Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:02187/17.4BEBRG
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:11/15/2018
Tribunal:TAF de Braga
Relator:Pedro Vergueiro
Descritores:RECURSO DE CONTRA-ORDENAÇÃO. NULIDADE INSUPRÍVEL. RGIT.
Sumário:
I) O requisito da decisão administrativa de aplicação de coima “descrição sumária dos factos” [cfr. art. 79.º, n.º 1, alínea b), primeira parte, do RGIT] tem de ser interpretado em correlação necessária com o tipo legal no qual se prevê e pune a infracção imputada ao arguido, pelos que os factos que importa descrever sumariamente na decisão de aplicação da coima não são senão os factos essenciais que integram o tipo de ilícito em causa.
II) Não é nula por violação do disposto na segunda parte da alínea b) do n.º 1 do art. 79.º do RGIT – que impõe à decisão de aplicação da coima a “indicação das normas violadas e punitivas” - a decisão que, fazendo a indicação daquelas normas, não menciona a moldura abstracta da coima.
III) O requisito da decisão administrativa de aplicação de coima “indicação dos elementos que contribuíram para a […] fixação” da coima [cfr. art. 79.º, n.º 1, alínea c), do RGIT] deve ter-se por cumprido se, embora de forma sintética e padronizada, refere os elementos que contribuíram para a fixação da coima. *
*Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:Autoridade Tributária e Aduaneira
Recorrido 1:TF&F, Lda
Votação:Unanimidade
Decisão:
Conceder provimento ao recurso
Revogar a sentença recorrida
Ordenar a baixa dos autos
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

1. RELATÓRIO
A Excelentíssima Representante da Fazenda Pública, devidamente identificada nos autos, inconformada, veio interpor recurso jurisdicional da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, datada de 20-02-2018, que determinou a anulação das decisões de aplicação de coima objecto do presente Recurso de Contra-ordenação, bem como todos os termos subsequentes dos processos de contra-ordenação com a remessa dos autos ao Serviço de Finanças em causa no sentido de, se nada mais obstar, serem supridas as nulidades conhecidas e declaradas.
Formulou nas respectivas alegações (cfr. fls. 253-257), as seguintes conclusões que se reproduzem:
“(…)
I - O presente recurso tem por objeto a douta sentença proferida no processo supra referenciado, que julgou verificada uma nulidade insuprível do processo de contra-ordenação tributária em crise, por força do disposto no artigo 63.º, n.º 1, alínea d), do Regime Geral das infracções Tributárias [RGIT], determinando a anulação dos termos subsequentes do processo, de acordo com o n.º 3 do mencionado artigo.
II - Douta sentença que, a nosso ver, e salvo o devido e muito respeito que nos merece, padece de erro de julgamento de direito e de facto.
III - A questão que se coloca em sede do presente recurso prende-se, em matéria de direito, com a interpretação do disposto no artigo 63.º, n.º 1, alínea d), do RGIT, conjugado com o artigo 79.º, n.º 1, alínea b), do referido diploma legal, que prevê que a decisão que aplica a coima deve conter a “descrição sumária dos factos e indicação das normas violadas e
punitivas”, e, em matéria de facto, com a ponderação dos concretos factos a que se refere a decisão de aplicação da coima, com referência ao preenchimento do mencionado requisito legal.
IV - A douta sentença recorrida reporta-se, no ponto B. do probatório, apenas ao teor da decisão proferida no processo de contraordenação fiscal n.º 23482017060000060765, onde se lê, “B. Em 09-08-2017, no âmbito do Processo principal de Contra Ordenação a que se
alude A., foi proferida decisão administrativa de fixação de coima, que aplicou à aqui recorrente uma coima no valor de € 81,00 cominada no art. 7.º da Lei n.º 25/06, de 30-06, com seguinte teor, quanto à descrição dos factos:”, contudo, verifica-se que a coima aplicada no referido processo de contraordenação foi de € 9.001,98, e não de € 81,00, como aí se refere.
V - Ademais, nos processos de contraordenação apensados pelo Tribunal “a quo” ao processo designado de processo principal, mencionados no ponto A. do probatório, com os números 23482017060000057110, 23482017060000070817, 23482017060000068936 e 23482017060000070426, foram aplicadas coimas nos montantes de € 7.126,93, € 5.367,65, € 5.200,96 e € 5.089,65, sem que esses factos constem devidamente discriminados na douta sentença, que se limita a dar por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais, o teor das respetivas decisões de fixação de coima [cfr. ponto F. do probatório].
