Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00495/20.6BEPRT
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:06/30/2023
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Paulo Ferreira de Magalhães
Descritores:INTEMPESTIVIDADE DA PRÁTICA DE ACTO PROCESSUAL;
FUNDAMENTOS DO RECURSO;
Sumário:1 - Não vindo assacada invalidade que seja determinante da nulidade do acto impugnado, em face da sindicância que lhe foi operada [pelo Autor] mediante a interposição da Petição inicial decorrido que estava o prazo de 3 meses, a que se reporta o artigo 58.º, n.º 1, alínea b) do CPTA, impõe-se o julgamento da intempestividade da prática de acto processual, a que se reporta o artigo 89.º, n.º 4, alínea k) do CPTA, o que é determinante da absolvição do Réu da instância.

2 – Enquanto meio de impugnação de uma decisão judicial, o recurso apenas pode incidir sobre questões que tenham sido anteriormente apreciadas, e por outro lado, da conjugação do artigo 640.º, n.º 1 e do artigo 662.º, n.º 1, ambos do CPC, resulta afastada a possibilidade de o Tribunal de recurso com competência em matéria de facto efectuar um novo julgamento, pois faz recair sobre o recorrente o ónus de, em primeiro lugar, indicar os concretos pontos de facto que pretende ver modificados, e em segundo lugar, indicar os concretos meios probatórios constantes do processo, do registo ou da gravação que imponham decisão diversa sobre esses pontos de facto.*
* Sumário elaborado pelo relator
(art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Comum
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:


I - RELATÓRIO


«AA» [devidamente identificado nos autos], Autor na acção que instaurou contra o Ministério do Trabalho, da Solidariedade e da Segurança Social [também devidamente identificado nos autos], na qual pediu a anulação da deliberação datada de 14 de outubro de 2019, que referiu ter sido tomada no âmbito do recurso hierárquico tutelar e contabilizar os pontos não utilizados, assim como a condenação do Réu no pagamento de todas as remunerações e suplementos a que tem direito, designadamente que seja efectuada a progressão para a 3ª posição da categoria de técnico superior da Tabela de Remuneração Única, com efeitos a 01.01.2018 e seja efectuado o pagamento dos valores referentes à diferença entre o posicionamento remuneratório efetuado pela instituição e aquele a que refere ter efectivo direito com os respetivos juros, inconformado, veio interpor recurso de Apelação, pois que o Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, por sua Sentença datada de 22 de outubro de 2022, veio a julgar procedente a excepção dilatória de intempestividade da prática do acto processual e, em consequência, absolveu o Réu da instância.

*

No âmbito das Alegações por si apresentadas, elencou a final as conclusões que ora se reproduzem:

