Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
858/12.0JACBR.S1.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: LUÍS RAMOS
Descritores: IMPUTABILIDADE DIMINUÍDA
Data do Acordão: 12/03/2014
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: IDANHA-A-NOVA
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ART.º 20 DO CP
Sumário: I - Para estarmos em face de uma imputabilidade diminuída não basta que a capacidade de avaliação ou de determinação estejam reduzidas: é necessário que atinjam um elevado grau de incapacidade, ou seja, que estejam manifestamente, notoriamente, claramente ou apreciavelmente diminuídas.

II - Se não atingir este grau de incapacidade, deverá a redução na capacidade de avaliação ser tomada em consideração em sede de operações para fixação da pena concreta.

Decisão Texto Integral:
Acordam em conferência na 4ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra

Por sentença proferida nos autos supra identificados, decidiu o tribunal

“a) Absolver o arguido A... da prática de um crime de resistência e coacção sobre funcionário, p. e p. pelo artigo 347º, nº1, do Código Penal, de que vinha pronunciado;

b) Condenar o arguido A..., pela prática de quatro crimes de homicídio qualificado na forma tentada, com a agravante de uso de arma, p. e p. pelos artigos 22º, 23º, 131º, 132º, nºs 1 e 2, al. l), do Código Penal e artigo 86º, nºs 3 e 4, da Lei nº 5/2006, de 23/2, na redacção da Lei nº 17/2009, de 5/6, na pena de 5 (cinco) anos de prisão por cada um dos crimes;

c) Condenar o mesmo arguido, pela prática de um crime de desobediência, p. e p. pelos artigos 152º, nºs 1, al. a) e 3 do Código da Estrada e 348º, nº 1, al. a) e 69º, nº1, alínea c). do Código Penal, na pena de 4 (quatro) meses de prisão e na pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor pelo período de 1 (um) ano.

d) Condenar o mesmo arguido pela prática de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo artigo 86º, nºs 1, als. c) e d) e 2, da Lei nº 5/2006, de 23/2, com as alterações das Leis nºs 17/2009, de 5/6 e 12/2011, de 27/4, na pena de 2 (dois) anos de prisão;

e) Condenar o mesmo arguido, nos termos do artigo 90º, da Lei nº 5/2006, de 23/2, na redacção da Lei nº 12/2011, de 27/4, na medida de segurança de interdição de detenção, uso e porte de armas pelo período de 10 (dez) anos;

f) Condenar o mesmo arguido, pela prática de uma contraordenação p. e p. pelo artigo 86º, nºs 1,2 e 3, do Código da Estrada, na coima de € 250,00 ( duzentos e cinquenta euros).

g) Em cúmulo jurídico, condenar o arguido A... na pena única de 9 (nove) anos e 6 (seis) meses de prisão, na pena acessória de proibição de conduzir veículos a motor pelo período de 1 (um) ano, na medida de segurança de interdição de detenção, uso e porte de armas pelo período de 10 (dez) anos e na coima de € 250,00 (duzentos e cinquenta euros);

h) Condenar o arguido nas custas do processo, fixando em 5 UCs a taxa de justiça, bem como nos legais acréscimos e encargos;

i) Declarar perdidas a favor do Estado todas as armas e munições apreendidas, bem como os cartuchos deflagrados, determinando a oportuna destruição destes últimos;

j) Manter a medida de coacção de prisão preventiva aplicada ao arguido A...;

k) Julgar procedente o pedido de indemnização civil deduzido pelo demandante Ministério Público (Estado Português) e condenar o demandado/arguido a pagar-lhe a quantia liquidada de € 10. 209,39 (dez mil duzentos e nove euros e trinta e nove cêntimos), acrescida de juros legais a contar da notificação, bem como em quantia a liquidar em execução, nos termos do artigo 82º do CPP, também acrescida de juros a contar da notificação;

l) Julgar procedente o pedido de indemnização formulado pela demandante ULS-CB – Unidade Local de Saúde de Castelo Branco, EPE, e condenar o demandado/arguido a pagar-lhe a quantia de € 1. 983,72 (mil novecentos e oitenta e três euros e setenta e dois cêntimos), acrescida de juros, à taxa legal, a contar da notificação do pedido;

m) Julgar parcialmente procedente o pedido de indemnização civil deduzido pelo demandante G..., e condenar o demandado/arguido a pagar-lhe a quantia de € 5. 000,00 (cinco mil euros), acrescida de juros legais a contar da presente data, absolvendo o demandado do mais peticionado;

n) Julgar parcialmente procedente o pedido de indemnização civil formulado pelo demandante H..., e condenar o demandado/arguido a pagar-lhe a quantia de € 2. 500,00 (dois mil e quinhentos euros), acrescida de juros legais a contar da presente data, absolvendo o demandado do mais peticionado;

o) Julgar parcialmente procedente o pedido de indemnização civil deduzido pelo demandante I..., e condenar o demandado/arguido a pagar-lhe a quantia de € 5. 000,00 (cinco mil euros), acrescida de juros legais a contar da presente data, absolvendo o demandado do mais peticionado;

p) Julgar parcialmente procedente o pedido de indemnização civil deduzido pelo demandante M..., e condenar o demandado/arguido a pagar-lhe a quantia de € 7. 000,00 (sete mil euros), acrescida de juros legais a contar da presente data, absolvendo o demandado do mais peticionado;

q) Custas dos pedidos de indemnização pelos demandantes e demandado, na proporção do respectivo decaimento. ”
Inconformado com o decidido, o arguido interpôs recurso no qual apresentou as seguintes conclusões (transcrição):

“1ª- As penas parcelares impostas ao ora recorrente são excessivas e devem ser reduzidas para medidas que se aproximam dos respectivos limites mínimos.

2ª- A pena única resultante do cúmulo jurídico deverá, consequentemente, ser reformada e substancialmente reduzida.

3ª- Não foi considerada como circunstância atenuante para elaboração do juízo de valor relativamente à medida concreta da pena, a imputabilidade diminuída do arguido no momento da prática dos factos, a qual tem que ser aferida em conjugação com o circunstancialismo dos mesmos, bem como a ausência de antecedentes criminais, a idade do arguido, e o seu bom relacionamento e boa consideração na comunidade onde reside.

4ª- No entanto, e em contradição com a decisão, a imputabilidade diminuída no momento da prática dos factos foi dada como provada pelo tribunal a quo.

5ª- Quanto aos crimes de detenção de arma proibida e desobediência, o douto tribunal a quo não procedeu à avaliação isolada dos mesmos, bem como à ponderação de as circunstâncias atenuantes

6ª- De facto, havendo todo o circunstancialismo atenuativo supra referido, deveria ter o douto tribunal a quo optado pela aplicação de uma pena não privativa da liberdade, e não a pena de prisão última ratio no sistema penal português.

7ª- Foi assim, violado o artigo 71º do Código Penal.

NESTES TERMOS,

e nos melhores de Direito que V. Exas. douta mente suprirão, deverá a douta sentença ser revogada e substituída por outra que se coadune com a pretensão exposta”

O recurso foi admitido para subir imediatamente, nos próprios autos, com efeito suspensivo.

Respondeu o Ministério Público, tendo apresentado as seguintes conclusões:

“1º O Tribunal deu como provado que o arguido sofre de um distúrbio mental qualificado como de "personalidade dissocial" que, apesar da manutenção plena da consciência da ilicitude, diminui a sua capacidade de se determinar de acordo com o entendimento do ato ilícito.

2. º Como resulta expressamente de fls. 68 do citado Acórdão e ao contrário do que afirma o recorrente, o Tribunal na medida concreta da pena valorou esse distúrbio mental e no sentido favorável ao arguido, ao abrigo do disposto no art. 71º, do Código Penal.

3. º O Tribunal só poderia dar maior relevância ao referido distúrbio mental se ele alcançasse uma gravidade suficientemente severa para o declarar inimputável, nos termos do art. 20º, n. º 2, do Código Penal.

4. º Ora, não é esse a situação, como resulta do Acórdão recorrido que se reporta aos elementos clínicos juntos aos autos (nem sequer o recorrente nas suas alegações aventa tal hipótese).

5º As penas concretas aplicadas a cada um dos crimes pelos quais o recorrente foi condenado foram comedidas.

6º Relativamente ao cúmulo jurídico efetuado, a pena concreta mais elevada em que o arguido foi condenado ascende a 5 anos de prisão pelo que é ela que, nos termos do art, 77º, nº 2, do Código Penal, baliza o limite mínimo da pena a aplicar. Por outro lado, a soma de todas as indicadas penas parcelares ascende a 23 anos e 4 meses de prisão pelo que esse é, também, nos termos do art. 77º, nº 2, do Código Penal, o limite superior abstrato da pena aplicável.

