Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00590/13.8BEAVR
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:02/25/2022
Tribunal:TAF de Aveiro
Relator:Ricardo de Oliveira e Sousa
Descritores:PRESCRIÇÃO - RELAÇÃO COMITENTE – COMISSÁRIO – EMPREITEIRO/SUBEMPREITEIRO - DEVER DE VIGILÂNCIA
Sumário:I – Para que comece a correr o prazo da prescrição a que se reporta o n.º 1 do artigo 498.º do CC, é de exigir o conhecimento, pelo lesado de que é juridicamente fundado o direito à indemnização, ou seja, de que teve conhecimento do direito que lhe compete.

II- Não é expectável que os trabalhos de construção de uma autoestrada provoquem deficiências estruturais na habitação de terceiros, pelo que o início da contagem do prazo de prescrição deve coincidir com a data em que se iniciou a afetação da estrutura da habitação dos Autores.

III- É inequívoca a inexistência de uma relação de comitente-comissário entre o Empreiteiro e o Subempreiteiro.

IV- Sendo a obra seja realizada pelo subempreiteiro, se essa realização causar danos a terceiros, é por ela responsável o empreiteiro, nos termos do artº 493º nº 1 do C. Civil, uma vez que mantém o dever de vigilância da obra, por manter o dever da sua supervisão técnica.*
* Sumário elaborado pelo relator
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Comum
Decisão:Conceder provimento ao recurso de A.SA, e negar provimento ao recurso de D.ACE
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não emitiu parecer.
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes Desembargadores da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:
* *