VI - A título de exemplo da descrição sumária dos factos que figura nas decisões de aplicação de coima, tomaremos a que consta da decisão proferida no processo de contraordenação fiscal n.º 23482017060000060765, que consubstancia a primeira infração e que consiste na identificação do imposto/tributo em causa, da data/hora da infração, do local da infração, da entrada e saída [da infra-estrutura rodoviária em causa], da identificação da viatura e do montante da taxa de portagem, nos seguintes termos: “Ao(À) arguido(a) foi levantado Auto de Notícia pelos seguintes factos: 1. Imposto/Tributo: Taxa de portagem; 2. Data/hora da infração: 2012-09-03 08:09:38; 3. Local da infração: A28 – AENL – Auto-Estradas Norte Litoral - Soc. Concessionária AENL, S.A.; 4. Entrada: Neiva N-S Saída: Angeiras N-S; 5. Identificação da viatura: 67-45-ZR / R144LA4x2 NA 71115 / SCANIA / 4; 6. Montante da taxa de portagem: 10,70; […] os quais se dão como provados”.
VII - A referida factualidade preenche o requisito legal previsto no artigo 79.º, n.º 1, alínea b), do RGIT, pois contém uma explicitação clara e suficiente dos factos que se imputam ao arguido, sendo facilmente por este percetíveis, tanto mais quanto o mesmo reconhece nas suas alegações de recurso que pagou em 2013 e 2014 dívidas de taxas de portagem de anos anteriores.
VIII – A jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo sobre esta matéria tem sido no sentido de que “I - A «descrição sumária dos factos» prevista no art. 79.º, n.º 1, alínea b), do RGIT, como requisito da decisão administrativa de aplicação de coima não consiste na «[a] enumeração dos factos provados e não provados, bem como de uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal», referida no art. 374.º, n.º 2, do C.P.P. para as sentenças proferidas em processo criminal. II - O que exige aquela alínea b) do n.º 1 do art. 79.º, interpretada à luz das garantias do direito de defesa, constitucionalmente assegurado (art. 32.º, n.º 10, da CRP) é que a descrição factual que consta da decisão de aplicação de coima seja suficiente para permitir ao arguido aperceber-se dos factos que lhe são imputados e poder, com base nessa percepção, defender-se adequadamente. (…)”. [cfr. acórdão do STA, de 2006-03-29, proferido no processo n.º 143/2006; cfr. ainda o acórdão do STA de 2007-06-27, proferido no processo n.º 0353/07, disponíveis em www.dgsi.pt].
IX - No caso em apreço existe uma descrição sumária dos factos que permite à arguida perceber claramente que não pagou as taxas de portagem devidas pela transposição de um local de deteção de veículos numa infra-estrutura rodoviária que apenas dispunha de um sistema de cobrança eletrónica de portagens, a qual se encontra devidamente identificada na decisão, com a indicação do local e da entrada e saída da referida infra-estrutura, além da matrícula do veículo, assim como o valor da taxa e o período a que respeita, com menção do dia e hora da sua ocorrência.
X - A descrição sumária dos factos é complementada pela indicação da norma infringida - artigo 5.º, n.º 2, da Lei n.º 25/06, de 30/06 – e da norma punitiva – artigo 7.º da Lei n.º 25/06, de 30/06 – e pela menção de que se trata de “Falta de pagamento de taxa de portagem” com referência a cada facto em concreto.
XI - A propriedade dos veículos utilizados na prática da infração ou a sua responsabilidade pelo pagamento das taxas, não foram postas em causa pela arguida, antes se depreende das suas alegações a assunção dessa responsabilidade através do pagamento de vários montantes de taxas de portagem fora do respetivo prazo legal.
XII - Tratando-se a arguida de uma empresa cuja atividade consiste exclusivamente no transporte rodoviário de mercadorias [com início no ano de 1996], com sede no concelho que é atravessado pela infra-estrutura rodoviária designada de A28 – Auto-Estradas Norte Litoral, onde se verificaram as infrações em questão, parece-nos inegável o seu conhecimento quanto às obrigações de pagamento das taxas de portagem devidas pela transposição do local de deteção de veículos, na referida infraestrutura rodoviária que apenas dispunha de sistema de cobrança electrónica de portagens, e que, assim não procedendo, incorria em infração tributária punida por lei.