“[…]
. No Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, Unidade Orgânica 3, foi proferida a sentença por intempestividade da prática de ato processual, em 22.10.2022 no Processo 495/20.6BEPRT;
2ª. Alegou ainda o Tribunal (a quo) na douta sentença que o Autor foi notificado do acto impugnado em 24.10.2019, pelo que contado o período de 3 meses, este terminou em 24.01.2020. Donde, considerando que a ação foi instaurada em 11.02.2020, foi intempestivamente apresentada, procedendo a excepção de intempestividade da prática do acto processual, nos termos do art. 89.º, n.º 4, al. k) do CPTA, o que gera a absolvição da instância da Entidade Demandada e a questão relativa à intempestividade da prática do acto processual obviamente que se afere em função da data em que foi instaurada a presente acção (e não a do proc. n.° 2200/19.0BELSB), não se vislumbrando norma processual aplicável, – jamais invocada – que faça estender os efeitos civis ou processuais resultantes da instauração do proc. n.° 2200/19.0BELSB ao presente processo. Em resumo, nos presentes autos, a data da instauração do processo n.º 2200/19.0BELSB é indiferente para a questão decidenda: intempestividade da prática do acto processual nos presentes autos.
3ª. Com elevado respeito pela opinião divergente, não pode o recorrente concordar com a douta sentença.
4ª. Previamente à presente ação, o aqui requerente apresentou em 18.11.2019, no Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, petição inicial que deu origem ao processo n.º 2200/19.0BELSB.
5ª. Por sentença proferida pelo TAC de Lisboa, em 19.11.2019, esse Tribunal declarou-se incompetente, em razão do território, para conhecer da referida acção.
. Em 11.12.2019 o processo n.º 2200/19.0BELSB, foi remetido ao TAF do Porto.
7ª. Em 27.01.2020, veio o TAF do Porto, proferir sentença ao processo n.º 2200/19.0BELSB determinando o desentranhamento da petição inicial.
8ª. Em 27.01.2020, efetuou o recorrente novo requerimento dirigido ao processo n.º 2200/19.0BELSB.
9ª. Em 03.02.2020, veio o TAF do Porto, pronunciar-se alegando “Termos em que se indefere o requerido.
Notifique.”
10ª. Se deu o recorrente, entrada inicial da sua PI no Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa em 18.11.2019 que deu origem ao processo n.º 2200/19.0BELSB, criando uma expectativa, pois aqui havia uma esperança (com forte carga subjectiva) de um direito, por ter havido um percurso que a ele conduziria com forte probabilidade. Mas só em 03.02.2020 veio a ser aquele processo arquivado, não fazia qualquer sentido o recorrente dar entrada de uma nova ação até 24.01.2020, sem ação anterior estar terminada.
11ª. Pelo que, por um lado existiu um justo impedimento de iniciar atempadamente um nova PI, bem como por outro lado, existiu uma perda de chance por não ter apresentado a PI nos três meses.
12ª. A figura do justo impedimento, extravasou o campo do direito processual para afirmar a sua plena aplicação no domínio do direito substantivo, no sentido de fundamentar que não deve perder certo direito ou vantagem quem foi colocado na impossibilidade absoluta de cumprir determinado ato ou obrigação, "em virtude da ocorrência de um facto independente da sua vontade e que um cuidado e diligências normais não fariam prever".
13ª. Como esclarece o Conselheiro Jorge Lopes de Sousa [Código de Procedimento e de Processo Tributário Anotado e Comentado, 6a edição, volume I, anotação 7 a) ao artigo 20.° págs. 273 a 276], "esta regra do justo impedimento que, como transparece da sua própria designação, é reclamada por exigências evidentes de justiça, deve ser considerada de aplicação generalizada, não só por imperativo constitucional decorrente do princípio da justiça que decorre da ideia de Estado de Direito democrático consignada no art.º 2.° da CRP, mas também do próprio princípio do acesso aos tribunais e à justiça (arts. 20° n° 1 e 268° n° 4 da CRP) que não pode deixar de exigir para a sua concretização a concessão de uma possibilidade efetiva e não apenas teórica de utilização dos meios contenciosos de defesa de direitos e interesses legalmente protegidos. Aliás deve entender-se que vigora no nosso direito uma regra básica de que não deve perder direitos pelo decurso do tempo quem esteve impossibilitado de exercê-los, regra essa que tem vários afloramentos, um dos quais é a regra do justo impedimento". É que — defende Ribeiro Mendes [Anotação ao Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 25.11.1998, que pela primeira vez admitiu a aplicação do justo impedimento no âmbito processual administrativo, Cadernos de Justiça Administrativa n.° 15, pág. 15 e segs.] — "tem de haver válvulas de escape para os casos verdadeiramente excecionais em que a rigidez do Direito conduziria a uma terrível injustiça''».
14ª. Quanto, à doutrina da perda de chance propugna, em tese, a compensação quando fique demonstrado, não que a perda de uma determinada vantagem é consequência segura do facto do agente (o nexo causal entre o facto ilícito e o dano final), mas, simplesmente, que foram reais e consideráveis as probabilidades de obtenção de uma vantagem ou de obviar um prejuízo.
15ª. A figura da perda de chance não está conceptualizada na lei e conecta-se com o facto de alguém ser lesado no direito de obter uma vantagem futura, ou de não ser lesado, por facto de terceiro, aqui no presente caso a intempestividade da prática de ato processual.
16ª. Após o indeferimento final em 03.02.2020, fez com que o requerente entrasse em contato telefónico com a secretaria daquele tribunal, explicando o recorrente, que tinha pago o DUC voluntariamente mesmo após indeferimento e não tinha sido devolvido o DUC pelo TAF do Porto, o que teria que fazer. (sublinhado nosso)
17ª. Nesse seguimento, foi informado o recorrente por aquela secretaria que poderia aproveitar o DUC, dando entrada de nova PI.
18ª. Porquanto, o autor após ter sido informado daquela forma é que o levou erradamente a que o aqui recorrente dê-se entrada de novo pedido em 11.02.2020, quando deveria ter efetuado recurso ao processo inicial n.º 2200/19.0BELSB.
19ª. Ou seja, foi induzido em erro pelos serviços da secretaria daquele tribunal, levando a que dessa entrada de uma nova PI.
20ª. O que está em causa é «a conduta da autoridade administrativa – consubstanciada na prática de actos jurídicos ou materiais – que tenha gerado a falsa expectativa da desnecessidade ou inconveniência da impugnação do acto e, assim, induzindo o interessado a prescindir da apresentação em tempo oportuno da petição. Deste modo a norma tutela os princípios da proteção da confiança e da boa fé e dá concretização prática, no plano processual administrativo, ao disposto nos arts. 6º e 6.º-A do CPA».
21ª. Nos termos dos art.º 14º n.º 3 do CPTA, a acção considera-se proposta com a recepção da petição inicial na secretaria do tribunal ao qual é dirigida ou com a remessa da mesma, nos termos da lei processual civil, in casu 18.11.2019
22ª. O prazo de impugnação de acto anulável pode estender-se para além do prazo regra de três meses previsto no art.º 58º, nº 2, b), do CPTA, se acaso a conduta da Administração tiver induzido o interessado em erro (art.º 58º, nº 4, a), do CPTA), que foi aqui o caso, dado que o recorrente foi induzido em erro pela secretaria daquele tribunal. Vide acórdãos do TCAN
http://www.dgsi.pt/jtcn.nsf/-/6C424839C0976F9280257F0E005BF256
http://www.dgsi.pt/jtcn.nsf/-/6C424839C0976F9280257F0E005BF256
http://www.dgsi.pt/jtcn.nsf/-/9D97AF3AEA072AD1802582360066C284
http://www.dgsi.pt/jtcn.nsf/89d1c0288c2dd49c802575c8003279c7/e428a25eb242a888802586b50050d1d7?OpenDocument
23ª. Quanto ao valor da alçada, o Tribunal a quo, considerou que o mesmo respeita bens insusceptíveis de quantificação em rigor, ou seja, um bem imaterial, procedeu a uma errada interpretação e aplicação do disposto no nº 1 e 2 do artigo 34º do CPC, isto é, o valor da causa, por indeterminável, fixa-se no montante imediatamente superior ao da alçada dos tribunais centrais administrativos.
24ª. Contudo, o valor dado à ação ( 6.180,00€ ) à data ( 11/02/2020 ) e que resulta, do pedido do recorrente é suscetível de qualificar actualmente, sendo determinável até porque a fixação da remuneração base dos trabalhadores com vínculo de emprego público é utilizada a tabela remuneratória única (TRU), aprovada nos termos da lei, a qual contém a totalidade dos níveis remuneratórios aplicáveis e encontra-se devidamente publicitada na LTFP, artigos 144.º a 155.º, conjugada com Portaria n.º 1553-C/2008, de 31 de dezembro (TRU) e Portaria n.º 1553-D/2008, de 31 de dezembro, sendo que o valor atualmente em causa, encontra-se em 13.740,44€
TERMOS EM QUE PELOS FUNDAMENTOS ALEGADOS E PELOS QUE V. EXAS. DOUTAMENTE SUPRIRÃO, REQUER A V.ª EXAS. DECISÃO PELA REVOGAÇÃO DA DOUTA SENTENÇA DA PRIMEIRA INSTÂNCIA, FAZENDO A HABITUAL E SÃ,
JUSTIÇA.
[…]”

**

O Recorrido apresentou Contra Alegações, das quais para aqui se extraem as respectivas conclusões, como segue:
“[…]
Assim, cabe formular as seguintes conclusões:
1.ª – Seja negado provimento ao Recurso de Apelação, interposto por «AA», por não se ter conformado com a douta sentença proferida no âmbito do Processo n.º 495/20.6BEPRT – 1.ª Espécie – Ação Administrativa, pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, que deu como procedente a exceção dilatória de intempestividade da prática do ato processual e, em consequência, absolveu a Entidade Demandada da instância, ora Recorrida,
2.ª – Pelos fundamentos atrás expostos, impugna-se toda a matéria de facto e de direito carreada para o Recurso de Apelação pelo, ora Recorrente, concordando-se com o teor da sentença, ora recorrida, devendo manter-se a mesma,
Nestes termos, Nos melhores de Direito aplicáveis, Mantendo a Douta Sentença Recorrida Farão Vossas Excelências Costumada JUSTIÇA.

*

No requerimento de interposição do recurso jurisdicional, o Recorrente, em sede do efeito do recurso, requereu que o mesmo fosse admitido com efeito meramente devolutivo.

O Tribunal a quo proferiu despacho de admissão do recurso interposto, em 09 de janeiro de 2023, com efeito suspensivo, nos termos do disposto nos artigos 141.º, n.º 1, 142.º, n.º 1, 143.º e 144.º, do CPTA e artigos 629.º, n.º 1, 644.º, n.º 1, alínea a), 645.º, n.º 1, alínea a) do CPC, de cuja decisão foi o Recorrente notificado em 13 de janeiro de 2023 [e quanto ao que nada alegou e ou requereu], a qual transitou em julgado.