I – RELATÓRIO
D., ACE e A., S.A., com os sinais dos autos, vêm intentar o presente RECURSO JURISDICIONAL da sentença promanada da sentença promanada pelo Tribunal Administrativo de Aveiro [doravante TAF de Aveiro] nos âmbito dos presentes autos, que, em 20.08.2020, julgou a presente ação parcialmente procedente, por provada e, em consequência, condenou “(…) a Interveniente acessória A., SA e a Ré D,, ACE, a pagar ao Autor as seguintes quantias: a) A título de danos patrimoniais, a quantia de € 5.000,00; b) A título de danos não patrimoniais, a quanto de € 2.000,00 c) No pagamento de juros sobre aquelas quantias, à taxa legal, devidos a partir da citação até integral pagamento (…)”, mais absolvendo “(…) do pedido as demais partes intervenientes do lado passivo (…)”.
Alegando, a Recorrente D., ACE formulou as seguintes conclusões: “(…)
1. O presente recurso vem interposto da douta sentença proferida nos presentes autos, na qual o Recorrente e a Interveniente A. foram solidariamente condenados ao pagamento do valor de EUR 5.000,00 (cinco mil euros) correspondendo a danos patrimoniais no imóvel originados pela suposta passagem de camiões na rua em que se localiza o referido prédio, tendo considerado o Tribunal a quo que teriam passado naquela rua camiões que a tal não se encontravam autorizados (camiões que não são matriculados porque não podem circular na via pública - chamados «dumpers») e que seriam aptos a provocar os putativos danos, pelo que condenou a Recorrente, por violação do seu alegado dever de fiscalização e a A. por ser a responsável pela construção daquele lanço de autoestrada, logo, a responsável pela circulação dos camiões, acrescido de EUR 2.000,00 de danos não patrimoniais, pelos incómodos e arrelias que esta situação provocou.
O Recorrente não se pode conformar com esta decisão.
2. O douto Tribunal a quo mal andou ao condenar a Recorrente nos danos patrimoniais alegadamente provocados no imóvel pela passagem de camiões e nos danos não patrimoniais sofridos pelos incómodos, uma vez que estes, à semelhança dos restantes danos, já se encontravam prescritos;
3. A matéria de facto constante do ponto 19., 20. e 21. da matéria de facto considerada como provada foi erradamente julgada, uma vez que atendendo à prova produzida, tanto testemunhal como documental junta aos autos, estes factos teriam que ser considerados como não provados;
4. Não ficou estabelecido o nexo de causalidade entre a passagem de camiões e os alegados danos atendendo à prova produzida;
5. O douto Tribunal a quo mal andou ao condenar a Recorrente porque esta não era a dona de obra, não foi a Recorrente que procedeu à execução das obras e porque não resultou provado que existisse um dever de fiscalização e vigilância da Recorrente sobre a atuação da A.;
6. O douto Tribunal a quo mal andou ao condenar a Recorrente porque não existe e não resultou provada qualquer relação de comitente-comissário, nos termos do art. 500.° do CC entre a Recorrente e a A., uma vez que tal relação não existe no âmbito de um contrato de subempreitada e
7. O douto Tribunal não relevou o facto de o imóvel não possuir qualquer licença de habitação ou de construção, desconsiderando o estado e a qualidade de construção do referido imóvel, já que várias testemunhas afirmaram que já existiam variados danos prévios, e se foi alvo das obras de conservação legalmente exigidas, o que consubstancia um caso de «culpa do lesado», nos termos dos arts. 11.° e 4.° 570.° da Lei 67/2007;
8. O douto Tribunal a quo faz considerações que não encontram respaldo na matéria considerada como provada nem na prova produzida.
9. Quanto à prescrição, face à factualidade considerada como provada, o Recorrente entende que também os danos em que foi condenado (danos no imóvel em virtude da alegada passagem de camiões e danos não patrimoniais), já se encontravam prescritos aquando da entrada da p.i. no Tribunal em 17 de julho de 2013, não se podendo acompanhar o entendimento do Tribunal a quo quando afirma que os alegados danos não eram de conhecimento imediato;
10. Com efeito, como o próprio Tribunal a quo considerou como provado, os trabalhos de decapagem executados pela A. decorreram durante o primeiro mês do primeiro trimestre de 2010, sendo que foram esses trabalhos que originaram a suposta passagem de camiões na rua onde se localiza o imóvel dos AA., conforme também referido na douta sentença, pág. 50, tendo sido confirmado pelo depoimento do Eng. P.;
11. Resulta do probatório, e a própria sentença o admite, que o alegado movimento de camiões que poderia ter dado origem aos danos no imóvel ocorreu no início do ano de 2010.
12. A testemunha A.., filho dos AA., disse até que as fendas começaram a abrir quando começaram as obras;
13. E, socorrendo-nos da própria fundamentação da sentença recorrida, «Para efeitos de prescrição, “conhecer o direito”, como resulta desse art. 498°, n° 1, do C.C., não é, necessariamente, conhecer na perfeição e na sua integralidade todos os elementos que compõem o dever de indemnizar, pois que o exercício do direito é independente do desconhecimento da “pessoa do responsável e da extensão integral dos danos»;
14. Assim, é por demais evidente que o termo a quo do prazo prescricional também para estes danos terá que ser a data da execução dos trabalhos de decapagem e o momento em que os camiões supostamente passaram naquele local - início do ano de 2010, sendo que, aquando da entrada do presente processo no Tribunal a 17 de julho de 2013, já se encontrava ultrapassado o prazo de três anos, que se iniciou no início do ano de 2010.
15. Mal andou o douto Tribunal a quo ao considerar que estes danos não se encontravam prescritos, devendo ser revogada a sentença recorrida e substituída por outra que absolva a Recorrente do pedido.
16. O Recorrente considera que não só existe matéria considerada como provada que não o devia ser, uma vez que nenhuma prova foi produzida nesse sentido, bem como existe matéria que foi desconsiderada e que deveria ter sido dada como provada.
17. Quanto ao Ponto 19., entende o Recorrente que não foi feita prova suficiente para que seja passível de ser considerado como provado.
18. Com efeito, ainda que se possa considerar que se encontra provado que os camiões passaram na rua onde se localiza a casa dos AA. (o que não se concede, mas por mera cautela se equaciona), não resulta de todo provado que esses camiões fossem os camiões de grande porte que não dispõem de matrícula, que se encontram proibidos de circular na via pública e que são utilizados apenas no leito da autoestrada em construção para transporte de terras (os chamados «dumpers») circularam na Rua (...);
19. A terem circulado camiões na rua onde se localiza o imóvel dos AA., a verdade é que do depoimento das várias testemunhas arroladas pelo Recorrente e demais R., não resulta que esses camiões sejam diferentes dos camiões normais, que se encontram autorizados e habilitados a circular em qualquer estrada do país;
20. Isto é tanto mais evidente quando a testemunha arrolada pela A. (empresa responsável pela execução daquele lanço da autoestrada A32) - Eng. P., foi perentório ao afirmar que aqueles camiões estão proibidos de sair do leito da autoestrada e que se tal tivesse acontecido, a rua em questão teria ficado intransitável, nenhum carro conseguiria passar;
21. Também não foi produzida qualquer prova quanto à dimensão ou peso desses camiões. Aliás, aquilo que se encontra no Ponto 19. da matéria de facto considerada como provada fala apenas em «denominados Terex», sendo que essa é uma marca que abarca uma multiplicidade de modelos de camiões, desde o simples camião de rua aos «dumpers» que são usados para transportar terras no leito da autoestrada e que não podem circular nas vias adjacentes, tendo esse nome sido levado aos autos pelo Senhor Perito como uma mera suposição, já que este não esteve nas obras e não viu qualquer camião a passar, como o próprio admitiu - isto resulta dos variados depoimentos produzidos nos autos;
22. Por conseguinte, do depoimento do Eng. P. resulta manifesto que não houve, nem podia haver circulação de dumpers fora do corredor/plataforma da autoestrada em construção - porque, por um lado, estes não se encontram autorizados a circular nas vias de comunicação porque não possui matrícula e, por outro, porque pela sua simples passagem, a rua ficaria intransitável, dado que não se encontra apta a receber aquele tipo de camiões de grandes dimensões;
23. Dos esclarecimentos prestados pelo Senhor Perito, não resulta como provado que (i) que na rua em questão tenham circulado camiões; (ii) que, a terem circulado, sejam «dumpers»; (iii) ou que sejam Terex;
24. a suposta infração do código da estrada que conduziu ao facto ilícito de condenação do Recorrente não tem qualquer base factual que a sustente; pelo contrário, a entidade responsável pela construção - A., na pessoa que à data era diretor geral da obra, afirma expressamente que aqueles camiões não saíram do leito da auto-estrada;
25. Sempre se diga, que estas são obras muito complexas e de enorme envergadura, que têm uma apertada fiscalização por parte da dona de obra - a concessionária R. A...., que tinha sempre elementos presentes e também não foi feita qualquer prova quanto à violação destes deveres, nem que a PSP ou GNR tenham levantado autos de notícia sobre esta situação;
26. em abono da verdade, reforçando a posição do Recorrente, cumpre referir que, como acima transcrito, o Sr. Eng. P. referiu que se um «dumper» tivesse circulado naquela estrada, bastaria um dia para ela ficar completamente intransitável, para ficar com marcas dos rodados no pavimento. Não foi manifestamente o caso, já que nunca foi alegado que os AA. ou qualquer dos familiares tivessem ficado impedidos de sair ou entrar na sua casa, como afirmou a testemunha R... que tal nunca aconteceu.
27. Considera o Recorrente que não foi produzida prova suficiente que atestasse sobre a passagem de camiões e sobre a deposição de terras em frente à casa dos AA..
28. Ainda que se considere que resulta provada a passagem de camiões, o que não se concede, mas por mera cautela se equaciona, a verdade é que não resultou de todo provado que esses camiões fossem dumpers, de que marca seja, e que se encontrassem proibidos de circular naquela via;
29. O Ponto 19. não deveria ter sido considerado como provado ou, caso assim não se entenda, deveria apenas ter a seguinte redação: «19. No âmbito da execução da obra, foram removidas terras das quais algumas foram colocadas em terreno que se situa em frente à habitação dos autores.».
30. Entende o Recorrente que também não foi produzida prova passível de considerar como provado o Ponto 20. da matéria de facto;
31. Não pode o Recorrente deixar de notar que o testemunho prestado por R... em nada menciona as vibrações alegadamente sentidas na casa dos AA..
32. É o próprio que admite que não frequentava a casa naquela altura, dado que estava divorciado da filha dos AA., só lá iria de passagem, não sendo sequer mencionado se nessas passagens entraria no imóvel;
33. Da prova produzida não resulta provado que se tenham sentido vibrações ou, ainda que assim não se entenda, não ficou estabelecido o nexo de causalidade entre as referidas vibrações e os alegados danos sofridos no imóvel;
34. Atendendo à tecnicidade que os presentes autos comportam - a suscetibilidade de a passagem de camiões (camiões ditos «correntes» ou «normais») ter provocado os pretensos danos no imóvel, este nexo de causalidade não poderia ser estabelecido com o simples depoimento dos filhos das AA. - teria que ser estabelecido através do Relatório Pericial;
35. A própria sentença recorrida considerou que este relatório foi pouco fundamentado, tendo uma fraca qualidade técnica, sendo claramente parcial, o que resultou tanto mais evidente quando se ouviu os esclarecimentos prestados pelo Senhor Perito.
36. O relatório pericial que foi produzido não foi capaz de estabelecer o referido nexo, tendo o Senhor Perito vindo a admitir, em sede de esclarecimentos que outras causas podiam ter contribuído para os danos, que os danos já poderiam ser preexistentes e que potencialmente poderia só ter sido aumentados com a passagem de camiões e que a própria construção não tinha qualidade suficiente (o que é condizente com o facto de a habitação não ter tido licença construtiva nem de habitação);
37. o douto Tribunal a quo limitou-se a fazer uma suposição sem qualquer base técnica ou científica, chegando a referir que era da experiência comum que a passagem de camiões provocaria danos no imóvel.
38. Camiões iguais aos que alegadamente passaram naquela rua para depositar terras são camiões que passam em todas as estradas deste país, pelo que não se pode, de todo, concordar com esta conclusão e suposição sem qualquer base factual;
39. Também do depoimento dos dois filhos dos AA. resulta que a casa já teria fissuras prévias ao início dos trabalhos da autoestrada, que foram feitas obras que se traduziram em deitar paredes abaixo, o que por si só é susceptível de mexer com a estrutura da casa e que a maioria dos danos são humidades que vêm do telhado;
40. Também não resultou provado que tenham existido trepidações e que estas tenham sido de tal maneira intensas que fossem aptas a provocar os alegados danos no imóvel;
41. Não só a matéria constante do Ponto 20. não deveria ser considerada como provada, como resulta evidente que não foi estabelecido um nexo de causalidade entre a passagem dos camiões e os supostos danos. Face à prova testemunhal existente, não resulta provado que o trepidar sentido na casa era suficiente para causar os danos alegados, muito menos danos a nível do telhado e infiltrações, que consubstanciam danos não suscetíveis de ser provocados pela passagem de camiões, como resultou provado que o imóvel em questão é um imóvel antigo, com uma construção muito «ligeira», que não obedeceu a qualquer licenciamento, como infra melhor explicitado.
42. Como tal, o Ponto 20. deveria ter sido considerado como não provado.
43. Quanto ao Ponto 21. também não foi feita qualquer prova acerca dos danos não patrimoniais alegadamente sofridos pelos AA., em razão da passagem dos camiões - as testemunhas falam todas em incómodos pela construção da autoestrada, incómodos esses que a própria sentença considerou como sendo consentâneos com a normal vivência em sociedade;
44. Até porque, no entendimento do Recorrente, o douto Tribunal a quo apenas considerou estes danos não patrimoniais por força da suposta ilegalidade de circulação de «dumpers» fora do corredor da auto¬estrada, o que, como já se demonstrou, não corresponde à verdade, pelo que necessariamente estes danos terão que improceder e terá que ser alterada a matéria de facto considerada como provada, por nenhuma ilegalidade existir.
45. Assim, o Ponto 21 deveria ter sido considerado como não provado.
46. Por outro lado, o Tribunal a quo desconsiderou, in totum, o facto muitíssimo relevante que se prende com a inexistência de licença de construção e habitação, conforme documentos a fls..., juntos pela Câmara Municipal de Santa Maria da Feira, a requerimento do R. Estradas de Portugal.
47. Este facto não é irrelevante para a boa decisão da causa - não só existe já jurisprudência que determina que inexiste qualquer dever de indemnizar, como é determinante para aferir a contribuição de responsabilidade dos AA. nos alegados danos existentes no imóvel, sendo susceptível de ser enquadrado na figura jurídica da «culpa do lesado»;
48. As testemunhas arroladas pelos AA. (os seus filhos), bem como o Senhor Perito, admitiram que o imóvel já padecia de vários danos (rachadela, fendas, etc.) antes de qualquer pretensa passagem de camiões.
49. E conexo com este facto, deveria o douto Tribunal a quo considerar como provado que o imóvel já tinha danos/preexistências face à execução das obras de construção da A32.
50. Por conseguinte, deverão ser aditados os seguintes pontos à matéria de facto considerada como provada:
28. O prédio urbano melhor descrito em 1. foi construído sem a correspondente licença de construção e não possui licença de habitação.
29. O prédio urbano melhor descrito em 1. padecia, à data de início das obras de construção da A32 de inúmeras deficiências.
51. Quanto ao direito, e sem prejuízo das considerações feitas quanto à matéria de facto considerada como provada, mal andou o Tribunal ao condenar o Recorrente como Dono de Obra e como considerando que existente uma relação de comissão entre a Recorrente e a A.;
52. O Tribunal a quo condena o Recorrente na qualidade de dona da obra, afirmando o seguinte: «E assim sucedeu também porque a dona da obra, a Ré D., ACE, no âmbito da sua obrigação de vigilância não cuidou de proibir a circulação dos camiões Terex nas condições antes descritas», para depois concluir que incumbia à Recorrente fiscalizar a atividade da A. e que entre o Recorrente e a A. existe uma relação de comitente e comissário nos termos e para os efeitos do art. 500.°.
53. Cumpre referir que esta conclusão não corresponde à realidade dos factos em juízo, nem tão pouco ao clausulado contratual (ao Contrato de Subempreitada) existente entre o Recorrente e A..
54. Conforme resulta do probatório, dos documentos junto aos autos e do depoimento das testemunhas arroladas, nomeadamente do Eng. J..., a dona da obra para todos os efeitos, inclusivamente de fiscalização, era a R. A...., concessionária do Estado Português para a conceção, projeto, construção, aumento do número de vias, financiamento, conservação e exploração, com cobrança de portagem aos utentes da A32/IC2 - São João da Madeira (ER327)/Carvalhos (IP1) - cfr. Pontos 4 e 5, sendo que, embora não conste do probatório, o Recorrente foi a entidade (agrupamento complementar de empresas) com quem a R. A.... celebrou o Contrato de Empreitada para a conceção, projeto, construção de entre outras, a Autoestrada A32.
55. O Recorrente assumiu o papel de Empreiteiro Geral, tendo celebrado com as empresas que o compunham, de entre as quais, a A., as Bases de Subcontratação e os Contratos de Subempreitada para os diversos lanços, tendo apenas mantido funções gerais de coordenação dos trabalhos;
56. É manifesto que a conclusão que o douto Tribunal a quo retirou e na qual fundou a sua convicção e a condenação do Recorrente assenta sobre premissas erradas, já que o Recorrente não tinha qualquer dever de fiscalização - esse dever impendia e incumbia à R. A...., dona da obra e Concessionária do Estado Português.