7º A pena concreta de 9 anos e 6 meses de prisão representa o adicionamento aos 5 anos de prisão de cerca de X das restantes penas.

8º Assim, foi significativamente acentuado o efeito compressor próprio do instituto do cúmulo jurídico encontrando-se a pena única dentro dos parâmetros usuais da jurisprudência dos Tribunais Superiores em situações similares.

Em síntese, concordamos na íntegra com a fundamentação do douto Acórdão recorrido no que concerne à determinação da espécie e medida da pena e afigura-se-nos que a pena fixada pelo Tribunal a quo está equilibrada face às necessidades de prevenção geral e especial que no caso se fazem sentir.

10º

O Tribunal não violou qualquer norma legal, designadamente, o art. 71º do Código Penal.

Pelo exposto, com os fundamentos indicados e com os demais que V. Ex. as, por forma sábia, suprirão, afigura-se-nos que o recurso deve ser julgado improcedente. ”

Nesta instância, e na consideração de que não se justifica “a redução de qualquer das penas aplicadas, (…) [e] que o Tribunal teve em consideração alguns problemas psico­-sociais e de personalidade, que afectam o arguido, como foi referido a fls. 1562” o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer no qual se manifesta pela improcedência do recurso.

No âmbito do art. º 417. º, n. º 2 do Código Penal não houve resposta.

Os autos tiveram os legais vistos após o que se realizou a conferência.

Cumpre conhecer do recurso

Constitui entendimento pacífico que é pelas conclusões das alegações dos recursos que se afere e delimita o objecto e o âmbito dos mesmos, excepto quanto àqueles casos que sejam de conhecimento oficioso.

É dentro de tal âmbito que o tribunal deve resolver as questões que lhe sejam submetidas a apreciação (excepto aquelas cuja decisão tenha ficado prejudicada pela solução dada a outras)[[1]].

Cumpre ainda referir que é também entendimento pacífico que o termo “questões” a quer se refere o artº 379º, nº 1, alínea c. , do Código de Processo Penal, não abrange os argumentos, motivos ou razões jurídicas invocadas pelas partes, antes se reportando às pretensões deduzidas ou aos elementos integradores do pedido e da causa de pedir, ou seja, entende-se por “questões” a resolver, as concretas controvérsias centrais a dirimir[[2]].

Questões a decidir:

- Imputabilidade diminuída

- Medida da pena

Na 1. ª instância foi dada como provada a seguinte factualidade (transcrição):

1. No dia 24 de Novembro de 2012, entre as 18h00 e as 19h00, o arguido A... encontrava-se na companhia de L... no estabelecimento comercial de padaria e pastelaria denominado “ K..., Lda”, sito na E. N. 233, à saída de São Miguel de Acha, área desta vila e comarca de Idanha-a-Nova, altura em que decidiu deslocar-se ao centro da localidade de São Miguel de Acha na companhia do dito L....

2. Para tanto, fizeram-se transportar na viatura automóvel ligeira de mercadorias, da marca Peugeot, modelo Partner, com a matrícula francesa 555WH30, propriedade do arguido A... e por este conduzida seguindo L... como passageiro.

3. Já quando circulava na rua que circunda a Igreja Matriz da aludida localidade de São Miguel de Acha, mais precisamente na curva correspondente à esquina formada pelo alçado principal e o lateral esquerdo, o arguido A... embateu ligeiramente com a lateral esquerda da aludida Peugeot Partner na quina traseira de uma carrinha de caixa aberta da marca Mistsubishi, modelo L300, com a matrícula 92-48-DT, propriedade de J... que ali se encontrava estacionada.

4. Naquelas circunstâncias de tempo, modo e lugar, a circulação da via estava ainda dificultada pelo irregular estacionamento do veículo automóvel da marca Volkswagen, modelo Golf, com a matrícula 54-BU-02, cuja condutora, C..., assistia à missa.

5. Na sequência do aludido embate, o arguido A... e L... deslocaram-se à residência de J..., a quem deram conta do sucedido, após o que juntos regressaram todos ao local do embate.

6. Cerca das 18H50M, a condutora do veículo automóvel aludido em 4. - C...- saiu da igreja e dirigiu-se à sua viatura altura em que foi invectivada pelo arguido como responsável pelo acidente.

7. Nessa altura, o arguido A... movimentava-se de um lado para o outro exaltado e agitado, vociferando impropérios e dizendo em tom de voz alta para a dita C...“Estou farto desta merda”, “A culpa é sua”, “A responsabilidade é sua! Alguém vai ter de pagar” .

8. Temendo o evoluir da situação, C...refugiou-se no interior da igreja e telefonou para a GNR.

9. Também o arguido A... telefonou à GNR.

10. Nessa sequência, acorre ao local a fim de tomar conta da ocorrência a patrulha em serviço no Posto Territorial Idanha-a-Nova da GNR, constituída pelos Guardas H...e M..., fazendo-se transportar na viatura automóvel da marca Skoda, modelo Octavia, com a matrícula GNR L1651.

11. Chegados ao local, os referidos Militares imobilizaram a viatura em que se faziam transportar no pequeno largo em frente à entrada principal da igreja.

12. Nessa altura, C...saiu novamente para o exterior da igreja e relatou à GNR a altercação tida com o arguido A....

13. Os Militares da GNR, sob contrariedade e constante intromissão do arguido A..., procederam às habituais medições do acidente e identificaram os respectivos intervenientes, os condutores das viaturas envolvidas, além de L....

14. Não sem que antes o arguido A... se tenha recusado a exibir os seus documentos de identificação quando tal lhe foi solicitado por diversas vezes pelos Militares da GNR.

15. Ao mesmo tempo que ia dizendo “Não faças o teste! Não faças o teste! Eu não faço teste nenhum. Amanhã vou ao Posto!”

16. Posição que o arguido A... manteve quando no acto de fiscalização levado a cabo pela GNR lhe foi então ordenado que se submetesse ao teste de pesquisa de álcool no sangue, sendo que, por mais de uma vez, o arguido se recusou a efectuar tal teste.

17. O arguido foi advertido das consequências legais em que incorria em caso de não cumprimento da ordem que lhe tinha sido dada, designadamente que, com aquela atitude, estava a cometer um crime de desobediência.

18. Não obstante, o arguido manteve a sua recusa, desconsiderando os avisos e ordens dadas pelos Militares da GNR.

19. Antes assumindo o arguido um comportamento de manifesto desafio dizendo para o Militar H...“quem és tu para me deter?!”.

20. Após o que, acto contínuo, o arguido envolveu-se fisicamente com um dos Militares.

21. O aludido Militar recorreu ao uso da força para tentar manietar o arguido A..., designadamente o Militar M... que fez uso do bastão no intuito de o imobilizar.

22. Instado a cessar a sua conduta, o arguido mais uma vez não acatou as ordens que lhe foram transmitidas pelos referidos Militares.

23. Pelo contrário, a fim de evitar a detenção, o arguido ia reiterando o tom de desafio e desobediência para com a ordem policial, dizendo para o Militar M... “dê com mais força…dê com mais força”, após o que logrou abandonar o local, apeado.

24. O mesmo fazendo, pouco depois, L... o qual no decurso dos factos supra descritos ia intervindo com manifestações de apoio ao arguido.

25. O arguido bem sabia que, enquanto condutor de automóvel na via pública, estava obrigado a submeter-se a qualquer tipo de prova com vista à detecção da taxa de álcool no sangue, nomeadamente através do teste qualitativo e quantitativo, a realizar por aparelhos devidamente aprovados para esse fim.

26. Apesar desse conhecimento, recusou-se a efectuar o teste para a detecção da alcoolemia ordenado pela GNR, bem sabendo que essa recusa o faria incorrer em crime de desobediência por não acatar uma ordem formal e substancialmente legítima, que lhe havia sido regularmente comunicada e emanada de autoridade competente.

27. O arguido tinha perfeito conhecimento que estes eram Militares da GNR e se encontravam no exercício das suas funções.

B)

Posto isto:

28. O Militar da GNR H...solicitou a presença de um reboque a fim de ser retirado do local o veículo automóvel acidentado propriedade do arguido porquanto a obstruir a normal circulação do trânsito em face da fuga do arguido do local que ali deixou a viatura trancada e sem chave.

29. Por seu turno, o Militar da GNR M... solicitou a presença de reforço policial.

30. Os dois Militares aguardaram no local.

31. Quando eram cerca de 20H30M, compareceu no local N... com o reboque solicitado - um Bedford NKR, com a matrícula RG-75-09 - e que iniciou manobras com vista ao carregamento e reboque da dita Peugeot Partner.

