRE, e pode mesmo justificar a revogação da exoneração concedida, tal como estatuído no artigo 246.º do mesmo Código.

4. Nomeio para desempenhar o cargo de fiduciário o Sr. Dr. ... que desempenha já as funções de administrador da insolvência no âmbito do presente processo.

Notifique, publicite e registe ao abrigo do disposto nos artigos 38.º, n.º 2, 230.º, n.º 2, ex vi, artigo 247.º, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas e artigo 69.º, n. 1, alínea m), do Código de Registo Civil.

Fixo a remuneração do fiduciário no montante correspondente a 10% das quantias objecto da cessão, com o limite anual máximo de €5.000,00 (artigo 25.º da Lei n.º 32/2004, de 22/07), que será ainda reembolsado, nos termos gerais, das despesas efectuadas reputadas necessárias ao correcto desempenho da função - artigo 60.º, n.º 1 ex vi 240.º, n.º 2 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas.


*

A remuneração do fiduciário e o reembolso das suas despesas constituem encargo da devedora - artigo 240.º, n.º 1 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas.[…]».

b) - A fundamentar essa decisão, consignou-se, entre o mais, o seguinte, no despacho onde foi proferida:

«[…] Integram o rendimento disponível todos os rendimentos que advenham a qualquer título ao devedor, com exclusão: “(…) b) Do que seja razoavelmente necessário para o sustento minimamente digno do devedor e do seu agregado familiar, não devendo exceder, salvo decisão fundamentada do juiz em contrário, três vezes o salário mínimo nacional - cfr. n.º 3.

Deve, pois, interpretar-se o artigo 239.º, n.º 3, alínea b) - i) no sentido de que a exclusão aí prevista tem como limite mínimo o que seja razoavelmente necessário para garantir e salvaguardar o sustento minimamente digno do devedor e seu agregado familiar (valor que competindo ao juiz fixar, com razoabilidade, via de regra coincide com o do ordenado mínimo nacional) e como limite máximo o valor equivalente ao triplo do salário mínimo nacional (valor máximo que poderá ser excedido em casos excepcionais, devidamente fundamentados).

A fixação de um ordenado mínimo, bem como a sua actualização, é a expressão de que a retribuição do trabalho deve garantir uma existência condigna, um mínimo de existência socialmente adequado, ou seja, deve assegurar não apenas o mínimo vital mas também condições de vida, individuais e familiares, compatíveis com o nível de vida exigível em cada etapa do desenvolvimento económico e social (cf. artigo 59.º, n.os 1, alínea a) e 2, alínea a), da Constituição da República Portuguesa).

O salário mínimo deverá, pois, ser perspectivado como o montante indispensável e necessário à garantia de uma sobrevivência humanamente digna.

No caso dos autos a insolvente encontra-se a trabalhar por conta de outrem (com a categoria profissional de trabalhado de limpeza) auferindo a remuneração ilíquida de € 526,24 mensais.

O agregado familiar é composto pela própria.

Apresentou como despesas mensais o valor global de € 650,00 (= € 400,00 de renda com casa de habitação; € 150,00 de despesas de alimentação, vestuário e calçado; € 100,00 com consumos de luz, água e gás).

Com tem vindo a ser entendido pelos Tribunais superiores para apuramento do valor excluído do rendimento disponível não relevam as despesas concretas que o devedor alega ou demonstra suportar, mas sim aquilo que é razoável gastar para prover ao seu sustento - e do agregado familiar que eventualmente tenha a cargo - com o mínimo de dignidade, sem prejuízo de deverem ser consideradas as concretas despesas que, razoavelmente, se devam ter como indispensáveis para fazer face a quaisquer necessidades específicas do agregado familiar (veja-se Acórdãos do TRC de 10.03.2015 e 22.09.2015, disponíveis em www.dgsi.pt).

Na verdade, não podemos perder de vista que a exoneração do passivo restante implica sacrifício para os credores e, como tal, é necessário estabelecer um equilíbrio entre esse sacrifício e aquele que pode e deve ser imposto ao devedor.

Termos em que, considerando a composição do agregado familiar da Requerente (apenas a própria) e as despesas por si alegadas que correspondem às despesas normais de qualquer pessoa, entendemos adequado fixar o rendimento disponível no montante que exceda 1 (um) salário mínimo nacional. […]».