57. Esta realidade é evidente da simples análise aos contratos junto aos autos e aos contratos que são públicos e que se encontram no site da Unidade Técnica de Acompanhamento de Projetos (UTAP), disponíveis em www.utap.gov.pt - Contrato de Concessão celebrado entre o Estado Português e a R. A...., Contrato de Empreitada celebrado entre a R. A.... e o Recorrente que constitui o Anexo 13 do Contrato de Concessão;
58. Nem das Bases de Subcontratação como do Contrato de Subempreitada resulta qualquer dever de fiscalização ou vigilância do Recorrente sobre a A., que foi a empresa responsável pela construção do lanço em questão.
59. Também não procede a conclusão de que existia uma relação de comitente e comissário, nos termos e para os efeitos do art. 500.° do CC entre o Recorrente e a A..
60. Entre ambos existe um Contrato de Subempreitada, que regula a responsabilidade da A. face ao Recorrente, como resulta da matéria de facto considera como provada. E, como é já assente na jurisprudência e na doutrina, inexiste uma relação de comitente-comissário entre o Empreiteiro e o Subempreiteiro, conforme ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA no âmbito do Processo n.° 06B4762 de 31.01.2007 e Acórdão do TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA, no âmbito do Processo n.° 0062266 de 05.07.2000.
61. Face ao exposto, não só padece de manifesto erro a douta sentença recorrida quando condena o Recorrente a título de dono de obra e por lhe estar acometido um dever de fiscalização, quando não o é, como também padece de manifesto erro por considerar que esse dever nasce de uma relação de comissão entre o Recorrente e A..
62. Considerando que nenhum facto pode ser diretamente imputado ao Recorrente, não resultando do probatório qualquer solução em sentido inverso, dado que não foi quem executou as obras, quem tinha o dever de fiscalização ou quem tinha um controlo efetivo sobre os camiões, deverá a douta sentença recorrida ser revogada e substituída por outra que absolva o Recorrente do pedido.
63. Por fim, sem prejuízo de todo o exposto, o Recorrente não pode deixar de alegar a existência de culpa do lesado, nos termos e para os efeitos de exoneração, ou pelo menos atenuação da condenação do Recorrente.
64. Este douto Tribunal não podia ter desconsiderado que o imóvel objeto dos presentes autos não possuía licença de habitação nem de construção, não tendo obedecido a qualquer projeto de construção, era uma construção, nas palavras do Senhor Perito, muito «ligeira», tendo estrutura de madeira no telhado e desconhecendo a restante estrutura das paredes e tetos, sofria já de inúmeros danos em momento prévio à execução das obras de construção e não sofreu obras de conservação durante muitos anos, tendo até, ao invés, sofrido obras e alterações interiores suscetíveis de ter originado os referidos danos.
65. A figura da «culpa do lesado», encontra-se expressamente prevista, no artigo 11.° da Lei n.° 67/2007, de 31 de dezembro ( responsabilidade pelo risco) e nos termos do art. 4.° do mesmo diploma legal, prevendo-se a relevância do comportamento culposo do lesado.
66. Esta realidade não podia ter sido desconsiderada pelo douto Tribunal a quo, como causa de exclusão da responsabilidade do Recorrente.
67. É manifesto que existe culpa do lesado, a qual reside na violação das regras referentes à construção de imóveis (RJUE), elaboração e aprovação de projetos de construção e violação das regras municipais referentes ao licenciamento (…)”.
*
Quanto ao seu recurso, concluiu a Recorrente A., S.A., nos seguintes termos: “(…)
1. A Recorrente não se conforma com decisão de condenação proferida e vem dela recorrer com fundamento em: a) nulidade da Sentença; b) erro na apreciação matéria de facto; e c) erro na subsunção jurídica dos factos.
2. A Sentença proferida é nula, nos termos do disposto na parte final da alínea d) do n.° 1 do artigo 615.° do CPC, porquanto condenou (ainda que parcialmente) a Interveniente Acessória no pedido.
3. Em nenhuma circunstância, a Interveniente Acessória A. poderia ter sido condenada a cumprir qualquer obrigação decorrente de pedido da Autora e Interveniente Principal, ficando aquela tão-só vinculada, em termos reflexos, pelo caso julgado relativamente às questões da relação jurídica controvertida e que possam ter repercussão sobre o direito de regresso dos Réus, a efetivar em demanda ulterior.
4. A A. tem legitimidade para intentar o presente recurso, ao abrigo do disposto no n.° 2 do artigo 631.° do CPC.
5. Apesar de não poder condenada na presente ação, a Interveniente Acessória fica vinculada a aceitar os factos dos quais derivou a condenação da Ré D. estendendo-se-lhe os efeitos do caso julgado da Sentença proferida - é o que decorre do disposto nos artigos 321°, n° 2, 323°, n° 4, 332° e 631°, n° 2 todos do Código de Processo Civil.
6. Tendo em conta que o caso julgado torna indiscutíveis os pressupostos concernentes à existência e ao conteúdo do direito a indemnização da titularidade da Autora e Interveniente Principal, e valendo os mesmos como prova plena em nova e eventual ação de indemnização em que a Interveniente Acessória figure como Ré, torna-se evidente que a sucumbência da Ré na presente ação prejudica a Interveniente Acessória.
7. Acresce que, tendo a Ré a possibilidade de repercutir a responsabilidade que lhe advém da condenação na presente ação na Interveniente Acessória A., pode aquela não ter interesse em recorrer da Sentença ou, recorrendo, as questões que a Interveniente Acessória entende estarem incorretamente julgadas e que sejam suscetíveis de lhe ser prejudiciais, podem afinal não integrar o objeto do recurso da Ré.
8. A douta Sentença em análise errou na apreciação da matéria de facto face à prova produzida nos autos quando julgou provados os pontos 19, 20 e 21.
9. Contrariamente ao entendimento do Tribunal a quo, o depoimento da testemunha P.. não é apto a fundamentar o ponto 19 da Sentença, desde logo, porque a testemunha infirmou expressamente esse facto.
10. A mencionada testemunha, diretor da obra, explicou de uma forma convincente, porque fundamentada, que a zona em causa nos autos era uma zona de aterro (e não de escavação), e que, para o transporte de terras, a A. utilizou veículos (dumpers e camiões), sendo que estes circulavam apenas no corredor da autoestrada; e que nunca circularam dumpers na Rua de (...).
11. Também as restantes testemunhas ouvidas em audiência não se referiram à circulação de “camiões de grande porte, denominados Terex”, sem autorização nos termos do Código da Estrada, nem se encontra junto aos autos qualquer prova, nomeadamente documental, que fundamente a decisão do Tribunal a quo nesse sentido, sendo que o relatório pericial e os esclarecimento prestados em audiência também não podem ser valorados para esse efeito, tendo em conta a falta de fundamentação dos mesmos.
12. O referido ponto 19 deve ser julgado como não provado ou, subsidiariamente, a sua redação alterada, sugerindo-se a seguinte: 19. No âmbito da execução da obra, foram removidas terras das quais algumas foram colocadas em terreno que se situa em frente à habitação dos autores.
13. Consequentemente, e por maioria de razão, também o único facto julgado não provado (que, de resto, nem foi alegado por qualquer das partes), deve ser eliminado da Sentença.
14. O entendimento do Tribunal a quo na apreciação do ponto 20 da matéria de facto também não foi o correto em virtude daquela que foi efectivamente a prova produzida nos autos.
15. O Tribunal de 1ª Instância deveria ter valorado o depoimento da testemunha P. e não o depoimento da testemunha R.... que, à data dos factos, não frequentava a casa da Autora, em virtude do divórcio da filha daquela, nem o depoimento da testemunha A....., filho da Autora, porquanto vago e pouco convincente, nem tão-pouco o depoimento da testemunha M..., a qual, por ser filha da Autora e viver no mesmo imóvel, tinha interesse direto na causa.
16. O mencionado ponto 20 da Sentença deve, pois, ser julgado como facto não provado.
17. Finalmente, a Recorrente discorda da decisão do Tribunal a quo no que concerne o ponto 21 da matéria de facto, com base no qual foi proferida a condenação no pagamento de uma indemnização por danos morais.
18. Em primeiro lugar, porque a redação do mesmo está redigida de uma forma genérica, não resultando do ponto 21 que tipo de incómodos, arrelias e perturbações sofreram a Autora e Interveniente Principal na sua vivência diária, o que, atento o disposto no n.° 1 do artigo 496.° do CC, sempre seria necessário para enquadrar esses factos como danos não patrimoniais graves e juridicamente relevantes e, nessa medida, indemnizáveis.
19. Em segundo lugar, porque não se logrou provar que a Autora e o Interveniente sofreram, incómodos, arrelias e perturbações na sua vivência diária, desde logo, porque os mesmos não foram ouvidos nos autos e, depois, porque do depoimento das testemunhas R..., A..... e M... resultou apenas provado que, por força da construção de uma passagem inferior e de uma rotunda, houve condicionamento na circulação, o que obrigou a filha da Autora a ter de dar a volta a Pigeiros para entregar a sua filha na escola e levou a que quem se dirigia à igreja de Duas Igrejas fazer um trajeto maior.
20. O ponto 21 deve, em consequência, ser julgado como facto não provado, ou caso assim não se entenda, o que apenas por mero dever de patrocínio se equaciona, a sua redação alterada para dele fazer constar os concretos incómodos gerados pelas obras de construção, sugerindo-se o seguinte: “21. Com a execução dos trabalhos de construção, foram condicionados alguns acessos, o que obrigou quem se dirigia à escola ou à igreja dar uma volta maior”.
21. Em face daquela que foi a prova produzida nos autos, o Tribunal a quo deveria ter incluído no elenco dos factos provados os seguintes pontos: a) O prédio identificado no ponto 1 foi construído sem licença e não possui licença de habitação; e b) O prédio identificado no ponto 1. já apresentava várias patologias quando se iniciaram as obras de construção da A32.
22. O Tribunal a quo desconsiderou o facto de o imóvel em causa nos autos ter sido construído sem licença e não possuir licença de habitação, conforme resulta de prova documental junto aos autos, sendo que esse facto é relevante para a boa decisão da causa, porquanto assume importância na determinação da causa das patologias do imóvel da Autora, ou seja, no estabelecimento do nexo de causalidade.
23. O Tribunal a quo também desconsiderou por completo a circunstância de o imóvel da Autora já apresentar várias patologias quando se iniciaram as obras de construção da A32, facto de extrema relevância, atendendo ao objeto da presente ação, e que resulta do depoimento dos filhos da Autora, bem como do depoimento do Senhor Perito.
24. Os supra referidos factos devem, assim, passar a constar da matéria de facto provada da Sentença.
25. O Tribunal a quo julgou prescrito o direito da Autora e Interveniente Principal ao ressarcimento dos invocados danos derivados da localização/exploração da autoestrada mas o mesmo entendimento deveria ter sido adotado em relação aos danos reclamados pela Autora e Interveniente Principal e alegadamente provocados pela passagem de camiões.
26. É que, nos termos da Sentença proferida, o Tribunal identificou um '“segundo evento lesivo, o resultante da passagem de camiões Terex de grande porte, a fim de realizar descargas de terra num prédio que se situa frente à sua habitação e o prejuízo”, pelo que tinha aquele de considerar a prova produzida nos autos que demonstra que essa atividade de transporte de terras ocorreu durante o primeiro trimestre de 2010, conforme o ponto 18 dos factos provados.
27. Nestes termos, o início da contagem do prazo prescricional de três anos terá necessariamente de ser a data da execução dos trabalhos de decapagem dos terrenos, ou seja, o primeiro trimestre de 2010.
28. Por conseguinte, aquando da interpositura da ação, a 17 de julho de 2013 (cfr. ponto 27 dos factos provados da Sentença), o prazo prescricional de três anos já tinha decorrido, o que deve ser reconhecido pelo Tribunal Superior.
29. Sem prescindir da mencionada prescrição, considerando a impugnação da matéria de facto levada a cabo pela Recorrente, deve concluir-se que, no caso em apreço, não estão verificados os pressupostos da responsabilidade civil, pelo que, também por esse fundamento, a Sentença deve ser revogada.
30. Nos presentes autos, não se logrou provar qualquer conduta ilícita e culposa da Interveniente Acessória, a qual efetuou os trabalhos de movimento de terras para a construção do lanço da A32 de forma diligente, cumprindo todas as obrigações que se lhe impunham.
31. Ainda que se possa considerar que passaram camiões na rua onde se localiza a casa da Autora e do Interveniente Principal, a verdade é que não se provou que esses camiões fossem dumpers ou veículos que se encontram proibidos de circular na via pública, ou seja, não resultou provado que esses camiões sejam diferentes dos camiões que se encontram autorizados e habilitados a circular em qualquer estrada do país e essa circulação não reveste de qualquer ilicitude.
32. Também inexiste qualquer conduta culposa, sendo que a regra geral é a de que a responsabilidade se baseia na culpa e que incumbe ao lesado provar a culpa do autor da lesão, salvo se houver presunção de culpa, o que não se verifica na presente ação - cfr. n.° 2 do artigo 483.° e artigo 487.° do CC.
33. Discorda-se com o entendimento do Tribunal a quo no sentido de considerar que, no caso em apreço, está em causa uma atividade perigosa, para efeitos de aplicação do regime da responsabilidade pelo risco, em que há presunção da culpa, nos termos do n.° 2 do artigo 493.° do Código Civil.
34. Mas, para além de inexistir qualquer ilicitude ou culpa da A. na execução dos trabalhos de construção da A32, a verdade é que, no caso em apreço, não ficou demonstrado o nexo de causalidade entre os mesmos e os danos de que a casa da Autora e Interveniente Principal padece.
35. No Direito Português, a existência do nexo estabelece-se segundo a teoria da causalidade adequada, nos termos da qual só irá existir esse nexo se os factos: (i) tiverem causado, no caso concreto, o dano, e (ii) sejam abstratamente aptos a provocar o dano em questão.
36. no caso em apreço, o Tribunal a quo estabeleceu o nexo entre a passagem dos veículos e os danos do imóvel mas fê-lo considerando, apenas, a vertente abstrata da teoria da causalidade adequada, não tendo aferido da vertente concreta da mesma, violando assim o disposto no artigo 563.° do Código Civil.
37. Se o Tribunal a quo considerasse a vertente concreta, teria de concluir pela inexistência de prova de que foi a passagem de veículos dumpers, ou de quaisquer outros afetos à obra, a causa concreta e efetiva das patologias do imóvel.
38. O elenco da factualidade provada da Sentença é, aliás, omisso no que concerne à causa das patologias no imóvel da Autora, sendo o ponto 20 da Sentença manifestamente insuficiente para se identificar a causa dos danos verificados pelo Perito na visita que fez ao imóvel, no ano de 2019, cerca de 8 anos após a construção da autoestrada.
39. O apuramento da causa do aparecimento das patologias não pode ser aferido através de prova testemunhal, nomeadamente a que foi produzida nos autos, uma vez que está em causa matéria que exige especiais conhecimentos técnicos que as testemunhas não possuem e porque as testemunhas que foram ouvidas nem sequer identificaram de forma concreta o momento do aparecimento dos vários danos no imóvel, apenas se referindo às patologias no momento atual.
40. A decisão do Tribunal de 1.a Instância no sentido de desconsiderar a prova pericial para a prova do nexo de causalidade foi correta, atendendo à imparcialidade que o Senhor Perito demonstrou em audiência e, sobretudo, à falta de fundamentação das suas conclusões.
41. Não se demonstrando o nexo de causalidade, ter-se-á necessariamente que concluir que não se verificam os pressupostos da responsabilidade civil, indispensáveis à constituição de uma obrigação de indemnizar a Autora e o Interveniente Principal, e, deste modo, a decisão de condenação proferida pelo Tribunal a quo deve ser revogada e substituída por outra que julgue a ação totalmente improcedente, por falta de fundamento de facto e de direito, o que se requer.
42. A Recorrente não concorda com a decisão de condenação no pagamento de uma indemnização de € 2.000,00, a título de danos morais, porquanto a mesmos não é fundamentada quer em termos de facto quer em termos de direito.
43. Ainda que a impugnação da matéria de facto relativa ao ponto 21 venha a ser julgada improcedente, o que não se concede e que, por esse motivo, se mantenha inalterada a redação daquele ponto, a factualidade dele constante é insuficiente para qualificar os incómodos sofridos pela Autora e Interveniente Principal como danos morais graves para efeitos da aplicação do disposto no n.°1 do artigo 496.° do Código Civil.
44. No caso em apreço, ficou por saber qual é que foi o concreto incómodo/transtorno causado de ordem moral que justifique a sua classificação como dano não patrimonial. De igual forma, ficou por conhecer do seu carácter de grave para efeitos de o considerar indemnizável. A mera alegação conclusiva e abstrata de realidades como as que constam do ponto 21 da Sentença não é suficiente para essa sindicância.
45. Os incómodos e arrelias demonstrados nos autos consubstanciam os incómodos normais afetos à construção de uma qualquer obra e sofridos pela generalidade das pessoas que se vê confrontada com a mesma, pelo que não são suscetíveis de ser qualificados como danos indemnizáveis ao abrigo do disposto no artigo 496.° do Código Civil (…)”.
*
Notificada que foi para o efeito, a Recorrida M...... não contra-alegou.
*
O Tribunal a quo proferiu despacho de admissão do recurso interposto, fixando os seus efeitos e o modo de subida, tendo ainda sustentado a inexistência de qualquer nulidade de sentença.
*
O/A Digno[a] Magistrado[a] do Ministério Público junto deste Tribunal Superior silenciou quanto ao propósito a que se alude no nº.1 do artigo 146º do C.P.T.A.
*