XIII - Concludentemente, deverá a douta sentença recorrida ser revogada, e substituída por outra decisão que mantenha a condenação da arguida nos termos constantes das decisões de aplicação da coima em causa, com as respetivas consequências legais.
Termos em que, com o sempre mui douto suprimento de Vossas Excelências, deverá o presente recurso ser julgado procedente, e, consequentemente, deverá ser revogada a douta sentença recorrida, mantendo-se a condenação da arguida, como é de inteira JUSTIÇA.
*
Não foram produzidas contra-alegações.
*
Colhidos os vistos dos Exmºs Juízes Desembargadores Adjuntos, vem o processo submetido à Conferência para julgamento.
2. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR
Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sendo que a questão suscitada resume-se, em suma, em indagar da bondade da sentença posta em crise que determinou a anulação das decisões de aplicação de coima bem como todos os termos subsequentes dos processos de contra-ordenação com a remessa dos autos ao Serviço de Finanças em causa no sentido de, se nada mais obstar, serem supridas as nulidades conhecidas e declaradas.
3. FUNDAMENTOS
3.1 DE FACTO
Neste domínio, consta da decisão recorrida o seguinte:
“…
A. Pelo SF de Viana do Castelo foi instaurado Processo de Contra Ordenação n.º 23482017060000060765 e aps. [23482017060000057110, 23482017060000070817, 23482017060000068936, 23482017060000070426], contra a aqui recorrente, imputando-lhe a infracção p. e p. pelos arts. 5.º, n.º 2 e 7.º da Lei n.º 25/06, de 30/06 [falta de pagamento da Taxa de Portagem];
B. Em 09-08-2017, no âmbito do Processo principal de Contra Ordenação a que se alude em A., foi proferida decisão administrativa de fixação de coima, que aplicou à aqui recorrente uma coima no valor de € 81,00 cominada no art. 7.º da Lei n.º 25/06, de 30-06, com seguinte teor, quanto à descrição dos factos:

[imagem que aqui se dá por reproduzida]

C. A decisão administrativa a que se alude em B., tem o seguinte teor quanto às normas infringidas e punitivas:

[imagem que aqui se dá por reproduzida]

D. A decisão administrativa a que se alude em B., tem o seguinte teor quanto à responsabilidade contra-ordenacional:

[imagem que aqui se dá por reproduzida]

E. O segmento decisório da decisão administrativa a que se alude em B., tem o seguinte teor:

[imagem que aqui se dá por reproduzida]

- cf. pág. 55 e ss da PI a fls.282 e ss. da paginação electrónica;
F. Nos processos apensados a que se alude em A. foram proferidas decisões administrativas de fixação de coima que se encontram juntas aos autos e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.

FACTOS NÃO PROVADOS
Não ficam como não provados quaisquer factos que se mostrem relevantes à boa decisão da causa.

MOTIVAÇÃO DA DECISÃO DE FACTO
Alicerçou-se a convicção do Tribunal na consideração dos factos provados no teor dos documentos juntos aos autos: auto de notícia e informação anexa; despacho do Chefe do Serviço de Finanças competente.”
3.2 DE DIREITO
Assente a factualidade apurada cumpre, agora, entrar na análise do recurso jurisdicional “sub judice”, sendo que, como já ficou dito, a questão sucitada pela Recorrente resume-se, em suma, em indagar da bondade da sentença posta em crise que determinou a anulação das decisões de aplicação de coima bem como todos os termos subsequentes dos processos de contra-ordenação com a remessa dos autos ao Serviço de Finanças em causa no sentido de, se nada mais obstar, serem supridas as nulidades conhecidas e declaradas.
Para atender a pretensão da Recorrida, a decisão recorrida ponderou, além do mais, que:
“...
Ora, analisados os factos que ali constam, concluímos que a AT limita-se, de uma forma simplista e redutora, a elencá-los em 6 (seis) pontos, a saber:
» 1. Imposto –
» 2. Data/hora da infracção –
» 3. Local da Infracção –
» 4. Entrada e Saída –
» 5. Identificação da Viatura –
» 6. Montante da Taxa de Portagem –
Repetindo-os as vezes necessárias, de forma a preencher o número de vezes que a alegada infracção ocorreu.