De resto, o efeito a atribuir ao recurso interposto pelo Recorrente, sempre e apenas podia ser aquele que o Tribunal a quo veio a fixar, ao abrigo do disposto no artigo 143.º, n.º 1 do CPTA.

Mantém-se assim o efeito do recurso fixado pelo Tribunal a quo.

**

O Ministério Público junto deste Tribunal Superior emitiu parecer sobre o mérito do presente recurso jurisdicional, no sentido da sua improcedência.

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Com dispensa dos vistos legais [mas com envio prévio do projecto de Acórdão], cumpre apreciar e decidir.

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II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pelo Recorrente, cujo objecto do recurso está delimitado pelas conclusões das respectivas Alegações - Cfr. artigos 144.º, n.º 1 do CPTA, e artigos 639.º e 635.º n.ºs 4 e 5, ambos do Código de Processo Civil (CPC), ex vi artigos 1.º e 140.º, n.º 3 do CPTA [sem prejuízo das questões que o Tribunal ad quem deva conhecer oficiosamente], sendo que, de todo o modo, em caso de procedência da pretensão recursiva, o Tribunal ad quem não se limita a cassar a decisão judicial recorrida pois que, ainda que venha a declarar a sua nulidade, sempre tem de decidir [Cfr. artigo 149.º, n.º 1 do CPTA] “… o objecto da causa, conhecendo do facto e do direito.”, reunidos que estejam os necessários pressupostos e condições legalmente exigidas.

Assim, a questão suscitada pelo Recorrente e patenteada nas conclusões apresentadas consiste, em suma e a final, em apreciar e decidir, sobre se errou o Tribunal a quo ao ter julgado pela ocorrência da excepção dilatória da intempestividade da prática do acto processual.




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III - FUNDAMENTOS
IIIi - DE FACTO

No âmbito da factualidade considerada pela Sentença recorrida, dela consta o que por facilidade para aqui extraímos ao diante, como segue:

“[…]
III.1.1. Factos provados.
Com interesse para a apreciação da causa, fixa-se a seguinte matéria de facto, que se julga assente, por provada:

A. Em 29.05.2019, o aqui Autor apresentou um requerimento dirigido à Sra. Inspetora-Geral da ACT, solicitando que lhe sejam considerados os pontos obtidos, em sede de avaliação de desempenho, desde 2007 a 2016 e consequente reposicionamento remuneratório, de acordo com o artigo 18.° da LOE 2018 – cfr. fls. 21 a 25 do PA -, no qual peticionou, a final, o seguinte que ora se transcreve na parte que releva:
“(…) requer-se a V. Exa. que:
1) Seja aplicado o reposicionamento remuneratório previsto no artigo 18.º da LOE/2018 (com efeitos a 01 de Janeiro de 2018) acrescido dos respectivos juros”.

B. Nessa sequência, em 18.06.2019, pelos serviços da Autoridade para as Condições do Trabalho, foi elaborada a informação n.º ...19, na qual se concluiu da seguinte forma:
“3. Conclusão/Proposta
Assim, face ao exposto e tendo em atenção as diretrizes emanadas pela DGAEP em matéria de valorizações remuneratórias, nomeadamente na sua FAQ (Frequently Asked Questione) relacionada com o posicionamento remuneratório " 1. Que avaliações de desempenho relevam para efeitos de alteração do posicionamento remuneratório? - Relevam as avaliações do desempenho obtidas durante o mesmo posicionamento remuneratório, como resulta dos nos 2 e 7 do artigo 156.0 da LTFP, e já resultava também dos n. os 1 e 5 do artigo 47.° da LVCR. Assim, se um trabalhador muda de posição remuneratória (quer em resultado de alteração de posicionamento remuneratório propriamente dita, quer por qualquer outra razão - por exemplo, por concurso ou por mudança de carreira), inicia-se um novo período de aferição das avaliações relevantes para efeitos de futura alteração do posicionamento remuneratório.", consubstanciada na resposta dada pelo Gabinete do Ministro das Finanças (Anexo 2) à uma pergunta apresentada pelo Grupo Parlamentar do Partido Comunista (Anexo 3), bem como o disposto nos artigos 18.° e 16 da LOE 2018 e 2019, respetivamente, salvo melhor opinião, face a alteração remuneratória ocorrida com a situação de mobilidade intercarreiras ocorrida e posterior consolidação, apenas poderão contar, para efeitos de uma eventual valorização remuneratório, os pontos obtidos na avaliação de desempenho do biénio 2017/2018” – cfr. fls. 26 a 29 do PA.

C. Sob a informação referida no ponto anterior, por despacho exarado em 28.08.2019, pelo Sr, Subinspetor-Geral da Autoridade para as Condições do Trabalho, foi indeferida a pretensão do aqui Autor, constando de tal despacho o seguinte:
“Face ao exposto indefiro a pretensão do requerente no uso de competências delegadas pelo Despacho n.º 10652/2018, publicado no Diário da República, 2.ª série, n.º 221, de 16 de novembro de 2018” – cfr. fls. 26 a 29 do PA.

D. Inconformado com tal despacho, o Autor dirigiu ao Ministro do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social requerimento denominado de “recurso hierárquico facultativo”, com o teor constante de fls. 30 a 36 do PA, que se dão por integralmente reproduzidas, mediante o qual requereu o seguinte:
1) “seja efetuada a progressão para a 3ª posição da categoria de técnico superior com efeitos a 01.01.2018
2) o pagamento dos valores referentes à diferença entre o posicionamento remuneratório efetuado pela instituição e aquele a que tem efetivamente direito com os respetivos juros”.

E. Por despacho datado de 14.10.2019, do Sr. Secretário de Estado do Emprego, e notificado ao aqui Autor em 24.10.2019, foi confirmado o acto recorrido, não dando provimento ao recurso hierárquico – facto não controvertido; fls. 37 a 49 do PA.

F. A petição inicial que motiva os presentes autos foi deduzida em juízo em 11.02.2020 – cfr. fls. 1 e ss do sitaf.

G. Previamente à presente acção, o aqui Autor apresentou, no Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, petição inicial que deu origem ao processo n.º 2200/19.0BELSB, mediante a qual peticionou o seguinte:
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]

H. Por sentença proferida pelo TAC de Lisboa, em 19.11.2019, esse Tribunal declarou-se incompetente, em razão do território, para conhecer da referida acção.

