Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01619/09.0BEBRG
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:10/15/2010
Relator:Francisco António Pedrosa de Areal Rothes
Descritores:AVALIAÇÃO POR MÉTODO INDIRECTO DO ART. 89.º-A DA LGT
ACRÉSCIMOS PATRIMONIAIS
INFORMAÇÃO BANCÁRIA
SUSPENSÃO DO PROCEDIMENTO A AGUARDAR TERMO DO PROCESSO-CRIME
ÓNUS DA PROVA
FUNDAMENTAÇÃO MATERIAL
Sumário:I - Uma coisa é saber se a Administração deu a conhecer os motivos que a determinaram a actuar como actuou, as razões em que fundou a sua actuação, questão que se situa no âmbito da validade formal do acto; outra, bem diversa e situada já no âmbito da validade substancial do acto, é saber se esses motivos correspondem à realidade e se, correspondendo, são suficientes para legitimar a concreta actuação administrativa.
II - Deve ter-se por suficientemente fundamentado o acto tributário em relação ao qual foram dados a conhecer as razões que o suportam de forma clara e congruente, através de externação coeva ao acto, permitindo assim ao seu destinatário optar entre conformar-se com ele ou atacá-lo graciosa ou contenciosamente
III - A AT, no âmbito de um procedimento inspectivo, pode aceder a informação coberta pelo sigilo bancário, quer ao abrigo do 63.º-B da LGT, quer através de comunicação feita pelas autoridades judiciárias que a obtiveram no âmbito do processo criminal (cf. n.º 9 do art. 63.º-B, da LGT).
IV - Não invocando o contribuinte qualquer ilegalidade relativamente ao modo como a informação bancária foi acedida pela autoridade judiciária, não há qualquer óbice à sua utilização no procedimento tributário, onde podem usar-se todos os meios de prova admitidos em direito (cf. art. 72.º da LGT e art. 50.º do CPPT).
V - Não se justifica a suspensão do procedimento tributário de tributação por método indirecto até que esteja findo o processo-crime pois não há qualquer dependência entre os factos que naquele cumpre averiguar (no caso, os pressupostos do art. 87.º, alínea f), da LGT) e o juízo sobre a relevância criminal de comportamento algum.
VI - A não suspensão do procedimento tributário até que esteja findo o processo-crime não viola os direitos do contribuinte de recusa de colaboração com a AT (previsto no art. 63.º, n.º 4, alínea b), da LGT, e no art. 89.º, n.º 2, alínea c), do CPA), à não inculpação (princípio nemo tenetur se ipsum accusare, decorrente dos arts. 26.º, n.º 2, e 32.º, n.ºs 2 e 4, da CRP) e à defesa (decorrente dos arts. 32.º, n.º 1, e 35.º, n.º 5, da CRP).
VII - Não pode extrair-se do disposto no art. 45.º, n.º 5, da LGT, qualquer argumento no sentido da referida suspensão, pois o que o legislador pretendeu com aquele preceito foi estender o prazo de caducidade do direito à liquidação de modo a obviar que os factos ilícitos criminais escapem à tributação pelo simples motivo de só terem sido apurados após o termo do prazo normal da caducidade dos tributos
VIII - Nos termos do disposto no art. 74.º, n.º 3, compete à AT o ónus da prova dos pressupostos que lhe permitem aplicar métodos indirectos na determinação da matéria tributável e, feita essa prova, compete ao contribuinte o ónus da prova do excesso na sua quantificação.*
* Sumário elaborado pelo Relator
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:1.RELATÓRIO
1.1 O Director de Finanças de Braga procedeu à fixação do rendimento tributável de B… (adiante Contribuinte ou Recorrente) dos ano de 2006 e 2007 por métodos indirectos, nos termos da alínea f) do art. 87.º da Lei Geral Tributária (LGT) (() Referimo-nos, aqui como adiante e na ausência de indicação em contrário, à versão da LGT da Lei n.º 55-B/2004, de 30 de Dezembro.) e do n.º 5 do art. 89.º-A da mesma Lei.
1.2 O Contribuinte recorreu dessa decisão, ao abrigo do disposto nos n.ºs 7 e 8 do art. 89.º-A da LGT, conjugado com o art. 146.º-B, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), para o Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, que julgou improcedente esse recurso.
1.3 Inconformado com essa sentença, o Contribuinte dela interpôs recurso para o Supremo Tribunal Administrativo, apresentando conjuntamente com o requerimento de interposição de recurso as respectivas alegações, que resumiu nas seguintes conclusões:
«I. O douto acórdão [(() É manifesto o lapso do Recorrente: a decisão judicial recorrida é uma sentença, não um acórdão. )] recorrido, ao considerar que a decisão proferida pelo Sr. Director de Finanças de Braga, está fundamentada, na parte em que imputou ao recorrente a totalidade dos movimentos ocorridos na conta do ...banco, que por ele era detida em regime de contitularidade, fez uma incorrecta interpretação e aplicação da lei, designadamente o disposto no art. 77º da LGT, 99º, alínea c) do CPPT e art.º 125º do CPA, aplicável ex vi art.º 2º, alínea c) da LGT.
a. A fundamentação é manifestamente insuficiente na medida em que se baseia num alegado "entendimento" da Polícia Judiciária formulado num relatório intercalar, que não integrava o procedimento inspectivo, o que configura um mero juízo conclusivo sem que tivesse sido indicada a factualidade que lhe serviu de base (cf., por todos, Acórdão do STA de 17/03/2005, proferido no recurso n.º 0103/05, disponível em www.dgsi.pt).
b. É, também, contraditória, na medida em que constando do relatório de inspecção que os depósitos a prazo e demais aplicações financeiras estavam associadas às contas de depósito à ordem, se mantinha a presunção de comparticipação em partes iguais dos titulares da conta, não sendo possível formular a conclusão de que tal carteira de aplicações era detida exclusivamente pelo recorrente.
c. Tal presunção assenta, quer nos princípios relativos à solidariedade activa estatuídos nos artigos 513º e 516º do Código Civil, e, em termos tributários no art.º 7º, nº 1 do Código do Imposto do Selo.
II. Há, ainda, erro de julgamento na douta decisão, na medida em que o Mº Juiz [do Tribunal] a quo não se pronunciou, por ter considerado que não tinha sido invocado o erro sobre os pressupostos, sobre a invocada violação do ónus probatório por parte da administração fiscal, ainda no tocante à imputação ao recorrente da totalidade dos movimentos financeiros ocorrida em conta conjunta, o que traduz uma incorrecta aplicação das disposições do art.º 74º da LGT e 350º do Código Civil:
a. Uma vez que arrogando-se a administração tributária o direito de efectuar a tributação nos moldes em que veio a quantificar a matéria colectável, e beneficiando o recorrente de uma presunção legal, lhe competia "provar", e não simplesmente alegar, os pressupostos de facto e de direito inerentes ao caso, designadamente que a carteira de aplicações era detida, exclusivamente, pelo recorrente.
b. Ora, no procedimento inspectivo não foi junto um único documento que sustentasse tal posição.
III. A douta sentença sob recurso faz ainda uma incorrecta interpretação e aplicação da lei, designadamente o disposto no art.º 45º, n.º 5 da LGT e n.º 11 do art. 89º-A da LGT:
a. Porque estando em fase de julgamento o processo-crime no âmbito do qual foram recolhidos os elementos aqui utilizados, iniciado já em Setembro de 2009, e considerando o legítimo direito do recorrente à recusa de colaboração prevista no art.º 63º, nº 4, alínea a) [(() Pensamos que o Recorrente pretenderia referir-se à alínea b) do mesmo preceito legal. Na verdade, a alínea a) refere-se à situação de «acesso à habitação do contribuinte», que, manifestamente, não está em causa; já a alínea b) refere-se a situações de «consulta de elementos abrangidos pelo segredo profissional, bancário ou qualquer outro dever de sigilo legalmente regulado». )] da LGT e, mais expressivamente, do art.º 89º, n.º 2, alínea c) do Código de Procedimento Administrativo, e o direito constitucional à não inculpação decorrente dos artigos 26º, 2 e 32º, n.ºs 2 e 4 da CRP (cf. por todos Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 155/2007, de 2 de Março), bem como o direito constitucional à defesa previsto no art.º 32º, 1 e 32º, 5 da CRP, relativamente ao arguido constituído naquele processo-crime, pai do ora recorrente, a norma do artigo 45º, 5 da LGT, permite determinar a suspensão do procedimento tributário, até que seja proferida decisão transitada em julgado no âmbito do processo-crime em causa;
b. De outra forma violar-se-iam os referidos direitos constitucionais.
c. Por outro lado, e por força do disposto no art.º 89º-A, n.º 11 da LGT, a avaliação indirecta da matéria colectável com base no fundamento previsto na alínea f) do n.º 1 do art.º 87º da mesma Lei Geral, exige a realização de um procedimento tributário que inclua a "investigação" das contas bancárias.
d. No caso em apreço não só não foi desencadeado tal procedimento, o qual por força da tipologia dos procedimentos tributários recolheria a sua fundamentação legal no art.º 63º-B da LGT,
e. Como, mesmo admitindo que tal "procedimento" podia considerar-se iniciado com os elementos recolhidos em processo-crime, nenhuma "investigação" das contas bancárias foi de facto realizada, tendo-se operado com base em meros relatórios e extractos bancários, por si mesmos insuficientes para concretizar a finalidade daquele n.º 11 do art. 89º-A da LGT, o de apurar a verdade material subjacente aos movimentos financeiros
TERMOS EM QUE
e com o douto suprimento de V. Exas., deve ser concedido provimento ao presente recurso jurisdicional e, em consequência, ser revogada a sentença recorrida, que deve ser substituída por outra que determine a anulação da decisão de avaliação indirecta proferida pelo Sr. Director de Finanças de Braga» (() As partes entre aspas e com um tipo de letra diferente, aqui como adiante, são transcrições.).
1.4 O recurso foi admitido a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.
1.5 Não foram apresentadas contra alegações.
1.6 O Supremo Tribunal Administrativo declarou-se incompetente em razão da hierarquia para conhecer do presente recurso, declarando competente para o efeito este Tribunal Central Administrativo Norte, ao qual remeteu o processo a solicitação do Recorrente.