O mesmo sucede com as restantes decisões administrativas aqui impugnadas.
Questionamo-nos, será suficiente? Pode tal descrição dos factos cumprir com os pressupostos legais acima elencados que permitam acusar a arguida da prática da infracção prevista no n.º 2 do art. 5.º da Lei 25/2006, de 30/06 e punida nos termos do art. 7.º do mesmo diploma.
Cremos que não. Vejamos porquê.
Como vimos supra, à arguida é imputada a prática da infracção do n.º 2 do art. 5.º da Lei n.º 25/06, de 30-06, no entanto, não são fornecidos factos que permitam concluir que a actuação da arguida enquadra-se na descrição da norma.
Nos termos supra expostos, a aludida norma exige como elemento constitutivo do tipo, que tal falta de pagamento de taxa de portagem seja resultante “da transposição, numa infra-estrutura rodoviária que apenas disponha de um sistema de cobrança electrónica de portagens, de um local de detecção de veículos”, factualidade que é, porém, omitida em absoluto na decisão condenatória em causa.

Na descrição dos factos, das decisões administrativas aqui impugnadas, nada é dito sobre a propriedade da viatura em causa, nem quem a conduzia na prática da infracção, ou seja, não temos factos suficientes para preencher os elementos objectivos do tipo de ilícito contra-ordenacional. A AT não indica/prova todos os factos que originaram a alegada existência da obrigação de pagamento da taxa de portagem, em especial, como já referido, não consta quem conduzia a viatura, sendo este elemento essencial.
Com efeito, o tipo de ilícito em causa não se basta com uma pura omissão de um dever de agir – dever de pagamento da taxa de portagem – contendo, pois, na sua descrição típica, os elementos adicionais acima enunciados, os quais, ao constituírem um pressuposto da punição, têm de estar suportados em factos descritos na decisão de aplicação da coima, ainda que referidos por forma sumária, o que no caso dos autos não sucede.
Por outro lado, do regime fixado no artigo 10º, supra transcrito, resulta ainda como pressuposto adicional de punibilidade ou condição de punibilidade o facto de o agente não ter regularizado a situação tributária (pagando a taxa de portagem, acrescida dos custos administrativos associados) no prazo de 30 dias, após notificação regularmente efectuada para o efeito.
No fundo, no âmbito da matéria em causa nos autos, o legislador entende que caso o agente regularize o pagamento em falta, no prazo de 30 dias após ter sido regularmente notificado para o efeito, os factos típicos descritos no artigo 5º da citada Lei nº 25/06 não têm dignidade contra-ordenacional, pelo que não há lugar à aplicação de qualquer coima.
Ora, constituindo a referida condição de punibilidade um pressuposto para que a acção antijurídica tenha consequências contra-ordenacionais, a decisão de aplicação da coima não pode deixar de aludir à sua verificação, o que, in casu, também não foi observado.
Ora, no caso sujeito, as decisões recorridas não contêm factos que integrem e sustentem a contra-ordenação imputada à arguida, nem qualquer outra, sendo que a fórmula utilizada “Falta de pagamento de taxa de portagem” não contém, em si mesma, como vimos, todos os elementos constitutivos do tipo contra-ordenacional em causa, sendo, por isso, insuficiente para sustentar a imputação do mesmo à recorrente.
Por outro lado, a mera remissão para aqueles factos por via da invocação da norma “infringida” e da norma “punitiva” não é apta a garantir a verificação do elemento essencial consubstanciado na “descrição sumária dos factos”, seja porque tal não se traduz numa efectiva descrição factual, seja porque, onerando o destinatário da decisão, lhe impõe o acesso aos diplomas legais invocados para, por via indirecta, se aperceber da factualidade que lhe é imputada, o que é, em abstracto, passível de constituir uma limitação à respectiva defesa.
Não está, assim, apurado factualmente que “existe, nos autos, qualquer prova” de que a arguida tenha praticado a infracção por que vem acusada.
Daqui concluímos que as decisões administrativas aqui impugnadas não concretizam os factos constitutivos do ilícito contra-ordenacional subsumível ao disposto nos arts. invocados pela AT já enunciados.