I. Remetido o processo n.º 2200/19.0BELSB, ao TAF do Porto, por sentença proferida em 17.01.2020, e transitada pacificamente em julgado, foi determinado o “desentranhamento da petição inicial”, com o seguinte teor que ora se transcreve na parte que releva:
“Nos termos do art.º 79º, n.º 1 do CPTA (na sua versão à data da apresentação da petição inicial), “o autor deve instruir a petição inicial com o documento comprovativo do prévio pagamento da taxa de justiça, da concessão do benefício de apoio judiciário, ou, ocorrendo razão de urgência, do pedido de apoio judiciário requerido, mas ainda não concedido”.
Só é, portanto, admissível a mera junção de documento comprovativo do pedido de apoio judiciário requerido e ainda não concedido quando o A. alegue qualquer razão de urgência, o que não sucedeu no caso sub judice.
Ainda assim, ao abrigo do princípio pro actione, foi o A. notificado para juntar documento comprovativo da liquidação da taxa de justiça devida.
Decorrido o prazo que lhe foi concedido para o efeito, o A. não procedeu a tal junção, vindo antes proceder à junção, novamente, do documento comprovativo de ter requerido proteção jurídica.
A falta de junção de documento comprovativo do prévio pagamento da taxa de justiça devida, na sequência de convite para o efeito, em momento anterior à citação, determina o desentranhamento da petição inicial, nos termos do art.º 552º, n.º 6 do CPC e 80º, n.º 1, alínea d) do CPTA (aplicáveis por analogia).
Em face do exposto, determina-se o desentranhamento da petição inicial”.
***
III.1.2 Factos não provados:
Com relevo para a decisão, não subsistem factos que o tribunal tenha considerado como não provados.



***
III. 1.3. Motivação
Para o elenco da factualidade relevante para a decisão a proferir ora reunida e considerada como provada, tomou o Tribunal em consideração a alegação das partes vertida nos articulados e a inexistência de desacordo ou confronto factual quanto à matéria assente.
Em particular os factos vertidos em G), H), e I) foram obtidos em consequência e no exercício funcional das funções jurisdicionais, mediante a consulta electrónica ao processo n.º 2200/19.0BELSB.
A formação da convicção do Tribunal baseou-se ainda na análise crítica e conjugada do teor dos documentos juntos aos autos pelas partes e constantes do processo administrativo apenso a este, que não foram impugnados e se encontram especificados em cada um dos pontos do probatório.
[...]“

**

IIIii - DE DIREITO
IIIiia – Sobre a junção de documentos após as Alegações de recurso.

Depois ter apresentado as Alegações de recurso, e de o Recorrido ter vindo a apresentar as suas Contra alegações, o Recorrente veio a remeter aos autos, em 13 de fevereiro de 2023, requerimento com oito anexos.

Por facilidade para aqui se extrai parte desse requerimento, como segue:

“[…]
«AA», devidamente qualificado nos autos do processo em epígrafe, vem muito respeitosamente, requerer a Vossas Excelências autorização para a junção aos autos da documentação em anexo, designadamente, doutos Despachos, Sentença e notificações do anterior processo nº 2200/19.0BELSB - Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa.
[…]”

No âmbito do parecer emitido pelo Ministério Público junto deste TCA Norte, foi sustentado que o requerimento do Recorrente devia ser indeferido, tendo neste domínio referido “[…] que os documentos pretendidos agora juntar, dizem respeito a uma acção na qual foi proferida sentença, em 17-1-2020, que não foi objeto de recurso e que o Recorrente não prova não ter tido possibilidade de juntar na 1.ª instância, a acrescer à circunstância de os mesmos terem sido considerados na sentença ora em crise (tendo mesmo sido levados ao elenco dos factos provados em G), H), e I)), ainda que tenham sido obtidos pelo Ex.mo Sr. Juiz a quo em consequência e no exercício funcional das funções jurisdicionais, mediante a consulta electrónica ao processo n.º 2200/19.0BELSB, deve ser indeferido, a nosso ver, o pedido de junção dos referidos documentos.”

Foi também ouvido o Recorrido, que defendeu que os documentos em causa não deviam ser admitidos nos autos.

O Recorrente foi notificado do parecer do Ministério Público junto deste TCA Norte, assim como do requerimento do Recorrido, nada tendo alegado e ou requerido.

Impõe-se assim, para já, apreciar e decidir sobre se tal se mostra processualmente admissível.

Dispõe o artigo 627.º, n.º 1 do CPC que “As decisões judiciais podem ser impugnadas por meio de recursos”, ou seja, que o recurso é o meio processual por via do qual são impugnadas as decisões judiciais, e nessa medida, o tribunal superior é chamado a reexaminar a decisão proferida e os seus fundamentos.

Como refere António Santos Abrantes Geraldes, in Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2.ª edição, 2014, Almedina, página 92 “[…] A natureza do recurso, como meio de impugnação de uma anterior decisão, determina uma importante limitação ao objecto, decorrente do facto de, em termos gerais, apenas poder incidir sobre questões que tenham sido anteriormente apreciadas, não podendo confrontar-se o tribunal a quem com questões novas.
Na verdade, os recursos constituem mecanismos destinados a reapreciar as decisões proferidas, e não a analisar questões novas, salvo se quando, nos termos já referidos, estas sejam de conhecimento oficioso e, além disso, o processo contenha os elementos imprescindíveis. […]”

Como meio de impugnação de uma decisão judicial, o recurso apenas pode incidir sobre questões que tenham sido anteriormente apreciadas, e por outro lado, da conjugação do artigo 640.º, n.º 1 e do artigo 662.º, n.º 1, ambos do CPC, resulta afastada a possibilidade de o Tribunal de recurso com competência em matéria de facto efectuar um novo julgamento, pois faz recair sobre o recorrente o ónus de, em primeiro lugar, indicar os concretos pontos de facto que pretende ver modificados, e em segundo lugar, indicar os concretos meios probatórios constantes do processo, do registo ou da gravação que imponham decisão diversa sobre esses pontos de facto.

Deste modo, e quanto à junção de documentos já nesta instância de recurso, dispõe o artigo 425.º do CPC, que “Depois do encerramento da discussão só são admitidos, no caso de recurso, os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento.”, sendo que, por sua vez, o artigo 651.º, n.º 1 do mesmo diploma, determina que “As partes apenas podem juntar documentos às alegações nas situações excecionais a que se refere o artigo 425.º ou no caso de a junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1.ª instância.”

Assim, em sede de recurso, e de acordo com os normativos acima citados, a junção de documentos assume carácter excepcional, só sendo consentida nos casos especiais previstos na lei, mormente, quando a sua apresentação não tenha sido possível até esse momento, e neste conspecto, em virtude de ter ocorrido superveniência objectiva [quando se trate de documento formado depois de ter sido proferida a decisão[ ou subjectiva [quando se trate de documento cujo conhecimento ou apresentação apenas se tornou possível depois da decisão e ou se tenha revelado necessária em virtude do julgamento proferido] – Cfr. neste sentido, Abrantes Geraldes, in Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2014, página 191.

Como resulta dos autos, e assim já referimos supra, depois de ter apresentado as suas Alegações de recurso e mesmo depois de o Recorrido ter vindo a apresentar as suas Contra alegações, o Recorrente apresentou requerimento juntando oito anexos.