1.7 Recebidos os autos neste Tribunal Central Administrativo Norte, foi dada vista ao Ministério Público e a Procuradora-Geral Adjunta remeteu para o parecer proferido pelo Procurador-Geral Adjunto no Supremo Tribunal Administrativo, o qual foi no sentido de que seja negado provimento ao recurso e mantido o acto recorrido com o fundamento de que este está suficientemente fundamentado.
1.8 Foram dispensados os vistos dos Juízes adjuntos, atento o carácter urgente do processo (cf. art. 36.º, n.º 2, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, aplicável ex vi do art. 2.º alínea c), do CPPT, e art. 146.º-B deste Código).
1.9 As questões que cumpre apreciar e decidir são as de saber se o Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga fez ou não correcto julgamento quando julgou que
a decisão do Director de Finanças, na parte em seleccionou a pessoa a quem imputar o aumento patrimonial revelado pelos valores existentes na conta bancária conjunta e solidária, está devidamente fundamentada e não padece das insuficiência e contraditoriedade que lhe foram imputadas (cf. conclusão I a. e b. das alegações de recurso);
não se verifica a violação do ónus probatório invocada pelo Contribuinte relativamente à questão da imputação do aumento patrimonial revelado por essa conta por ser à AT que competia demonstrar que os movimentos financeiros nela verificados eram imputáveis exclusivamente ao Recorrente e, assim, afastar a presunção de que os fundos aí depositados pertencem em partes iguais aos seus contitulares (cf. conclusões I c. e II das alegações de recurso);
a utilização no procedimento tributário de elementos bancários obtidos no inquérito que deu origem a processo crime que se encontra ainda em fase de julgamento é possível e não viola os direitos do Contribuinte (cf. conclusão III a. e b. das alegações de recurso);
o n.º 11 do art. 89.º da LGT não exige que a investigação das contas bancárias imposta na situação prevista no art. 87.º, f), da LGT, seja efectuada mediante o mecanismo previsto no art. 63.º-B da LGT quando tal derrogação foi já efectuada no âmbito do processo criminal (cf. conclusão III c., d. e e. das alegações de recurso).
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2. FUNDAMENTAÇÃO
2.1 DE FACTO
2.1.1 Na sentença recorrida, o julgamento da matéria de facto foi efectuado nos seguintes termos:
«Matéria de facto provada:
1 - O Recorrente foi objecto de uma acção inspectiva interna de âmbito parcial,
levada a cabo pelos Serviços de Inspecção Tributária da Direcção de Finanças
de Braga, a coberto da Ordem de Serviço nº 01200900123 e, 01200900124, para os anos 2006 e 2007.
2 - A acção inspectiva decorreu entre 18.02.2009 e 01.06.2009.
3 - E foi determinada em consequência do relatório intercalar elaborado pela
Directoria do Porto da Polícia Judiciária, no âmbito do Processo de Inquérito nº
707/06.9JAPRT, relacionado com o sujeito passivo S…, Lda.
4 - O referido relatório foi remetido à DDF - Braga na sequência de despacho proferido pelos Serviços do Ministério Público do Tribunal da Comarca de Gondomar, numa fase em que já havia sido proferida acusação no referido processo.
5 - O recorrente não foi acusado no processo criminal em causa.
6 - O Recorrente é um sujeito passivo, pessoa singular, que, nos anos em análise, apresentou a sua declaração de IRS, na condição de solteiro, sem qualquer dependente.
7 - Não se encontrava inscrito para o exercício de qualquer actividade comercial, industrial ou profissional, declarando rendimentos de trabalho dependente e rendimentos prediais.
8 - Era, à data dos factos tributários, sócio da empresa S…, Lda.
9 - Em 09.02.2009, através do ofício nº 507.1910, foi pela Administração Tributária solicitada aos Serviços do Ministério Público do Tribunal de Gondomar, certidão contendo os elementos que serviram de suporte ao relatório da Polícia Judiciária já referido.
10 - Em resposta foram, para além do mais, remetidas certidões que continham os extractos bancários das contas tituladas pelo Recorrente.
11 - Tendo a Administração Tributária concluído, em sede do procedimento inspectivo, que se verificava uma situação susceptível de aplicação da alínea f) do artigo 87º da LGT, o Recorrente foi notificado em 03.03.2009, para justificar a divergência detectada entre os rendimentos por si declarados relativamente aos anos em causa e o acréscimo patrimonial verificado.
12 - Por requerimento datado de 18.03.2009, o Recorrente solicitou aos Serviços da Administração Tributária nova notificação contendo elementos que considerava pertinentes.
13 - Através do oficio nº 507.4063, datado de 30.03.2009, foi feita nova notificação, concedendo-se novo prazo de 10 dias.
14 - Em 17.07.2009, foi o sujeito passivo notificado, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 60º da LGT e 60º do RCPIT, do projecto de relatório do procedimento inspectivo e, ainda, para, querendo, exercer o seu direito de participação na decisão de tal procedimento.
15 - O recorrente exerceu o referido direito em 27.07.2009.
16 - Em 06.11.2009 foi o recorrente notificado do relatório final de Inspecção Tributária.
17 - Naquele procedimento foi fixada a matéria tributável por avaliação indirecta, nos termos da referida alínea f) do artigo 87.º/1 da LGT.
18 - Naquela mesma data, foi o sujeito passivo notificado de que lhes assistia o direito de apresentar recurso da decisão de avaliação da matéria colectável por métodos indirectos, nos termos do preceituado no artigo 89º-A, nº 7 da LGT.
19 - O acréscimo patrimonial do Recorrente considerado pela Administração Tributária consubstanciou-se em depósitos efectuados na sua conta bancária do ...BANCO nº 3077843410001, muitos dos quais em numerário, de origem desconhecida, que ascenderam, em 2006, ao montante de € 305.237,87, e em 2007, ao montante de € 175.400,00.
20 - A Inspecção Tributária considerou devidamente justificado um depósito ocorrido em 2006 no valor de € 34.697,81.
21 - No ano de 2006 e 2007, o recorrente apenas havia declarado à Administração Tributária rendimentos no montante, respectivamente, de € 15.555,43 e € 7.952,20.
22 - A mãe do recorrente era, à data dos factos, contitular da conta referida em 19.
23 - Os motivos e factos que justificaram o recurso a métodos indirectos constam de fls. 3 a 5 do relatório de Inspecção Tributária, onde se refere, em suma, quanto à questão da contitularidade da conta supra-referida em 19, que essa foi a conclusão a que chegou a PJ, nos autos de inquérito crime acima referenciados, e que o montante do dos depósitos efectuados na conta em questão durante os anos de 2006 e 2007 ser ligeiramente superior ao valor total da carteira de aplicações financeiras detidas pelo recorrente em 31-12-2007, indicando-se ainda o somatório dos referidos depósitos, o valor daquelas aplicações e o rendimento declarado pelo recorrente nos anos de 2005 a 2007.
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Matéria de facto não provada:
Inexiste.
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Fundamentação da matéria de facto provada e não provada:
A matéria de facto dada como provada assenta nos documentos constantes dos autos.
Inexiste outra matéria dada como provada ou não provada, por nada mais que não seja incompatível com os factos dados como provados ter sido alegado com interesse para a decisão da causa».
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2.1.2 Com interesse para a decisão, para além da matéria de facto que foi fixada em 1.ª instância, afigura-se-nos também relevar a seguinte, que ora damos por assente ao abrigo da faculdade que nos é concedida pelo art. 712.º, n.º 1, alínea a), do Código de Processo Civil, aplicável ex vi da alínea e) do art. 2.º do CPPT e do art. 281.º deste mesmo código, com base nos elementos expressamente referidos, entre parêntesis, a seguir a cada uma das alíneas:
24. Do relatório dito em 23., relativamente ao motivo que deu origem à acção inspectiva consta, para além do mais, o seguinte:
«A presente acção inspectiva foi determinada em consequência de relatório remetido pela Polícia Judiciária em que se descreviam situações com implicações a nível fiscal deste sujeito passivo, pelo que se tornava necessário controlar as suas declarações fiscais» e
«A situação que motivou a presente acção inspectiva foi detectada pela Polícia Judiciária em investigação no âmbito do processo de inquérito n.º 707/06.9 JAPRT, que remeteu a estes serviços cópia do relatório intercalar que teve como alvo o sujeito passivo S…, Lda […] O sujeito passivo B… é sócio daquela empresa.
Um dos capítulos desse relatório contém informação sobre os sócios e gerentes daquela sociedade, nomeadamente informação recolhida junto de instituições bancárias relativa a movimentos em contas bancárias pertença daqueles indivíduos, nos anos de 2006 e 2007. O relatório inclui os dados relativos à identificação das contas bancárias, nome dos titulares, e relaciona a totalidade dos movimentos de depósito ocorridos nas mesmas contas de montante superior a € 9.000,00» e ainda
«[…] já no decorrer deste procedimento inspectivo, foi solicitado aos Serviços do Ministério Público do Tribunal de Gondomar, autoridade judiciária que na altura do pedido presidia à fase em que se encontrava o processo de inquérito, o envio de certidão contendo todos os elementos que serviram de suporte às informações contidas no relatório da Polícia Judiciária»
(cf. cópia do relatório da inspecção a fls. 42 a 72 do processo administrativo em apenso, maxime pontos 2.1 e IV);
25. Do relatório referido em 23., relativamente à imputação ao Contribuinte dos acréscimos patrimoniais respeitantes a depósitos efectuados na conta bancária em causa dita em 19., consta, para além do mais, o seguinte:
«Como se verifica a conta bancária é detida em contitularidade. Essa contitularidade ocorre entre o próprio sujeito passivo e T…, sua mãe daquela. Seguindo o preconizado no relatório intercalar da Polícia Judiciária, baseado nas investigações efectuadas à actividade do sujeito passivo e às suas empresas, nomeadamente a S…, Lda. e a S… Imobiliária, S.A., consideramos que, apesar de haver contitularidade, o aumento patrimonial demonstrado pelos valores depositados naquela conta bancária ocorreu, na totalidade, na esfera patrimonial de B….