32. Pouco depois chegou também ao local uma patrulha de reforço policial, proveniente do Posto da GNR de Penamacor, constituída pelos Cabos G... e I..., cuja viatura em que se faziam transportar, uma Mitsubishi, modelo Outlander, com a matrícula GNR J2763, pararam atrás do Skoda Octavia.

33. Após uma breve troca de palavras entre os elementos das duas patrulhas policiais sobre o sucedido e diligências a encetar, de modo a facilitar as manobras do reboque, G... dirigiu-se ao Skoda Octavia com o intuito de o recuar ligeiramente, o que fez, e J... recebeu indicação para retirar a carrinha do local, chegando-a mais para a frente, ao que acedeu.

34. Entretanto, o Militar I... regressou para o Mistsubishi Outlander, onde aguardou no lugar do pendura.

35. Os Militares H...e M... permaneceram junto da viatura a rebocar, a Peugeot Partner.

36. O arguido A..., que se ausentou do local conforme supra descrito, entretanto dirigiu-se à sua residência, sita na (...), Idanha-a-Nova, a qual dista do local dos factos a mais de 2 km’s e logo formulou o propósito de tirar a vida aos Militares.

37. Na prossecução desse desígnio, uma vez chegado à dita residência, o arguido A... logo providenciou pela posse de uma espingarda semiautomática da marca “LUIGI FRANCHI”, com o número de série F18944, de calibre 12, com capacidade para três cartuchos (dois no carregador tubolar e um na câmara) e cerca de uma dezena de cartuchos para a mesma, todos da marca “Whinchester”, carregados com chumbo nº4.

38. Imediatamente, na concretização daquele seu objectivo, o arguido A... regressou ao local do aludido embate munido com a espingarda referida.

39. Para tanto, o arguido A... fez-se transportar numa moto 4 de matrícula 25-DC-87, sua propriedade.

40. O arguido A... chegou ao local pela Rua do Centro Paroquial - Rua do Adro - a conduzir a dita moto 4 sem que fizesse uso do obrigatório capacete de protecção.

41. O arguido A... imobilizou a moto 4 na dita rua, a cerca de 7/8 metros da traseira do Skoda Octavia da GNR, sem a desligar.

42. Acto contínuo, o arguido movimentou-se sobre a moto e retirou da traseira da mesma a supra identificada espingarda semiautomática.

43. Após o que, e sem que nada o fizesse prever, o arguido posicionou-se de pé sobre a moto e sem nada verbalizar, apontou tal arma na direcção do Militar G... e disparou.

44. G... apenas teve tempo de se baixar junto à porta do condutor do Skoda Octavia.

45. Ainda assim, a bagada do disparo efectuado pelo arguido atingiu-o, provocando-lhe ferimentos na hemiface direita, região frontal e braço direito.

46. Foi ainda atingido o coldre da respectiva pistola de serviço afecta ao Militar G..., o qual ficou pendurado, porquanto danificado.

47. O arguido efectuou o disparo sobre G... quando estava a 10,70m de distância do mesmo.

48. Após, e acto contínuo, o arguido A... dirigiu a dita arma agora na direcção do Militar I... no momento em que o mesmo já saia do Mitsubishi Outlander para se refugiar na traseira da aludida viatura.

49. Nessa altura, ainda aquando da movimentação do dito Militar, o arguido A... disparou na sua direcção, atingindo o Mitsubishi Outlander, estilhaçando o vidro da porta do condutor e o da porta traseira oposta, provocando tal disparo na trajectória orifícios de entrada e saída no banco do condutor e destruição do painel da porta traseira do lado direito.

50. O arguido levou a cabo o disparo referido quando se encontrava à distância de 4,90m do vidro da porta do condutor da aludida viatura Mitsubishi Outlander.

51. G... e I... rapidamente se movimentaram procurando refúgio, acabando por se deslocar para o alçado lateral esquerdo da Igreja, juntando-se a H....

52. Também N..., que no momento dos dois disparos estava no reboque, acabou por se refugiar naquele recanto, junto dos Militares, onde apenas faltava M....

53. Pois que, M... enveredou rua abaixo pela Rua Menino de Deus.

54. O arguido A... saiu então do local, deixando a moto 4 em funcionamento, regressando à rua de onde havia aparecido.

55. Nessa altura, J..., até então no habitáculo da sua carrinha de caixa aberta, aproveitou o momento para se refugiar atrás da igreja.

56. Enquanto caminhava pelas estreitas ruas adjacentes à Igreja, na supra indicada Rua Menino de Deus, M... foi surpreendido pelas costas pelo arguido A....

57. Ao ouvir a afirmação “toma lá cabrão”, o Militar M... tentou virar-se para perceber a sua origem, sendo logo atingido por um disparo efectuado pelo arguido A..., que lhe provocou ferimentos da região dorso-lombar direita, na face externa do membro superior do mesmo lado e cabeça.

58. O arguido efectuou este disparo sobre M... quando se encontrava a uma distância de 9,80m do mesmo.

59. O cartucho deflagrado neste disparo veio a ser localizado junto ao n. º25 da Rua Menino de Deus, isolado relativamente a todos os demais.

60. M... correu em fuga, acabando por conseguir regressar à zona da Igreja, ferido e desorientado, onde foi auxiliado pelos demais Militares que o sentaram no rebordo da parede da igreja, onde todos estavam refugiados juntamente com N....

61. Logo depois, quando todos estão juntos no aludido recanto da Igreja, o arguido efectua pelo menos um novo disparo sendo que o concreto local e posicionamento do arguido não foi possível apurar.

62. Com o propósito de sair dali, os Militares decidiram dirigir-se para as viaturas com vista a abandonarem o local.

63. N... recebeu indicações de G... para retirar o reboque do sítio onde estava.

64. No momento em que N... estava já junto ao reboque, ouviu pelo menos mais dois disparos.

65. Pouco depois, N... ouviu o arguido a dirigir-lhe a seguinte expressão “Vai-te embora daqui” ao mesmo tempo que, posicionado junto à lateral direita da Peugeot Partner, ao início da Rua Menino de Deus, lhe apontava a supra descrita arma.

66. N... fugiu em passo de corrida para as traseiras da igreja, prosseguindo em direcção à estrada nacional.

67. I..., H...e M..., que entretanto se deslocaram para a viatura Skoda Octavia da GNR, chegando este último a entrar para o lugar do condutor enquanto H...e I... abordaram a viatura pelo lado do pendura, foram surpreendidos por novos disparos efectuados pelo arguido.

68. Pelo menos um dos disparos atingiu I... pelas costas, quando o mesmo tentava aceder à viatura pelo lado do pendura, provocando-lhe ferimentos em toda a extensão da região dorsal, na região occipital, na zigomática esquerda e no glúteo do mesmo lado.

69. Por seu turno, as bagadas dos disparos levados a cabo pelo arguido atingiram ainda a porta do lugar do pendura da dita viatura Skoda Octavia da GNR, entre o mais, partindo o respectivo vidro.

70. I... serviu de escudo a H...que não foi atingido por estes disparos.

71. De imediato, estes dois Militares dirigiram-se para a viatura Mitsubishi Outlander da GNR, onde já estava G....

72. Na sequência dos disparos que atingiram o Skoda Octavia da GNR, M... abandonou esta viatura, fugindo pela Rua do Adro, no sentido da Rua de São Pedro, onde acabou por pedir auxílio a residentes do n. º 19 dessa artéria, ali permanecendo refugiado.

73. Com o comportamento descrito em 67 a 69, enquanto um dos disparos do arguido atingiu a porta do pendura do Skoda Octavia e I... o outro disparo atingiu mesmo o painel lateral direito da viatura do arguido, a Peugeot Partner.

74. Os diversos disparos que o arguido efectuou sobre os Militares verificaram-se de rápida e inusitada movimentação pelas estreitas ruas da localidade de São Miguel D’Acha, disparando sucessivamente sobre os Militares da GNR que ia surpreendendo aqui e ali.

75. Com efeito, e agora já quando G..., H...e I... estavam no Mitsubishi Outlander com o intuito de saírem do local, surgiu o arguido A... vindo do lado da entrada principal da Igreja, que se colocou junto à porta traseira esquerda do Skoda Octavia.

76. Acto contínuo, o arguido empunhou a espingarda semiautomática na direcção daqueles Militares e disparou, apenas tendo aqueles Militares o tempo para se baixar nos lugares que ocupavam: G... o do condutor, H...o do pendura e I... o banco traseiro.

77. Nessa altura, o arguido A... efectuou um total de três disparos.

78. Um dos disparos referidos atingiu a travessa da porta do lugar do pendura e dois atingiram o pára-brisas do Mitsubishi Outlander.

79. Um dos disparos - C1 - trespassou o pára-brisas, evoluiu para o interior do veículo e provocou destruições no tablier (C1’) e nos espelhos retrovisores interiores (C1’’).