A Petição inicial que motivou estes autos foi remetida ao TAF do Porto em 11 de fevereiro de 2020, e a Sentença recorrida nestes autos foi proferida no dia 22 de outubro de 2022, sendo que os oito documentos anexos por aquele requerimento foram produzidos em data anterior à apresentação em juízo da Petição inicial, pelo que, pelo mero confronto destas datas se verifica por isso a razão para a não superveniência objectiva do mesmo, sendo que em torno da eventual ocorrência da sua superveniência subjectiva, ou seja, sobre se se tratam de documentos cujo conhecimento ou apresentação apenas se tornou possível depois da decisão, ou que se tenham revelado necessários apresentar em virtude do julgamento proferido, também não se verifica, porque de resto, assim nada alegou o Recorrente nesse sentido.

Conforme afirmam Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, in Manual de Processo Civil, 2.ª edição, páginas 533-534, a lei não abrange, neste último caso, a hipótese de a parte se afirmar surpreendida com o desfecho da acção [ter perdido, quando esperava obter ganho de causa] e pretender, com tal fundamento, juntar à alegação documento que já poderia e deveria ter apresentado na 1.ª instância. O legislador quis manifestamente cingir-se aos casos em que, pela fundamentação da sentença ou pelo objecto da condenação, se tornou necessário provar factos com cuja relevância a parte não podia razoavelmente contar antes de a decisão ser preterida, sendo que o advérbio “apenas”, a que se reporta o artigo 651.º, n.º 1 do CPC, significa que a junção só é possível num tempo futuro, se a necessidade do documento era imprevisível num tempo passado, ou seja, antes de proferida a decisão na 1.ª instância.

Como refere Antunes Varela, in Revista de Legislação e Jurisprudência, ano 115º, página 95, a junção de documentos às Alegações da apelação só poderá ter lugar se a decisão da 1.ª instância criar, pela primeira vez, a necessidade de junção de determinado documento, quer quando se baseie em meio probatório não oferecido pelas partes, quer quando se funde em regra de direito com cuja aplicação ou interpretação os litigantes não contavam.

De maneira que, não se admite a junção dos oito documentos, como assim formulado pelo requerimento apresentado pelo Recorrente em 13 de fevereiro de 2023, o que de resto aconteceu já depois de o Recorrido ter apresentado as suas Contra alegações de recurso, determinando-se o seu desentranhamento dos autos.

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IIIiib – Sobre o mérito do recurso jurisdicional.

Está em causa a Sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, datada de 22 de outubro de 2022, que com referência ao pedido formulado pelo Autor a final da Petição inicial, veio a proferir Saneador-sentença pelo qual julgou procedente a excepção dilatória de intempestividade da prática do acto processual, e em consequência, absolveu o Réu da instância.

Os recursos jurisdicionais constituem os meios específicos de impugnação de decisões judiciais, por via dos quais os recorrentes pretendem alterar as sentenças recorridas, nas concretas matérias que os afectem e que sejam alvo da sua sindicância, razão pela qual é necessário e imprescindível que no âmbito das alegações de recurso, os recorrentes prossigam de forma clara e objectiva as premissas do silogismo judiciário em que se apoiou a decisão recorrida, por forma a evidenciar os erros em que a mesma incorreu.

O Recorrente sustenta que não concorda com a Sentença recorrida, sem que lhe impute um concreto erro de julgamento, quando é certo que o Tribunal a quo julgou pela procedência da excepção dilatória de intempestividade da prática do acto processual, com fundamento na matéria de facto por si fixada, tendo em consequência absolvido o Réu da instância.





Neste patamar.

No âmbito das conclusões das suas Alegações de recurso, o Recorrente sustentou o que por facilidade para aqui se extrai em suma, o que segue:

- que não concorda com a Sentença recorrida [Cfr. conclusão 3.ª].

- que previamente à presente ação, o aqui requerente apresentou em 18.11.2019, no Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, petição inicial que deu origem ao processo n.º 2200/19.0BELSB, que por sentença proferida pelo TAC de Lisboa, em 19.11.2019, esse Tribunal declarou-se incompetente, em razão do território, para conhecer da referida acção, tendo em 11.12.2019 o processo n.º 2200/19.0BELSB, foi remetido ao TAF do Porto, tendo em 27.01.2020, o TAF do Porto, vindo a proferir sentença ao processo n.º 2200/19.0BELSB determinando o desentranhamento da petição inicial, quanto ao que em 27.01.2020, efetuou o Recorrente novo requerimento dirigido ao processo n.º 2200/19.0BELSB, tendo em 03.02.2020, o TAF do Porto indeferido o requerido. [Cfr. conclusões 4.ª a 9.ª].

- que se deu entrada inicial da sua PI no Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa em 18.11.2019 que deu origem ao processo n.º 2200/19.0BELSB, criando uma expectativa, pois aqui havia uma esperança (com forte carga subjectiva) de um direito, por ter havido um percurso que a ele conduziria com forte probabilidade, mas que só em 03.02.2020 veio a ser aquele processo arquivado, não fazia qualquer sentido o recorrente dar entrada de uma nova ação até 24.01.2020, sem ação anterior estar terminada.

- que existiu um justo impedimento de iniciar atempadamente um nova PI [Cfr. conclusões 11.ª a 13.ª], bem como existiu uma perda de chance por não ter apresentado a PI nos três meses [Cfr. conclusões 14.ª e 15.ª].

- que foi após o indeferimento final em 03.02.2020, que fez com que o requerente entrasse em contato telefónico com a secretaria do TAF do Porto, tendo então o Recorrente explicado, que tinha pago o DUC voluntariamente mesmo após indeferimento e não tinha sido devolvido o DUC pelo TAF do Porto, o que teria que fazer, e que nesse seguimento, refere que foi informado pela secretaria que poderia aproveitar o DUC, dando entrada de nova Petição inicial, e que foi por ter sido informado daquela forma que o levou, como assim considera, erradamente, a que desse entrada de novo pedido em 11.02.2020, quando, como refere, deveria ter efectuado recurso ao processo inicial n.º 2200/19.0BELSB, concluindo assim que foi induzido em erro pelos serviços da secretaria daquele tribunal, levando a que dessa entrada de uma nova Petição inicial [Cfr. conclusões 16.ª e 19.ª].

- que o que está em causa é «a conduta da autoridade administrativa – consubstanciada na prática de actos jurídicos ou materiais – que tenha gerado a falsa expectativa da desnecessidade ou inconveniência da impugnação do acto e, assim, induzindo o interessado a prescindir da apresentação em tempo oportuno da petição, e que a acção se considera proposta com a recepção da petição inicial na secretaria do tribunal ao qual é dirigida ou com a remessa da mesma, nos termos da lei processual civil, in casu 18.11.2019, e que o prazo de impugnação de acto anulável pode estender-se para além do prazo regra de três meses previsto no art.º 58º, nº 2, b), do CPTA, se acaso a conduta da Administração tiver induzido o interessado em erro (art.º 58º, nº 4, a), do CPTA), que entende ter sido esse o seu caso, por ter sido induzido em erro pela secretaria daquele tribunal. [Cfr. conclusões 20.ª a 22.ª].