De facto é esse o entendimento que resulta daquele relatório da Polícia Judiciária que de entre as diversas contas bancárias investigadas, pertença dos sócios e gerente da S…, Lda, apenas considerou a conta 3077843410001 do ...banco na esfera do sujeito passivo B…. Isto apesar de o mesmo ser co-titular de diversas constas investigadas. Essa contitularidade ocorre sempre com sua mãe T….
Além do descrito no relatório intercalar da Polícia Judiciária, existe outro elemento que suporta este entendimento de ter sido o património de B… a beneficiar com os acréscimos ocorridos naquela conta bancária. Se se verificar o valor total dos movimentos de depósito ocorridos naquela conta, nos anos de 2006 e 2007, a quase totalidade dos quais feitos em numerário, conclui-se que o mesmo é de montante ligeiramente superior ao valor total da carteira de aplicações detida por B… em 31 de Dezembro de 2007. Com efeito, o volume de depósitos na sua conta à ordem ascendeu a € 440.940,00, no conjunto daqueles dois anos. A sua carteira de aplicações, entre depósitos a prazo e fundos de investimento, atingia, no final de 2007, o valor total de € 387.939,90. Uma vez que, verificados os seus rendimentos declarados naqueles anos e nos imediatamente anteriores (não mais do que € 57.000 no somatório de 2005, 2006 e 2007), não havia capacidade de, por essa via, obter fundos para constituir uma carteira de aplicações naquele valor, tudo indica haver uma conexão entre aqueles depósitos feitos na conta bancária acima identificada e a existência daquela carteira de aplicações financeiras, constituída no mesmo banco, e em contas de depósito a prazo e fundos de investimento associados àquela conta à ordem. Aliás, tal é facilmente verificável através da análise dos extractos da conta à ordem. De facto encontram-se aí registados alguns movimentos ocorridos nos meses de Novembro e Dezembro de 2006 e 2007, de transferência de verbas da conta à ordem para constituição de depósitos a prazo e subscrição de fundos de investimento em nome do sujeito passivo» e
«Ainda quanto a esta questão, o sujeito passivo invocou no seu direito de audição um elemento novo que permite reforçar aquela fundamentação. De facto, afirma agora o sujeito passivo que pretende justificar o depósito de € 34.697,81, feito em 11-01-2006, resultante da distribuição de lucros da sociedade S…, Lda., do exercício de 2004. Esses lucros foram imputados da seguinte forma, em valores líquidos, e de acordo com a participação de cada um dos sócios no capital da S…, Lda.:
T…: € 104.093,40;
J…: € 34.697,81;
B…: € 34.697,81.
Verifica-se que, de facto, foi aprovada em assembleia geral de sócios relativa ao exercício de 2004, conforme consta da acta da mesma, a distribuição de lucros naqueles montantes e que ocorreu a saída desses mesmos valores da conta bancária da S…, Lda.
E em que contas bancários ocorreram os depósitos daqueles valores?
Conforme consta dos extractos bancários das contas detidas em contitularidade por B… e T… verifica-se o seguinte:
- O valor de € 138.791,21 respeitante à soma dos lucros atribuídos a T… e a J… (este filho era ainda parte do agregado familiar em 2006) foi depositado na conta n.º 2722962010001 do ...banco, propriedade em contitularidade de T… e B…, e uma das consta em contitularidade atribuída integralmente a T… para efeitos de apuramento da sua situação tributária.
- O valor de € 34.697,81, respeitante à verba dos lucros atribuídos a B… foi, na mesma data, depositado na conta n.º 3077843410001 do ...banco, propriedade em contitularidade de B… e T…, mas, única conta em situação de contitularidade atribuída a B… para apuramento da sua situação tributária nos termos já amplamente explicados neste relatório.
Ora, que conclusão se pode tirar destes movimentos financeiros relativos ao depósito de lucros atribuídos?
Na nossa opinião apenas uma: que a conta n.º 2722962010001, apesar de detida em contitularidade por T... e B…, era na realidade controlada e recebia os depósitos destinados unicamente a T… e que a conta n.º 3077843410001, apesar de detida por B… e T…, era, sem dúvida, uma conta de depósitos à ordem em que apenas B… dispunha dos valores nela depositados conforme a sua vontade. Se assim não fosse, qual o motivo para não depositar o valor total dos lucros distribuídos numa só daquelas contas, em que mãe e filho são contitulares, em vez de, como se fez, separar precisamente os valores que a cada um cabiam pelas contas que de facto controlavam?».
(cf. cópia do relatório da inspecção a fls. 42 a 72 do processo administrativo em apenso, maxime pontos 2.1 e VIII).
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2.2 DE FACTO E DE DIREITO
2.2.1 AS QUESTÕES A APRECIAR E DECIDIR
A AT, na sequência da remessa que lhe foi feita de um «relatório intercalar» elaborado pela Polícia Judiciária no âmbito de um processo de inquérito criminal, iniciou uma inspecção no âmbito da qual verificou, com base na informação bancária obtida em sede de inquérito criminal e que lhe foi remetida pelo Ministério Público, que, nos anos de 2006 e 2007, foram efectuados diversos depósitos numa conta bancária em que surgem como contitulares B…, ora Recorrente, e T… (sua mãe), os quais constituem aumento patrimonial exclusivo daquele.
Assim, tendo em conta o montante total desses depósitos, que considerou integrarem o conceito de acréscimos patrimoniais, e confrontando-o com os rendimentos declarados nesses anos pelo Contribuinte (dos montantes de € 33.851,17 e de € 15.555,43, para os anos de 2006 e 2007, respectivamente), mesmo depois de aceitarem a justificação (() Justificação apresentada nos termos do n.º 3 do art. 89.º-A, da LGT, que dispõe: «Verificadas as situações previstas no n.º 1 deste artigo, bem como na alínea f) do n.º 1 do artigo 87.º, cabe ao sujeito passivo a comprovação de que correspondem à realidade os rendimentos declarados e de que é outra a fonte das manifestações de fortuna ou do acréscimo de património ou da despesa efectuada».) apresentada para um daqueles depósitos, os serviços da AT acharam uma divergência de € 254.984,57 e de € 167.447,80 («uma divergência não justificada de, pelo menos, um terço entre os rendimentos declarados e o acréscimo de património ou o consumo evidenciados pelo sujeito passivo no mesmo período de tributação», na previsão legal), pelo que o Director de Finanças de Braga procedeu à correcção dos rendimentos tributáveis declarados, fazendo-lhes acrescer aqueles montantes, considerados como rendimentos da categoria G, tudo nos termos do disposto nos arts. 87.º, alínea f), e 89.º-A, n.º 5, da LGT, e do art. 9.º, n.º 1, alínea d), do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (CIRS). Consequentemente, os rendimentos colectáveis líquidos foram fixados em € 267.205,82 e € 171.688,54, também respectivamente.
O Contribuinte, discordando dessa decisão de avaliação da matéria colectável por método indirecto nos termos do art. 89.º-A da LGT, dela interpôs recurso judicial ao abrigo do disposto nos n.ºs 7 e 8 daquele preceito legal, conjugado com o art. 146.º-B, do CPPT (() Recorde-se que, nos termos do disposto no n.º 7 do referido art. 89.º-A da LGT, «Da decisão de avaliação da matéria colectável pelo método indirecto constante deste artigo cabe recurso para o tribunal tributário, com efeito suspensivo, a tramitar como processo urgente, não sendo aplicável o procedimento constante dos artigos 91º e seguintes». ).
Começou o Contribuinte por invocar o vício de falta de fundamentação, quer por insuficiência, quer por contraditoriedade, da decisão do Director de Finanças de Braga no que se refere à imputação exclusiva ao Contribuinte do aumento patrimonial revelado pelos valores depositados na conta: insuficiência porque a fundamentação expendida naquela decisão não permite conhecer os motivos por que se chegou àquela conclusão; contraditoriedade porque com idênticos pressupostos se chegou a conclusões diferentes.
Depois, invocou a violação do ónus da prova no que se refere à imputação do aumento patrimonial revelado por essa conta, sustentando que era à AT que cumpria demonstrar os factos susceptíveis de ilidir a presunção de que esses rendimentos pertenciam aos contitulares em partes iguais, o que não fez.
Invocou ainda a impossibilidade de utilização em sede do procedimento tributário dos elementos bancários obtidos no âmbito de inquérito no momento em que o foram, ou seja, quando o processo criminal ainda está em fase de julgamento, sob pena de violação dos direitos à defesa e à não inculpação, consagrados nos arts. 2.º, 26.º, n.º 1, e 32.º, n.ºs 2 e 4, da Constituição da República Portuguesa (CRP). Sustentou que o procedimento tributário deveria ter sido suspenso (o que não causaria qualquer prejuízo aos interesses da Fazenda Nacional, atenta a possibilidade concedida pelo n.º 5 do art. 45.º da LGT, de liquidação até um ano após o trânsito em julgado da sentença crime), sob pena de violação dos referidos direitos constitucionalmente consagrados do seu pai, que foi constituído arguido no processo criminal.
Também invocou a impossibilidade de utilização de um “relatório da Polícia Judiciária”, por não constituir nem meio de prova, nem meio de obtenção de prova em processo penal, mas um mero documento instrutório no evoluir do inquérito e, por isso, não dispensar a produção de prova no âmbito do procedimento tributário.
Finalmente, invocou a violação das disposições que regulam o procedimento de avaliação indirecta previsto na alínea f) do art. 87.º da LGT, uma vez que, a seu ver, a exigência do n.º 11 do art. 89.º-A da mesma Lei (() Que foi aditado pela Lei n.º 64-A/2008, de 31 de Dezembro (Lei do Orçamento do Estado para 2009).) – «A avaliação indirecta no caso da alínea f) do n.º 1 do artigo 87.º deve ser feita no âmbito de um procedimento que inclua a investigação das contas bancárias» – só pode ser satisfeita através do mecanismo de derrogação previsto no art. 63.º-B ainda da mesma Lei.