80. Nessa altura, os três Militares não foram atingidos, de frente, em regiões vitais do corpo, porque lograram reagir instintivamente, como supra referido, baixando-se.

81. Não obstante, os impactos de um desses disparos no pára-brisas provocaram projecção interna de fragmentos de vidro que feriram H..., provocando-lhe traumatismo ocular direito.

82. O arguido efectuou os disparos descritos em 78. e 79. à distância de 8,40m entre a boca do cano da espingarda que empunhava e o pára-brisas da dita viatura.

83. Perante a conduta do arguido os Militares da GNR ripostaram, disparando na direcção do arguido.

84. Com efeito, e ainda quando no interior da viatura, o Militar H...tentou ripostar com a sua pistola de serviço através do pára-brisas, o que não logrou conseguir porque a mesma encravou.

85. Perante isso, H...saiu da viatura e, desse mesmo lado, posicionou-se junto da parede da Igreja, altura em que puxou a corrediça da pistola para a desencravar, saltando da mesma uma munição posteriormente localizada, intacta, junto à dita parede.

86. Entretanto, G..., de pé junto à porta do condutor do Mitsubishi Outlander, efectuou um disparo com a sua pistola de serviço de calibre 9mm - GLOCK nº RPS 073 - na direcção do arguido, levando este a afastar-se para o lado da entrada principal da Igreja.

87. Sucede que, H...foi surpreendido pelo arguido A... o qual lhe surgiu proveniente da esquina oposta àquela onde procurou posicionamento.

88. Acto contínuo, mais uma vez, o arguido disparou sobre aquele Militar, só não o atingindo porque H...se resguardou, protegendo-se na esquina da igreja.

89. O arguido efectuou este disparo sobre H...a uma distância de 6,50m entre a boca do cano da espingarda caçadeira e a esquina onde aquele estava posicionado.

90. H...efectuou dois disparos com a sua pistola de serviço, de calibre 9mm - WHALTER P38 nº436992 - um de pé e outro agachado na direcção do arguido.

91. Também I... disparou na direcção do arguido com a sua pistola de serviço, de calibre 9mm – GLOCK nº RLY 764 – junto a essa mesma esquina.

92. Um dos disparos efectuados nesta esquina da Igreja atingiu o arguido A... no membro superior direito numa altura em que o mesmo empunhava a espingarda caçadeira semiautomática.

93. Um outro disparo efectuado naquela mesma esquina alojou-se na travessa inferior de uma porta de alumínio pertencente a uma casa de habitação, correspondente ao n.º 60.

94. O arguido A... só cessou os disparos sobre os Militares porque ficou fisicamente impossibilitado de continuar a disparar uma vez atingido pelo disparo referido em 92., acabando por se ausentar do local para a sua residência.

95. Cerca da 01H20M, o arguido veio a ser encontrado por elementos da GNR nas proximidades da saída da sua residência quando já se encontrava a ser conduzido na viatura automóvel com a matrícula 89-FQ-74, da marca Opel, modelo Corsa, e onde seguiam ainda os seus familiares D..., E... e F....

96. Nessa altura foi abordada a dita viatura onde o arguido seguia como passageiro.

97. Efectuada revista pessoal de segurança foi o arguido encontrado na posse de um cartucho de arma de caça, calibre 12, de cor vermelha, carregado e em perfeito estado de uso, que trazia no bolso direito do colete que vestia.

98. Antes, os Militares G..., H...e I... lograram abandonar o local no Mitsubishi Outlander pela rua onde ainda estava a moto 4, chegando a colidir com a mesma, em concreto, raspando a grelha de protecção frontal do quadriciclo.

99. Só já na EN 233 os ditos Militares pararam e após se certificarem da localização de M... providenciaram pela necessária assistência médica.

100. As condutas perpetradas pelo arguido foram levadas a cabo de noite, sendo a luminosidade artificial implantada na zona fraca, e sob condições climatéricas adversas (chuva e neblina), num momento em que os Militares da GNR estavam ocupados com as diligências de reboque das viaturas deixadas no local do acidente de viação, diminuindo-lhes, de forma considerável, dada a surpresa da agressão, a capacidade de defesa.

101. Posteriormente, os Militares da GNR foram conduzidos ao Hospital Amato Lusitano, em Castelo Branco, onde receberam assistência hospitalar, apresentando múltiplos ferimentos, provocados por bagadas de chumbo, alguns dos quais encrostados na pele, com maior concentração na nádega direita e na região lombar do mesmo lado, numa trajectória de baixo para cima, tangenciais.

102. Em consequência de tais factos, sofreu o Militar H...as lesões corporais descritas nos registos clínicos de fls. 64 (Hospital Amato Lusitano, em Castelo Branco) e 461 (Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra, EPE) e exames periciais de fls. 317 a 319, 412 a 414 e 456 a 458, cujo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais, nomeadamente, e em síntese, traumatismo ocular direito penetrante por fragmentos de vidros.

103. Resulta das conclusões do último relatório pericial, realizado a 07. 02. 2013, que as lesões traumáticas sofridas pelo ofendido H...em consequência dos factos supra descritos e praticados pelo arguido lhe determinaram directa e necessariamente, “(…) 17 (dezassete) dias de doença, todos com afectação da capacidade para o trabalho em geral e profissional”, tendo em conta o tipo de lesões resultantes “de traumatismo de natureza cortante o que é compatível com a informação”, podendo considerar-se que, “(…) do evento, não resultaram consequências permanentes” para o ofendido - cfr. fls. 456-458.

104. Em consequência de tais factos, sofreu o Militar G... as lesões corporais descritas nos registos clínicos de fls. 60 a 63 (Hospital Amato Lusitano, em Castelo Branco) e exames periciais de fls. 327 a 329, 642 a 644, cujo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais, nomeadamente, em síntese, múltiplos ferimentos com corpos estranhos metálicos (bagos de chumbo) nos planos epicranianos frontais e temporais direitos e ombro direito - e, em concreto:

a)  - Resulta das conclusões, ainda que “preliminares”, do relatório pericial do GML, realizado a 05. 12. 2012:

- Ao nível do crânio: cicatriz de ferida inciso contusa com 5mm de comprimento na região frontal lado direito; ferida perfuro contundente na região frontal lado direito com cerca de 2mm de diâmetro;

- Ao nível do membro superior direito: três cicatrizes de feridas perfuro-contundentes, medindo cerca de 3mm de diâmetro e situadas sobre a face externa do braço no seu terço superior.

105. Resulta das conclusões do último relatório pericial realizado a 23. 05. 2013, que as lesões traumáticas sofridas pelo ofendido G... em consequência dos factos supra descritos e praticados pelo arguido lhe determinaram directa e necessariamente, “(…) 103 (cento e três) dias para consolidação médico-legal, com afectação da capacidade para o trabalho em geral (103 dias) e com afectação da capacidade de trabalho profissional (103 dias)”, tendo em conta o tipo de lesões resultantes “de traumatismo de natureza perfurante o que é compatível com a informação”, podendo considerar-se que, “(…) do evento, não resultaram consequências permanentes” para o ofendido - cfr. fls. 642-644.

106. Em consequência de tais factos, Militar I... sofreu as lesões corporais descritas nos registos clínicos de fls. 55 a 59 (Hospital Amato Lusitano, em Castelo Branco) e exames periciais de fls. 322 a 324 e 635 a 638, cujo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais, nomeadamente, e em síntese, múltiplos ferimentos com corpos estranhos metálicos (bagos de chumbo) nos planos epicranianos occipitais esquerdos e na fossa intratemporal esquerda e múltiplas imagens hiperdensas metálicas no tecido celular subcutâneo da região dorsal e, em concreto:

b) - Resulta das conclusões, ainda que “preliminares”, do relatório pericial do GML, realizado a 05. 12. 2012:

- Ao nível do crânio: ferida inciso-contusa com 1cm de comprimento na região parietal esquerda; ferida perfuro contundente com cerca de 2 mm de diâmetro na região occipital lado esquerdo;

- Ao nível da face: ferida perfuro contundente com 2mm de diâmetro na região infratemporal esquerda;

- Ao nível da tórax: 19 (dezanove) feridas perfuro contundentes abrangendo toda a região dorsal medindo cerca de 3mm de diâmetro cada;

- Ao nível do membro superior direito: ferida perfuro contundente no terço inferior da face posterior do braço com cerca de 3mm de diâmetro;

- Ao nível do membro inferior esquerdo: 7 (sete) feridas perfuro contundentes abrangendo a região da anca e nádega com 3mm de diâmetro cada;

107. Resulta das conclusões do último relatório pericial realizado a 16. 05. 2013, que as lesões traumáticas sofridas pelo ofendido I... em consequência dos factos supra descritos e praticados pelo arguido lhe determinaram directa e necessariamente, “(…) 104 (cento e quatro) dias para consolidação médico-legal, sem afectação da capacidade para o trabalho em geral e profissional”, tendo em conta o tipo de lesões resultantes “de traumatismo de natureza perfurante o que é compatível com a informação”, podendo considerar-se que, “(…) do evento, não resultaram consequências permanentes” para o ofendido - cfr. fls. 636-638.