- que quanto ao valor da alçada, o Tribunal a quo, considerou que o mesmo respeita bens insusceptíveis de quantificação em rigor, ou seja, um bem imaterial, procedeu a uma errada interpretação e aplicação do disposto no nº 1 e 2 do artigo 34º do CPC, isto é, o valor da causa, por indeterminável, fixa-se no montante imediatamente superior ao da alçada dos tribunais centrais administrativos, e que o valor dado à ação ( 6.180,00€ ) à data ( 11/02/2020 ) e que resulta, do pedido do recorrente é suscetível de qualificar actualmente, sendo determinável até porque a fixação da remuneração base dos trabalhadores com vínculo de emprego público é utilizada a tabela remuneratória única (TRU), aprovada nos termos da lei, a qual contém a totalidade dos níveis remuneratórios aplicáveis e encontra-se devidamente publicitada na LTFP, artigos 144.º a 155.º, conjugada com Portaria n.º 1553-C/2008, de 31 de dezembro (TRU) e Portaria n.º 1553-D/2008, de 31 de dezembro, sendo que o valor atualmente em causa, encontra-se em 13.740,44€, e que deve assim a Sentença ser revogada.

Conforme assim deflui das conclusões das Alegações de recurso apresentadas pelo Recorrente, o cerne da sua pretensão recursiva encerra-se na consideração de que de a acção se considera proposta em 18 de novembro de 2019, e em suma, que o trânsito em julgado da Sentença proferida no Processo n.º 2200/19.0BELSB só se verificou por ter sido induzido em erro pela Secretaria do TAF do Porto, pois que de outro modo, teria então deduzido recurso jurisdicional da Sentença proferida.

A sua discordância face ao decidido pelo Tribunal a quo em torno da extemporaneidade da Petição inicial centra-se, a final, em factos e circunstâncias que não foram submetidas a apreciação pelo Tribunal a quo, e que agora não podem ser submetidas à apreciação deste TCA Norte, enquanto instância de recurso.

Lida a Sentença recorrida dela se extrai que o Mm.º Juíz, em sede do saneamento dos autos, identificou que se impunha apreciar e decidir a excepção suscitada pelo Réu Ministério na Contestação por si apresentada, em torno da intempestividade da prática do acto processual, tendo para tanto fixado a factualidade que entendeu por relevante [e que não vem impugnada pois não constitui objecto deste recurso jurisdictional], e com referência aos elementos de prova que a suportam, enunciou as razões que conduziram à procedência da identificada excepção, tendo estribado juridica e amplamente a sua posição, especificando os fundamentos de facto e de direito que segundo a sua livre apreciação e de acordo com a convicção que veio a firmar, justificam a decisão, dando assim cumprimento ao disposto no artigo 607.º, n.º 3 do CPC, a saber, da intempestividade da apresentação da Petição inicial para efeitos de impugnação do acto da autoria do Secretário de Estado do Emprego, sendo que, em face da essencialidade constante do discurso fundamentador que o Tribunal a quo veio a aportar na Sentença Recorrida, para aqui se extracta o que segue:


Início da transcrição
“[…]
Antes do mais, importa referenciar que, atendendo ao objecto da lide, definido pela causa de pedir e pelos pedidos formulados, estamos em presença de uma acção administrativa de condenação à prática de acto devido, em que vem cumulado o pedido de impugnação do acto datado de 14.10.2019, que determinou o indeferimento (não provimento) do recurso hierárquico apresentado pelo Autor e dirigido ao Ministro do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social.
Conforme se avançou, a Entidade Demandada suscitou a excepção dilatória de intempestividade da prática do acto processual, excepção prevista no art. 89.º, n. 4, al. k) do CPTA, que gera a absolvição da instância.
Considerando o objecto da acção (em que vêm cumulados pedidos/pretensões: pretensão impugnatória e pretensão condenatória à prática de acto devido), e considerando os vícios invocados (geradores de mera anulabilidade, por vício de violação de lei), é pacífico que o prazo para intentar a acção administrativa é de três meses, nos termos do artigo 58.º, n.º 1, alínea b), do CPTA, aplicável quer directamente (no que respeita ao pedido impugnatório), quer por força do disposto no art. 69.º, n.º 2, do CPTA (no que respeita ao pedido de condenação à prática do acto devido).
É consabido que por efeito do actualmente disposto no artigo 58º nº 2 do CPTA, resultante da revisão operada pelo DL. n.º 214-G/2015, de acordo com o qual os prazos de impugnação estabelecidos no nº 1 daquele artigo 58º se contam “…nos termos do artigo 279º do Código Civil” (substituindo, assim, a regra que anteriormente constava do nº 3 daquele artigo 58º do CPTA, na sua versão original, de acordo com a qual a contagem de tais prazos obedecia “…ao regime aplicável aos prazos para a propositura de ações que se encontram previstos no Código de Processo Civil”), os prazos de impugnação previstos no artigo 58.º, n.º 1, se contam de modo contínuo, sem suspensão durante os períodos de férias judiciais.
Por outro lado, o n.º 4 do artigo 59.º do CPTA tem a virtualidade de permitir que a utilização de qualquer modalidade de impugnação administrativa (reclamação e recursos administrativos, seguindo a terminologia das garantias impugnatórias administrativas utilizadas pelo CPA/2015, aplicável aos presentes autos) suspende a contagem do prazo de impugnação contenciosa, inutilizando o período que tenha decorrido entre o momento da interposição do meio de impugnação administrativa e o da notificação da decisão expressa que sobre ela tenha sido proferida ou o termo do prazo para decidir, caso não tenha sido emitida qualquer pronúncia expressa (Cfr. acórdão do Pleno do Supremo Tribunal Administrativo, processo n.º 01268/16 e 23.02.2017).
No caso dos autos, resulta que, por despacho exarado em 28.08.2019, pelo Sr, Subinspetor-Geral da Autoridade para as Condições do Trabalho, foi indeferida a pretensão do aqui Autor – salienta-se que, em todo o caso, não é esse o acto impugnado.
Inconformado com tal despacho, o Autor dirigiu ao Ministro do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social requerimento denominado de “recurso hierárquico facultativo”, em reacção à referida decisão de indeferimento.
Por despacho datado de 14.10.2019 (acto impugnado), do Sr. Secretário de Estado do Emprego, e notificado ao aqui Autor em 24.10.2019, foi confirmado o acto recorrido, não dando provimento ao recurso hierárquico. Assim, é por referência a esse despacho, que deve apreciar-se a (im) tempestividade da prática do acto processual.
Dispõe o n.º 1, do artigo 58º do CPTA que “a impugnação de atos nulos não está sujeita a prazo”, devendo a impugnação dos actos anuláveis ter lugar no prazo de três meses – cfr. alínea b) do mesmo normativo.
E, os prazos estabelecidos no referido n.º 1, do artigo 58º do CPTA, “contam-se nos termos do artigo 279.º do Código Civil”, conforme estabelece o n.º 2 do mesmo normativo.
No âmbito das formas de invalidade do acto administrativo distingue-se entre nulidade e anulabilidade.
A nulidade é a forma mais grave da invalidade, assumindo a seguinte caracterização: o acto é totalmente ineficaz, não produzindo quaisquer efeitos desde o início; é insanável, seja pelo decurso do tempo, seja por ratificação, reforma ou conversão.
Diferentemente, o acto meramente anulável é juridicamente eficaz até ao momento em que venha a ser anulado; é sanável pelo decurso do tempo, quer por ratificação, reforma ou conversão; e somente pode ser impugnado contenciosamente dentro de certo prazo, estabelecido pela lei.
Para que estejamos perante um acto nulo é necessário, nos termos do artigo 161.º, n.º 1 do Código do Procedimento Administrativo, que a lei comine expressamente, determinado acto, com essa forma de invalidade, ou então, que se verifique uma das situações previstas no n.º 2 do artigo 161.º do Código do Procedimento Administrativo, ou seja:
No caso dos autos, nem o Autor requer a declaração de nulidade do acto impugnado, nem vem invocada qualquer ilegalidade que possa ser reconduzida ao elenco de invalidades constantes do artigo 161.º, n.º 2 do CPA pelo que o prazo para propositura da acção é o previsto na alínea b), do n.º 1, do artigo 58º do CPTA, ou seja, três meses, visto que, efectivamente, apenas vem invocado o vício de violação de lei, gerador de mera anulabilidade do acto impugnado.
Como resulta do probatório, o Autor foi notificado do acto impugnado em 24.10.2019, pelo que contado o período de 3 meses, este terminou em 24.01.2020. Donde, considerando que a ação foi instaurada em 11.02.2020, foi intempestivamente apresentada, procedendo a excepção de intempestividade da prática do acto processual, nos termos do art. 89.º, n.º 4, al. k) do CPTA, o que gera a absolvição da instância da Entidade Demandada.
O Autor, por requerimento constante a fls. do sitaf, veio pugnar que “o réu alegar em sede de sua defesa a intempestividade da prática do ato processual apresentada por o aqui autor. Acontece, que o processo se iniciou no TAF de Lisboa em 18 novembro de 2019 e foi atribuído o Processo n.° 2200/19.0BELSB. Posteriormente foi transferido para o TAF do Porto e foi arquivado nesse Tribunal e por esse motivo tive que iniciar de novo uma PI nesse TAF sendo atribuído o Processo n.° 495/20.6BEPRT, pelo que vem respeitosamente requerer a V. Excia. se digne considerar este esclarecimento ao processo”.
Embora o Autor não extraia, expressamente, qualquer relevância da instauração e extinção do processo n.° 2200/19.0BELSB para efeitos da questão atinente à intempestividade da prática do acto processual, diga-se, à cautela, que tal alegação não interfere nem altera a decisão a proferir nos autos.
A questão relativa à intempestividade da prática do acto processual obviamente que se afere em função da data em que foi instaurada a presente acção (e não a do proc. n.° 2200/19.0BELSB), não se vislumbrando norma processual aplicável, – jamais invocada – que faça estender os efeitos civis ou processuais resultantes da instauração do proc. n.° 2200/19.0BELSB ao presente processo.
Saliente-se que a decisão proferida no proc. n.° 2200/19.0BELSB culminou no desentranhamento da petição inicial (nomeadamente, constituiu um acto de recusa de recebimento da petição inicial), com a concomitante perda do objecto da acção, e não por absolvição da instância (o que desde logo afasta a aplicação do art. 279.º do CPC), sendo que também não vem alegada e demonstrada a aplicação do disposto no art. 560.º do CPC (tanto mais que a norma era inaplicável à situação dos autos, visto que em ambos os processos em causa era obrigatória a constituição de mandatário).
Em resumo, nos presentes autos, a data da instauração do processo n.º 2200/19.0BELSB é indiferente para a questão decidenda: intempestividade da prática do acto processual nos presentes autos.
Verifica-se assim a excepção dilatória de intempestividade da prática do acto processual.
*
. Da fixação do valor da acção
Ao abrigo do disposto no artigo 306.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil (doravante CPC) ex vi artigo 1.º do CPTA, cumpre fixar o valor da causa.
O Autor atribuiu à ação o valor de € 6.180,00.
Vejamos, então.
Quanto a processos relativos a actos administrativos o artigo 33.º do CPTA estabelece critérios especiais para a fixação do valor da causa, desde logo, mandando atender ao conteúdo económico do ato.
Não estando em causa nenhuma das situações previstas nas alíneas deste normativo, determina-se o conteúdo económico do acto de acordo com as regras gerais do artigo 32.º do mesmo Código.
Mais dispõe o artigo 34.º do CPTA que “[q]uando o valor da causa seja indeterminável, considera-se superior ao valor da alçada do Tribunal Central Administrativo”, sendo que, para o que aqui releva, entendem-se de “valor indeterminável os processos respeitantes a bens imateriais” (n.º 1 deste normativo).
Ora, no caso dos autos vem peticionada a anulação do acto do acto que determinou o não provimento do recurso hierárquico, com a consequente condenação à “contabilização de pontos não utilizados”, o que tem alegadamente por efeito, no entendimento do Autor, a alteração da posição remuneratória (para futuro), com o respectivo feixe de direitos e alcances, além do pagamento das diferenças salariais já verificadas até à propositura da acção.
Considerando o conteúdo das pretensões condenatórias, que no essencial se centra na alteração do posicionamento remuneratório com efeitos extensivos ao futuro, verifica-se que o mesmo respeita bens insusceptíveis de quantificação em rigor, ou seja, um bem imaterial, pelo que o valor da causa irá ser aferido pelo disposto no art. 34.º, n.ºs 1 e 2 do CPC, sendo por isso de valor indeterminável, isto é, considerando-se superior ao valor da alçada do Tribunal Central Administrativo e que, como resulta dos arts. 6.º, n.º 4 do ETAF e 24.º, n.º 1 da LOFTJ, corresponde a € 30.000,00.
Fixa-se à acção o valor de 30.000,01€.
[…]”
Fim da transcrição

Vejamos.