A todas estas questões, suscitadas pelo Contribuinte, o Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga deu resposta negativa.
O Contribuinte recorreu, reiterando os fundamentos invocados na petição inicial e discordando da sentença na medida em que os não atendeu.
Assim, as questões a apreciar e decidir são as que deixámos enumeradas no ponto 1.9, que passaremos a conhecer de seguida.
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2.2.2 DA FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO
O Recorrente sustenta que a sentença fez errado julgamento quando considerou que a decisão do Director de Finanças de Braga cumpre com os requisitos legais da fundamentação, designadamente que essa decisão não enferma das invocadas insuficiência e contradição no que respeita à imputação exclusiva ao Contribuinte do aumento patrimonial revelado pelos valores depositados na conta bancária em que eram contitulares ele e sua mãe.
Reitera a argumentação aduzida na petição inicial, de que a fundamentação é insuficiente pois não permite conhecer os motivos por que se chegou à conclusão de que os valores depositados nessa conta revelam um acréscimo patrimonial exclusivamente do Contribuinte.
É indiscutível que os actos tributários devem ser fundamentados (cf. art. 268.º, n.º 3, da CRP, art. 77.º da LGT e art. 124.º do Código do Procedimento Administrativo (CPA)), sendo um dos requisitos da fundamentação que esta dê a conhecer, ainda que de forma sintética e por remissão, as razões de facto e de direito que a motivaram (cf. art. 77.º, n.ºs 1 e 2, da LGT e 125.º, n.º 1, do CPA).
É hoje também pacífico que a fundamentação tem de obedecer aos requisitos do art. 125.º do CPA, ou seja, «tem de traduzir-se numa declaração formal, externa ou explícita, ou dito de outro modo, revelada por uma manifestação (declaração) exterior consubstanciada em um discurso de autoria, expresso em um texto, «não bastando que resulte implicitamente da actuação administrativa», acessível ou clara, congruente e suficiente, como hoje expressamente aponta o texto constitucional e constava já antes do art. 1.º do DL n.º 256-A/77, de 17 de Junho, embora o conteúdo de uma fundamentação suficiente varie de acordo com as circunstâncias concretas, entre as quais avultam as do tipo de acto, as da participação e qual a sua extensão ou a não participação dos interessados no procedimento anterior conducente à decisão» (() Acórdão da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo de 15 de Dezembro de 1999, proferido no processo com o n.º 24.143, publicado no Apêndice ao Diário da República de 30 de Setembro de 2002 (http://www.dre.pt/pdfgratisac/1999/32243.pdf), págs. 4118 a 4127, sendo a citação aí feita de VIEIRA DE ANDRADE, O Dever da Fundamentação Expressa de Actos Administrativos, pág. 24.).
No que se refere à alteração dos rendimentos declarados para efeitos de IRS, essas exigências constam expressamente do n.º 2 do art. 66.º do respectivo Código (() Disposição legal que, referindo-se, designadamente, à alteração dos rendimentos declarados, diz: «A fundamentação deve ser expressa através de exposição, ainda que sucinta, das razões de facto e de direito da decisão, equivalendo à falta de fundamentação a adopção de fundamentos que, por obscuridade, contradição ou insuficiência, não esclareçam concretamente a sua motivação».).
Essencial é que o discurso contextual, expresso e externado pelo autor do acto dê a conhecer ao seu destinatário, pressuposto este como um destinatário normal ou razoável colocado perante as aludidas circunstâncias, todo o percurso da apreensão e valoração dos pressupostos de facto e de direito que foram a sua motivação orgânica ou, como impressivamente tem vindo desde há muito a referir a jurisprudência, os motivos por que se decidiu num determinado sentido e não em qualquer outro.
Como também têm vindo a salientar a doutrina e a jurisprudência, há uma pluralidade de razões a impor a exigência da fundamentação dos actos administrativos e «que vão desde a necessidade de possibilitar ao administrado a formulação de um juízo consciente sobre a conveniência ou não de impugnar o acto, até à garantia da transparência e da ponderação da actuação da administração e à necessidade de assegurar a possibilidade de controlo hierárquico e jurisdicional do acto» (() DIOGO LEITE DE CAMPOS, BENJAMIM SILVA RODRIGUES e JOSÉ LOPES DE SOUSA, Lei Geral Tributária comentada e anotada, 2.ª edição, anotação 2 ao art. 77.º, pág. 326.), mas, porque a fundamentação cumpre um papel essencialmente instrumental, considera-se suficiente na medida em que se revele perfeitamente cognoscível para um destinatário normal, habilitando-o a reagir contra o acto.
É certo que, como alega o Recorrente, na avaliação há que observar o art. 84.º, n.º 3, da LGT, que estabelece «A fundamentação da avaliação contém obrigatoriamente a indicação dos critérios utilizados e a ponderação dos factores que influenciaram a determinação do seu resultado». No entanto, no caso de decisão de avaliação por método indirecto com base em divergência não justificada superior a um terço entre os acréscimos patrimoniais evidenciados e os rendimentos declarados, essa exigência satisfaz-se, nos termos do art. 77.º, n.º 4, da LGT, com a descrição dos factos que constituam os acréscimos patrimoniais e a remissão para o critério legal estabelecido no n.º 5 do art. 89.º-A, da mesma Lei, a menos que, nos termos do mesmo preceito legal, «existam indícios fundados, de acordo com os critérios previstos no artigo 90.º, que permitam à administração tributária fixar rendimento superior».
Convém também relembrar que, nos termos do disposto no n.º 2 do art. 125.º do CPA, equivale à falta de fundamentação «a adopção de fundamentos que, por obscuridade, contradição ou insuficiência, não esclareçam concretamente a motivação do acto».
Dito isto, cumpre verificar da suficiência da fundamentação externada pela AT para motivar a conclusão de que os valores depositados na conta em causa revelam um acréscimo patrimonial exclusivamente do Contribuinte.
Começa o Recorrente por alegar que a fundamentação aduzida pela AT se baseia num relatório da Polícia Judiciária que não integra o procedimento inspectivo e que terá concluído que, apesar de as contas bancárias serem detidas em contitularidade, entre B… e sua mãe, T…, o aumento patrimonial revelado pelos valores depositados nessa conta ocorreu exclusivamente na esfera patrimonial de B…, conclusão esta que não se encontra suportada por factualidade que a autorize.
Salvo o devido respeito, a AT não remeteu (() Note-se que, embora seja permitida a fundamentação por remissão, a lei exige que a remissão seja expressa (cf. art. 125.º, n.º 1, do CPA), devendo concretizar-se por uma maneira clara e assumida.) para o relatório da Polícia Judiciária, mas antes, o que é realidade bem diversa, disse ir “seguir o preconizado no relatório intercalar da Polícia Judiciária”, onde se considerou que todas as contas detidas em contitularidade por T… e seus filhos ou sua mãe, com excepção daquela de que ora nos ocupamos, em que surge como 1.º titular B… e 2.º titular T…, revelavam aumentos patrimoniais exclusivos desta. Assim, não colhe a argumentação aduzida pelo Recorrente no pressuposto de que a fundamentação do acto recorrido foi feita por remissão para aquele relatório. A AT limitou-se a afirmar que perfilhava o entendimento que a Polícia Judiciária veiculou naquele relatório, sem, no entanto, se apropriar do mesmo na externação dos motivos que a levaram à avaliação por método indirecto.
A decisão do Director de Finanças de Braga apropriou-se, isso sim, do relatório da acção inspectiva, onde encontramos expressamente referidos os motivos que suportam essa conclusão e que podemos resumir do seguinte modo:
os valores aplicados por cada um dos titulares das contas em aplicações financeiras de médio e longo prazo revelam a titularidade dos fundos aí depositados;
a forma como foram distribuídos pelas diversas contas os lucros distribuídos a T…, B… e J… pela sociedade “S…” no ano de 2004, permitem determinar, por paralelismo, quem são os titulares dos fundos depositados em cada uma dessas contas.
Relativamente a este último, o Recorrente alega que se trata de “fundamentação posterior” e, por isso, inadmissível.
É certo que só pode valer como fundamentação a declaração de motivos que a AT externar quando da prática do acto. Para efeitos de apreciação do vício de falta de fundamentação, é de todo irrelevante a externação de motivos que não seja coeva do acto, a denominada fundamentação a posteriori. É que, no domínio do contencioso de mera legalidade, como o é o processo tributário, o tribunal só pode formular o seu juízo sobre a validade do acto à luz da fundamentação contextual integrante do próprio acto, sendo totalmente irrelevantes para esse efeito outros fundamentos que não os que foram oportunamente externados (() Neste sentido,
na doutrina, VIEIRA DE ANDRADE, O Dever de Fundamentação Expressa de Actos Administrativos, Almedina, 2003, págs. 39 a 43,
na jurisprudência, entre muitos, vide o acórdão da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, de 19 de Dezembro de 2007, proferido no processo com o n.º 874/04, publicado no Apêndice ao Diário da República de 15 de Maio de 2008 (http://www.dre.pt/pdfgratisac/2007/32240.pdf), págs. 1818 a 1822, com texto integral também disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/0afc57c5f9094163802573ca0057a626?OpenDocument. ).
No entanto, o último motivo que acima enunciámos não foi aduzido pela primeira vez, como supõe o Recorrente, após a prática dos actos de fixação da matéria tributável por método indirecto; foi-o, isso sim, no relatório da fiscalização que o Director de Finanças de Braga fez seu, mediante remissão expressa, na decisão recorrida. Deve, pois, considerar-se que aquele motivo foi dado a conhecer quando da prática do acto, motivo por que não procede a invocada posterioridade da fundamentação.
É certo que esse motivo não constava do projecto de decisão que a AT remeteu ao Contribuinte a fim de que este pudesse exercer o direito de audiência prévia, mas a verdade é que nada impede que a Administração na decisão final adite novos motivos como suporte das conclusões a que tinha já chegado (e pelo contrário, tal até se lhe impõe quando, como no caso, esse motivo resulte da participação dos interessados no procedimento). Aliás, a Administração não está sequer impedida de sanar nesse momento eventuais deficiências de fundamentação verificadas no projecto de decisão, ainda que arguidas pelo administrado em sede de audiência prévia.