Pelo exposto, não se mostrando satisfeita a exigência prevista na primeira parte da alínea b), do n.º 1, do artigo 79.º do RGIT, ocorre uma nulidade insuprível no processo de contra-ordenação tributária em crise, por força do prescrito na alínea d), do n.º 1, do artigo 63.º do mesmo Regime.
E por serem nulas as decisões recorridas, devem também anular-se os termos subsequentes do processo, nos termos do n.º 3 deste último preceito, devendo os autos baixar ao Serviço de Finanças, aqui em causa, para que, se nada mais a isso obstar, se supram as nulidades aqui conhecidas e ora declaradas. …”.
Nas suas alegações, a Recorrente refere que a factualidade descrita preenche o requisito legal previsto no artigo 79.º, n.º 1, alínea b), do RGIT, pois contém uma explicitação clara e suficiente dos factos que se imputam ao arguido, sendo facilmente por este perceptíveis, tanto mais quanto o mesmo reconhece nas suas alegações de recurso que pagou em 2013 e 2014 dívidas de taxas de portagem de anos anteriores, verificando-se que no caso em apreço existe uma descrição sumária dos factos que permite à arguida perceber claramente que não pagou as taxas de portagem devidas pela transposição de um local de detecção de veículos numa infra-estrutura rodoviária que apenas dispunha de um sistema de cobrança electrónica de portagens, a qual se encontra devidamente identificada na decisão, com a indicação do local e da entrada e saída da referida infra-estrutura, além da matrícula do veículo, assim como o valor da taxa e o período a que respeita, com menção do dia e hora da sua ocorrência, além de que a descrição sumária dos factos é complementada pela indicação da norma infringida - artigo 5.º, n.º 2, da Lei n.º 25/06, de 30/06 – e da norma punitiva – artigo 7.º da Lei n.º 25/06, de 30/06 - e pela menção de que se trata de “Falta de pagamento de taxa de portagem” com referência a cada facto em concreto.
Por outro lado, a propriedade dos veículos utilizados na prática da infracção ou a sua responsabilidade pelo pagamento das taxas, não foram postas em causa pela arguida, antes se depreende das suas alegações a assunção dessa responsabilidade através do pagamento de vários montantes de taxas de portagem fora do respectivo prazo legal e tratando-se a arguida de uma empresa cuja actividade consiste exclusivamente no transporte rodoviário de mercadorias [com início no ano de 1996], com sede no concelho que é atravessado pela infra-estrutura rodoviária designada de A28 - Auto-Estradas Norte Litoral, onde se verificaram as infracções em questão, parece-nos inegável o seu conhecimento quanto às obrigações de pagamento das taxas de portagem devidas pela transposição do local de detecção de veículos, na referida infraestrutura rodoviária que apenas dispunha de sistema de cobrança electrónica de portagens, e que, assim não procedendo, incorria em infracção tributária punida por lei, pelo que, deverá a douta sentença recorrida ser revogada, e substituída por outra decisão que mantenha a condenação da arguida nos termos constantes das decisões de aplicação da coima em causa, com as respectivas consequências legais.
Que dizer?
Como é sabido, tendo presente a descrição do recente Ac. do S.T.A. de 17-10-2018, Proc. nº 01004/17.0BEPRT 0588/18, www.dgsi.pt, a descrição sumária dos factos imposta pela alínea b) do n.º 1 do art. 79.º do RGIT e, bem assim, os demais requisitos da decisão de aplicação da coima enumerados nesse número «devem ser entendidos como visando assegurar ao arguido a possibilidade de exercício efectivo dos seus direitos de defesa, que só poderá existir com um conhecimento perfeito dos factos que lhe são imputados, das normas legais em que se enquadram e condições em que pode impugnar judicialmente aquela decisão» (JORGE LOPES DE SOUSA e MANUEL SIMAS SANTOS, Regime Geral das Infracções Tributárias anotado, Áreas Editora, 2010, 4.ª edição, anotação 1 ao art. 79.º, pág. 517. ), o que significa que essas exigências «deverão considerar-se satisfeitas quando as indicações contidas na decisão sejam suficientes para permitir ao arguido o exercício desses direitos» (Ibidem.), assim assegurando o direito de defesa ao arguido [cfr. art. 32.º, n.º 10, da Constituição da República Portuguesa].