Apreciou e decidiu o Tribunal recorrido, em suma, que atento o teor do despacho do Secretário de Estado do Emprego, datado de 14 de outubro de 2019 e notificado ao aqui Autor em 24 de outubro de 2019, que confirmou o acto da autoria do Subinspetor-Geral da Autoridade para as Condições do Trabalho, datado de 28 de agosto de 2019, que não vindo assacada invalidade que fosse determinante da nulidade desse acto, em face da sindicância que lhe foi operada [pelo Autor] mediante a interposição da Petição inicial no dia 11 de fevereiro de 2020, que se estava perante a caducidade do direito de acção, por ultrapassagem do prazo de 3 meses, a que se reporta o artigo 58.º, n.º 1, alínea b) do CPTA, por ter esse prazo terminado no dia 24 de janeiro de 2020, e que tendo sido intempestivamente apresentada, que procedia assim a excepção de intempestividade da prática do acto processual, a que se reporta o artigo 89.º, n.º 4, alínea k) do CPTA, o que é determinante da absolvição da instância do Réu.

Ou seja, como assim apreciado pelo Tribunal recorrido, tendo o Autor o prazo de 3 meses, contado desde a data da sua notificação [em 24 de outubro de 2019], para impugnação do acto que o mesmo entendeu comportar lesividade para si, na medida em que a Petição inicial foi apresentada no dia 11 de fevereiro de 2020, que há muito que estava transcorrido o referido prazo de 3 meses.

E o assim apreciado e decidido pelo Tribunal a quo não é merecedor de censura jurídica, julgamento que tem de ser confirmado por este Tribunal de recurso.

Cotejadas as conclusões das Alegações de recurso apresentadas pelo Recorrente, delas se extrai com suficiência que as mesmas não visam a ocorrência de erro de julgamento em matéria de facto, pois que nesse conspecto nada vem inciso no âmbito da sua pretensão recursiva, resultando assim evidente para este Tribunal de recurso que o Recorrente se conformou com a matéria de facto fixada pelo Tribunal recorrido.

Com efeito, como assim resulta do probatório fixado pelo Tribunal a quo, em que foram fixados factos provados, e julgados não provados quaisquer outros factos, quanto a eles o Recorrente não assaca qualquer erro em torno do seu julgamento, sendo que, como é processualmente devido, foi com base neles que o Tribunal a quo formou a sua convicção nos termos e para efeitos de apreciação da matéria de excepção arguida pelo Réu, sendo que só mediante a invocação de erros dessa natureza é que poderia ser identificado qual o concreto fundamento da sua pretensão recursiva.

O que o Recorrente prossegue nas suas Alegações é pela apresentação de justificações para não concordar com a Sentença recorrida, mas que não são suficientes para colocar em causa o julgado pelo Tribunal a quo, e para que a final este Tribunal de recurso revogue a Sentença recorrida.

Para além de como assim já referimos supra, não vir impugnada a matéria de facto, em torno da ocorrência de eventual erro de julgamento também nada investiu o Recorrente, sendo que o invocado justo impedimento e a perda de chance com fundamento em não ter interposto recurso da decisão proferida no Processo n.º 2200/19.0BELSB, não podem ser fundamento para a revogação da Sentença, por se tratarem de factos e factores exógenos ao processo.

O Tribunal recorrido apreciou e decidiu que se verificava a intempestividade da prática de acto processual, da apresentação da Petição inicial, e nas Alegações de recurso deduzidas e respectivas conclusões o Recorrente não identifica nem refere, minimamente, por que termos e pressupostos é que errou o Tribunal a quo quando assim julgou, e de outro modo, por que modo e pressupostos devia o Tribunal a quo ter apreciado e julgado de modo diverso, desde logo em face da fundamentação de facto constante do probatório.

Este Tribunal Superior é uma instância de recurso que aprecia a Sentença proferida pelo Tribunal de 1.ª instância [Cfr. artigo 627.º, n.º 1 do CPC], por forma a que seja avaliada em que medida é que ocorrem nulidades ou irregularidades na prolação da Sentença, ou em que medida é que o Tribunal a quo errou no julgamento que efectuou, seja em torno da apreciação e valoração da prova, seja em torno da interpretação e aplicação do direito.

As conclusões patenteadas a final das Alegações de recurso apesentadas pelo Recorrente são assim imprestáveis para efeitos de ser posta em causa, ainda que em termos mínimos, a apreciação e decisão tecida pelo Mm.º Juíz na Sentença recorrida, já que o Recorrente nada alega ou fundamenta em termos que possa colocar em crise o decidido, as quais [conclusões] não podem levar a uma outra solução jurídica, qualquer que seja a que perspectiva a Recorrente, porque não podem ser adoptados/considerados os contornos por si desenhados, sendo que mesmo em torno do valor da causa, tendo o Tribunal a quo apreciado e decidido que o pedido era insusceptível de ser quantificado, e deitado mão do critério supletivo a que respeita o artigo 34.º, n.ºs 1 e 2 do CPTA, efectuou um julgamento em conformidade com o disposto no artigo 306.º, n.ºs 1 e 2 do CPC, e em coerência com o princípio da tutela jurisdicional efectiva na vertente do acesso ao recurso.

Termos em que, falecendo assim todas as conclusões apresentadas pelo Recorrente, a sua pretensão recursiva tem assim de improceder, devendo por isso ser confirmada a Sentença recorrida.


*

E assim formulamos as seguintes CONCLUSÕES/SUMÁRIO:

Descritores: Intempestividade da prática de acto processual; Fundamentos do recurso.

1 - Não vindo assacada invalidade que seja determinante da nulidade do acto impugnado, em face da sindicância que lhe foi operada [pelo Autor] mediante a interposição da Petição inicial decorrido que estava o prazo de 3 meses, a que se reporta o artigo 58.º, n.º 1, alínea b) do CPTA, impõe-se o julgamento da intempestividade da prática de acto processual, a que se reporta o artigo 89.º, n.º 4, alínea k) do CPTA, o que é determinante da absolvição do Réu da instância.

2 – Enquanto meio de impugnação de uma decisão judicial, o recurso apenas pode incidir sobre questões que tenham sido anteriormente apreciadas, e por outro lado, da conjugação do artigo 640.º, n.º 1 e do artigo 662.º, n.º 1, ambos do CPC, resulta afastada a possibilidade de o Tribunal de recurso com competência em matéria de facto efectuar um novo julgamento, pois faz recair sobre o recorrente o ónus de, em primeiro lugar, indicar os concretos pontos de facto que pretende ver modificados, e em segundo lugar, indicar os concretos meios probatórios constantes do processo, do registo ou da gravação que imponham decisão diversa sobre esses pontos de facto.

***

IV – DECISÃO

Nestes termos, de harmonia com os poderes conferidos pelo artigo 202.º da Constituição da República Portuguesa, os juízes da Secção de Contencioso Administrativo deste Tribunal, Acordam em conferência em NEGAR PROVIMENTO ao recurso interposto pelo Recorrente, «AA», e em confirmar a Sentença recorrida.

*

Custas a cargo do Recorrente – Cfr. artigo 527.º, n.ºs 1 e 2 do CPC.

**
Notifique.

*

Porto, 30 de junho de 2023.

Paulo Ferreira de Magalhães, relator
Antero Salvador
Helena Ribeiro