Com dispensa de vistos prévios, cumpre, pois, apreciar e decidir, já que nada a tal obsta.
* *
* *
II - DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO - QUESTÕES A DECIDIR
O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, de acordo com o disposto nos artigos 144.º n.º 2 e 146.º n.º 4 do C.P.T.A. e dos artigos 5.º, 608.º n.º 2, 635.º n.ºs 4 e 5 e 639.º do novo CPC ex vi dos artigos 1.º e 140.º do CPTA.
Neste pressuposto, as questões essenciais a dirimir são as seguintes:
(i) Recurso jurisdicional interposto por D, ACE: determinar se a sentença recorrida enferma de erro de julgamento de (i.1) facto e de (i.2) direito;
(ii) Recurso interposto por A., S.A.: apurar se a decisão judicial recorrida enferma de (ii.1.) nulidade de sentença, e, bem assim, de (ii.2) erro na apreciação matéria de facto e na (ii.3) subsunção jurídica dos factos
Assim sendo, estas serão, por razões de precedência lógica, as questões a apreciar e decidir.
* *
III- DO MÉRITO DA INSTÂNCIA DE RECURSO
*

III.1 – DA NULIDADE DE SENTENÇA
*

Vem a Recorrente A., S.A., invocar que, enquanto interveniente acessória, em nenhuma circunstância poderia ter sido condenada a cumprir qualquer obrigação decorrente de pedido da Autora e Interveniente Principal, como ocorreu na Sentença proferida, pelo que, ao fazê-lo, o Tribunal proferiu pronúncia sobre matéria que lhe estava vedada, cometendo, dessa forma, a nulidade prevista na parte final da al. d) do nº 1 do artigo 615º do CPC.
Quid iuris?
Nos termos do n.º 1 do artigo 615º do CPC, é nula a sentença quando o juiz conheça de questões de que não podia tomar conhecimento ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento – alínea d).
A nulidade de sentença por omissão de pronúncia só ocorre quando o tribunal deixar de apreciar questão que devia conhecer.
A nulidade da sentença por excesso de pronúncia, por sua vez, constitui o reverso da emergente da omissão de pronúncia.
Verifica-se esta quando o julgador conhece de questões que as partes não submeteram à sua apreciação, nem são de conhecimento oficioso [artigos 608.º, n.º 2, 609.º, n.º 1 e 615.º, n.º 1, alínea d), do CPC].
Ao que sejam “questões”, para estes efeitos, respondem Lebre de Freitas, Montalvão Machado e Rui Pinto no Código de Processo Civil Anotado, 2.º, 2.ª edição, pág. 704: são “todos os pedidos deduzidos, todas as causas de pedir e exceções invocadas e todas as exceções de que oficiosamente lhe cabe conhecer”, não significando “considerar todos os argumentos que, segundo as várias vias, à partida plausíveis, de solução do pleito [artigo 511-1] as partes tenham deduzido…”[página 680].
No mesmo sentido se podendo ver, A. Varela, RLJ, 122,112 e Rodrigues Bastos, Notas ao Código de Processo Civil, III, 195.
E tem sido particularmente reiterada a jurisprudência que o juiz deve conhecer de todas as questões, não carecendo de conhecer de todas as razões ou de todos os argumentos [cfr-se., por todos, os Ac. de 25.2.1997, no BMJ, 464 – 464 e de 16.1.1996, na CJ STJ, 1996, 1.º, 44 e, em www.dgsi.pt, os de 13.9.2007, processo n.º 07B2113 e de 28.10.2008, processo n.º 08A3005].
Munidos destes considerandos de enquadramento doutrinal e jurisprudencial, e regressando ao caso concreto, adiante-se, desde já, que, atendendo aos fundamentos concretamente invocados, não assiste razão à Recorrente na arguida nulidade de sentença.
Realmente, o Tribunal a quo não omitiu o conhecimento qualquer “questão” - nos termos e com o alcance supra explicitados - que devesse apreciar.
De igual modo, não dispôs sobre qualquer “questão” - nos termos e com o alcance supra explicitados - que não devesse conhecer.
Nesta esteira, é de manifesta evidência que não pode apontar-se à decisão judicial recorrida qualquer nulidade de sentença emergente da violação do disposto no artigo 615º, nº.1, alínea d) do CPC.
Questão diversa é de saber se a integração da sociedade A., S.A., no leque de Réus foi bem ou mal operada, que, no fundo, constitui o ponto nuclear da alegação da Recorrente.
Mas tal interrogação não se insere no vício de nulidade de sentença, antes se incluindo no âmbito de eventual erro de julgamento.
Este Tribunal Superior, porém, não está impedido de apreciar como erro de julgamento aquilo que é apresentado pela Recorrente como nulidade da sentença.
Realmente, como se expendeu no aresto do Órgão Cúpula desta Jurisdição, de 22.01.2014, tirado no processo nº. 05/14, “(…) enquanto tribunal ad quem, não estamos impedidos de apreciar como erro de julgamento aquilo que foi apresentado pela Recorrente como nulidade da sentença. Na verdade, na função jurisdicional cumpre ao tribunal, não apenas interpretar e aplicar a lei, mas também interpretar e apreciar corretamente, sem formalismo exagerados, os factos alegados, sendo livre na sua qualificação jurídica, nos termos que ficaram já referidos (Neste sentido, os seguintes acórdãos deste Supremo Tribunal Administrativo: – de 24 de maio de 2005, do Pleno da Secção do Contencioso Administrativo, proferido no processo n.º 46592, acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, publicado no Apêndice ao Diário da República de 30 de novembro de 2005 (https://dre.pt/pdfgratisac/2005/32020.pdf), págs. 851 a 858, também disponível em http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/04a9e00ea6eb7a918025701a004f552c?OpenDocument; – de 7 de novembro de 2012, proferido no processo n.º 1109/12, publicado no Apêndice ao Diário da República de 8 de novembro de 2013 (https://dre.pt/pdfgratisac/2012/32240.pdf), págs. 3406 a 3412,também disponível em http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/8673ffdcf026532480257abb003306da?OpenDocument.) (…)”.
Assim, vejamos, então, se a integração da sociedade A., S.A. foi bem ou mal operada pelo Tribunal a quo.
Nesse domínio, dir-se-á que os autos são inequívocos na afirmação de que a sociedade A., SA. foi admitir a intervir nos autos como interveniente acessória por despacho datado de 23.01.2014 [cfr. fls. 438 dos autos digitais, cujo teor se dá por integralmente reproduzido].
Ora, a propósito do estatuto processual do interveniente acessório, ressalte-se o teor da jurisprudência firmada pelo Tribunal Central Administrativo Sul promanado no processo nº. 11854/15, datado de 30.06.2016, porque esclarecedora desta temática: “(…)
A intervenção acessória provocada encontra-se regulada nos arts. 330º a 333º, do CPC de 1961.
Estatui o art. 330º, do CPC de 1961, na redação do DL 329-A/95, de 12/12, sob a epígrafe “Campo de aplicação”, o seguinte:
“1 - O chamamento é deduzido pelo réu na contestação ou, não pretendendo contestar, no prazo em que esta deveria ser apresentada.
2 - O juiz, ouvida a parte contrária, deferirá o chamamento quando, face às razões alegadas, se convença da viabilidade da ação de regresso e da sua conexão com a causa principal” (sublinhados nossos).
Prescreve o art. 332º, desse mesmo Código, na redação do DL 180/96, de 25/9, sob a epígrafe “Termos subsequentes”, que:
“1 - O chamado é citado, correndo novamente a seu favor o prazo para contestar e passando a beneficiar do estatuto de assistente, aplicando-se, com as necessárias adaptações, o disposto nos artigos 337.º e seguintes.
(…)
4 - A sentença proferida constitui caso julgado quanto ao chamado, nos termos previstos no artigo 341.º, relativamente às questões de que dependa o direito de regresso do autor do chamamento, por este invocável em ulterior ação de indemnização” (sublinhados nossos).
Por sua vez no art. 337º, desse mesmo diploma, na redação do DL 329-A/95, de 12/12, sob a epígrafe “Posição do assistente – Poderes e deveres gerais”, determina-se o seguinte:
“1 - Os assistentes têm no processo a posição de auxiliares de uma das partes principais.
2 - Os assistentes gozam dos mesmos direitos e estão sujeitos aos mesmos deveres que a parte assistida, mas a sua atividade está subordinada à da parte principal, não podendo praticar actos que esta tenha perdido o direito de praticar nem assumir atitude que esteja em oposição com a do assistido; havendo divergência insanável entre a parte principal e o assistente, prevalece a vontade daquela.
3 - Pode requerer-se o depoimento do assistente como parte” (sublinhados nossos).
E no art. 341º, também do CPC de 1961, sob a epígrafe “Valor da sentença quanto ao assistente”, dispõe-se que:
“A sentença proferida na causa constitui caso julgado em relação ao assistente, que é obrigado a aceitar, em qualquer causa posterior, os factos e o direito que a decisão judicial tenha estabelecido, exceto:
a) Se alegar e provar, na causa posterior, que o estado do processo no momento da sua intervenção ou a atitude da parte principal o impediram de fazer uso de alegações ou meios de prova que poderiam influir na decisão final;
b) Se mostrar que desconhecia a existência de alegações ou meios de prova suscetíveis de influir na decisão final e que o assistido não se socorreu deles intencionalmente ou por negligência grave” (sublinhados nossos).
O incidente de intervenção acessória provocada é uma inovação da reforma de 1995/1996, destinada a colmatar a lacuna decorrente da supressão do incidente do chamamento à autoria.
Quanto a esta matéria é elucidativo o preâmbulo do DL 329-A/95, de 12/12, no qual, a este propósito, escreveu-se o seguinte:
“Relativamente às situações presentemente abordadas e tratadas sob a égide do chamamento à autoria, optou-se por acautelar os eventuais interesses legítimos que estão na base e fundam o chamamento nos quadros da intervenção acessória, admitindo, deste modo, em termos inovadores, que esta possa comportar, ao lado da «assistência», também uma forma de intervenção (acessória), provocada ou suscitada pelo réu da causa principal.
Considera-se que a posição processual que deve corresponder ao titular da ação de regresso, meramente conexa com a controvertida - invocada pelo réu como causa do chamamento -, é a de mero auxiliar na defesa, tendo em vista o seu interesse indireto ou reflexo na improcedência da pretensão do autor, pondo-se, consequentemente, a coberto da ulterior e eventual efetivação da ação de regresso pelo réu da demanda anterior, e não a de parte principal: mal se compreende, na verdade, que quem não é reconhecidamente titular ou contitular da relação material controvertida (mas tão-somente sujeito passivo de uma eventual ação de regresso ou indemnização configurada pelo chamante) e que, em nenhuma circunstância, poderá ser condenado caso a ação proceda (ficando tão-somente vinculado, em termos reflexos, pelo caso julgado, relativamente a certos pressupostos daquela ação de regresso, a efetivar em demanda ulterior) deva ser tratado como «parte principal».
A fisionomia atribuída a este incidente traduz-se, nesta perspectiva, numa intervenção acessória ou subordinada, suscitada pelo réu na altura em que deduz a sua defesa, visando colocar o terceiro em condições de o auxiliar na defesa, relativamente à discussão das questões que possam ter repercussão na ação de regresso ou indemnização invocada como fundamento do chamamento” (sublinhados e sombreados nossos).
A intervenção acessória produz, assim, uma modificação subjetiva da relação processual (cfr. art. 270º, al. b), do CPC de 1961), fazendo surgir na lide um sujeito passivo de uma relação conexa que o autor não demandou, mas não opera uma qualquer modificação objetiva, pois o objeto da ação é o que foi fixado na petição inicial, ou seja, as questões a discutir continuam a ser apenas aquelas que contendem com a apreciação do pedido formulado na petição inicial.
Nestes termos, o tribunal não vai pronunciar-se sobre a verificação de qualquer dos fundamentos do pretendido direito de regresso, matéria que será apurada, sendo caso disso, na ação a intentar com tal fundamento.
O chamado é, assim, admitido a intervir como mero auxiliar na defesa - isto é, não tem o estatuto de parte principal (pois passa a beneficiar do estatuto de assistente, aplicando-se-lhe, com as devidas adaptações, o disposto nos arts. 337º e ss., ex vi art. 332º n.º 1, todos do CPC de 1961) - e o único efeito útil do chamamento é de fazer com que a sentença proferida constitua caso julgado quanto ao chamado, nos termos previsto no art. 341º, acima transcrito, relativamente às questões de que depende o direito de regresso do autor do chamamento (cfr. art. 332º n.º 4, também supra transcrito), ou seja, o âmbito da intervenção acessória provocada circunscreve-se à discussão das questões pertinentes à relação jurídico material que serve de causa de pedir à ação em que foi suscitada a intervenção e que possam ter repercussão na eventual ação de regresso, não incidindo, portanto, sobre o próprio objeto desta ação de regresso.
Dito por outras palavras, o chamado não se apresenta como sujeito passivo da relação material controvertida, mas sim de outra relação conexa com aquela que tem como sujeito ativo o réu na lide.
Assim sendo, a intervenção acessória provocada não dá lugar a condenação ou absolvição do chamado (ao contrário do que ocorre relativamente ao interveniente principal – cfr. art. 328º, do CPC de 1961), mas antes e apenas estende a este os efeitos do caso julgado da decisão proferida na causa.
Este tem sido o entendimento reiterado da jurisprudência, tendo-se pronunciado neste sentido nomeadamente os seguintes arestos:
- Acs. do STA de 29.5.2008, proc. n.º 947/07 [“II - O fundamento básico da intervenção acessória provocada é a possibilidade do assistido, mais tarde, vir a exercer o direito de regresso com vista ao ressarcimento do prejuízo sofrido com a perda da demanda. III - Deste modo, e muito embora seja certo que os chamados, enquanto assistentes do Réu, compartilham com ele as vicissitudes da ação também o é que, não sendo titulares ou contitulares da relação material controvertida mas de uma relação conexa que serve de base ao chamamento, não podem ser condenados solidariamente com ele”], e 25.10.2007, proc. n.º 1136/06 [“I - O chamado no âmbito do incidente de intervenção acessória provocada prevista no artigo 330.º do CPC tem o estatuto de assistente por ser titular de uma relação de regresso, meramente conexa com a controvertida no âmbito do processo onde se procura o chamamento, assumindo-se como mero auxiliar do Réu (chamante), relativamente à dimensão das questões que possam ter repercussão na ação de regresso ou indemnização invocada como fundamento do chamamento, por isso é que o chamado não pode ser condenado, no pedido formulado contra o Réu na ação, não se apresentando como sujeito passivo da relação material controvertida, mas sim de outra relação conexa com aquela, que tem como sujeito ativo o Réu na lide”];
- Acs. do STJ de 18.4.2006, proc. n.º 6A712 [“III. Os chamados pelas rés por meio de intervenção acessória, nos termos do art. 330º, nº 1 do Cód. de Proc. Civil, não podem ser condenados no pedido formulado apenas contra aquelas rés”], 21.3.2006, proc. n.º 6A298 [“O fundamento básico da intervenção acessória provocada é a ação de regresso da titularidade do R. contra terceiro, destinada a permitir-lhe a obtenção da indemnização pelo prejuízo que eventualmente lhe advenha da perda da demanda./O chamado não influencia a relação jurídica processual desenvolvida entre o A. e o chamante e, daí que nela não pode haver sentença de condenação./Como assim, tendo uma seguradora intervindo nos autos apenas e só na qualidade de interveniente acessória, nunca poderia ter sido condenada”], 1.6.2004, proc. n.º 4A1767 [“5. O interveniente acessório é mero auxiliar na defesa do réu e não parte principal, não podendo ser condenado se a ação proceder”], e 5.2.2002, proc. n.º 1A3869 [“1. O interveniente acessório provocado não é sujeito da relação material controvertida no processo, pelo que, a proceder a ação, é o réu, e não o chamado, que deve ser condenado”];
- Ac. do TCA Sul de 26.3.2015, proc. n.º 9298/12 [“III – O interveniente acessório não é parte (interveniente principal) no processo, pelo que a proceder a ação, é o réu, e não o interveniente acessório que é nela condenado”];
- Acs. da Rel. de Lisboa de 13.3.2014, proc. n.º 505/12.0 TBCVL.B.L1-2 [“II – Do que resulta que na estrutura do incidente de intervenção acessória há a considerar duas relações jurídicas distintas: a relação material controvertida na lide de que é sujeito ativo o autor e passivo o réu; e a relação jurídica de regresso, ou de indemnização, invocada como fundamento do chamamento, que tem como titular ativo o réu da causa principal e passivo, o terceiro que aquele pretende chamar à ação. III - O interveniente acessório intervém no processo, não na qualidade de sujeito passivo da relação controvertida na lide, mas sujeito passivo de uma pretensão que o réu formula no seu confronto, conexa com o objeto da lide. IV - A intervenção acessória traduz-se num incidente que em nada aproveita ao autor, mas apenas ao réu, desde logo na medida em que nunca conduz à condenação na ação de quem através dela é chamado”], e 22.4.2004, proc. n.º 745/2004-6.
Este entendimento tem igualmente sido propugnado pela doutrina, assim e a título de exemplo:
- Salvador da Costa, Os Incidentes da Instância, 1999, págs. 121, 122, 130, 131, 144, 145 e 152 [“Esta solução legal é inspirada, face ao interesse indireto ou reflexo na improcedência da pretensão do autor, pela ideia de a posição processual que deve corresponder ao titular de uma relação de regresso, meramente conexa com a relação jurídica material controvertida objeto da causa principal, é a de mero auxiliar na defesa, em termos de acautelamento da eventualidade da hipótese de no futuro contra ele ser intentada, por quem foi réu na ação anterior, ação de regresso para a efetivação do respectivo direito./Acentuou-se a incompreensão de ser tratado como parte principal quem não é reconhecidamente titular ou contitular da relação material controvertida, mas apenas sujeito passivo de uma eventual ação de regresso ou de indemnização configurada pelo chamante, sem poder ser condenado no caso de a ação proceder, isto porque só ficava vinculado em termos reflexos relativamente a certos pressupostos da ação de regresso./Através da sub-espécie do incidente de intervenção acessória na causa, pode agora o réu, na altura em que deduza a sua defesa na causa principal, suscitar a intervenção do terceiro que o possa auxiliar na defesa relativamente à discussão das questões suscetíveis de se repercutir na ação de regresso ou de indemnização invocada como fundamento do chamamento./No fundo, trata-se de uma sub-espécie de incidente de intervenção acessória, suscitado pelo réu que pretenda fazer intervir no processo o sujeito passivo de uma relação jurídica material controvertida conexa com a que é objeto da acção./Nela se confrontam duas relações jurídicas materiais distintas, ou seja, a que é discutida entre o autor e o réu, naturalmente da titularidade de um e de outro, e aquela que é designada de ação de regresso ou de indemnização que serve de base ou fundamento ao chamamento./O fundamento básico da intervenção acessória provocada é a ação de regresso da titularidade do réu contra terceiro, destinada a permitir-lhe a obtenção da indemnização pelo prejuízo que eventualmente lhe advenha da perda da demanda. (…)/Resulta deste normativo que o âmbito do caso julgado material em relação ao chamado se circunscreve às questões de que dependa o direito de regresso do réu chamante./O interveniente não é, pois, condenado nesta primeira ação, e apenas fica vinculado, em regra, a aceitar os factos dos quais derivou a condenação do primitivo réu propriamente dito, isto é, o que implementou o chamamento. (…)/Este incidente permite que se estendam ao chamado os efeitos do caso julgado da sentença, de modo a que não seja possível nem necessário que na subsequente ação de indemnização proposta pelo réu contra o chamado se voltem a discutir as questões já decididas no anterior processo./Assim, em regra, na nova ação de indemnização em que figure como réu o chamado à intervenção, ele fica vinculado a aceitar a sentença respectiva como prova plena dos factos nela estabelecidos relativamente ao direito definido e no que concerne às questões de que a ação de regresso dependa. (…)/(…) de o assistente não fazer valer diretamente no processo um interesse próprio, e de a intervenção implicar, não a modificação do objeto material do litígio, mas tão só a modificação da sua vertente subjetiva. (…)/Como o assistente não pode ser condenado no quadro da sua intervenção na causa principal, naturalmente porque não é titular da relação jurídica principal controvertida, a sentença é insuscetível de constituir título executivo contra ele”];
- Carlos Francisco de Oliveira Lopes do Rego, Comentários ao Código de Processo Civil, Volume I, 2ª Edição, 2004, págs. 313 e 314 [“Considerou-se, deste modo, em clara divergência com o regime anteriormente vigente no Código de Processo Civil, que quem não é reconhecidamente titular ou contitular da relação material controvertida – mas tão-somente sujeito passivo, no confronto do réu, de uma eventual ação de regresso ou indemnização, com aquela conexa – e que, em nenhuma circunstância, poderá ser condenado caso a ação proceda (ficando tão-somente vinculado, em termos reflexos, pelo caso julgado, relativamente a certos pressupostos daquela “ação de regresso”, a efetivar em demanda ulterior) – não deve ser tratado como parte principal – (…) O papel e o estatuto do terceiro reconduzem-se, pois, ao de auxiliar na defesa, visando com a sua atuação processual - não obstar à própria condenação, reconhecidamente impossível - mas produzir a improcedência da pretensão que o autor deduziu no confronto do réu-chamante”];
- José Lebre de Freitas, João Redinha e Rui Pinto, Código do Processo Civil Anotado, Volume 1º, 1999, págs. 585, 586 e 590;
- Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, Volume I, 3ª Edição, 1982, págs. 478 e 479 [“Quer dizer, embora o assistente não tenha no processo a posição de autor nem a de réu, fica submetido à eficácia e autoridade da sentença, definidas no artigo 671.º. A sentença, uma vez transitada em julgado, tem, quanto a ele, força obrigatória: O assistente não pode recusar-se a aceitar como exatos, em qualquer ação posterior, os factos e o direito que a sentença haja estabelecido; (…) A força do caso julgado da sentença em relação ao assistente não vai até ao ponto de poder servir de base a execução promovida contra ele. Quem é condenado na ação é a parte principal; o tribunal condena o assistido, se este decair, mas não condena o assistente. A sentença fica constituindo título executivo contra aquele, não contra este. (…) São elucidativas as seguintes palavras: para o efeito de este ser obrigado a aceitar, em qualquer causa posterior, os factos e o direito que a mesma tenha estabelecido./Estas palavras foram escritas precisamente para denotar que só para o indicado efeito é que a sentença vale como caso julgado a respeito do assistente e portanto não pode ela servir de base a execução promovida contra o mesmo”];
- Jacinto Rodrigues Bastos, Notas ao Código de Processo Civil, Volume II, 2ª Edição, 1971, págs. 149, 155 e 156;
- Eurico Lopes-Cardoso, Manual dos Incidentes da Instância em Processo Civil, 2ª Edição, 1965, pág. 155 [“O assistido não pode ser condenado nem absolvido na causa. (…) O simples facto de ser admitido a assistir vincula-o, porém, a tal decisão, não porque esta forme caso julgado pleno contra ele e portanto contra ele seja exequível nos termos do artigo 57º, mas no sentido de que o assistente, em nova ação onde tenha a posição de parte principal, fica obrigado a aceitá-la como prova plena dos factos que a sentença estabeleceu, e como caso julgado relativamente ao direito que definiu”] (…)”.
Acompanhando e acolhendo a interpretação assim declarada, tem-se, portanto, por assente que a admissão da intervenção acessória provocada com fundamento na invocação de direito de regresso produz uma modificação subjetiva na relação processual, fazendo surgir, na lide, um sujeito passivo de uma relação conexa que o Autor não demandou, mas não opera qualquer modificação objetiva, nem dá lugar a condenação ou absolvição do interveniente acessório.
Perante este quadro, é de manifesta evidência que a interveniente acessória A., S.A., nunca poderia ter sido ser condenada no pedido.
Deste modo, não tendo sido este o caminho trilhado pelo Tribunal a quo, é mandatório concluir que este, ao decidir como decidir, interpretou mal e violou o disposto o bloco legal aplicável, incorrendo, em erro de julgamento de direito na decisão judicial ora apelada.
Pelo que se impõe revogar a decisão judicial recorrida na parte que condenou a Interveniente Acessória A., S.A., “(…) a pagar ao Autor as seguintes quantias: a) A título de danos patrimoniais, a quantia de € 5.000,00; b) A título de danos não patrimoniais, a quanto de € 2.000,00 c) No pagamento de juros sobre aquelas quantias, à taxa legal, devidos a partir da citação até integral pagamento (…)”.
Vinga, portanto, a argumentação avançada pela Recorrente A. no domínio em análise, o que determina a prejudicialidade do conhecimento da remanescente argumentação aduzida no domínio do recurso jurisdicional ora em análise.
De facto, sendo a argumentação aduzida nas conclusões de recurso da Recorrente A. unicamente tendente a afastar a condenação de que foi alvo no dispositivo, em face da procedência do erro de julgamento supra caracterizado e das consequências processuais daí resultantes, resulta perfeitamente inútil a apreciação da mesma.
Outrossim é de relevar que a circunstância da decisão recorrida nada dispor e/ou definir em matéria do direito de regresso, inexistindo, por isso, qualquer afetação da posição da chamada no âmbito do recurso jurisdicional em análise, o que também contribuiu para a posição ora assumida por este Tribunal no que diz respeita a esta matéria.
O recurso jurisdicional deduzido pela Recorrente A. merece, portanto, provimento, o que arreda o conhecimento dos demais argumentos aduzidos [cfr. artigo 95º, nº. 1 in fine do C.P.T.A. e 608º nº.2 do CPC].
*

