Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01089/16.6BEAVR
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:04/23/2020
Tribunal:TAF de Aveiro
Relator:Rosário Pais
Descritores:IMPUGNAÇÃO; CUSTOS; MATERIALIDADE DA OPERAÇÃO; INDISPENSABILIDADE; PRINCÍPIO DO INQUISITÓRIO; ÓNUS DA PROVA
Sumário:I. O princípio do inquisitório, previsto no artigo 58.º da LGT e aplicável ao procedimento inspetivo por força do artigo 6.º do RCPITA, postula que a administração tributária deve, no procedimento, realizar todas as diligências necessárias à satisfação do interesse público e à descoberta da verdade material, não estando subordinada à iniciativa do autor do pedido.

II. Este princípio fundamenta-se na obrigação de a administração prosseguir o interesse público (artigo 266º/1 da CRP e artigo 55º da LGT), assim como no dever de imparcialidade da actuação administrativa (266º/2 da CRP e artigo 55º da LGT).

III. O dever de inquisitório a cargo da AT situa-se a montante do ónus da prova, por isso não é possível afirmar que a AT cumpriu o ónus da prova a seu cargo quando não haja, sequer, realizado as diligências probatórias que o dever de inquisitório e de descoberta da verdade material lhe impunham.

IV. Estando em causa faturação falsa, à AT basta demonstrar os indícios de falsidade e que estes são consistentes, sérios e reveladores de uma alta probabilidade de que as faturas não titulam efetivas operações económicas.

V. Feita esta prova indiciária, a lei faz cessar a presunção de veracidade creditada às declarações e contabilidade do contribuinte e devolve-lhe o encargo de provar a materialidade das operações subjacentes à faturação em crise. *
* Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:Autoridade Tributária e Aduaneira
Recorrido 1:G., S.A.
Votação:Unanimidade
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido de o recurso não merecer provimento.
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência os Juízes da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

1. RELATÓRIO

1.1. A AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA interpôs recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel, proferida em 15.07.2019, que julgou procedente a impugnação judicial deduzida por G., S.A., contra a liquidação de IRC e juros compensatórios do ano de 2011.

1.2. A Recorrente terminou as respetivas alegações formulando as seguintes conclusões:

«I – O objecto do recurso

I. A Fazenda Pública, inconformada com a douta sentença proferida nos autos em epígrafe, a qual julgou procedente a impugnação judicial deduzida por G., S.A. contra a liquidação adicional de IRC n.º 2016 8310033786, de 30.05.2016 e respetivos juros compensatórios, referente ao exercício de 2011, entendeu dever recorrer da mesma, pretendendo a sua revogação e substituição por decisão que considere tal impugnação improcedente.
II. Compulsado o teor da sentença ora posta em crise, constata-se que o douto Tribunal a quo entendeu anular a liquidação em causa por ter considerado que a AT violou o princípio do inquisitório, ou seja, “não fez prova de que estavam verificados os pressupostos legais que legitimavam a sua atuação, demonstrando a existência de indícios sérios de que o custo documentado era inexistente e, por isso, não era necessário para a obtenção dos proveitos” (cfr. página 44).
III. O custo fiscal em questão estava associado à fatura n.º 10241100910, de 27.06.2011, emitida pela sociedade O. e que a AT, em face dos indícios colhidos em sede inspetiva, concluiu não traduzir serviços efetivamente realizados.
II – Síntese da factualidade que está na génese da fatura n.º 10241100910

IV. A recorrida é uma sociedade comercial que tem por objeto a indústria, montagem, reparação e comercialização de grupos eletrogéneos, materiais e equipamentos elétricos e mecânicos, projetos e instalações elétricas de baixa tensão, empreitadas de obras públicas, indústria de construção civil e fornecedor de obras públicas.
V. Por sua vez, a O. (sócia da recorrida à data do facto tributário e detentora de 70% do seu capital social), era uma sociedade que mantinha relações especiais com a agora recorrida, de acordo com o regime previsto no art. 63.º do CIRC.
VI. Ambas as sociedades, à data da emissão da fatura em causa, tinham como administrador comum, M..
VIII. Em outubro de 2010, foi celebrado um contrato entre a agora recorrida e a A. – (doravante designada por A.), entidade descentralizada da administração pública do Paraguai, a qual tinha como objeto social satisfazer as necessidades de energia elétrica daquele país.
VIII. No decurso do procedimento de inspeção tributária de que foi objeto a agora recorrida, verificou-se que esta, no ano de 2011, registou na sua contabilidade (conta 62101), a título de subcontratos, a fatura n.º 10241100910, datada de 27.06.2011, emitida pela O., no valor de € 512.610,79, acrescida de IVA no montante de € 117.900,48.
IX. No descritivo da referida fatura vinha mencionado “Consultoria no Projeto Grupo Geradores diesel 900 a 1100 KVA e 1800 a 2200 KVA em cabine insonorizada para a A. – Paraguai e ensaio de equipamentos”.
X. Em face dos documentos recolhidos e testemunhos obtidos em sede inspetiva, os serviços concluíram existirem fortes indícios de que a fatura supra identificada não correspondia a serviços efetivamente realizados, desconsiderando o gasto em causa, por este não ser subsumível ao regime estabelecido no art. 23.º do CIRC.
XI. A recorrida, pelo contrário, considera que aquela fatura está efetivamente associada à participação da O. no negócio com a A., uma vez que esta teria sido responsável pela execução da sua “parte não técnica”.
XII. Ora, o Tribunal a quo deu guarida à tese perfilhada pela recorrida, considerando que a recorrida “(…) foi a empresa responsável pela conceção e execução da parte técnica do contrato com a A., tendo cabido à sociedade O. os contactos, a negociação do mesmo e as diligências necessárias à sua assinatura” (cfr. facto 42 – página 27).