108. Em consequência de tais factos, sofreu o Militar M... as lesões corporais descritas nos registos clínicos de fls. 49 a 54 (Hospital Amato Lusitano, em Castelo Branco) e exames periciais de fls. 420 a 422 e 635 a 638, cujo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais, nomeadamente, e em síntese, múltiplos ferimentos na face peri-auricular direita, com ferimento transflexivo ao respectivo pavilhão auricular direito, com otorragia/diminuição da acuidade auditiva à direita, múltiplos ferimentos com corpos estranhos metálicos (bagos de chumbo) na face posterior do tórax/dorso lombar com edema na porta de entrada dos ferimentos e múltiplas imagens hiperdensas metálicas no tecido celular subcutâneo da região lombar e nos planos musculares e, em concreto:

c)  - Resulta das conclusões, ainda que “preliminares”, do relatório pericial do GML, realizado a 20. 12. 2012:

- Ao nível do crânio: cicatriz de ferida perfuro-contundente na região retro-auricular direita;

- Ao nível do tórax: cerca de 16 (dezasseis) de feridas perfuro contundentes polvilhando o dorso;

- Ao nível do abdómen: cerca de 9 (nove) cicatrizes de feridas perfuro contundentes polvilhando as regiões lombares;

- Ao nível do membro superior direito: 30 (trinta) cicatrizes de feridas perfuro-contundentes localizadas sobretudo na face externa do braço e nas faces posteriores do antebraço e mão;

- Ao nível do membro superior esquerdo: cicatriz de ferida perfuro-contundente localizada na 1. ª falange junto à articulação IFP do 3. º dedo;

- Ao nível do membro inferior direito: 2 (duas) cicatrizes de feridas perfuro-contundentes sobre a região nadegueira.

109. Resulta das conclusões do último relatório pericial realizado a 16. 05. 2013, que as lesões traumáticas sofridas pelo ofendido M... em consequência dos factos supra descritos e praticados pelo arguido lhe determinaram directa e necessariamente, “(…) 138 (cento e trinta e oito) dias para consolidação médico-legal, sem afectação da capacidade para o trabalho em geral e profissional”, tendo em conta o tipo de lesões resultantes “de traumatismo de natureza perfurante o que é compatível com a informação”, podendo considerar-se que, “(…) do evento, não resultaram consequências permanentes” para o ofendido - cfr. fls. 631-633.

110. Da mesma forma, para além do vestuário, pessoal e de serviço, e ainda de objectos de serviço, provocou o arguido com as condutas descritas danos significativos nas duas viaturas da GNR que se encontravam no local, mais concretamente, no Skoda Octavia de matricula L1651 (GNR/Idanha-a-Nova) e no Mitsubischi Outlandeer de matrícula GNR J2763 (GNR/Penamacor) igualmente devido aos vários disparos que fez também sobre os mesmos, designadamente contra o pára-brisas, vidros e portas causando nas viaturas prejuízos orçamentados num montante global de € 3. 926,58.

111. O arguido disparou da forma supra descrita com intenção de atingir o corpo de H..., M..., I... e G..., bem sabendo que os mesmos eram todos Militares da GNR, cuja missão é zelar pela segurança de pessoas e bens, facto que não podia ignorar e que ademais o motivou à prática dos factos supra descritos, porquanto num primeiro momento H...e M... no exercício das suas funções o abordaram na sequência da supra descrita colisão e onde o arguido desconsiderou os avisos e ordens dadas, acabando por envolver-se em confrontos físicos com os mesmos, após o que abandonou o local, desagradado, logo formulando o propósito ali regressar e tirar a vida aos Militares da GNR.

112. O arguido deslocou-se à sua residência onde se muniu de uma espingarda caçadeira semiautomática e cartuchos suficientes já perspectivando uma acção de grande magnitude.

113. O arguido estava perfeitamente ciente das características do instrumento que deliberadamente escolheu e que sabia particularmente idóneo à produção do fim visado.

114. Bem sabia o arguido que, atentas as características da arma de fogo e as munições utilizadas, designadamente o seu calibre, quando as mesmas são utilizadas contra as pessoas, são susceptíveis de causar a morte.

115. O arguido agiu, pois, livre, voluntária e conscientemente na execução do propósito firme, tenaz e irrevogável de tirar a vida aos ofendidos H..., M..., I... e G..., prevendo a possibilidade de os mesmos virem a sofrer lesões susceptíveis de lhes causar a morte, conformando-se com tal resultado.

116. Porém, tal resultado apenas não se verificou por motivos alheios à vontade do arguido pois, atendendo às circunstâncias descritas, só por mero acaso é que os ofendidos não foram atingidos mortalmente, conforme era o propósito do arguido, tendo ainda em consideração que tinha um conhecimento perfeito do local e da distância a que se encontravam os ofendidos, propósito esse que executou em circunstâncias de completa e inusitada surpresa e rápida movimentação pelo quase labiríntico local, que aproveitou para fazer um autêntico cerco aos Militares, impossibilitando a imediata autodefesa ou reacção dos ofendidos.

117. Actuou ainda o arguido com insensibilidade perante o valor da vida das vítimas H..., M..., I... e G..., Militares da GNR, que não hesitou em sacrificar, o que apenas não sucedeu por motivos alheios à sua vontade, e fê-lo apanhando as vítimas desprevenidas, exibindo-lhes tal arma a curta distância, sabendo que lhes retirava, como efectivamente conseguiu retirar, quaisquer possibilidades de defesa imediata.

118. O arguido bem sabia que, enquanto condutor do quadriciclo supra descrito estava obrigado a fazer uso de capacete, de modelo oficialmente aprovado, com vista a proteger a cabeça.

119. Apesar desse conhecimento, o arguido não se coibiu de circular com o aludido veículo na via pública sem fazer uso de tal acessório de segurança.

C)

120. No dia 25. 11. 2012, pelas 12H30M, a Directoria do Centro da Polícia Judiciária iniciou uma busca à casa de habitação do arguido A..., que, nisso, expressamente consentiu, sita na (...), Idanha-a-Nova.

121. No decurso da mencionada busca domiciliária foram encontrados na posse do arguido e apreendidos, para além do mais, os seguintes objectos:

Na cozinha (no interior do quadro eléctrico):

•   7 (sete) cartuchos de calibre 12mm (seis com revestimento plástico vermelho e um com revestimento azul);

•   9 (nove) cartuchos de calibre 12mm, da marca “Petit Gibier”;

•   1 (uma) caixa da marca “Polvichumbo” contendo 9 (nove) cartuchos, de calibre 12mm, e uma do mesmo calibre mas de projéctil único.

No quarto do arguido:

•   4 (quatro) cartuchos de calibre 12mm (um branco, um vermelho e dois azuis) sobre o parapeito da janela;

•   9 (nove) cartuchos de calibre 12mm, de cor vermelha; zagalotes; 3 (três) cartuchos de calibre 12 com projéctil único (bala) e 1 (um) cartucho deflagrado, calibre 12, branco;

•   1 Caixa da marca “Ranger Winchester” com 8 (oito) cartuchos calibre 12 pretos;

•   1 Saco de plástico verde com uma caixa com a inscrição “bala especial” contendo 10 (dez) cartuchos calibre 12;

•   5 (cinco) caixas com a inscrição “Polvichumbo” contendo cada uma 25 (vinte e cinco) cartuchos de calibre 9mm.

No quarto de um anexo da habitação:

•   1 Caixa da marca “Winchester Super X 300 Magnum”, contendo 19 (dezanove) munições.

122. Não obstante ferido, e ser de noite, o arguido esforçou-se para tentar ocultar várias armas de fogo que tinha na sua posse.

123. No dia 28. 11. 2012, pelas 11H30M, a Directoria do Centro da Polícia Judiciária iniciou uma busca, devidamente autorizada por autoridade judiciária competente, à viatura automóvel Peugeot 405 de matrícula 1781 TY 63, propriedade do arguido A..., conduzido pelo arguido imediatamente após os factos, da residência do mesmo, sita na (...), até ao extremo da propriedade do arguido, onde acabou atolado em zona de lama, junto a um portão de saída.