Quanto à descrição sumária dos factos na decisão administrativa, disse GERMANO MARQUES DA SILVA, em intervenção no Centro de Estudos Judiciários: «em resposta à questão de «qual o limite para a descrição sumária dos factos enquanto garantia de defesa» a minha resposta é também sumária: deve descrever o facto nos seus elementos essenciais para que o destinatário possa saber o que lhe é imputado e de que é que tem de se defender sem necessidade de consultar outros elementos em posse da administração» (Cfr. Contra-ordenações Tributárias 2016 [Em linha], Centro de Estudos Judiciários, 2016, pág. 20, disponível em
http://www.cej.mj.pt/cej/recursos/ebooks/Administrativo_fiscal/eb_contraordenacoes_t_2016.pdf.).
Com este pano de fundo, e acompanhando o aresto acima apontado “… bastando-se a lei como uma descrição sumária dos factos, afigura-se-nos que esta exigência se há-de considerar satisfeita quando, como no caso sub judice, o elemento essencial do tipo - a falta de pagamento da taxa de portagem pela circulação de veículo automóvel em infra-estruturas rodoviárias, designadamente auto-estradas e pontes - está descrito na decisão administrativa; e está, não apenas por referência à norma que prevê a contra-ordenação, o que não seria suficiente, mas mediante a descrição detalhada do comportamento: falta de pagamento de taxas de portagem referente ao veículo identificado pela respectiva matrícula e com referência aos trajectos expressamente indicados, com indicação dos locais, datas e horas a que se verificaram as infracções e aos montantes das respectivas taxas.
É certo que a “Falta de pagamento da taxa de portagem” não está referida na parte da decisão administrativa que tem como epígrafe “Descrição Sumária dos Factos”, mas na parte intitulada “Normas Infringidas e Punitivas”, sob a indicação das dessas normas. Mas essa menção, apesar de fora do lugar adequado na decisão administrativa condenatória, constitui uma efectiva descrição da factualidade que integra o tipo contra-ordenacional (Vide o comentário de JORGE LOPES DE SOUSA e MANUEL SIMAS SANTOS, ob. cit, na nota de rodapé com o n.º 153, pág. 425, a propósito de uma situação paralela, objecto do acórdão da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo de 27 de Junho de 2007, proferido no processo n.º 353/07, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/0633394c326a59e6802573150037201b.) e, conjugada com a demais, aduzida no lugar próprio, não deixa à Arguida qualquer dúvida sobre a factualidade que lhe foi imputada. Essa factualidade, conjugada com a indicação das normas que prevêem e punem a infracção, permite à Arguida exercer plenamente o seu direito de defesa relativamente à decisão de aplicação da coima.
Como, lapidarmente, ficou dito no acórdão de 7 de Outubro de 2015 desta Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, proferido no processo n.º 218/15, «O requisito da decisão administrativa de aplicação da coima “descrição sumária dos factos”, constante da primeira parte da alínea b) do n.º 1 do artigo 79.º, do RGIT, há-de interpretar-se em correlação necessária com o tipo legal de infracção no qual se prevê e pune a contra-ordenação imputada à arguida, pois que os factos que importa descrever, embora sumariamente, na decisão de aplicação da coima não são outros senão os factos tipicamente ilícitos declarados puníveis pela norma fiscal punitiva aplicada» (Disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/307ae8d6f83e653780257ed9003d5b80.).
O ilícito em causa é a falta de pagamento da taxa de portagem e os comportamentos imputados à Arguida, descritos com pormenor, preenchem o tipo legal, permitindo à Arguida entender claramente o facto que lhe é imputado.
A norma em apreço - art. 5.º da Lei n.º 25/2006, de 30 de Junho – tutela o pagamento da taxa de portagem, sendo indiferente o modo como o não pagamento se concretizou, que também não releva quanto à coima aplicável ou à respectiva medida (cfr. art. 7.º da mesma Lei). É certo que no referido art. 5.º se descrevem, nos seus n.ºs 1, alíneas a) e b), e 2, os diversos modos como pode concretizar-se essa falta de pagamento, uma vez que esta, em razão da diversidade de modos de pagamento, pode resultar de uma multiplicidade de circunstâncias. Mas essas circunstâncias não constituem elementos essenciais do tipo, pois se destinam apenas a concretizar um e o mesmo ilícito, qual seja a falta de pagamento da portagem. Por isso, não se exige a menção às mesmas na “descrição sumária dos factos” requerida pela primeira parte da alínea b) do n.º 1 do art. 79.º do RGIT.