III.2 – DO ERRO DE JULGAMENTO DE FACTO
*

A segunda questão decidenda consubstancia-se em saber se deve ser alterada a decisão sobre a matéria de facto nos pontos indicados pela Recorrente D, ACE.
Vejamos.
A lei processual, para facultar a reapreciação da decisão matéria da facto, exige, desde logo, o cumprimento do ónus processual preconizado no artigo 640º do CPC.
De facto, e no que concerne à sua legal admissibilidade, ressuma com evidência do preceituado no nº. 2 do artigo 640º do CPC que, “sob pena de imediata rejeição do recurso”, deve o Recorrente “indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes”.
Destaca-se, nesta problemática, o Acórdão produzido por este Tribunal Central Administrativo Norte de 04.12.2015, no processo nº. 418/12.6BEPRT, cujo teor ora parcialmente se transcreve:”(…)
Como resulta do art.º 640, nºs. 1, b) e 2, a), do CPC, quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar (dá-se aqui uma “ênfase redundante” nas palavras de Cardona Ferreira in Guia de Recursos em Processo Civil, 5º edição, pág. 167), os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida, sendo que quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes.
Tem por objectivo responsabilizar as partes (princípio da auto-responsabilidade das partes), vedando-lhes a impugnação a decisão da matéria de facto como uma mera manifestação de inconformismo infundado – cfr. A. Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, 3ª edição, 2010, Almedina, p. 159 – bem como garantir, para além do contraditório, a cooperação processual entre as partes e o Tribunal.
Cfr. Ac. RL, de 26-03-2015, proc. nº 183/13.0TBPTS.L1-2 [destaque nosso]:
«(…) o art. 640.º do CPC fixa o ónus de alegação a cargo do recorrente que impugna a decisão relativa à matéria de facto.
Desse ónus, consta, designadamente, a especificação obrigatória dos concretos pontos de facto considerados incorretamente julgados, dos concretos meios probatórios, constantes do processo ou da gravação nele realizada e da decisão que, no entender do recorrente, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas (art. 640.º, n.º 1, do CPC).
O estabelecimento desse ónus de alegação destina-se, fundamentalmente, a proporcionar o efetivo contraditório da parte contrária e, por outro lado, a facilitar a compreensão e decisão da impugnação pela Relação, que pode modificar a decisão de facto, nos termos do disposto no art. 662.º, n.º 1, do CPC.
O incumprimento de tal ónus de alegação implica, sem mais, a rejeição da impugnação da decisão relativa à matéria de facto (art. 640.º, n.º 1, do CPC).».
Conforme se sumaria no Ac. deste TCAN, de 22-05-2015, proc. nº 132/10.7BEPNF [destaque nosso]:
I) – Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente: (i) sob pena de rejeição, especificar os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; (ii) sob pena de imediata rejeição na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes, quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados.
De igual forma no Ac. deste TCAN, de 28-02-2014, proc. nº 00048/10.7BEBRG [destaque nosso]:
I. Resulta do art. 685.º-B do CPC que quando se visa impugnar a decisão proferida sobre a matéria de facto o recorrente deve, obrigatoriamente, especificar, sob pena de rejeição do recurso, não só os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, como os concretos meios de prova constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizado, que impunham decisão diversa sobre a matéria de facto impugnada.
Igualmente no Ac. deste TCAN, de 22-10-2015, proc. nº 1369/04.3BEPRT, se lembra [destaque nosso]:
«Como já salientámos em casos idênticos (v. Acórdão do TCAN, de 22.05.2015, P. 1224/06.2BEPRT), as competências dos Tribunais Centrais Administrativos em sede de intervenção na decisão da matéria de facto encontram-se reguladas, por força da remissão do artigo 140.º do CPTA, nos artigos 640.º e 662.º do CPC/2013, que acolheram um regime que, de um lado, assume a alteração da matéria de facto como função normal da 2.ª instância e, do outro, não permite recursos genéricos contra a errada decisão da matéria de facto, mas apenas admite a possibilidade de revisão de “concretas questões de facto controvertidas relativamente às quais sejam manifestadas e concretizadas divergências pelo recorrente” (v. Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2ª ed., Coimbra, 2014, 130). Neste contexto, recai sobre o recorrente, que impugne a decisão relativa à matéria de facto, o ónus de especificar, por um lado, os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados e, por outro, os concretos meios probatórios que, no seu entender, impunham decisão diversa da recorrida, quanto a cada um dos factos que entende que deviam ter sido dados como provados ou não provados, incluindo a indicação exata das passagens da gravação, no caso de depoimentos gravados (artigo 640.º do CPC) (…)”.
Em reforço deste entendimento, ressalte-se o expendido no Acórdão deste T.C.A.N. de 17.01.2020 [processo n.º 141/09.9BEPNF], consultável em www.dgsi.pt:
“(…) Sintetizando, à luz deste regime, seguindo a lição de Abrantes Geraldes António Abrantes Geraldes, in “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, 4ª ed., 2017, pág. 155 sempre que o recurso de apelação envolva matéria de facto, terá o recorrente: a) em quaisquer circunstâncias indicar sempre os concretos factos que considere incorretamente julgados, com a enunciação na motivação do recurso e síntese nas conclusões; b) especificar, na motivação, os meios de prova constantes do processo ou que nele tenham sido registados que, no seu entender, determinam uma decisão diversa quanto a cada um dos factos; c) relativamente a pontos de facto cuja impugnação se funde, no todo ou em parte, em provas gravadas, para além da especificação obrigatória dos meios de prova em que o recorrente se baseia, cumpre-lhe indicar, com exatidão, na motivação, as passagens da gravação relevantes e proceder, se assim o entender, à transcrição dos excertos que considere oportunos.
O cumprimento dos referidos ónus tem, como adverte Abrantes Geraldes, a justificá-lo a enorme pressão, geradora da correspondente responsabilidade de quem, ao longo de décadas, pugnou pela modificação do regime da impugnação da decisão da matéria de facto e se ampliasse os poderes da Relação, a pretexto dos erros de julgamento que o sistema anterior não permitia corrigir; a consideração que a reapreciação da prova produzida em 1ª instância, enquanto garantia do duplo grau de jurisdição em sede de matéria de facto, nunca poderá envolver, pela própria natureza das coisas, a reapreciação sistemática e global de toda a prova produzida; a ponderação de que quem não se conforma com a decisão da matéria de facto realizada pelo tribunal de 1ª instância e se dirige a um tribunal superior, que nem sequer intermediou a produção da prova, reclamando a modificação do decidido, terá de fundamentar e justificar essa sua irresignação, sendo-lhe, consequentemente, imposto uma maior exigência na impugnação da matéria de facto, mediante a observância de regras muito precisas, sem possibilidade de paliativos, sob pena de rejeição da sua pretensão e, bem assim o princípio do contraditório, habilitando a parte contrária de todos os elementos para organizar a sua defesa, em sede de contra-alegações.
É que só na medida em que se conhece especificamente o que se impugna e qual a lógica de raciocínio expandido na valoração/conjugação deste ou daquele meio de prova, é que se habilita a parte contrária a poder contrariá-lo em sede de contra-alegações.
A apreciação do cumprimento das exigências legalmente prescritas em sede de impugnação da matéria de facto deve ser feita à luz de um “critério de rigor” como decorrência dos referidos princípios de autorresponsabilização, de cooperação, lealdade e boa-fé processuais e salvaguarda cabal do princípio do contraditório a que o recorrente se encontra adstrito, sob pena da impugnação da decisão da matéria de facto se transformar numa “mera manifestação de inconsequente inconformismo”(…)”.
Deste modo, à luz de tudo o quanto se vem de expender, haverá que se entender que a lei processual, para facultar a reapreciação da decisão matéria da facto, exige que o Tribunal Superior seja confrontado com (i) os concretos pontos que, no entender do Recorrente, se mostram como incorretamente julgados; (i.1) a indicação do meio probatório que impõe decisão diversa da recorrida; (i.2) a definição da decisão que, no entender daquele, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas; e a (i.3) expressa de indicação com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso.
Cientes do que se vem de expor, importa agora analisar a situação sob apreciação aferindo do cumprimento do ónus processual supra sintetizados, e, mostrando-se necessário, do acerto da matéria de facto sob impugnação.
E, nesse domínio, dir-se-á que, com referência ao erro de julgamento assinalado quanto aos factos nºs. 19) e 20), a Recorrente D, ACE faz expressa referência aos pontos de facto que, no seu entender, se mostram como incorretamente julgados, motivando, na exigência de lei, tal entendimento, ou seja, com definição do meio probatório que impõe decisão diversa da recorrida, que define objetivamente, e com expressa de indicação com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso.
Já o mesmo, todavia, não se pode afirmar no que tange ao erro de julgamento assinalado ao facto nº. 21 do probatório.
Realmente, a Recorrente não cumpre adequadamente o ónus de impugnação que lhe impedia.
Com efeito, não basta fazer apelo a uma realidade vaga e indeterminada – “ (…) não foi feita qualquer prova acerca dos danos não patrimoniais alegadamente sofridos pelos AA., em razão da passagem dos camiões – as testemunhas falam todas em incómodos pela construção da auto-estrada, incómodos esses que a própria sentença considerou como sendo consentâneos com a normal vivência em sociedade (…)” para se cumprir o ónus de alegação a cargo da Recorrente que impugna a decisão relativa à matéria de facto, sendo necessário indicar, para além dos concretos pontos se mostram como incorretamente julgados, o meio probatório que impõe decisão diversa da recorrida com expressa indicação com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso.
O que, claramente, não sucede no caso dos autos.
E nestas situações, não tem lugar à aplicação do princípio pro actione, no sentido do convite ao aperfeiçoamento.
Efetivamente, como se decidiu no aresto do Tribunal da Relação de Guimarães, 29.09.2014, tirado no processo nº. de 81001/13.0YIPRT.G1, com plena mais valia para o caso em apreço:
”(…) Cumpre também referir que esta rejeição parcial do recurso não deve ser precedida de despacho de aperfeiçoamento. Em primeiro lugar, porque é a própria lei que refere a rejeição deve ser imediata, ou seja, próxima, sem algo de permeio; em segundo lugar porque quando a lei do processo, sob o art.º 639º, nº 3, prevê, em sede de recurso, o dever funcional de prolação de despacho de aperfeiçoamento, fá-lo apenas relativamente às conclusões deficientes, obscuras, complexas ou quando nelas não se tenha procedido às especificações a que alude o anterior nº 2, e não também quanto às alegações propriamente ditas, sendo que, no caso sub judice, as insuficiência são comuns às alegações e às conclusões.
Dir-se-á ainda que a admitir a reapreciação dos depoimentos gravados nos termos em que ela é solicitada, estaria aberta a porta ao incumprimento de um dos pressupostos indispensáveis da impugnação da decisão em matéria de facto, obrigando a Relação à audição de toda a prova gravada em qualquer processo, com todo o esforço inútil que isso pode representar para o tribunal ad quem, tendo como contrapeso a desresponsabilização processual do recorrente. Assim se contrariaria absolutamente todo o sentido e o espírito do circunstancialismo jurídico que orientou os novos termos da admissibilidade do recurso em matéria de facto e o próprio art.º 640º, nº 2, al. a) que lhes dá corpo ao prever a imediata rejeição do recurso --- portanto, sem possibilidade de aperfeiçoamento --- quando é possível a identificação precisa e separada dos depoimentos, como sempre é, e o recorrente não indica com exatidão as passagens da gravação em que se funda (…)”.
Assim, e quanto ao tecido fáctico vertido no ponto 21) do probatório, é de rejeitar já, por falta de requisitos, nos termos do art.º 640º, nº 2, al. a), o recurso na parte em que se impugna a decisão em matéria de facto.
Assim deriva, naturalmente, que se impõe apenas aferir do acerto [ou desacerto] da decisão da matéria de facto vertida nos pontos 19) e 20) do probatório.
Vejamos.
Do preceituado no nº.1 do artigo 662º do CPC, ex vi artigo 1º do CPTA, ressuma com evidência que este Tribunal Superior deve alterar a matéria de facto, se os factos tidos por assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuser decisão diversa.
Na interpretação desta normação de lei ordinária, decidiu-se no aresto do Tribunal da Relação de Guimarães, de 02.11.2017, o seguinte:
“(…) o Tribunal da Relação, assumindo-se como um verdadeiro Tribunal de Substituição, que é, está habilitado a proceder à reavaliação da matéria de facto especificamente impugnada pelo Recorrente, pelo que, neste âmbito, a sua atuação é praticamente idêntica à do Tribunal de 1ª Instância, apenas ficando aquém quanto a fatores de imediação e de oralidade. Na verdade, este controlo de facto, em sede de recurso, tendo por base a gravação e/ou transcrição dos depoimentos prestados em audiência, não pode deitar por terra a livre apreciação da prova, feita pelo julgador em 1ª Instância, construída dialeticamente e na importante base da imediação e da oralidade.
A garantia do duplo grau de jurisdição da matéria de facto não subverte o princípio da livre apreciação da prova (consagrado no artigo 607.º, nº 5 do CPC) que está atribuído ao tribunal da 1ª instância, sendo que, na formação da convicção do julgador não intervêm apenas elementos racionalmente demonstráveis, já que podem entrar também, elementos que escapam à gravação vídeo ou áudio e, em grande medida, na valoração de um depoimento pesam elementos que só a imediação e a oralidade trazem. (...)
O princípio da livre apreciação de provas situa-se na linha lógica dos princípios da imediação, oralidade e concentração: é porque há imediação, oralidade e concentração que ao julgador cabe, depois da prova produzida, tirar as suas conclusões, em conformidade com as impressões recém-colhidas e com a convicção que, através delas, se foi gerando no seu espírito, de acordo com as máximas de experiência aplicáveis.
E na reapreciação dos meios de prova, o Tribunal de segunda instância procede a novo julgamento da matéria de facto impugnada, em busca da sua própria convicção - desta forma assegurando o duplo grau de jurisdição sobre essa mesma matéria - com a mesma amplitude de poderes da 1.ª instância. (...).
Ao Tribunal da Relação competirá apurar da razoabilidade da convicção formada pelo julgador, face aos elementos que lhe são facultados.
Porém, norteando-se pelos princípios da imediação, da oralidade, da concentração e da livre apreciação da prova e regendo-se o julgamento humano por padrões de probabilidade, nunca de certeza absoluta, o uso dos poderes de alteração da decisão sobre a matéria de facto, proferida pelo Tribunal de 1ª Instância, pelo Tribunal da Relação deve restringir-se aos casos de flagrante desconformidade entre os elementos de prova disponíveis e aquela decisão, nos concretos pontos questionados, devendo ser usado, apenas, quando seja possível, com a necessária certeza e segurança, concluir pela existência de erro de apreciação relativamente a concretos pontos de facto impugnados.
Assim, só deve ser efetuada alteração da matéria de facto pelo Tribunal da Relação quando este Tribunal, depois de proceder à audição efetiva da prova gravada, conclua, com a necessária segurança, no sentido de que os depoimentos prestados em audiência, conjugados com a restante prova produzida, apontam para direção diversa e impõem uma outra conclusão, que não aquela a que chegou o Tribunal de 1ª Instância. Na apreciação dos depoimentos, no seu valor ou na sua credibilidade, é de ter presente que a apreciação dessa prova na Relação envolve “risco de valoração” de grau mais elevado que na primeira instância, em que há imediação, concentração e oralidade, permitindo contacto direto com as testemunhas, o que não acontece neste tribunal. E os depoimentos não são só palavras; a comunicação estabelece-se também por outras formas que permitem informação decisiva para a valoração da prova produzida e apreciada segundo as regras da experiência comum e que, no entanto, se trata de elementos que são intraduzíveis numa gravação. Por estas razões, está em melhor situação o julgador de primeira instância para apreciar os depoimentos prestados uma vez que o foram perante si, pela possibilidade de apreensão de elementos não apreensíveis na gravação dos depoimentos.
Em suma, na reapreciação das provas em segunda instância não se procura uma nova convicção diferente da formulada em primeira instância, mas verificar se a convicção expressa no tribunal a quo tem suporte razoável naquilo que consta da gravação com os demais elementos constantes dos autos, que a decisão não corresponde a um erro de julgamento (…)”.
Posição que se acolheu no acórdão deste Tribunal Central Administrativo Norte de 27.11.2020, tirado no processo nº. 01291/14.5BEAVR:
“(…) Nesse domínio, impõe-se precisar que da conjugação do regime jurídico previsto nos arts. 637º, n.º 2, 640º, n.ºs 1 e 2, al. a), 641º, n.º 2, al. b) e 662º do CPC ex vi art. 1º do CPA, é pacífico o entendimento que perante o direito positivo processual vigente, sempre que esteja em causa a impugnação do julgamento da matéria de facto em relação a facticidade cuja prova ou não prova tenha sido sustentada em meios de prova submetidos ao princípio da livre apreciação, a 2.ª Instância tem de efetuar um novo julgamento, limitado à matéria de facto impugnada, procedendo à efetiva reapreciação da prova produzida, considerando os meios de prova indicados pelo apelante no recurso, assim como, ao abrigo do princípio do inquisitório, outros que entenda pertinentes, tudo da mesma forma como o faz o juiz da 1ª Instância, formando a sua convicção autónoma, de acordo com o princípio da livre apreciação da prova e recorrendo a presunções judiciais ou naturais, embora esteja naturalmente limitado pelos princípios da imediação e da oralidade, “devendo alterar a decisão da matéria de facto sempre que, no seu juízo autónomo, os elementos de prova que se mostrem acessíveis determinem uma solução diversa, designadamente em resultado da reponderação dos documentos, depoimentos e relatórios periciais, complementados ou não pelas regras de experiência” Abrantes Geraldes, ob. cit., págs. 273 e 274; Acs. STJ de 14/01/2012, Proc. 6823/09.3TBRG.S1; RG. de 01/06/2017, Proc. 1227/15.6T8BRGC.C1, in base de dados da DGSI..