124. No decurso da mencionada busca referida, foi encontrado e apreendido 1 (um) cartucho de caça, de calibre 12, com revestimento vermelho, em tudo idêntico aos utilizados nos factos naquela noite.

125. Nos instrumentos de condução deste veículo (travão de mão e alavanca das mudanças) foram detectadas manchas hemáticas, tal como compressas médicas na bagageira.

126. Nesse mesmo dia 28. 11. 2012, pelas 16H50M, a Directoria do Centro da Polícia Judiciária iniciou uma busca, devidamente autorizada por autoridade judiciária competente, ao barracão de apoio à actividade agrícola do arguido, sito na (...), Idanha-a-Nova.

127. No decurso da mencionada busca, dissimuladas no interior do aludido barracão agrícola, foram encontradas e apreendidas, para além do mais, a espingarda caçadeira semiautomática da marca “LUIGI FRANCHI”, de calibre 12, com a punção alfanumérica “F18944”, de um cano, contendo no interior do carregador tubolar 1 (um) cartucho de calibre 12, com revestimento plástico vermelho, identificada pelo LPC da Polícia Judiciária como a utilizada para percutir todos os cartuchos de calibre 12 deflagrados, encontrados no local dos factos.

128. Para além da arma referida, naquelas mesmas circunstâncias de tempo, modo e lugar, foram ainda encontrados e apreendidos ao arguido os seguintes objectos, encontrando-se todos em boas condições de funcionamento cfr. exame pericial do LPC (ver fls. 538 e ss. que aqui se dão por reproduzidos para todos os efeitos legais):

•   1 (uma) espingarda da marca “Benelli Armi”, modelo “Argo Special”, calibre 300 Winchester Magnum, de um cano, com as punções alfanuméricas “BB027571”, “CAT. 13292” e no cano “CB027571”, com respectivo carregador, mira nocturna (mira holográfica de marca Trijicom, de modelo Reflex) e cadeado de segurança ao gatilho, de cor preta e respectivo estojo de acondicionamento da marca “Protector”;

•   1 (uma) espingarda caçadeira da marca “Fabrica Italiana Armi Sabatii – Gardone”, de modelo não referenciado, de calibre 12, com a punção numérica “1447 120296”, de dois canos sobrepostos basculantes, contendo no interior de cada cano 2 (dois) cartuchos de caça deflagrados, com revestimento plástico vermelho;

•   1 (uma) espingarda da provável marca “RAF”, modelo 64, calibre .22 Long Rifle com as punções numéricas “959 509 875 782” e “7674”, de um cano, apresentando acoplado com silenciador (de marca e origem não referenciáveis);

•   1 (uma) espingarda, de marca e modelo não seguramente referenciáveis, com as punções numéricas “50 10 5” e “951553”, de um cano, de tiro a tiro, com culatra de ferrolho (“bolt-action”), de calibre 36 (para cartucho de caça também designado por 12mm ou . 410 na designação anglo-americana);

•   1 (uma) espingarda carabina, da marca “FN/Browning”, de calibre 300 Winchester Magnum, com as punções numéricas, a primeira imperceptível e a segunda “15442”, com carregador, municiado com 2 (duas) munições de calibre 300 Win Mag. e tendo acoplada uma mira laser, bem como bolsa em pele castanha da marca “Country” contendo 10 (dez) munições de calibre 300 Win Mag., tudo acondicionado em estojo de cor verde:

•   1 (um) cartucho de caça, de calibre 12, com revestimento plástico vermelho.

129. Aquando da inspecção judiciária e exame à viatura do arguido acidentada no local - Peugeot Partner - foram ainda encontrados e apreendidos, para além do mais, os seguintes objectos (ver fls. 86-88. que aqui se dão por reproduzidos para todos os efeitos legais):

•   1 (uma) caixa com 6 (seis) munições da marca “Winchester”, com as inscrições “Super X” “300” Winchester Mag;

•   1 (uma) caixa com 14 (catorze) cartuchos, calibre 12mm, chumbo 6, de cor branca, da marca Solognac;

•   2 (dois) cartuchos da marca Winchester, calibre 12, chumbo 6, de cor vermelha;

•   1 (um) cartucho da marca Winchester, calibre 12, chumbo 8, de cor vermelha;

•   2 (dois) cartuchos de bala (projéctil único), calibre 12, de cor branca;

•   4 (quatro) cartuchos deflagrados, de calibre 12.

130. O arguido A... é portador de Licença de Uso e Porte de Arma de classe C - (fls. 126 e 355. )

131. Pelo facto de ser detentor de LUPA de classe C o arguido está habilitado a possuir armas de classe inferior, como sejam as classes D e E.

132. Sucede, porém, que, o arguido apenas tem manifestadas duas armas de classe D, das quais apenas uma pertence ao lote das que lhe foram apreendidas, tratando-se da “SABATTI – Fias Gardone” com o n. º 120296, a que corresponde o Livrete de Manifesto de Armas nº I59830 (fls. 356).

133. O arguido não possui os obrigatórios Livretes de Manifesto relativos às demais armas de fogo das classes C e D que lhe foram apreendidas.

134. O arguido entrou na posse de todas as supra descritas armas, cartuchos e munições, em circunstâncias não concretamente apuradas, sendo certo que sempre lhe era proibido ter na sua posse a carabina semiautomática de calibre .22 da marca RAF com o n.º 7674, porquanto tinha acoplado um silenciador, que é um objecto que, por si só, é uma arma de classe A bem como os cartuchos de zagalote, proibidos por Lei - (art. 79º, nº3 a) do DL 2/2011 de 6 de Janeiro – Lei da Caça).

135. O arguido sabia ainda que não podia deter, usar ou trazer consigo as referidas armas de fogo, não registadas nem manifestadas em seu nome.

136. Em todas as condutas supra descritas, agiu sempre o arguido de forma livre, deliberada e conscientemente, bem sabendo que tais condutas eram censuradas, proibidas e punidas por lei.

137. O arguido sofre de Personalidade Dissocial, o que já se verificava na data referida em 1.

138. O distúrbio referido no artigo anterior é caracterizado por um desprezo das obrigações sociais, falta de empatia para com os outros, um desvio considerável entre o comportamento e as normas sociais estabelecidas; o comportamento não é facilmente modificado pelas experiências adversas, inclusive pelas punições; baixa tolerância à frustração e um baixo limiar de descarga da agressividade, inclusive da violência; tendência a culpar os outros ou a fornecer racionalizações plausíveis para explicar um comportamento que leva o sujeito a entrar em conflito com a sociedade.

139. Por força do referido em 138., apesar da manutenção plena da consciência da ilicitude, o arguido manifesta uma incapacidade para controlar o impulso delituoso, surgindo como diminuída a sua capacidade de se determinar de acordo com o entendimento do acto ilícito.

A2) OUTROS FACTOS PROVADOS

140. O arguido é o terceiro de nove irmãos, descendendo de família de modesta condição socio-económica, exercendo o pai a actividade de varredor (...) e sendo a mãe doméstica.

141. A dinâmica e a estrutura familiar caracterizaram-se pela afectividade e estabilidade, havendo bom relacionamento entre todos os elementos do agregado.

142. O arguido iniciou a escolaridade na idade normal, em Castelo Branco, tendo abandonado os estudos com 14 anos, após ter concluído a 3ª classe, para trabalhar ajudando o agregado familiar.

143. Registou um percurso regular em termos laborais, tendo começado como sapateiro, até aos 21 anos, tendo, após o cumprimento do Serviço Militar, emigrado para França, onde passou a trabalhar numa fábrica de cutelaria. Em 1993, segundo o arguido, devido a agravamento de problemas do foro mental, passou à condição de reformado por invalidez.

144. Em 1971 fora desvinculado do serviço militar por motivos de saúde, segundo o arguido, nomeadamente tuberculose e psiquiatria.

145. Contraiu casamento em 1967 com B..., residindo o casal inicialmente em Castelo Branco e poucos meses depois em (...) Idanha-a-Nova, localidade de origem da esposa, tendo desta união nascido 3 filhos.

146. Ocorreu a separação do casal em 2009, na sequência de desentendimentos.

147. À data dos factos vivia sozinho, em casa própria, na (...), sendo certo que desde 2006 que tem vindo a alternar a sua residência entre Portugal e França.

148. Quando em Portugal, mantinha-se ocupado e efectuar trabalhos agrícolas na propriedade onde reside.

149. O suporte familiar é proporcionado pela filha mais nova (única com quem se relaciona), que vive em França e por 3 irmãs suas que vivem em Castelo Branco, bem como por 3 irmãos que vivem em Sacavém e Arruda dos Vinhos, sendo positivos os relacionamentos, sendo certo que é visitado no EP com regularidade.