Acresce que esses elementos não essenciais do tipo foram oportunamente comunicados à Arguida aquando da notificação que lhe foi efectuada ao abrigo do art. 70.º do RGIT (cfr. os documentos para que se remete no facto provado sob o n.º 2).
Em suma, a descrição sumária da factualidade constante da decisão administrativa que aplicou a coima permite à Arguida o exercício cabal do seu direito de defesa, não subsistindo dúvida alguma quanto aos factos que lhe são imputados, motivo por que não concordamos com a sentença quando considera que essa decisão enferma de nulidade por inobservância do requisito constante da primeira parte da alínea b) do n.º 1 do art. 79.º, do RGIT. …”.
Perante a bondade do que fica exposto, resulta manifesto que também não se acompanha a decisão recorrida quando defende que “… a aludida norma exige como elemento constitutivo do tipo, que tal falta de pagamento de taxa de portagem seja resultante “da transposição, numa infra-estrutura rodoviária que apenas disponha de um sistema de cobrança electrónica de portagens, de um local de detecção de veículos”, factualidade que é, porém, omitida em absoluto na decisão condenatória em causa. …”, dado que, como se referiu, a norma em apreço - art. 5.º da Lei n.º 25/2006, de 30 de Junho – tutela o pagamento da taxa de portagem, sendo indiferente o modo como o não pagamento se concretizou, que também não releva quanto à coima aplicável ou à respectiva medida (cfr. art. 7.º da mesma Lei) e se é certo que no referido art. 5.º se descrevem, nos seus n.ºs 1, alíneas a) e b), e 2, os diversos modos como pode concretizar-se essa falta de pagamento, uma vez que esta, em razão da diversidade de modos de pagamento, pode resultar de uma multiplicidade de circunstâncias, essas circunstâncias não constituem elementos essenciais do tipo, pois se destinam apenas a concretizar um e o mesmo ilícito, qual seja a falta de pagamento da portagem, o que significa que não se exige a menção às mesmas na “descrição sumária dos factos” requerida pela primeira parte da alínea b) do n.º 1 do art. 79.º do RGIT.
Por outro lado, quanto à matéria relacionada com o exposto no art. 10º da Lei nº 25/2006, de 30-06, não se aceita a alusão no sentido de que existe “… ainda como pressuposto adicional de punibilidade ou condição de punibilidade o facto de o agente não ter regularizado a situação tributária (pagando a taxa de portagem, acrescida dos custos administrativos associados) no prazo de 30 dias, após notificação regularmente efectuada para o efeito. …”, porquanto, a matéria em causa antecede, isso sim, a elaboração do auto de noticia, o que quer dizer que a realidade em apreço não tem qualquer relevância no momento em que está em causa a apreciação da decisão administrativa que encerra o procedimento que tem como origem o aludido auto de notícia, ou seja, a questão apontada pela decisão recorrida mostra-se desajustada e não pode ser ponderada nos termos apontados na decisão recorrida.
Do mesmo modo, no auto de notícia é feita a identificação do sujeito infractor que depois é sucessivamente referido como responsável pelo pagamento da coima a aplicar, sendo que, nesta matéria, tal como refere a Recorrente, a propriedade dos veículos utilizados na prática da infracção ou a sua responsabilidade pelo pagamento das taxas, não foram postas em causa pela arguida, antes se depreende das suas alegações a assunção dessa responsabilidade através do pagamento de vários montantes de taxas de portagem fora do respectivo prazo legal, o que significa que o recurso será, pois, provido e, em consequência, os autos regressarão ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, a fim de aí prosseguirem, se a tal nada mais obstar.
4. DECISÃO
Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal, de harmonia com os poderes conferidos pelo art. 202.º da Constituição da República Portuguesa, em conceder provimento ao recurso jurisdicional interposto pela Recorrente, revogar a sentença recorrida e ordenar que os autos regressem ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, a fim de aí prosseguirem com o conhecimento do recurso judicial, se a tal nada mais obstar.
Sem custas.
Notifique-se. D.N..
Porto, 15 de Novembro de 2018
Ass. Pedro Vergueiro
Ass. Ana Patrocínio
Ass. Ana Paula Santos