No entanto, para que ao tribunal ad quem seja consentido alterar o julgamento da matéria de facto realizado pela 1ª Instância, nos termos do art. 662º, n.º 1 do CPC, não basta que a prova indicada pelo apelante, conectada com a restante prova constante dos autos, a que o tribunal ad quem, ao abrigo do princípio da oficiosidade, entenda dever socorrer-se, consinta esse julgamento de facto diverso, mas antes que o determine, isto é, que o “imponha”.
Essa exigência legal fixada pelo mencionado n.º 1 do art. 662º decorre da circunstância de se manterem em vigor no atual CPC os princípios da imediação, da oralidade, da concentração e da livre apreciação da prova.
Deste modo, apesar de serem de rejeitar as teses que defendem que a modificação da decisão de matéria de facto apenas está reservada para os casos de “erro manifesto” e, bem assim aquelas que sustentam não ser permitido à 2.ª Instância contrariar o juízo formulado pela 1ª Instância relativamente a meios de prova que são objeto do princípio da livre apreciação da prova, importa ter presente que os princípios da livre apreciação da prova, da imediação, da oralidade e da concentração se mantêm vigorantes e que como decorrência dos mesmos e da consideração que o julgamento humano se guia por padrões de probabilidade e não de certeza absoluta, não se pode aniquilar, em absoluto, a livre apreciação da prova que assiste ao juiz da 1ª Instância, sequer desconsiderar totalmente os princípios da imediação, da oralidade e da concentração da prova, que tornam percetíveis a esse julgador, que intermediou na produção da prova, determinadas realidades relevantes para a formação da sua convicção, que fogem à perceção do julgador do tribunal ad quem através da mera audição da gravação áudio dos depoimentos pessoais prestados em audiência final. Como tal, os poderes de alteração da decisão da 1ª Instância sobre a matéria de facto só deve ser usado quando seja possível, com a necessária segurança, concluir pela existência de erro de apreciação relativamente a concretos pontos de facto impugnados, isto é, quando depois de proceder à audição efetiva da prova gravada e à análise da restante prova produzida que entenda pertinente, conclua, com a necessária segurança, no sentido de que os depoimentos prestados em audiência final, conjugados com a restante prova produzida, apontam em direção diversa e delimitam uma conclusão diferente daquela que vingou na 1ª Instância.
Deriva do que se vem dizendo que após a 2.ª Instância ter feito esse seu julgamento autónomo em relação à matéria de facto impugnada pela apelante, “em caso de dúvida, face a depoimentos contraditórios entre si e à fragilidade da prova produzida, deverá prevalecer a decisão proferida pela 1ª Instância em observância aos princípios da imediação, da oralidade e da livre apreciação da prova, com a consequente improcedência do recurso”Ana Luísa Geraldes, “Impugnação e Reapreciação Sobre a Matéria de Facto”, in “Estudos em Homenagem ao Prof. Dr. Lebre de Freitas, vol. IV, pág. 609 (…)”.
Reiterando esta linha jurisprudencial, tem-se, portanto, por assente que, perante a impugnação do tecido fáctico fixado em 1ª instância, impede sobre o Tribunal Superior a realização de um novo julgamento, encontrando-se a alteração da tecido fáctico fixado em 1ª instância apenas reservada para as situações em que a prova produzida imponha decisão diversa, o que não sucede quando o Tribunal ad quem, apreciada essa prova, propende antes para uma diferente convicção, contudo, não imposta pela prova produzida.
Realmente, inexistindo uma convicção inevitável quanto à prova produzida, o Tribunal Superior terá que conceder na prevalência da decisão proferida pela 1ª Instância em observância aos princípios da imediação, da oralidade e da livre apreciação da prova.
Cientes destes considerandos de enquadramento, atentemos, agora, no caso sub juditio.
O Recorrente veio pugnar pela alteração da decisão sobre a matéria de facto, por entender que o Tribunal a quo errou, por um lado, ao dar como provado os factos vertidos nos pontos 19 e 20 [e 21 já rejeitado] do probatório, e, por outro, ao desconsiderar a realidade fáctica traduzida na inexistência de licença de construção e habitação do prédio urbano visado nos autos e as deficiências nele existentes à data das obras de construção da A32, devendo, por isso, tal matéria ser aditada ao probatório.
Ou seja, a par da inclusão no probatório do tecido fáctico consubstanciado na inexistência de licença de construção e habitação do prédio urbano visado nos autos e das deficiências nele existentes à data das obras de construção da A32, pretende ainda que sejam desconsiderados os seguintes factos: ”(…)
19. No âmbito da execução da obra, foram removidas terras das quais algumas foram colocadas em terreno que se situa em frente à habitação dos autores, térreas transportadas através de camiões de grande porte, denominados Terex, utilizando a rua com a qual confronta o prédio da Autora, denominada Rua de (...), em Duas Igrejas Romariz - cfr. depoimento das testemunhas P.., Diretor da Obra, M.., proprietário do terreno que se situava em frente à habitação a Autora e onde foram efetuados depósitos de terras da obra, R..., A..... e M....
20. Com a passagem dos camiões identificados no ponto que antecede, eram sentidas vibrações na habitação da Autora - cfr. depoimento das testemunhas R..., A..... e M....
A motivação que estriba o erro de julgamento em análise prende-se com o entendimento de que, por um lado, os depoimentos prestados em audiência de julgamento, ademais e especialmente, pelo Eng. P., R...., M......, A..... e ainda pelo Sr. Perito nomeado nos autos, mereciam interpretação e decisão diferente quanto à [não] prova dos factos nº.s 19) a 20), e, por outro, se trata de tecido fáctico com relevo para a boa decisão da causa, cuja aquisição processual deriva do respetivo suporte documental das mesmas.
Contudo, e com reporte para o facto nº. 19), impera salientar que depuseram sobre o tecido fáctico ali vertido as testemunhas P.., M.., R..., A..... e M....
Certo é que os depoimentos prestados no que tange ao dito tecido fáctico não se resumiram às testemunhas indicadas pela Recorrente – de seus nomes P. e Rui Padrão - nas suas alegações de recurso.
Por conseguinte, traduzindo os indicados depoimentos apenas uma versão sincopada da prova testemunhal produzida na matéria versada, não se pode concluir apenas do ali versado no sentido do pretendido erro de julgamento da matéria de facto.
Em todo o caso, e para que não subsistem quaisquer dúvidas, saliente-se que, ponderados os depoimentos assinalados pelo Tribunal a quo como sustento da aquisição processual do facto nº. 19, não se antolha a existência de qualquer elemento substancial que permita concluir que existe algo de grave e ostensivamente errado ou desacertado que imponha [requisito] a alteração da matéria de facto coligida.
De facto, as testemunhas foram unânimes em reconhecer a passagem de camiões de grande porte – que o Sr. Perito identificou como sendo Terex - na área geográfica ali identificada com vista ao depósito de terras.
A eventual circunstância do Sr. Perito não ter observado a passagem destes camiões por si só não corporiza qualquer obstáculo à identificação dos assinalados Terex, considerando o conhecimento especial que detém o Perito e a possibilidade que lhe assiste de recolher testemunhos com vista à determinação da produção e causas do dito evento, o que permite sustentar a sua convicção nesta matéria.
Daí nada haja a objetar no que tange à convicção positiva do Tribunal a quo no tocante à factualidade reportada no ponto 19) dos factos provados da sentença recorrida.
Idêntica conclusão é atingível no tocante ao tecido fáctico vertido no ponto 20) dos factos provados da sentença recorrida.
De facto, a Recorrente ataca a aquisição processual deste facto com base no entendimento de uma das testemunhas assinaladas na fundamentação da matéria de facto – R... – nada ter dito no tocante à eventual ocorrência de vibrações no local e na habitação dos autores.
Contudo, a eventual desconsideração do depoimento de R... não bastaria para “impor” uma alteração à matéria de facto coligida nos termos pretendidos pela Recorrente.
Realmente, o valor da prova testemunhal não decorre tanto das afirmações produzidas por esta ou por aquela específica testemunha em audiência, mas sim de um conjunto variável de elementos que o tribunal valora nas interações de todas as testemunhas ouvidas, de modo a extrair diversos juízos que concorrem para a fixação do sentido da prova.
Ora, no sentido de que “Com a passagem dos camiões identificados no ponto que antecede, eram sentidas vibrações na habitação da Autora” militam claramente os depoimentos prestados por A..... e M..., o que habilita o Tribunal a concluir, com a segurança e a certeza exigíveis, pela demonstração de tal realidade.
Neste particular, saliente-se que a distinção suscitada pela Recorrente em torno dos conceitos de “trepidação e “vibração” reconduz-se a uma mera questão de pormenor semântico absolutamente imprestável para atingir o desiderato pretendido no que concerne ao depoimento prestado pela testemunha M....
Note-se ainda que a alegada “fraca qualidade do relatório pericial” não constitui, seguramente, nenhum fundamento válido que permita alterar a matéria de facto coligida nos autos.
Se a Recorrente achava isso, tinha ao seu dispor mecanismos processuais tendentes a obviar tal realidade.
Se não o fez, conformou-se com o mesmo, não podendo vir agora dizer que o dito relatório pericial não vale para efeito de fundar a convicção do Tribunal a quo.
Assim, nenhuma objeção se nos depara com a admissão do tecido fáctico vertido no ponto 20) do probatório.
De igual modo, e com reporte para alegada desconsideração da realidade fáctica consubstanciada na inexistência de licença de construção e habitação do prédio urbano visado nos autos e das deficiências nele existentes à data das obras de construção da A32, não se deteta a existência de qualquer erro de julgamento de facto.
De facto, escrutinados os autos, maxime fls. 1321 e seguintes dos autos – suporte digital - não se deteta a existência de qualquer documento da Câmara Municipal de Santa Maria da Feira a atestar a inexistência de licença de construção e habitação do prédio urbano visado nos autos.
Descortina-se, sim, a existência de uma resposta desta Autarquia a um requerimento da Estradas de Portugal do seguinte teor: “(…) Em cumprimento do solicitado, informa-se que os processos e/ou alvarás, relativos aos mais diversos tipos de operações urbanísticas, encontram-se registados pelo número, ano, nome do promotor e local da obra, desde 1940 até ao presente. Não sendo indicados com exatidão esses dados, não nos é possível efetuar a pesquisa para cabal resposta. Mais se informa que não nos é possível, de igual modo, identificar qualquer processo de licenciamento tendo por referência a inscrição matricial facultada (…)”.
O que motivou a formulação de novo requerimento por parte da Estradas de Portugal,, cujo teor ora acompanhamos:” (…) EP – Estradas de Portugal, S.A., atualmente, Infraestruturas de Portugal, S.A., por força da sucessão legal, nos termos do disposto no n.º 1, do artigo 2.º, do Decreto-Lei n.º 91/2015, de 29 de maio, com sede na Praça da Portagem, 2809 – 013 Almada, Ré, entre outros, nos autos à margem identificados, notificada da resposta do Município de Santa Maria da Feira, vem requerer o seguinte: Com vista à remessa do processo de licenciamento da construção da habitação da A., deverá a mesma ser notificada para indicar o número, o ano, o nome do produtor e o local da obra, para que tais dados possam posteriormente ser remetidos ao Município de Santa Maria da Feira (…)”.
Na esteira do que a Autora informou “(…) que o prédio objeto dos autos não foi objeto de licenciamento, conforme resulta da decisão da Conservatória do Registo Predial já junta aos autos (…)”.
Donde facilmente se apreende a inexistência de qualquer documento da Câmara Municipal de Santa Maria da Feira a atestar a inexistência de licença de construção e habitação do prédio urbano visado nos autos, o que obstaculiza a aquisição de tal materialidade no âmbito dos autos.
Derradeiramente, saliente-se que, com reporte para alegadas deficiências existentes no prédio visado nos autos à data da construção da A32, que se trata de matéria que carecia de melhor densificação e justificação no domínio do respetivo suporte probatório, o que só por si determina a sua inverificação do erro de julgamento associado ao mesmo.
Nestes termos, e com os fundamentos acima expendidos, improcede o invocado erro de julgamento de facto.
*
Ponderado o acabado de julgar e o que demais se mostra fixado na decisão judicial recorrida temos, então, como assente o seguinte quadro factual: “(…)
1. A favor da Autora, M...... e do Interveniente Principal A...., encontra-se registado sob o n.° 3271/20170518, e descrito na respetiva matriz urbana n.° 832, o prédio sito em (…), o prédio urbano, composto de rés-do-chão, com um porão e anexos, com a área total de 350 m2, área coberta de 75 m2 e descoberta de 275 m2, que foi desanexado do n.° 2445/20100901 - cfr. documento junto aos autos em 29/12/2017, fls. 940 e ss. (SITAF).
2. O prédio antes identificado foi construído entre o ano de 1974 e 1975 e situa-se à Rua (…), nas proximidades da Auto Estrada A32 - cfr. inscrição matricial junta a fls. 860 (SITAF) e depoimentos do perito nos autos, M......, M.., R..., A..... e M....
3. A localização da habitação da Autora coincide com o troço da auto estrada A32 executado pela Interveniente A., SA - cfr. depoimento da testemunha P.., Diretor da Obra.
4. Com data de 28 de dezembro de 2007, entre o Estado Português, representado pelo secretário de Estado do Tesouro e das Finanças e pelo Secretário de Estado Adjunto, das Obras Publicas e das Comunicações, na qualidade de concedente e A.... , SA, foi celebrado acordo que denominaram “Contrato de Concessão - Concessão do Douro Litoral -, por efeito do concurso público internacional, lançado pelo Estado Português, para atribuição da concessão da conceção, projeto, construção, aumento do número de vias, financiamento, conservação e exploração em regime de portagem com cobrança aos utilizadores de determinados lanços de auto estrada e conjuntos vários associados, designada concessão do Douro Litoral - cfr. contrato junto a fls. 39 a 84 dos autos.
5. A atribuição da concessão antes identificada tem por objeto a conceção, projeto, construção, aumento do número de vias, financiamento, conservação e exploração, com cobrança de portagem aos utentes, dos seguintes lanços de autoestrada, de entre as quais, a A32/IC2 - São João da madeira (ER 327)/Carvalhos (IP1) - cfr. clausula 6 do contrato identificado em 1.
6. Nos termos da cláusula 11.1 do mesmo contrato, “O traçado definitivo dos lanços a construir será o que figurar nos projetos aprovados nos termos do n.° 33”.
7. A cláusula 28.1 do mesmo contrato de concessão, consagra que “A concessionária é responsável pela conceção, projeto, construção e aumento do número de vias dos Lanços referidos no número 6.1, respeitando os estudos e projetos aprovados nos termos dos números seguintes e o disposto do contrato de concessão”.
8. Na cláusula 30.1 do contrato referido em 1., “À concessionária compete promover, por sua conta e risco, a elaboração dos estudos e projetos relativos às obras abrangidas pela concessão, de acordo com as disposições do contrato de concessão e sob fiscalização do MOPTC, exercida através do INIR”.
9. A cláusula 30.2 do mesmo contrato determina que “Os estudos e projetos referidos no número anterior, designadamente os de caráter técnico, ambiental e económico, serão apresentados sucessivamente sob a forma de estudos prévios, incluindo Estudos de Impacte Ambiental, anteprojetos e projetos, podendo algumas destas fases ser dispensadas com acordo prévio do INIR.”
10. A cláusula 31.3 do mesmo contrato determina: “Os Estudos de Impacte Ambiental serão apresentados conjuntamente com os estudos prévios, para que o INIR, enquanto entidade licenciadora, os possa endereçar ao Ministério com a tutela do Ambiente para avaliação ambiental, de acordo com a legislação em vigor, sem prejuízo da posição atribuída à Concessionária, tal como definido na Lei.”
11. Quanto à Aprovação dos Estudos e Projetos, consagra a cláusula 33. Do contrato de concessão o seguinte.
“33.1 - Os estudos e projetos apresentados pelo INIR nos termos dos números anteriores, consideram-se tacitamente aprovados no prazo de 60 (sessenta) dias a contar da data da respetiva apresentação, salvo nos casos em que a aprovação deva ser antecedida de decisão ou parecer do Ministério com a tutela do Ambiente.”
12. No que concerne à responsabilidade extracontratual perante terceiros, consagra a clausula 77 do contrato de concessão identificado em 1., o seguinte:
“A Concessionária responde, nos termos da lei geral, por quaisquer prejuízos causados no exercício das atividades que constituem o objeto da concessão, pela culpa ou pelo risco, não sendo assumido pelo Concedente qualquer tipo de responsabilidade neste âmbito.”
13. Quanto a responsabilidade por prejuízos causados por entidades contratadas, consagra a cláusula 78.1 do mesmo contrato, que “A Concessionária responde ainda nos termos em que o comitente responde pelos actos do comissário, pelos prejuízos causados pelos terceiros por si contratados para o desenvolvimento das atividades concessionadas.”
14. No projeto de medidas de minimização do ruído na execução da Auto EstradaA32/IC2 - Oliveira de Azeméis /IP1 (S. Lourenço) trecho 2 - Nogueira do Cravo/Louredo, foram definidas as seguintes características técnicas das barreiras acústicas:
[imagem que aqui se dá por reproduzida]