150. A situação económica do arguido é considerada razoável, recebendo 600 euros pela reforma e 220 euros do seguro de invalidez (França).

151. No meio sócio-residencial tem mantido comportamento adequado e bom relacionamento com vizinhos, tendo imagem positiva.

152. No EP beneficia de acompanhamento psiquiátrico e controle de doença do foro oncológico.

153. O arguido não tem antecedentes criminais.

A3) DA CONTESTAÇÃO

154. Os factos provados de 137 a 139 e de 140 a 153.

A4) DO PIC DEDUZIDO PELO MP (ESTADO PORTUGUÊS)

155. Os factos provados da pronúncia.

156. Com a sua conduta, o arguido causou no veículo Mitsubishi Outlander de matrícula GNR J2763 prejuízos orçamentados num montante global de € 3. 259,55 (três mil duzentos e cinquenta e nove euros e cinquenta e cinco cêntimos).

157. E no veículo Skoda Octavia de matrícula L1651 prejuízos orçamentados no montante global de € 667,03 (seiscentos e sessenta e sete euros e três cêntimos).

158. Pelo que, a este título, o Estado Português sofreu um prejuízo patrimonial global de € 3. 926,58 (três mil novecentos e vinte e seis euros e cinquenta e oito cêntimos), de que ainda não se encontra ressarcido.

159. Por força da violência usada pelo arguido contra os militares da GNR, os mesmos sofreram lesões que determinaram a necessidade de receberem tratamento médico e hospitalar.

160. O que determinou períodos de dias de doença e incapacidades para o trabalho.

161. As despesas de saúde, transporte, bem como os vencimentos e suplementos afins, durante o período de convalescença dos militares, devido a lesões sofridas no exercício das funções, são suportados pela GNR.

162. O Estado despendeu a este título, no que respeita ao militar G..., a quantia de € 6. 220,66 (seis mil duzentos e vinte euros e sessenta e seis cêntimos), respeitante a remunerações e suplementos pagos no período de convalescença, bem como a quantia de € 62,12 (sessenta e dois euros e doze cêntimos) respeitante a despesas de fardamento, no total de € 6. 282,81.

A5) DO PIC DEDUZIDO PELA ULS-CB

163. Os factos provados da pronúncia.

164. O ofendido G... foi atingido na face lateral direita da cabeça e face e ombro direito, tendo dado entrada no serviço de urgência do Hospital Amato Lusitano de Castelo Branco – ULSCB no dia 24. 11. 2012 às 22. 23h onde após triagem foi sujeito a realização de vários exames de diagnóstico e tratamentos e cirurgia de ambulatório (incisão, com extracção de corpo estranho da pele e tecido subcutâneo) no seguimento do que lhe foi dada alta clínica.

165. O ofendido I... foi atingido na face, cabeça, tórax e anca esquerda, o que lhe provocou múltiplos ferimentos, tendo dado entrada no serviço de urgências no dia 24. 11. 2012 às 22. 21h, onde após triagem foi sujeito a realização de vários exames de diagnóstico e tratamentos, tendo ficado internado no serviço de cirurgia geral até 26. 11. 2012, onde foi sujeito a intervenção curúrgica (extracção de chumbos superficial possível), data em que lhe foi dada alta clínica.

166. O ofendido H...foi atingido por estilhaços e fragmentos, em consequência dos disparos que atingiram o pára-brisas do veículo onde se encontrava refugiado, o que lhe provocou traumatismo ocular direito, tendo dado entrada no serviço de urgências no dia 24. 11. 2012 às 23. 14h, onde após triagem foi sujeito a realização de vários exames de diagnóstico e tratamentos, no seguimento do que lhe foi dada alta clínica por transferência externa para os Hospitais da Universidade de Coimbra.

167. O ofendido M... sofreu múltiplos ferimentos na face peri-auricular direita e múltiplos ferimentos com bagos de chumbo na face posterior do tórax/dorso lombar e músculos, tendo dado entrada no serviço de urgências no dia 24. 11. 2012 às 23. 08h, onde após triagem foi sujeito a realização de vários exames de diagnóstico e tratamentos, tendo ficado internado no Serviço de Cirurgia Geral até 29. 11. 2012, onde foi sujeito a intervenção cirúrgica (exerese do corpo estranho – chumbos), data em que lhe foi dada alta clínica.

168. A demandante, na sequência das assistências hospitalares referidas, emitiu as correspondentes facturas da prestação de cuidados de saúde relativas aos diferentes episódios, as quais totalizam o montante de € 1. 983,72 (mil novecentos e oitenta e três euros e setenta e dois cêntimos) e são as nºs 13002945, no valor de € 913,14; 13002946, no valor de € 108,00; 13002958, no valor de € 58,55; 13002960, no valor de € 108,00; e 13002961, no valor de € 796,03, as quais não se encontram pagas.

A6) DO PIC DEDUZIDO PELO DEMANDANTE I...

169. Os factos provados da pronúncia e do PIC da ULSCB.

170. Sofreu e tem sofrido dores nas regiões atingidas, continuando com chumbos alojados sob a pele.

171. Os disparos efectuados pelo arguido criaram no demandante um estado de ansiedade, angústia e depressão, bem como temor pela própria vida, que se repercutem ainda em perturbações a nível do sono, pelo que mantém tratamentos do foro psiquiátrico e psicológico.

 A7) DO PIC DEDUZIDO PELO DEMANDANTE H...

172. Os factos provados da pronúncia e do PIC da ULSCB

173. O demandante continuou e continua a sentir dor na vista, em ambos os olhos.

174. Tem vivido, desde a data dos factos num estado de angústia, stress, ansiedade, com perturbação do sono, mantendo tratamentos do foro psicológico.

A8) DO PIC DEDUZIDO PELO DEMANDANTE G...

175.  Os factos provados da pronúncia e do PIC da ULSCB

176. O demandante continuou e continua a sofrer dores e incómodo sobre a última falange do 2º dedo, continuando com chumbos alojados sob a pele, que igualmente ainda provocam dores e mal estar.

177. Tem vivido, desde a data dos factos num estado de angústia, stress e ansiedade, com perturbações a nível do sono, mantendo tratamentos do foro psiquiátrico e psicológico.

 A9) DO PIC DEDUZIDO PELO DEMANDANTE M...

178. Os factos provados da pronúncia e do PIC da ULSCB.

179. O demandante sofreu e continua a sofrer dores, frequentando um programa de reabilitação e fisioterapia, continuando a manter chumbos alojados sob a pele.

180. Tem vivido, desde a data dos factos, num estado de angústia, stress e ansiedade, com perturbações a nível do sono, mantendo tratamentos do foro psiquiátrico e psicológico.”

******

Diz o recorrente que “as penas parcelares (…) são excessivas e devem ser reduzidas para medidas que se aproximam dos respectivos limites mínimos”, pelo que “a pena única resultante do cúmulo jurídico deverá, consequentemente, ser reformada e substancialmente reduzida”.

Fundamenta tal entendimento de redução dizendo que “não foi considerada como circunstância atenuante para elaboração do juízo de valor relativamente à medida concreta da pena, a imputabilidade diminuída do arguido no momento da prática dos factos, a qual tem que ser aferida em conjugação com o circunstancialismo dos mesmos, bem como a ausência de antecedentes criminais, a idade do arguido, e o seu bom relacionamento e boa consideração na comunidade onde reside” e acrescentando que  “a imputabilidade diminuída no momento da prática dos factos foi dada como provada pelo tribunal a quo.

Diz ainda o recorrente que “quanto aos crimes de detenção de arma proibida e desobediência, o douto tribunal a quo não procedeu à avaliação isolada dos mesmos, bem como à ponderação de as circunstâncias atenuantes”, pois que, “havendo todo o circunstancialismo atenuativo supra referido, deveria ter o douto tribunal a quo optado pela aplicação de uma pena não privativa da liberdade, e não a pena de prisão última ratio no sistema penal português”, violando-se assim “o artigo 71º do Código Penal.

Termina pedindo a revogação da sentença e a sua substituição “por outra que se coadune com a pretensão exposta”.

Não tem razão.

Explicando:

Embora venha provado que

137. O arguido sofre de Personalidade Dissocial, o que já se verificava na data referida em 1 (ou seja, à data dos factos).

138. O distúrbio referido no artigo anterior é caracterizado por um desprezo das obrigações sociais, falta de empatia para com os outros, um desvio considerável entre o comportamento e as normas sociais estabelecidas; o comportamento não é facilmente modificado pelas experiências adversas, inclusive pelas punições; baixa tolerância à frustração e um baixo limiar de descarga da agressividade, inclusive da violência; tendência a culpar os outros ou a fornecer racionalizações plausíveis para explicar um comportamento que leva o sujeito a entrar em conflito com a sociedade.