Dito isto, podemos avançar afirmando que, salvo o devido respeito, o relatório da fiscalização de que o Director de Finanças de Braga se apropriou dá a conhecer de forma clara, congruente e suficiente os motivos por que a AT entendeu imputar ao Contribuinte os acréscimos patrimoniais revelados pelos movimentos a crédito registados na conta em questão.
Argumenta o Recorrente, ainda na petição inicial do recurso judicial, que a fundamentação é contraditória e, agora em sede de alegações de recurso jurisdicional, que a sentença também fez errado julgamento relativamente ao vício da fundamentação na parte em que não deu como procedente o vício de falta de fundamentação por contraditoriedade.
Se bem interpretamos as alegações e respectivas conclusões, o Recorrente sustenta que a fundamentação é contraditória porque «constando do relatório de inspecção que os depósitos a prazo e demais aplicações financeiras estavam associadas à conta de depósito à ordem» e face à «presunção de comparticipação em partes iguais dos titulares da conta», não podia a AT concluir que a carteira de aplicações era exclusivamente do Contribuinte.
Salvo o devido respeito, a divergência entre o Recorrente e a AT não se situa ao nível da fundamentação formal, onde aquele pretende colocá-la, mas no âmbito da valoração da prova. A questão assim suscitada é a de saber se foi ou não produzida prova sobre a titularidade dos fundos depositados nas contas que pudesse ilidir a presunção de que os contitulares da conta bancária são titulares em partes iguais desses fundos. Dessa questão ocupar-nos-emos adiante, nos pontos 2.2.3 e 2.2.6, quando nos debruçarmos sobre o ónus da prova.
Essa questão, de saber se os motivos externados são suficientes para legitimar a conclusão da AT, de que as contas bancárias em causa revelam incrementos patrimoniais exclusivos o Contribuinte, não tem a ver com a fundamentação em sentido formal e passa por indagar sobre a distribuição do ónus de prova na situação sub judice.
Ora, como este Tribunal Central Administrativo Norte tem já afirmado diversas vezes, uma coisa é saber se a Administração deu a conhecer os motivos que a determinaram a actuar como actuou, as razões em que fundou a sua actuação, questão que se situa no âmbito da validade formal do acto (() Isto, como bem salienta VIEIRA DE ANDRADE, sem prejuízo de a exigência de fundamentação formal não se bastar com «uma qualquer declaração do agente sobre os fundamentos do acto», nem de ser «a ausência total de menção dos fundamentos a única modalidade de vício de forma por incumprimento desse dever», pois «[o] conteúdo da declaração fundamentadora não pode ser o de um qualquer enunciado, há-de consistir num discurso aparentemente capaz de fundar uma decisão administrativa» (ob. cit., pág. 231).); outra, bem diversa e situada já no âmbito da validade substancial do acto, é saber se esses motivos correspondem à realidade e se, correspondendo, são suficientes para legitimar a concreta actuação administrativa. Distinguindo a dimensão formal e a dimensão substancial do dever de fundamentação, VIEIRA DE ANDRADE diz que a diferença está «em que o dever formal se cumpre pela apresentação de pressupostos possíveis ou de motivos coerentes e credíveis; enquanto a fundamentação material exige a existência de pressupostos reais e de motivos correctos susceptíveis de suportarem uma decisão legítima quanto ao fundo» (() Ob. e loc. cit.).
Dessa questão nos ocuparemos adiante.
Podemos concluir, pois, que a sentença não merece censura na parte em que não julgou o recurso judicial procedente com base na invocada falta de fundamentação.
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2.2.3 ANTES DE APRECIAR A VIOLAÇÃO DO ÓNUS PROBATÓRIO EM SEDE DE PROCEDIMENTO
Como é sabido, na determinação da matéria tributável a AT pode lançar mão da avaliação indirecta, mas apenas nas situações expressamente previstas na lei (cf. art. 81.º, n.º 1, da LGT; relativamente ao IRS, cf. também os arts. 65.º, n.º 1 e 2, e 39.º, n.º 1, do respectivo Código), das quais ora nos interessa considerar a prevista na alínea f) do art. 87.º da LGT, aquela em que se verifica «uma divergência não justificada de, pelo menos, um terço entre os rendimentos declarados e o acréscimo de património ou o consumo evidenciados pelo sujeito passivo no mesmo período de tributação» (() Ver nota 1.).
Para tanto, compete à AT demonstrar a verificação dos pressupostos que a autorizam a recorrer a essa forma de avaliação indirecta. É o que decorre do disposto no art. 74.º da LGT, que determina no seu n.º 1, de acordo com a regra geral do art. 342.º do Código Civil (CC), que «O ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque» e que no seu n.º 3 prescreve que «Em caso de determinação da matéria tributável por métodos indiciários, compete à administração tributária o ónus da prova da verificação dos pressupostos da sua aplicação». Assim, inquestionavelmente, na situação em causa compete-lhe demonstrar os factos em que se traduz o acréscimo de património ou o consumo evidenciados no período em causa, bem como qual a proporção entre os mesmos e os rendimentos declarados, que só relevará se for igual ou superior a um terço.
No caso, a questão suscitada pelo Recorrente gira, não só em torno da dimensão do acréscimo patrimonial imputado pela AT ao Recorrente – enquanto a Administração sustentou que este equivale à totalidade do depósitos, o Recorrente sustenta que não há prova que permita afastar a presunção (que faz assentar nos arts. 513.º e 516.º do CC e no art. 7.º, n.º 1, do Código do Imposto de Selo) de que os fundos aí depositados pertencem em partes iguais aos seus contitulares e imputar-lhe mais de metade (() Se bem que, mesmo que apenas lhe fosse imputada como acréscimo patrimonial metade dos montantes depositados nas referidas contas, sempre haveria de considerar-se verificada a desproporção que a alínea f) do art. 87.º da LGT considera como manifestação de fortuna justificativa da avaliação por método indirecto. ) –, mas, ainda antes, sobre a própria prova dos acréscimos patrimoniais, argumentando o Recorrente com a impossibilidade de utilizar como meio de prova a informação bancária obtida em processo criminal, pelo menos na fase em que este se encontra.
Sendo certo que a LGT consagra o princípio da liberdade da prova no procedimento tributário (cf. art. 72.º (() Diz o art. 72.º da LGT: «O órgão instrutor pode utilizar para o conhecimento dos factos necessários à decisão do procedimento todos os meios de prova admitidos em direito».) e art. 50.º do CPPT (() Diz o art. 50.º do CPPT: «No procedimento, o órgão instrutor utilizará todos os meios de prova legalmente previstos que sejam necessários ao correcto apuramento dos factos, podendo designadamente juntar actas e documentos, tomar declarações de qualquer natureza do contribuinte ou outras pessoas e promover a realização de perícias ou inspecções oculares».)) e sendo manifesto que a informação bancária do Contribuinte constituirá um meio de prova decisivo para a AT formar a sua convicção (() Por isso, a Lei n.º 64-A/2008, de 31 de Dezembro, aditou ao art. 63.º-B um n.º 11, que na actual redacção, dada pela Lei n.º 94/2009, de 1 de Setembro, dispõe que «[a] avaliação indirecta no caso da alínea f) do n.º 1 do artigo 87.º deve ser feita no âmbito de um procedimento que inclua a investigação das contas bancárias».) (nos casos como o sub judice, em que os acréscimos patrimoniais são revelados pelos depósitos efectuados em contas bancárias, diremos mesmo que constitui um meio de prova imprescindível), a verdade é que não pode tolerar-se a utilização desse meio de prova a menos que o mesmo tenha sido obtido legitimamente e possa ser utilizado pela AT. Só se estiverem verificados estes pressupostos, poderemos depois passar a indagar da respectiva força probatória.
O Recorrente sustenta que não pode utilizar-se como meio de prova a informação bancária colhida do Ministério Público em fase de inquérito criminal. Esta questão logra prioridade sobre a da eventual violação do ónus da prova, de que ora nos ocupamos, motivo por que cumpre verificar previamente se a AT pode usar a informação bancária obtida em sede de processo-crime e, na afirmativa, em que condições o pode fazer, o que, face à alegação do Recorrente, passa por saber
se o acesso à informação bancária do contribuinte pode efectuar-se fora do âmbito do procedimento previsto no art. 63.º-B da LGT; na afirmativa,
se a informação bancária obtida em fase de inquérito pode ser utilizada antes do processo estar findo.
São essas questões que cumpre apreciar e decidir em ordem a verificar, primeiro, se a AT pode legitimamente usar a informação bancária e, depois, se desincumbiu do ónus da prova dos pressupostos da tributação por avaliação indirecta que sobre ela recaía.
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2.2.4 DA EXIGÊNCIA QUE O LEVANTAMENTO DO SIGILO BACÁRIO SEJA FEITO MEDIANTE O PROCEDIMENTO PREVISTO NO ART. 63.º-B DA LGT
O acesso à informação bancária por parte da AT far-se-á, por via de regra, através do procedimento previsto no art. 63.º-B da LGT (() O art. 63.º-B da LGT regula o levantamento do sigilo bancário pela AT, que se tornou possível após a lei 30-G/2000, de 29 de Dezembro, e que tem sofrido diversas alterações ao longo do tempo, todas no sentido de facilitar o acesso, entendido como um imprescindível instrumento de combate à fraude e evasão fiscais. ). Aí se regula de modo exaustivo o procedimento a seguir pela AT nos diversos casos em que o legislador lhe admite aceder à informação bancária.
No entanto, nos termos do n.º 9 do mesmo preceito legal, «[o] regime previsto nos números anteriores não prejudica a legislação aplicável aos casos de investigação por infracção penal». O que significa que, no âmbito do procedimento de inspecção tributária, estando verificados os pressupostos legais do acesso administrativo à informação bancária, não se justificará que a AT, num manifesto desperdício de tempo e de meios, promova o procedimento previsto naquele artigo com vista à obtenção dessa informação quando tenha já havido o levantamento do segredo e o acesso à informação bancária em sede de processo penal.