*

C) - Discordando do decidido, veio a insolvente apelar do referido despacho, oferecendo, findar a respectiva alegação, as seguintes conclusões:

«1- Vem o presente interposto do Despacho Inicial de Exoneração do Passivo Restante, apenas na parte em que ali se determina a cessão ao fiduciário do rendimento disponível “com exclusão do montante equivalente a um salário mínimo, ou seja actualmente o equivalente a € 530,00.

2- Com efeito, o valor equivalente a 530€, não garante o mínimo de subsistência a quem não tem qualquer outro rendimento, além do seu vencimento, e tem despesas fixas mensais no valor de 650€.

3- Com uma renda de casa no valor de 400€, ficaria com apenas 130€ para todas as restantes despesas.

4-É impossível, atendendo ao custo de vida actual, pagar água, luz, gás, alimentação, vestuário, calçado e alguma despesa saúde que possa surgir com apenas 130€.

5-A Recorrente alegou na Petição Inicial que precisa de dispor de pelo menos 650,00€/mensais para fazer face ás suas despesas correntes, o que não foi impugnado por qualquer meio, nem ofereceu qualquer dúvida ao Tribunal.

6- Sendo certo que ao mencionar este valor a Recorrente já teve em conta que era necessário o seu empenho e sacrifício, no sentido de comprimir ao máximo as suas despesas, reduzindo-as ao estritamente necessário.

7- Tanto que, apenas considerou despesas absolutamente necessárias e imprescindíveis, como sendo a renda de casa, luz, água, gás, alimentação, vestuário e calçado.

8-O artigo 239º, nº3, al. b) do CIRE exclui do rendimento disponível o que seja razoavelmente necessário para assegurar o sustento minimamente digno do devedor e respectivo agregado familiar.

9- Tendo em conta que a Recorrente para fazer face ás despesas absolutamente necessárias precisa de montante não inferior a 650€, conclui-se que é este o montante indispensável para garantir o seu sustento minimamente digno.

10- Sendo que, ao mencionar como estritamente necessário para fazer face ás suas despesas tal quantia, já teve em conta, que a exoneração do passivo restante compreende um equilíbrio entre o ressarcimento dos credores e a garantia do mínimo necessário ao sustento digno do devedor.

11- Com a consciência que terá que limitar, durante os cinco anos, as suas despesas e gastos ao estritamente necessário.

12- Será, pois, inquestionável que a Recorrente tem despesas correntes, como água, luz, telefone, alimentação, saúde, renda de casa e que tais despesas, considerando o seu custo actual, facilmente, mesmo com todo o empenho e sacrifício, ultrapassam o valor mensal de 650€.

13- Pelo exposto, conclui-se que é indispensável para garantir o sustento mínimo da Insolvente, ora Recorrente, o equivalente a pelo menos 650€.

14- Sustenta o douto despacho inicial que: “(…) para apuramento do valor excluído do rendimento disponível não relevam as despesas concretas que o devedor alega ou demonstra suportar, mas sim aquilo que é razoável gastar para prover ao seu sustento (…) com o mínimo de dignidade, sem prejuízo de deverem ser consideradas as concretas despesas que, razoavelmente, se devam ter como indispensáveis para fazer face a quaisquer necessidades específicas do agregado familiar”. (itálico nosso)

15- Acontece que, a decisão ora posta em crise não teve em conta que a Recorrente apenas alegou despesas indispensáveis e essenciais e que para prover ao seu sustento com o mínimo de dignidade terá que dispor de montante equivalente a 650€/mês, valor que o Tribunal “a quo” deveria ter considerado, fixando o rendimento disponível no montante que excede 650€.

16- Deverá, assim, o despacho inicial de exoneração do passivo restante ser substituído por outro despacho (inicial), que exclua do rendimento disponível que a insolvente venha a auferir o equivalente a 650€.

17- Ao decidir como decidiu violou o douto despacho inicial os artigos 239º, nº3 do CIRE, 1º, 59º, nº2 al. a) e 63º, nºs 1 e 3 da CRP.».

Terminou como ora se transcreve: “…deve o presente recurso ser julgado procedente, revogando o douto despacho inicial de exoneração do passivo restante, substituindo-o por outro despacho (inicial), que exclua do rendimento disponível que a insolvente venha a auferir o equivalente ao montante de 650€.».