- cfr. fls. 142 a 248 dos autos.
15. Em 13/11/2008, entre a Ré Douro Litoral, ACE (D.) e entre outras a Sociedade A., SA (também Ré nos presentes autos), foi celebrado acordo que denominaram de Bases de Subcontratação para a divisão de lanços de auto estrada, no âmbito da concessão identificada no ponto 3. e ss. deste probatório, que incluía a divisão futura da Auto Estrada A32/IC2 - Oliveira de Azeméis / IP 1 (São Lourenço), resultando da sua cláusula décima sexta o seguinte:
1. Não obstante a responsabilidade em que o ACE possa eventualmente incorrer perante a Concessionária, nos termos do contrato de empreitada, cada empresa será exclusiva e inteiramente responsável perante o ACE pelos trabalhos a executar, nos termos gerais de direito, sem prejuízo do disposto nos números seguintes.
2. O ACE terá direito de regresso sobre as empresas em caso de alguma penalidade, custo ou indemnização que lhe seja exigida a qualquer título pela Concessionária ou por terceiros por força de factos respeitantes aos trabalhos às mesmas atribuídos... ”. - cfr. fls. 272 a 303 dos autos.
16. Com data de 22/01/2010, entre a Ré D, - ACE e a Sociedade A., SA [também Ré nos presentes autos] foi celebrado acordo, que denominaram contrato de subempreitada, pelo qual definiram os termos de execução da subempreitada de construção dos trabalhos do Lote 8 (PK 0+700 ao PK 8+768 do Trecho 2, excluindo a PS2 e a PS6 ( resultante da divisão de trabalhos de construção do Lanço de Auto Estrada A32/IC2 - Oliveira de Azeméis / IP1 (São Lourenço), tendo este contrato entrado em vigor na data da sua assinatura - cfr. doc. de fls. 304 a 320 dos autos.
17. Nos termos da cláusula 17ª do contrato identificado no ponto anterior, “A empresa será inteiramente responsável perante o ACE pelos trabalhos que executar, de acordo com o disposto na cláusula décima sexta da Bases de Subcontratação.”
18. Os trabalhos da empreitada a que alude o contrato identificado no ponto anterior tiveram início no primeiro trimestre de 2010 e terminaram em setembro de 2011, sendo que o início dos trabalhos de decapagem dos terrenos teve lugar no primeiro mês do primeiro trimestre de 2010 - cfr. depoimento da testemunha P.., que exerceu as funções de Diretor de Obra.
19. No âmbito da execução da obra, foram removidas terras das quais algumas foram colocadas em terreno que se situa em frente à habitação dos autores, térreas transportadas através de camiões de grande porte, denominados Terex, utilizando a rua com a qual confronta o prédio da Autora, denominada Rua de (...), em Duas Igrejas Romariz - cfr. depoimento das testemunhas P.., Diretor da Obra, M.., proprietário do terreno que se situava em frente à habitação a Autora e onde foram efetuados depósitos de terras da obra, R..., A..... e M....
20. Com a passagem dos camiões identificados no ponto que antecede, eram sentidas vibrações na habitação a Autora - cfr. depoimento das testemunhas R..., A..... e M....
21. Com a execução dos trabalhos antes descritos, a Autora e Interveniente principal sofreram, incómodos, arrelias e perturbações na sua vivência diária - cfr. depoimento das testemunhas R..., A..... e M....
22. Em 09 de janeiro de 2012, foi executada a Monitorização da Eficácia de Barreiras Acústicas segundo a metodologia descrita na ISSO 10847 na A32 - Oliveira de Azeméis/IP1 (S. Lourenço), Trecho 1 - Oliveira de Azeméis/Nogueira do Cravo, Trecho 2 - Nogueira do Cravo / Louredo e Trecho 3 - Louredo / S. Lourenço, cujo relatório emitido em 09/01/2012, apresenta as seguintes conclusões:
[imagem que aqui se dá por reproduzida]

- cfr. fls. 260 e ss. SITAF.
23. Não foram realizadas outras medições de ruído, uma vez que as efetuadas apresentaram nível de ruído baixo - cfr. depoimento da testemunha M....
24. Em 25 de novembro de 2011, a Ré A...., recebeu da Autora comunicação pela qual reclamava o pagamento de indemnização pelos danos resultantes da construção da Auto estrada A32 - cfr. fls. 346 a 349 dos autos.
25. Foi determinada a realização de perícia, da qual resultou o seguinte relatório:
[imagem que aqui se dá por reproduzida]

- cfr. fls. 1143 e ss. (SITAF).
26. A Autora e Interveniente principal tomaram conhecimento da execução da empreitada com o início dos trabalhos, no início do ano de 2010 - cfr, depoimento das testemunhas R..., A..... e M....
27. A petição inicial dos presentes autos deu entrada em 17 de julho de 2013 - cfr. fls. 1 (SITAF).
*