Note-se, igualmente, que o já referido n.º 11 do art.º 63.º-B da LGT (() Que dispõe que «A avaliação indirecta no caso da alínea f) do n.º 1 do artigo 87.º deve ser feita no âmbito de um procedimento que inclua a investigação das contas bancárias».), norma que o Recorrente considera ter sido violado pela AT, impõe apenas a investigação das contas bancárias e já não que a investigação das contas bancárias a efectuar no âmbito do procedimento tributário tenha que ser efectuada nos termos do art. 63.º-B, da LGT, nada obstando a que essa investigação seja feita no âmbito do processo penal.
Ou seja, nada obsta a que a AT utilize a informação bancária apurada no processo penal. Bem pelo contrário, a AT tem o poder e o dever de utilizar as provas produzidas no processo penal que possam assumir relevância para efeitos tributários, designadamente para determinar o rendimento tributável para efeitos de tributação em IRS.
O Recorrente suscita diversos obstáculos a essa utilização. É dessa questão que nos ocuparemos de seguida.
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2.2.5 DA INOPORTUNA UTILIZAÇÃO DOS ELEMENTOS OBTIDOS NO INQUÉRITO CRIMINAL
O Recorrente, alegando que o inquérito criminal de onde foi extraída a informação bancária em causa deu origem a acusação contra o pai do Recorrente e que o processo se encontra ainda em fase de julgamento, sustenta que aquela informação não pode ser utilizada pela AT enquanto não estiver findo o processo penal, sob pena de violação dos seus direitos de recusa de colaboração com a AT (previsto no art. 63.º, n.º 4, alínea b), da LGT, e no art. 89.º, n.º 2, alínea c), do CPA), à não inculpação (princípio nemo tenetur se ipsum accusare, decorrente dos arts. 26.º, n.º 2, e 32.º, n.ºs 2 e 4, da CRP) e à defesa (decorrente dos arts. 32.º, n.º 1, e 35.º, n.º 5, da CRP).
Ou seja, em segunda linha de argumentação, o Recorrente admite a possibilidade de ser utilizada no âmbito do procedimento tributário a informação bancária obtida em sede de processo criminal, mas apenas depois de findo o processo-crime. Sustenta que, enquanto estiver a decorrer este processo, é neste que devem exercer o seu direito de defesa, designadamente, esclarecendo a autoria e proveniência dos movimentos bancários registados na conta bancária em causa.
Sustenta ainda que o procedimento tributário se deverá suspender enquanto o processo-crime estiver pendente, suspensão da qual nunca advirá prejuízo algum para a AT, como resulta do art. 45.º, n.º 5, da LGT, disposição legal que dispõe que «[s]empre que o direito à liquidação respeite a factos relativamente aos quais foi instaurado inquérito criminal, o prazo a que se refere o n.º 1 é alargado até ao arquivamento ou trânsito em julgado da sentença, acrescido de um ano».
Argumenta que, tal como a lei penal impõe a suspensão do inquérito ou do processo-crime enquanto a situação tributária ou contributiva da qual dependa a qualificação criminal dos factos não estiver apurada em sede tributária, a harmonia do sistema jurídico impõe igualmente que, quando «no âmbito do processo-crime se descobriram factos que têm incidência tributária», haja a suspensão do procedimento tributário até ao arquivamento do inquérito ou ao trânsito em julgado da sentença proferida no processo-crime.
Não acompanhamos essa argumentação. Vejamos:
Na verdade, a lei impõe que «[n]o caso de ser intentado procedimento, contestação técnica aduaneira ou processo tributário em que se discuta situação tributária de cuja definição dependa a qualificação criminal dos factos, não será encerrado o inquérito enquanto não for praticado acto definitivo ou proferida decisão final sobre a referida situação tributária, suspendendo-se, entretanto o prazo» do inquérito, sendo que «[n]ão serão concluídas as investigações enquanto não for apurada a situação tributária ou contributiva da qual dependa a qualificação criminal dos factos» (cf. art. 42.º, n.ºs 2 e 4, do Regime Geral das Infracções Tributárias (RGIT), respectivamente).
Por outro lado, a lei também impõe a suspensão do processo penal tributário «[s]e estiver a correr processo de impugnação judicial ou tiver lugar oposição à execução, nos termos do Código de Procedimento e de Processo Tributário, em que se discuta a situação tributária de cuja definição dependa a qualificação criminal dos factos imputados» até ao trânsito em julgado das sentenças proferidas naqueles processos (cf. art. 47.º, n.º 1, do RGIT).
Esta suspensão do processo criminal tem em vista as situações em que a existência de infracção criminal depende da resolução de uma questão de natureza fiscal, reconhecendo-se à AT, na fase administrativa, ou à jurisdição fiscal, em sede contenciosa, a competência exclusiva para decidir essa matéria.
Do regime previsto nos arts. 42.º, 47.º e 48.º do RGIT resulta que existe uma opção legislativa no sentido da preferência da jurisdição fiscal em relação à jurisdição criminal para apreciação de questões de natureza tributária, preferência que é corolário da opção constitucional da atribuição de competência para o seu conhecimento a uma jurisdição especializada (cf. art. 212.º, n.º 3, da CRP (() Diz o art. 212.º, n.º 3, da CRP: «Compete aos tribunais administrativos e fiscais o julgamento das acções e recursos contenciosos que tenham por objecto dirimir os litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais».)) e não à jurisdição comum, em que se inserem os tribunais criminais, cuja competência é genérica ou não discriminada (cf. art. 211.º, n.º 1, da CRP (() Diz o art. 211.º, n.º 1, da CRP: «Os tribunais judiciais são os tribunais comuns em matéria cível e criminal e exercem jurisdição em todas as áreas não atribuídas a outras ordens judiciais».), e art. 18.º, n.º, 1 da Lei n.º 3/99 de 13 de Janeiro (() Nos termos do qual «são da competência dos tribunais judiciais as causas que não sejam atribuídas a outra ordem jurisdicional».) – Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais).
No entanto, como salientam JORGE LOPES DE SOUSA e MANUEL SIMAS SANTOS, «quando estiver em causa a averiguação de factos que relevem para a fixação da matéria tributável, a formulação de um juízo pelo tribunal tributário não depende da decisão que for proferida em processo criminal sobre a mesma matéria» (() Regime Geral das Infracções Tributárias Anotado, Áreas Editora, 2008, anotação 7 ao art. 47.º, pág. 404.), o que significa que nada autoriza a suspensão do processo tributário a aguardar a decisão do processo-crime (() Neste sentido, os seguintes acórdãos da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
de 16 de Fevereiro de 2005, proferido no processo com o n.º 8/05, publicado no Apêndice ao Diário da República de 7 de Dezembro de 2005 (http://www.dre.pt/pdfgratisac/2005/32210.pdf), págs. 352 a 355, com texto integral também disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/f63b2b772eb3746f80256fb600369fc6?OpenDocument;
de 12 de Junho de 2007, proferido no processo com o n.º 115/07, publicado no Apêndice ao Diário da República de 24 de Abril de 2008 (http://www.dre.pt/pdfgratisac/2007/32220.pdf), págs. 1214 a 1218, com texto integral também disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/5e3cea46af1211db80257305003f8617?OpenDocument.).
Podemos transpor estes considerandos para a relação entre o processo-crime o procedimento tributário. Ou seja, a AT não fica obrigada a suspender o procedimento tributário (que, nos termos do art. 54.º da LGT, n.º 1, «compreende toda a sucessão de actos dirigida à declaração de direitos tributários», designadamente, nos termos da alínea h), a «avaliação directa ou indirecta dos rendimentos») até terminar o processo-crime. A AT, caso tenha conhecimento de factos que possam ter relevância fiscal, pode dar início ao procedimento e prosseguir com o mesmo sem prejuízo de tais factos estarem a ser objecto de investigação criminal.
Aliás, no caso sub judice os factos que determinam a actuação da AT são apenas os depósitos bancários efectuados nos anos de 2006 e 2007 numa conta em que o Recorrente é titular e as declarações de rendimentos por ele apresentadas relativamente a esses anos. Ora, apesar de não sabermos qual o âmbito do referido processo-crime, a verdade é que a decisão de fixação da matéria tributável com recurso ao método indirecto não está dependente da qualificação de comportamento algum como integrando ilícito criminal. Tal decisão depende exclusivamente, nos termos já referidos, da averiguação da veracidade dos rendimentos declarados num determinado ano face às manifestações de fortuna evidenciadas, designadamente, face aos acréscimos patrimoniais revelados pelos depósitos bancários efectuados nesse ano.
Ou seja, a tributação por método indirecto não está de modo algum dependente do juízo sobre a relevância criminal de comportamento algum, de um juízo sobre a ilicitude e a culpa de uma conduta, mas apenas do apuramento dos factos que integrem os respectivos pressupostos nos termos do art. 87.º, alínea f), e 89.º-A, n.º 5, da LGT.
Por outro lado, enquanto no processo criminal a prova tem por objecto «todos os factos juridicamente relevantes para a existência ou inexistência do crime, a punibilidade ou não punibilidade do arguido e a determinação da pena ou da medida de segurança aplicáveis» (cf. art. 124.º, n.º 1, do Código de Processo Penal (CPP)), não podendo falar-se de ónus da prova, no procedimento de determinação da matéria tributável a prova tem por objecto a demonstração dos factos constitutivos dos direitos da AT ou do contribuinte e haverá que respeitar as regras próprias da distribuição do ónus da prova: no caso, demonstrando a AT a existência dos pressupostos da alínea f) do art. 87.º da LGT (art. 74.º, n.º 3, da LGT), caberá ao contribuinte o ónus de demonstrar «que correspondem à realidade os rendimentos declarados e de que é outra a fonte das manifestações de fortuna ou o acréscimo de património ou o consumo evidenciados» (art. 89.º, n.º 3, da LGT).
Dessa falta de dependência do procedimento tributário em relação ao processo-crime resulta, designadamente, que nunca se justificaria a suspensão daquele até à decisão deste.