II - Ao presente caso, além do CIRE, é aplicável, porque em vigor desde 1/09/2013, o novo Código de Processo Civil (doravante NCPC, para o distinguir do antecedente Código, que se dedignará como CPC), aprovado pela Lei 41/2013, de 26 de Junho (artº 8º, dessa Lei).

Em face do disposto nos art.ºs 635º, nºs 3 e 4, 639º, nº 1, ambos do NCPC, o objecto dos recursos delimita-se, em princípio, pelas conclusões dos recorrentes, sem prejuízo do conhecimento das questões que cumpra apreciar oficiosamente, por imperativo do art.º 608º, n.º 2, “ex vi” do art.º 663º, nº 2, do mesmo diploma legal.

Não haverá, contudo, que conhecer de questões cuja decisão se veja prejudicada pela solução que tiver sido dada a outra que antecedentemente se haja apreciado, salientando-se que, com as “questões” a resolver se não confundem os argumentos que as partes esgrimam nas respectivas alegações e que o Tribunal pode ou não abordar, consoante a utilidade que veja nisso (Cfr., entre outros, no domínio da legislação pretérita correspondente, Ac. do STJ de 13/09/2007, proc. n.º 07B2113 e Ac. do STJ de 08/11/2007, proc. n.º 07B3586 [3]).

Assim, a questão a solucionar consiste em saber se o montante mensal líquido correspondente a 1 (um) salário mínimo nacional - actualmente, € 530,00 - pois foi o excedente a isso que se fixou, na sentença, como constituindo o rendimento disponível, se adequa ao disposto no artº 239º, nºs 2 e 3, b), do CIRE, face à situação económica que os autos revelam relativamente à insolvente.

III - a) - O circunstancialismo a ponderar e a matéria de facto a ter como provada estão vertidos em I e II supra.

b) - Preceitua o nº 2 do art. 239º do CIRE: “O despacho inicial determina que, durante os cinco anos subsequentes ao encerramento do processo de insolvência, neste capítulo designado período de cessão, o rendimento disponível que o devedor venha a auferir se considera cedido a entidade, neste capítulo designada fiduciário (...) nos termos e para os efeitos do artigo seguinte.”

Por sua vez, de acordo com o n.º 3 desse mesmo artigo integram o rendimento disponível todos os rendimentos que advenham a qualquer título ao devedor, com exclusão, entre outros que aqui não estão em causa, do que seja razoavelmente necessário para:

-“O sustento minimamente digno do devedor e do seu agregado familiar, não devendo exceder, salvo decisão fundamentada do juiz em contrário, três vezes o salário mínimo nacional” (alínea b) i));

-”O exercício pelo devedor da sua actividade profissional” (alínea b) i),).

Embora o legislador não tenha consignado limite mínimo para a quantia a excluir nos termos do referido com o n.º 3, b), i), deve entender-se que este não poderá ser menor do que o salário mínimo nacional (retribuição mínima mensal garantida), por dever considerar-se ser esse o montante mais baixo que ainda é susceptível de assegurar a subsistência com o mínimo de dignidade.

Efectivamente, embora abaixo do salário mínimo nacional ainda exista o “rendimento social de inserção”, este corresponderá não à importância capaz de assegurar sustento minimamente digno" que refere o preceito do CIRE, mas antes àquilo que se tem como consubstanciando o "limite mínimo de sobrevivência".

Empregando a expressão “…do que seja razoavelmente necessário para o sustento minimamente digno do devedor e do seu agregado familiar”, o legislador optou por utilizar um conceito aberto/indeterminado, pelo que ao julgador se impõe, para a determinação da quantia a fixar a esse título, a ponderação das circunstâncias específicas do caso e, em particular, da situação do devedor e do respectivo agregado.

O apelo à dignidade que o preceito faz, leva a que, na ponderação do montante a fixar em conformidade com o mesmo, não sejam indiferentes as condições de vida e o estatuto sócio-profissional do devedor.

Atente-se, por outro lado, que o escopo do preceito não é excluir do “rendimento disponível” o montante a que ascendem, em média, o total das despesas regulares do insolvente e do agregado familiar a seu cargo, mas apenas o valor daquelas despesas que, em termos razoáveis, sejam adequadas a assegurar, com dignidade, o respectivo sustento.