139. Por força do referido em 138., apesar da manutenção plena da consciência da ilicitude, o arguido manifesta uma incapacidade para controlar o impulso delituoso, surgindo como diminuída a sua capacidade de se determinar de acordo com o entendimento do acto ilícito.

também está provado (para além do mais) que

151. No meio sócio-residencial [o arguido] tem mantido comportamento adequado e bom relacionamento com vizinhos, tendo imagem positiva.

153. O arguido não tem antecedentes criminais.

Ora, perante a factualidade acabada de transcrever, temos que considerar que não estamos perante uma situação de imputabilidade diminuída.

Com efeito, partindo do princípio de que os pressupostos da imputabilidade diminuída são os mesmos que o art.º 20º do Código Penal prevê para a inimputabilidade, há que concluir que, enquanto nesta estamos perante a exclusão da capacidade de compreensão da acção ou da capacidade de determinação de acordo com a normal avaliação da mesma em virtude de perturbação psíquica, naquela, a capacidade de compreensão ou de determinação de acordo com a avaliação normal está sensivelmente diminuída (neste sentido, v.g., acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 3 de Julho de 2014 e de 21 de Junho de 2012).

Temos assim que para estarmos em face de uma imputabilidade diminuída não basta que a capacidade de avaliação ou de determinação estejam reduzidas: é necessário que atinjam um elevado grau de incapacidade, ou seja, que estejam manifestamente, notoriamente, claramente ou apreciavelmente diminuídas.

Se não atingir este grau de incapacidade, deverá a redução na capacidade de avaliação ser tomada em consideração em sede de operações para fixação da pena concreta.

No caso dos autos, não resultou provada — e não foi sequer pericialmente admitida — essa apreciável diminuição, o que não surpreende, uma vez que tendo o arguido 65 anos à data da prática dos factos, ou seja, com um já longo percurso de vida, não tem antecedentes criminais e, “no meio sócio-residencial tem mantido comportamento adequado e bom relacionamento com vizinhos, tendo imagem positiva”.

Ora, se até ao momento teve a capacidade de manter comportamentos socialmente adequados, muito estranho seria que tivesse sido considerado como tendo uma capacidade sensivelmente diminuída para se determinar de acordo com a sua avaliação da ilicitude dos factos.

Terá algum grau de incapacidade mas não atinge o nível de incapacidade que legalmente é exigido para que se considere portador de imputabilidade integrável no art.º 20º do Código Penal.

Assim sendo, e sem necessidade de outros considerandos dada a evidência da situação, diremos que o recorrente não padece de imputabilidade diminuída.

Uma vez que inexiste tal fundamento do recurso, diremos que o tribunal “a quo” andou bem ao considerar a diminuição da capacidade para se determinar com a avaliação da ilicitude dos factos deveria sopesar favoravelmente ao arguido, e em relação a todos os crimes, o facto deste “manifestar uma incapacidade para controlar o impulso delituoso estando diminuída a sua capacidade de se determinar de acordo com o entendimento do acto ilícito”.

Entende o recorrente, ainda que de forma algo atabalhoada e pouco explícita, que o tribunal “a quo” deveria ter aplicado pena não privativa da liberdade pelos crimes de detenção de arma proibida e de desobediência porque as “atenuantes” constantes do acórdão conduziam a tal solução.

Mais uma vez não tem razão.

Começamos por dizer que ao não explicar em que medida tais “atenuantes” fundamentariam uma decisão nesse sentido (como habitualmente acontece, o recorrente limita-se a fazer uma afirmação que não fundamenta e retira daí uma conclusão que lhe é favorável) nunca teria esta Relação que se lhe substituir averiguando que raciocínio fundamenta a sua conclusão.

No entanto, sempre diremos que o tribunal “a quo” fundamenta de forma que não merece qualquer censura a opção pela pena de prisão.

Explicando:

Diz-nos o art.º 70.º do Código Penal que “se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição” e que são, segundo o n.º 1 do art.º 40.º do mesmo diploma “a protecção dos bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade”.

Temos assim que a escolha da pena depende de critérios de prevenção geral e especial (v.g. Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 17 de Janeiro de 1996, CJ, ano XXI, tomo 1, pág. 38) pelo que o julgador, perante um caso concreto, tem que os valorar para depois optar por aplicar uma pena detentiva ou não detentiva.

Como bem explica o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 25 de Janeiro de 2001 (processo n.º 3404/00-5ª) “subjaz à norma constante no art.º 70.º, do CP, toda a filosofia informadora do sistema punitivo vertido no Código Penal vigente, ou seja, a de que embora se aceitando a existência da prisão (ou pena corporal) como pena principal para os casos em que a gravidade dos ilícitos, ou de certas formas de vida, a impõem ou justificam, a recorrência deverá ter lugar quando, face ao circunstancialismo que se perfile, se não apresentem adequadas, suficientes ou convenientes, as sanções não detentivas, às quais não é de recusar elevada capacidade (ou potencialidade) ressocializadora. Tudo isto se insere no desiderato de se evitarem as curtas penas de prisão (ou a eventualidade da efectivação dessas penas) donde que, por regra, a alternativa por pena de multa se autorize nos casos em que aos ilícitos caiba pena prisional não demasiado elevada”.

Elucida ainda a este respeito o Professor Jorge de Figueiredo Dias in “Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime”, §§ 497 e 498 que “o tribunal deve preferir à pena privativa de liberdade uma pena alternativa ou de substituição sempre que, verificados os respectivos pressupostos de aplicação, a pena alternativa ou a de substituição se revelem adequadas e suficientes à realização das finalidades da punição, o que vale logo por dizer que são finalidades exclusivamente preventivas, de prevenção especial e de prevenção geral, não finalidades de compensação da culpa, que justificam (e impõem) a preferência por uma pena alternativa ou por uma pena de substituição e a sua efectiva aplicação. Bem se compreende que assim seja: sendo a função exercida pela culpa, em todo o processo de determinação da pena, a de limite inultrapassável do quantum daquela, ela nada tem a ver com a questão da escolha da espécie de pena. Por outras palavras: a função da culpa exerce-se no momento da determinação quer da medida da pena de prisão (necessária como pressuposto da substituição), quer da medida da pena alternativa ou de substituição; ela é eminentemente estranha, porém, às razões históricas e político-criminais que justificam as penas alternativas e de substituição, não tendo sido em nome de considerações de culpa, ou por força delas, que tais penas se constituíram e existem no ordenamento jurídico.”

Explica ainda aquele Ilustre Professor que “o tribunal só deve negar a aplicação de uma pena alternativa ou de uma pena de substituição quando a execução da prisão se revele, do ponto de vista da prevenção especial de socialização, necessária ou, em todo o caso, provavelmente mais conveniente do que aquelas penas” (§ 500) e que leve surgir aqui unicamente sob a forma do conteúdo mínimo de prevenção de integração indispensável à defesa do ordenamento jurídico, como limite à actuação das exigências de prevenção especial de socialização. Quer dizer: desde que impostas ou aconselhadas à luz de exigências de socialização, a pena alternativa ou a pena de substituição só não serão aplicadas se a execução da pena de prisão se mostrar indispensável para que não sejam postas irremediavelmente em causa a necessária tutela dos bens jurídicos e estabilização contrafáctica das expectativas comunitárias”.

Assim sendo, não temos qualquer dúvida de que em face da conduta criminosa do arguido, globalmente apreciada, apenas a aplicação e subsequente execução de uma pena de prisão satisfaz as exigências de prevenção especial e geral.

Nesta conformidade, também nesta parte o recurso improcede.

*

Também improcede na parte em que pretende a redução das penas (parcelares e única).

Com efeito, sendo a pretensão fundada na verificação da imputabilidade diminuída e não se verificando esta, está esgotado o fundamento recursivo.

No entanto sempre diremos que a fundamentação não merece qualquer censura, pois que os critérios do art.º 71º estão devidamente ponderados nas diversas penas, tal como os critérios do art.º 77º, n.ºs 1 e 2.

*

*

Custas pelo recorrente, fixando-se em 5 UC a taxa de justiça.

*

Coimbra, 3 de Dezembro de 2014

(Luís Ramos - relator)

(Olga Maurício - adjunta)


[1] Neste sentido, v. g. , Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 23 de Maio de 2012 (acessível in www. dgsi. pt, tal como todos os demais arestos citados neste acórdão cuja acessibilidade não esteja localmente indicada).
[2] “(…) quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista. O que importa é que o tribunal decida a questão posta, não lhe incumbindo apreciar todos os fundamentos ou razões em que as partes se apoiam para sustentar a sua pretensão” (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 5 de Maio de 2011.


Face ao exposto, acorda-se em julgar improcedente o recurso.