No entanto, o facto de não ser admissível a suspensão do procedimento tributário a aguardar a decisão do processo-crime, não significa, como deixámos já dito, que a AT não possa e até que não deva utilizar os meios de prova existentes no processo-crime.
Será que, como defende o Recorrente, antes do trânsito em julgado da decisão do processo criminal não pode utilizar-se no procedimento tributário a prova produzida no processo-criminal sob pena de violação dos direitos dele de recusa de colaboração com a AT (previsto no art. 63.º, n.º 4, alínea b), da LGT, e no art. 89.º, n.º 2, alínea c), do CPA), à não inculpação (princípio nemo tenetur se ipsum accusare, decorrente dos arts. 26.º, n.º 2, e 32.º, n.ºs 2 e 4, da CRP) e à defesa (decorrente dos arts. 32.º, n.º 1, e 35.º, n.º 5, da CRP)?
Salvo o devido respeito, entendemos que não.
Desde logo, quanto ao direito à recusa da colaboração com a AT, que o Recorrente não concretiza como resulta violado, não vemos que o mesmo possa sair minimamente beliscado pelo facto de não se suspender o procedimento administrativo ou qual a relação entre o termo do processo-crime e o direito à recusa de colaboração e de que modo aquele possa influir sobre este.
Ao Contribuinte não será exigida colaboração alguma no que respeita ao acesso à sua informação bancária, que foi já adquirida no procedimento. Ao Contribuinte compete apenas justificar a divergência superior a um terço entre os montantes depositados que foram considerados acréscimos patrimoniais e os rendimentos que declarou em sede de IRS, ou seja, a demonstração de que os depósitos efectuados o foram com base em fonte não sujeita a declaração para efeitos de IRS. Note-se que essa justificação ou demonstração nem sequer constitui dever algum, mas apenas um ónus (() O ónus jurídico, em sentido estrito, existe sempre que o titular de um poder ou faculdade tem a necessidade prática de adoptar um certo comportamento, caso pretenda assegurar a produção de um efeito jurídico favorável ou não perder um certo efeito útil já produzido (cf. MANUEL DE ANDRADE, Noções Elementares de Processo Civil, 1976, pág. 196).), nos termos do já referido n.º 3 do art. 89.º-A, da LGT.
Seja como for, nem sequer temos notícia de que o Recorrente se tenha oposto a qualquer diligência ou acto de inspecção com fundamento em qualquer das situações previstas no art. 63.º, n.º 4, da LGT, o que por certo teria desencadeado o mecanismo previsto no art. 59.º, n.º 1, do RCPIT (() Diz o n.º 1 do art. 59.º do RCPIT: «Em caso de oposição à realização de qualquer acto de inspecção, com fundamento em qualquer das circunstâncias referidas no n.º 4 do artigo 63.º da Lei Geral Tributária, o funcionário comunicará o facto, no prazo de cinco dias, ao dirigente do serviço, se for caso disso, propondo fundamentadamente a solicitação ao tribunal da comarca competente de ordem para realização do acto». ).
Já quanto ao direito constitucional à não inculpação, também aqui o Recorrente não concretiza como o mesmo resulta violado (() Nem sequer pode vislumbrar-se qualquer concretização por remissão para o acórdão do Tribunal Constitucional que invocam – acórdão n.º 155/2007, de 2 de Março, proferido no processo com o n.º 695/06 –, pois o mesmo refere-se à colheita coactiva de vestígios biológicos de um arguido para determinação do seu perfil genético, quando este último tenha manifestado a sua expressa recusa em colaborar ou permitir tal colheita.) pelo facto de serem utilizados no procedimento tributário elementos de prova (no caso, a informação bancária do Contribuinte) produzido no processo-crime antes do trânsito em julgado da decisão a proferir nesse processo. Na verdade, a esse propósito, limitou-se, conclusivamente, a afirmar que «[a] utilização em procedimento tributário de elementos recolhidos no processo-crime que se encontra em fase de julgamento, sem que se aguarde o trânsito em julgado da respectiva decisão, configuraria, desta forma, violação daquele princípio constitucional na perspectiva do recorrente» (cf. item 58 das alegações de recurso e n.º III. a. e b. das respectivas conclusões).
Salvo o devido respeito, não vislumbramos de onde possa resultar tal violação. Reiteramos que, no âmbito do procedimento, a única exigência que recai sobre o Contribuinte – com a natureza de um ónus jurídico – é a de demonstrar que os depósitos bancários que foram considerados pela AT como acréscimos patrimoniais, na parte em que excedem em mais de um terço os rendimentos declarados pelo Contribuinte para efeitos de IRS, têm origem em rendimentos não sujeitos a declaração (v.g., herança ou doação, utilização do seu capital ou recurso ao crédito). Caso esses rendimentos tenham origem em factos que constituam ilícito criminal (e parece-nos que será a essa eventualidade que o Contribuintes refere a violação do princípio nemo tenetur se ipsum accusare), por que estes não estão isentos de tributação (cf. o art. 10.º da LGT (() Diz o art. 10.º da LGT: «O carácter ilícito da obtenção de rendimentos ou da aquisição, titularidade ou transmissão dos bens não obsta à sua tributação quando esses actos preencham os pressupostos das normas de incidência aplicáveis».) e o art. 1.º do CIRS (() Nos termos do n.º 1 do art. 1.º do CIRS, o imposto «incide sobre o valor anual dos rendimentos das categorias seguintes, mesmo quando provenientes de actos ilícitos» (sublinhado nosso).)), ao Contribuinte nunca assistirá a possibilidade de dar satisfação àquele ónus. Não vislumbramos, pois, onde, no âmbito do procedimento tributário, poderia residir a invocada violação do direito do Contribuinte, ou de quem quer que seja, nomeadamente do seu pai, à não inculpação. Tal violação só poderia existir caso os rendimentos ilícitos não estivessem, como estão, sujeitos a tributação e o Contribuinte tentasse justificar os acréscimos patrimoniais com rendimentos originados em factos ilícitos.
O que, salvo o devido respeito, não faz qualquer sentido é sustentar que o procedimento tributário deve ser suspenso até que esteja decidido o processo-crime. Mesmo dando de barato que nesse processo estejam a ser investigadas condutas que possam de algum modo relacionar-se com os factos que assumem relevância para efeitos tributários – o que está por demonstrar – a verdade é que, como deixámos dito, a fixação do rendimento tributável não teve origem na consideração de quaisquer actos que constituam ilícitos criminais, mas apenas na verificação de que o Contribuinte não justificou a divergência entre os rendimentos declarados e os acréscimos patrimoniais evidenciados.
Finalmente, quanto ao direito de defesa, que o Recorrente também sustenta que resulta violado pela não suspensão do procedimento até ao trânsito em julgado da decisão a proferir no processo-crime, valem, mutatis mutandis, os considerandos já expendidos.
Não vislumbramos, pois, qualquer razão para que o procedimento deva ser suspenso até que o processo-crime conheça decisão com trânsito em julgado.
Nem queira extrair-se qualquer argumento em sentido contrário do disposto no n.º 5 do art. 45.º da LGT (() Este preceito, aditado pelo n.º 1 do art. 57.º da Lei n.º 60-A/2005, de 30 de Dezembro, Lei do Orçamento do Estado para 2006, estabelece: «Sempre que o direito à liquidação respeite a factos relativamente aos quais foi instaurado inquérito criminal, o prazo a que se refere o n.º 1 é alargado até ao arquivamento ou trânsito em julgado da sentença, acrescido de um ano».), como pretende o Recorrente. Trata-se, aí, de uma situação bem diversa, qual seja a de no processo-crime virem a ser apurados factos que determinem o direito à liquidação de imposto, caso em que o termo do prazo de caducidade deste direito é excepcionalmente alargado até um ano após o trânsito em julgado da decisão. Consagra-se nesse preceito a possibilidade de estender o prazo da caducidade do direito à liquidação de modo a que não se permita que os factos ilícitos criminais escapem à tributação pelo simples motivo de só terem sido apurados após o termo do prazo normal da caducidade dos tributos. Tal possibilidade justifica-se pelo “carácter oculto” que em regra assumem esses factos e que, por isso, os torna mais susceptíveis de escapar à actividade de inspecção que recai sobre a AT.
Mas, salvo o devido respeito, não pode encontrar-se neste alargamento do prazo de caducidade qualquer argumento no sentido da suspensão do procedimento tributário até ao termo do processo-crime, pois as condutas que neste estejam em causa não se confundem com os factos que relevam para a fixação da matéria tributável e a decisão final do procedimento (no caso, a decisão pela avaliação indirecta do rendimento tributável) não depende da qualificação desses factos como crime, como deixámos já referido.
Em suma: a nosso ver, não invocando o Recorrente qualquer ilegalidade na obtenção da informação bancária no processo-crime, não vemos como possa opor-se com sucesso à utilização dessa informação como meio de prova em sede de procedimento tributário; de igual modo, não encontramos qualquer razão que possa justificar a suspensão do procedimento tributária a aguardar a decisão do processo-crime.
O que nos leva de novo à questão, que deixámos em aberto no ponto 2.2.3, de saber se devemos considerar que a AT se desincumbiu do ónus da prova dos pressupostos da tributação por avaliação indirecta que sobre ela recaía.
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2.2.6 DA INSUFICIÊNCIA DA PROVA – REGRESSO À QUESTÃO DO ÓNUS PROBATÓRIO EM SEDE DE PROCEDIMENTO
Recordemos o modo como a lei distribuiu o encargo da prova em sede de tributação por método indirecto e que se encontra consagrado no art. 74.º, n.ºs 1 e 3, da LGT (() Diz o art. 74.º da LGT, nos seus n.ºs 1 e 3:
«1. O ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque.