Nas despesas atinentes ao sustento do devedor, estarão compreendidas, designadamente, as destinadas a satisfazer as necessidades de alimentação, vestuário, calçado, higiene, saúde e transportes.

A devedora, que, conforme se deu como assente, é divorciada e vive sozinha - é isso que significa a expressão ”O agregado familiar é composto pela própria”, pois, na verdade, não existe, em rigor, “agregado” algum - invocou, é certo, ter despesas mensais - com electricidade, água, gás, alimentação, vestuário, calçado e renda da casa -, que ascendiam a 650 € e que considerava esse mesmo montante como o necessário para dispor de “um mínimo para o sustento digno”.

Mas o facto de a Requerente considerar esse montante de 650 € como o necessário para dispor de “um mínimo para o sustento digno”, não significa que se conclua assim, sendo que, na prática, a aceitar o requerido pela insolvente, esta iria ficar com a totalidade daquilo que já era o montante total líquido mensal que alegou receber de proventos laborais.

Ora, como se disse no Acórdão desta Relação, de 12/03/2013 (Apelação nº 1254/12.5TBLRA-F.C1)[4] relatado pela ora 1ª Adjunta, “A insolvente não pode pretender continuar a usufruir das mesmas condições que mantinha antes de se encontrar em estado de insolvência, tendo que ter presentes os interesses dos credores bem como os sacrifícios que deste seu estado lhe advirão para satisfazer as suas obrigações, sendo que o legislador concedeu um período limitado para esses sacrifícios - 5 anos, após o encerramento do processo.”.

Não nos parece destituída de razoabilidade, mesmo considerando os € 650 líquidos que a Ré alegou receber em função do seu trabalho por conta de outrem, a fixação de uma quantia de € 530,00, correspondente à retribuição mínima mensal garantida (RMMG)[5], como valor subtraído ao rendimento disponível, já que a insolvente vive sozinha, sem encargos (provados), senão com ela própria, não sendo de considerar como estritamente necessário um montante de 400 € mensais, para assegurar, com despesas de arrendamento, as suas necessidades de habitação.

Na verdade, refere o Sr. Administrador da Insolvência - o que, aliás, não foge às regras da experiência comum - que nas Caldas da Rainha será exagerado despender o valor de 400 € mensais de arrendamento por uma habitação digna, adequada a uma pessoa que viva sozinha, sendo, pois, possível, à insolvente, se houver razoabilidade por parte desta, diminuir as despesas que tem a esse título, arranjando habitação condigna, mas dentro das suas actuais condições económicas, ao que acresce que não é de descurar que o vencimento da devedora, após a sua declaração de insolvência, ficou desonerado das penhoras, designadamente, daquela que fora determinada nos autos de execução nº 40/13.0TBCLD.

De tudo isto resulta que, segundo se nos afigura e salvo o respeito por entendimento diverso, a quantia de 530,00 € se adequará a assegurar a que a insolvente possa prover, dignamente, ao seu sustento, sem se olvidar, no entanto, que para tal poderá ter de adequar os seus gastos a este novo circunstancialismo económico, como resulta do que se reproduziu do Acórdão desta Relação, de 12/03/2013, o que constitui contrapartida justa da oportunidade valiosa que a lei lhe confere mediante a exoneração do passivo restante.

IV - Em face de tudo o exposto, decide-se, julgar a Apelação improcedente e, consequentemente, confirmar a decisão recorrida.

Custas pela Apelante, sem prejuízo, porém, do apoio judiciário de que esta beneficia.

Coimbra,6/07/2016


Luiz José Falcão de Magalhães

Sílvia Maria Pereira Pires

Maria Domingas Simões



***


[1] Que beneficia de apoio judiciário, na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo.
[2] Código este aprovado pelo Decreto-Lei nº 53/2004, de 18/03.
[3] Consultáveis na Internet, em http://www.dgsi.pt/jstj.nsf?OpenDatabase, endereço este através do qual poderão ser acedidos todos os Acórdãos do STJ que abaixo se assinalarem sem referência de publicação.
[4] Consultável em http://www.dgsi.pt/jtrc.nsf?OpenDatabase.
[5] Decreto-Lei n.º 254-A/2015, de 31 de Dezembro.