III.3- DO ERRO DE JULGAMENTO DE DIREITO
*

As questões decidendas traduzem-se em saber se a decisão judicial recorrida, ao desatender a exceção de prescrição do direito da Autora e, bem assim, ao julgar nos termos e com o alcance explicitados no ponto I) do presente Acórdão, incorreu em erro de julgamento de direito.
Realmente, clama a Recorrente D., ACE que o termo a quo do prazo prescricional para os danos de afetação da estrutura da habitação dos autores corresponde à data da execução dos trabalhos de decapagem e o momento em que os camiões supostamente passaram naquele local – início do ano de 2010, pelo que, aquando da entrada do presente processo no Tribunal a 17 de julho de 2013, já se encontrava ultrapassado o prazo de três anos, que se iniciou no início do ano de 2010.
Mais apregoa a Recorrente, e desta feita com reporte para o segmento decisório atinente à sua condenação parcial no pedido, que não tinha qualquer dever de fiscalização da execução dos trabalhos da empreitada – esse dever impendia e incumbia à R. A...., dona da obra e Concessionária do Estado Português, inexistindo qualquer relação de comitente e comissário entre si a interveniente acessória A..
Invoca ainda a culpa da lesada emergente da falta de falta de licença de construção e de habitação do prédio visado nos autos.
Vejamos estas questões especificadamente.
Assim, e quanto à exceção de prescrição do direito invocada nos autos, importa que se comece por sublinhar que a Autora intentou a presente ação visando a efetivação de responsabilidade extracontratual dos Réus, tendo fundamentado a sua pretensão, brevitatis causae, no direito de indemnização emergente dos danos resultantes da construção e exploração da A32.
Configurando a presente ação uma ação administrativa para efetivação de responsabilidade civil extracontratual dos Réus, atendendo à data dos factos em discussão, é de aplicar o artigo 2.º do Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e das demais Entidades Públicas no domínio dos atos de gestão pública aprovado pela Decreto-Lei nº. 48051, de 21 de novembro de 1967, que dispõe que: “O Estado e demais pessoas coletivas públicas respondem civilmente perante terceiros pelas ofensas dos direitos destes ou das disposições destinadas a proteger os seus interesses, resultantes de atos ilícitos culposamente praticados pelos respetivos órgãos ou agentes administrativos no exercício das suas funções e por causa desse exercício “.
A responsabilidade civil extracontratual, no que tange ao prazo de exercício do direito, encontra-se fixada no n° l do artigo 498° do Código Civil, para o qual remete a atual Lei n° 67/2007, de 31.12, e que dispõe que "o direito de indemnização prescreve no prazo de três anos, a contar da data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete, embora com desconhecimento da pessoa do responsável e da extensão integral dos danos, sem prejuízo da prescrição ordinária se tiver decorrido o prazo a contar do facto danoso".
Desta forma, a prescrição decorrente de responsabilidade civil extracontratual ocorrerá, por regra, no prazo de três anos, computado desde o conhecimento que o lesado teve do direito a ser ressarcido, ou seja, “O momento inicial de contagem do prazo de prescrição de três anos, prazo regra, coincide com o momento do conhecimento empírico dos pressupostos da responsabilidade pelo lesado concreto, conhecimento esse que deve enraizar nos factos provados, e deverá potenciar ao lesado o exercício do seu direito” [cfr. Acórdão deste Tribunal Central Administrativo do Norte, de 20/1/2012, proferido no processo n.º 00699/08.0BEPNF, disponível em www.dgsi.pt].
Deste modo, para que comece a correr o prazo da prescrição a que se reporta o citado n.º 1 do artigo 498.º do CC, é de exigir o conhecimento, pelo lesado de que é juridicamente fundado o direito à indemnização, ou seja, de que teve conhecimento do direito que lhe compete.
Por sua vez, o prazo da prescrição começa a correr quando o direito puder ser exercido [cf. artigo 306.º n.º 1 do CC], correndo ininterruptamente, salvo ocorrendo motivo de suspensão ou interrupção, previsto na lei.
Diz a lei civil que a prescrição se interrompe pela “citação ou notificação judicial de qualquer ato que exprima, direta ou indiretamente, a intenção de exercer o direito, seja qual for o processo a que o ato pertence e ainda que o tribunal seja incompetente” [artigo 323.º, nº 1 do CC], sendo que, se requerida a citação, e esta não se fizer dentro de cinco dias “por causa não imputável ao requerente, tem-se a prescrição por interrompida logo que decorram os cinco dias” [n.º 2 do artigo 323.º do CC].
A prescrição é “ainda interrompida pelo reconhecimento do direito efetuado perante o respetivo titular por aquele contra quem o direito pode ser exercido” [artigo 325.º, nº 1 do CC], sendo que a interrupção “inutiliza para a prescrição todo o tempo decorrido anteriormente, começando a correr um novo prazo a partir do ato interruptivo” [artigo 326.º, n.º 1 do CC], e “se a interrupção resultar de citação, notificação ou ato equiparado, ou de compromisso arbitral, o novo prazo de prescrição não começa a correr enquanto não passar em julgado a decisão que puser termo ao processo” [artigo 327.º, nº 1 CC].
Todavia, o ato interruptivo da prescrição é de natureza pessoal, só afetando a pessoa a quem se reporta por virtude da citação para a ação que lhe foi dirigida [artigo 323º, n.º 1 e n.º 4, do CC].
Não basta então, para interromper a prescrição, a mera introdução da ação em juízo, sendo indispensável que a ação seja proposta de tal modo que o devedor venha a tomar efetivo conhecimento da reclamação do direito que é feita, o que decorre do nº 4 do referido artigo 323.º do CC, com exceção de que se a citação não se fizer no prazo de cinco dias depois de requerida, tem-se por interrompida nesse prazo [cf. n.º 2 do mesmo preceito].
Retomando o caso dos autos, resulta do libelo inicial que os danos invocados pela Autora consubstanciam-se na (i) “perda de vistas” do prédio dos autores emergente da construção da A32 ; (ii) do aumento exponencial do ruído resultante da passagem de veículos na A32; (iii) do aumento da poluição emergente da queima de combustíveis da referida passagem de veículos na A32; (iv) da desvalorização do prédio da Autora face à proximidade de uma autoestrada; (v) da afetação da estrutura deste por conta das constante passagem de camiões de grande porte e ainda (vi) por um certo abalo anímico emergente dos trabalhos de construção da autoestrada.
Ou seja, a Autora delimita os danos na fase de construção da A32 e, bem assim, na fase de exploração da A32.
O Tribunal a quo considerou prescritos os danos “(…) de desvalorização do prédio em face da proximidade da auto estrada, pela degradação paisagística; aumento do ruído resultante da passagem de veículos, apesar das barreiras acústicas colocadas; aumento da poluição pelo aumento do nível de Co2, com consequente degradação das condições de vida da Autora e Interveniente principal e seus familiares (…)”.
Assim já não o entendeu,, porém, quanto aos danos traduzidos na afetação da estrutura deste por conta das constante passagem de camiões de grande porte.
Entendimento que a Recorrente agora se insurge, por manter a firme convicção de que a contagem do prazo prescricional deve iniciar-se no início do ano de 2010, data em que se iniciaram os trabalhos de execução dos trabalhos de decapagem.
Mas sem qualquer amparo de razão.
Realmente, se é certo que existe uma certa previsibilidade da ocorrência de alguma perturbação do quotidiano da Autora face à proximidade da sua habitação com os trabalhos de construção de uma auto-estrada, temos que, ao invés, não é expectável que tais trabalhos venham a provocar deficiências estruturais na dita habitação e os aborrecimentos e incómodos daí resultantes.
De facto, perante um quadro de aparente normalidade, tal não é suposto acontecer.
Assim, e quanto a estes, o início da contagem do prazo de prescrição deve coincidir, não com a data de início da execução dos trabalhos de decapagem, mas antes com a data em que se iniciou a afetação da estrutura da habitação da Autora.
Ocorre, porém, que o probatório coligido nos autos não habilita a aquisição processual da data de início da afetação da estrutura da habitação da Autora.
Assim sendo, e considerando que a prova dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito invocado compete àquele contra quem a invocação é feita [art.º 342º, n.º 2 do Código Civil], não resta outra alternativa que não a de concluir que não está evidenciada nos autos a tese da Ré, aqui Recorrente, no plano do exceção da prescrição dos direito da Autora.
Não se reconhece, portanto, qualquer erro de julgamento de direito no domínio em análise.
Dissolvida a primeira controvérsia, indaguemos agora da certeza da alegação da Recorrente, desta feita, reportada ao segmento decisório atinente à sua condenação parcial no pedido.
Do cotejo da fundamentação de direito da decisão judicial recorrida resulta que a absolvição dos Réus E.P., Estradas de Portugal, S.A., InIR- Instituto de Infraestruturas Rodoviárias, I.P, e A...., S.A. emergiu de “(…) não resultar dos autos provada da qualquer responsabilidade que lhes vem imputada (…)”.
Já quanto à condenação da Recorrente D.,, ACE [e a Interveniente Acessória A., S.A.], brotou da circunstância dos danos de afetação da estrutura da habitação da Autora serem imputáveis à Recorrente e a Interveniente acessória e, bem assim, da consideração da existência de (i) uma relação de comitente e comissário entre a aqui Recorrente e a Interveniente acessória por actos praticados por esta última, bem como de (ii) um contrato de subempreitada também entre ambas celebrado para a execução da empreitada do trecho da auto estrada A32.
A Recorrente objeta o sentido decisório que se vem de assinalar no entendimento de que, por um lado, esta não tinha qualquer dever de fiscalização da execução dos trabalhos da empreitada – esse dever impendia e incumbia à R. A...., dona da obra - e, por outro, inexiste qualquer relação de comitente-comissário entre o Empreiteiro e o Subempreiteiro.
Julgamos, porém, que os termos em que a Recorrente desenvolve esta argumentação são incapazes de fulminar a sentença recorrida com imputado erro de julgamento de direito.
Na verdade, não se ignora que inexiste uma relação de comitente-comissário entre o Empreiteiro e o Subempreiteiro.
Realmente, “(…) Na hipótese de existir subempreitada, não é possível pedir a responsabilidade do empreiteiro a título de risco, nos termos do artº 500º do C. Civil, porque não existe entre ele e o subempreiteiro uma relação de comissão, atenta a autonomia com que este último atua (…)” [cfr. aresto do Supremo Tribunal de Justiça, tirado no processo nº. 04B3741, de 31.03.2004].
No mesmo sentido, vd. acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça [processo n.º 06B4762 de 31.01.2007] e Tribunal da Relação de Lisboa [processos n.ºs. 0062266 de 05.07.2000 e 2726/03.8TBMTJ.L1-7, de 21.09.2010].
Pelo que não se pode deixar de concluir que, neste particular conspecto, não andou bem o MMº. Juiz a quo julgar de forma diversa.
Tal, porém, não importa a revogação da decisão recorrida, já que, independentemente de tal, sempre se mostra acertado o julgamento do Tribunal a quo operado em torno da responsabilização da Recorrente ao abrigo do contrato de subempreitada celebrado para a execução da empreitada do trecho da auto estrada A32.
De facto, como se ponderou no citado aresto do STJ de 31.03.2004“(…) mesmo que a obra seja realizada pelo subempreiteiro, se essa realização causar danos a terceiros, é por ela responsável o empreiteiro, nos termos do artº 493º nº 1 do C. Civil, uma vez que mantém o dever de vigilância da obra, por manter o dever da sua supervisão técnica (…)” [ cfr. citado aresto do STJ].
No mesmo sentido, vd., de entre outros, acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 22.06.2021, tirado no processo nº. 151/19.8T8AVR.P1.S1; do Tribunal da Relação do Porto, de 11.02.2021. tirado no processo nº. 151/19.8T8AVR.P1; e do Tribunal da Relação de Lisboa, no processo nº. 2726/03.8TBMTJ.L1-7, de 21.09.2010.
Assim, se não fora a invocada relação comitente-comissário, sempre a condenação da Recorrente no pedido poderia ser decretada com base na violação do dever de vigilância que incumbe ao empreiteiro da obra.
Nestas condições, não existe justificação racional para, nestas condições de inoperância, conferir eficácia invalidante à decisão judicial recorrida com base no invocado erro de julgamento de direito em matéria de relação comitente-comissário.
E não se invoque a responsabilidade da Concessionária A.....
De facto, nos termos da clausula 78.1º do Contrato de Concessão, que consagra a responsabilidade por prejuízos causados por entidades contratados, “(…) A Concessionária responde ainda, nos termos em que o comitente responde pelos atos do comissário, pelos prejuízos causados pelos terceiros por si contratados para o desenvolvimento das atividades concessionadas (…)”.
Assim, para que a Concessionária pudesse ser responsabilizada pelos danos invocados nos autos, necessário se tornaria afirmar que as condutas do Empreiteiro e/ou Subempreiteiro eram ainda as da Concessionária A...., que agiria «através» deles.
Sucede, porém, que tal não é possível, dado o grau de relativa independência da ação típica do empreiteiro em relação ao dona da obra, o mesmo sucedendo com o Subempreiteiro em relação ao Empreiteiro [neste sentido, vd. Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, I vol., 2.ª ed., pág. 516].
De modo que não existe fundamento legal para responsabilizar a Concessionária A.... pelos danos de afetação da estrutura da habitação da Autora reclamados nos autos.
Em todo o caso, saliente-se que, tendo a Concessionária A.... sido absolvida do pedido e quanto a esta absolvição não tendo sido interposto recurso algum, transitou quanto à mesma o decidido, o que, como está bom de ver, inviabiliza qualquer pretensão atual de responsabilização desta.
Falece, também, nesta parte, toda a argumentação da Recorrente.
Por sua vez, a discussão em torno da eventual culpa do lesado na produção dos danos visados nos autos é destituída de relevância, considerando o quadro probatório reunido nos autos.
Realmente, em face da falta de aquisição processual da inexistência de licença de construção e habitação do prédio urbano visado nos autos, sempre a resolução pretendida integraria um exercício inócuo e estéril, por desprovido de qualquer utilidade, de modo que se desatende a mesma.
Conclui-se, portanto, pela manutenção da condenação da aqui Recorrente, ainda que com fundamento diverso.
Ao que se provirá em sede de dispositivo.
* *
IV – DISPOSITIVO
Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção do Contencioso Administrativa deste Tribunal, de harmonia com os poderes conferidos pelo artigo 202º da CRP, em:

(i) CONCEDER PROVIMENTO ao recurso jurisdicional interposto pela Recorrente A., S.A. e revogar a sentença recorrida na parte em que condena a mesma a “(…) pagar ao Autor as seguintes quantias: a) A título de danos patrimoniais, a quantia de € 5.000,00; b) A título de danos não patrimoniais, a quanto de € 2.000,00 c) No pagamento de juros sobre aquelas quantias, à taxa legal, devidos a partir da citação até integral pagamento (…)”.

(ii) NEGAR PROVIMENTO ao recurso jurisdicional interposto pela Recorrente D., ACE, confirmando-se a decisão recorrida com exclusão do segmento decisório referido em (i).

Custas do recurso interposto pela A., S.A. pelos Recorridos.

Custas do recurso interposto pela D. pela Recorrente.

Registe e Notifique-se.
* *
Porto, 25 de fevereiro de 2022,

Ricardo de Oliveira e Sousa
Rogério Martins
Luís Migueis Garcia