[…]
3. Em caso de determinação da matéria tributável por métodos indirectos, compete à administração tributária o ónus da prova da verificação dos pressupostos da sua aplicação, cabendo ao sujeito passivo o ónus da prova do excesso na respectiva quantificação».): recai sobre a AT o ónus de demonstrar os pressupostos que a autorizam a lançar mão da avaliação por método indirecto, assim afastando a presunção de veracidade de que goza a declaração de rendimentos apresentada, nos termos do art. 75.º, n.º 1, da LGT (() Diz o art. 75.º, n.º 1, da LGT: «Presumem-se verdadeiras e de boa fé as declarações dos contribuintes apresentadas nos termos previstos na lei, bem como os dados e apuramentos inscritos na sua contabilidade ou escrita, quando estas estiverem organizadas de acordo com a legislação comercial e fiscal».
Porém, logo no n.º 2, alínea d), ressalva que «A presunção referida no número anterior não se verifica quando: […] Os rendimentos declarados em sede de IRS se afastarem significativamente para menos, sem razão justificativa, dos padrões de rendimento que razoavelmente possam permitir as manifestações de fortuna evidenciadas pelo sujeito passivo nos termos do artigo 89.º-A».); feita essa prova, compete ao contribuinte demonstrar o excesso na quantificação.
No caso, os pressupostos para que a Administração lance mão do método indirecto são os da alínea f) do art. 87.º da LGT, na redacção que importa considerar, ou seja, a existência de «uma divergência não justificada de, pelo menos, um terço entre os rendimentos declarados e o acréscimo de património ou o consumo evidenciados pelo sujeito passivo no mesmo período de tributação» (() Ver nota 1.).
É inequívoco que a prova produzida no procedimento é suficiente para que se dê como demonstrada a existência de uma divergência superior a um terço entre os rendimentos declarados pelo Contribuinte e os acréscimos patrimoniais revelados pelos depósitos bancários em causa e isso quer se imputem aqueles acréscimos pela totalidade do seu valor ao Contribuinte, como o fez a AT, quer essa imputação seja apenas por metade desse valor, como sustenta o Contribuinte. A AT desincumbiu-se, pois, do ónus que sobre ela recaía, de demonstrar os pressupostos que a autorizam a lançar mão da avaliação por método indirecto.
Note-se que, mesmo que essa imputação fosse feita apenas relativamente metade do valor dos depósitos, sempre se continuariam a verificar os pressupostos para a tributação por método indirecto, pois sempre haveria de considerar-se verificada a desproporção que a alínea f) do art. 87.º da LGT releva para efeitos da avaliação por método indirecto.
Seja como for, não é indiferente para o Contribuinte que a demonstração do excesso da quantificação que sobre ele recai seja a efectuar relativamente a metade do montante dos depósitos feitos na referida conta ou relativamente à totalidade desse valor, sendo mais gravoso o ónus neste último caso.
O que nos leva a concluir que compete ainda à AT demonstrar, como pressuposto da possibilidade de recorrer à avaliação por método indirecto, a medida da desproporção (superior a um terço) entre os rendimentos declarados e os acréscimos patrimoniais evidenciados, o que implica a demonstração do montante destes.
Dito isto, será que a prova produzida no procedimento é bastante para dar como assente, como deu a AT, que os depósitos em causa revelavam incrementos patrimoniais imputáveis exclusivamente ao Recorrente? Ou, pelo contrário, teremos de concluir, com o Recorrente, que tal prova não permite afastar a presunção de que os fundos aí depositados pertencem em partes iguais aos seus dois contitulares e, por isso, que não será possível imputar a qualquer um deles acréscimos patrimoniais de valor que exceda metade dos depósitos?
Note-se que também nós aceitamos que, relativamente à propriedade das quantias depositadas, importa ter presente o prescrito no art. 516.º do CC (() Diz o art. 516.º do CC: «Nas relações entre si, presume-se que os devedores ou credores solidários comparticipam em partes iguais na dívida ou no crédito, sempre que da relação jurídica entre eles existente não resulte que são diferentes as suas partes, ou que um só deles deve suportar o encargo da dívida ou obter o benefício do crédito».), ou seja, que é de presumir que os contitulares da conta sejam proprietários em partes iguais dos montantes aí depositados.
No entanto, a nosso ver, a prova produzida no procedimento, designadamente a que estabelece a conexão entre os depósitos a carteira de aplicações e a relativa à forma como foram repartidos pelas diversas contas os lucros distribuídos aos sócios pela sociedade “S…”, permite concluir com a certeza jurídica necessária (() Certeza relativa (por oposição a certeza lógica ou absoluta) da realidade do facto, ou seja, como salientam ANTUNES VARELA, J. MIGUEL BEZERRA E SAMPAIO E NORA, Manual de Processo Civil, 2.ª edição, págs. 435/436, em considerandos que expendem sobre a prova em processo civil, mas que valem integralmente relativamente à prova em procedimento administrativo-tributário, «A prova visa apenas, de acordo com os critérios de razoabilidade essenciais à aplicação prática do Direito, criar no espírito do julgador [leia-se aqui aplicador] um estado de convicção, assente na certeza relativa do facto».) que os depósitos em causa constituem rendimentos exclusivos do Recorrente.
Mas, se o Recorrente pretendia demonstrar que assim não era, então bem podia ter apresentado prova em sentido diverso logo no procedimento (() Nos termos do disposto no art. 88.º, n.º 2, do CPA, «[o]s interessados podem juntar documentos e requerer a realização de diligências de prova úteis para o esclarecimento dos factos com interesse para a decisão».), onde o princípio do inquisitório a que AT está sujeita nos termos do art. 58.º da LGT (() Diz o art. 58.º da LGT: «A administração tributária deve, no procedimento, realizar todas as diligências necessárias à satisfação do interesse público e à descoberta da verdade material, não estando subordinada à iniciativa do autor do pedido».) apenas lhe permitiria recusar as diligências instrutórias requeridas que se mostrem impertinentes. Ele melhor que ninguém é conhecedor da realidade da situação (quem são os titulares dos depósitos e qual a sua proveniência) e tem acesso aos respectivos documentos comprovativos. Note-se que, apesar de serem admissíveis todos os meios de prova, só circunstâncias muito excepcionais, que teriam de ser alegadas e demonstradas, poderiam permitir que a prova fosse feita por outro meio que não documentos (() O próprio Recorrente parece admiti-lo ao exigir esse meio de prova à AT (cf. conclusão II b.).). Assim não o entenderam, ou não puderam, fazer e, ao invés, resguardaram-se no aparente conforto proporcionado pela mera invocação da presunção de que a Recorrente mulher apenas era titular de metade dos fundos depositados. Se não apresentou oportunamente os documentos que se impunham para que a sua tese sobre os factos vingasse, não pode agora queixar-se senão do seu comportamento (sibi imputet).
Assim, entendemos que bem andou a AT ao imputar exclusivamente ao Recorrente os acréscimos patrimoniais revelados pelos movimentos naquela conta bancária, pelo que a decisão administrativa recorrida, contrariamente ao que é sustentado nas alegações do presente recurso jurisdicional, não merece censura quanto à interpretação e aplicação que fez das regras do ónus probatório.
O recurso também não pode proceder com esse fundamento.
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2.2.7 CONCLUSÕES
Preparando a decisão, formulamos as seguintes conclusões:
I - Uma coisa é saber se a Administração deu a conhecer os motivos que a determinaram a actuar como actuou, as razões em que fundou a sua actuação, questão que se situa no âmbito da validade formal do acto; outra, bem diversa e situada já no âmbito da validade substancial do acto, é saber se esses motivos correspondem à realidade e se, correspondendo, são suficientes para legitimar a concreta actuação administrativa.
II - Deve ter-se por suficientemente fundamentado o acto tributário em relação ao qual foram dados a conhecer as razões que o suportam de forma clara e congruente, através de externação coeva ao acto, permitindo assim ao seu destinatário optar entre conformar-se com ele ou atacá-lo graciosa ou contenciosamente
III - A AT, no âmbito de um procedimento inspectivo, pode aceder a informação coberta pelo sigilo bancário, quer ao abrigo do 63.º-B da LGT, quer através de comunicação feita pelas autoridades judiciárias que a obtiveram no âmbito do processo criminal (cf. n.º 9 do art. 63.º-B, da LGT).
IV - Não invocando o contribuinte qualquer ilegalidade relativamente ao modo como a informação bancária foi acedida pela autoridade judiciária, não há qualquer óbice à sua utilização no procedimento tributário, onde podem usar-se todos os meios de prova admitidos em direito (cf. art. 72.º da LGT e art. 50.º do CPPT).
V - Não se justifica a suspensão do procedimento tributário de tributação por método indirecto até que esteja findo o processo-crime pois não há qualquer dependência entre os factos que naquele cumpre averiguar (no caso, os pressupostos do art. 87.º, alínea f), da LGT) e o juízo sobre a relevância criminal de comportamento algum.
VI - A não suspensão do procedimento tributário até que esteja findo o processo-crime não viola os direitos do contribuinte de recusa de colaboração com a AT (previsto no art. 63.º, n.º 4, alínea b), da LGT, e no art. 89.º, n.º 2, alínea c), do CPA), à não inculpação (princípio nemo tenetur se ipsum accusare, decorrente dos arts. 26.º, n.º 2, e 32.º, n.ºs 2 e 4, da CRP) e à defesa (decorrente dos arts. 32.º, n.º 1, e 35.º, n.º 5, da CRP).
VII - Não pode extrair-se do disposto no art. 45.º, n.º 5, da LGT, qualquer argumento no sentido da referida suspensão, pois o que o legislador pretendeu com aquele preceito foi estender o prazo de caducidade do direito à liquidação de modo a obviar que os factos ilícitos criminais escapem à tributação pelo simples motivo de só terem sido apurados após o termo do prazo normal da caducidade dos tributos
VIII - Nos termos do disposto no art. 74.º, n.º 3, compete à AT o ónus da prova dos pressupostos que lhe permitem aplicar métodos indirectos na determinação da matéria tributável e, feita essa prova, compete ao contribuinte o ónus da prova do excesso na sua quantificação.
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3. DECISÃO
Face ao exposto, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte acordam, em conferência, negar provimento ao recurso.
Custas pelo Recorrente.
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Porto, 15 de Outubro de 2010
Francisco António Pedrosa de Areal Rothes
José Maria da Fonseca Carvalho
Álvaro António Abreu Dantas