III - A factualidade dada como provada

XIII. No entanto, afigura-se-nos, por um lado, que a matéria de facto é insuficiente para fundamentar uma boa decisão da causa e, por outro, que o douto Tribunal não poderia dar como provados determinados factos, atenta a prova documental, testemunhal e as declarações da parte carreada para os autos, nem poderia tirar as ilações que tirou dos mesmos.
XIV. Sendo que, por uma questão de sistematização – e à medida a que formos escalpelizando a motivação exarada na sentença – iremos precisar quais os factos que deveriam e não deveriam ter sido considerados provados, fundamentando devidamente tal entendimento.
FACTO 24 (página 23)
XV. Relativamente ao facto 24, afigura-se-nos que o Tribunal a quo não o podia considerar como “não impugnado” (ou, dá-lo provado por via de “acordo”, como vem indicado em alguns factos anteriores), por força das regras estabelecidas, em processo tributário, nos artigos 110.º, n.ºs 6 e 7 e 115.º do CPPT.
XVI. Para além deste aspeto relacionado com a inexistência de um ónus de contestação especificada dos factos alegados na petição inicial que legitime falar, em sentido técnico rigoroso, em “facto não impugnado”, a verdade é que, em termos puramente substanciais, também não se alcança como o tribunal se permite inferir a existência de um contrato à luz “da faturação emitida na sequência da sua execução”.
XVII. Cumpre ainda destacar que, pese embora a recorrida referir a existência de duas garantias bancárias associadas ao contrato, apenas a de valor de € 515.619,00 mereceu a designação de facto provado. A garantia bancária no montante de € 1.546.857,00, que a douta sentença reconhece como não comprovada, em vez de ser incluída no segmento dos “factos não provados” acaba por ser relegada para uma anotação marginal ao facto 24.
XVIII. Afigura-se-nos que a materialidade fáctica selecionada pelo Tribunal a quo é manifestamente insuficiente para dar como provada a alegação contante no artigo 19.º da petição inicial, e, por outro lado, também não descortinamos justificação plausível para não ter sido incluído nos “factos não provados” a prestação da garantia bancária no montante de € 1.546.857,00.
FACTO 41 (página 26)
XIX. Em face do discorrido na douta petição inicial, entendemos que a agora recorrida nunca considerou não ser possível inserir manualmente um descritivo diferente, conforme vem dado como provado na douta peça decisória.
XX. Não vislumbramos nas asserções contidas na douta petição inicial qualquer alusão à existência de uma verdadeira impossibilidade material do programa de faturação em admitir a criação de descritivos para além dos já pré-definidos.
XXI. Por outro lado, o depoimento da testemunha D., prestado na qualidade de contabilista da recorrida e da sociedade O., versou sobre o programa de faturação utilizado em 2017.
XXII. A referida testemunha esclareceu o tribunal de que era contabilista daquelas empresas desde janeiro de 2017 (depoimento gravado em suporte digital na parte 01:23:00-01:23:15) e referindo-se ao programa de faturação utilizado à data da emissão da fatura n.º 10241100910, de 27.06.2011, teve o cuidado de frisar, reportando-se ao ano da emissão do referido documento, que desconhecia qual o programa de faturação então utilizado, recorrendo à expressão “na altura não sei” (depoimento gravado em suporte digital na parte 01:23:00-01:26:10).
XXIII. Sobre o programa de faturação utilizado em 2011, a testemunha D. reconheceu clara e inequivocamente nada saber e de nenhuma fase do seu depoimento é referido existir qualquer similaridade entre o programa de faturação de 2011 e o de 2017.
FACTO 42 (página 27)
XXIV. Como se alcança do n.º 1 do art. 115.º do CPPT, em sede de impugnação judicial rege o princípio da admissibilidade dos meios gerais de prova, entre os quais se inserem as declarações da parte.
XXV. Limitando-nos à aridez de tais formulações (isto é, de que as declarações da parte são admissíveis e de que o julgador aprecia livremente tal prova), parece resultar que a douta sentença recorrida não padece de qualquer erro de julgamento e que a sua tomada de posição sobre o que resultou do depoimento da parte é insindicável.
No entanto, só aparentemente será assim.
XXVI. A factualidade aqui dada como comprovada tem como único esteio o “conjunto do depoimento” prestado por M., enquanto administrador da recorrida e da O., ou seja, na qualidade de administrador da sociedade utilizadora e da sociedade emitente da fatura n.º 10241100910.
XXVII. O Tribunal a quo, na valoração do depoimento em questão, destacou a coerência da explicação dada pela parte, sem ter em devida consideração que é expetável que as declarações da parte primem pela coerência, tanto mais que a parte pode mesmo ter-se preparado para prestar declarações.
XXVIII. Esta circunstância, a que o Tribunal a quo foi indiferente, sai naturalmente reforçada pelo facto de estarmos perante declarações proferidas pelo administrador, simultaneamente, da empresa que emitiu a fatura in quaestio e da sociedade que a utilizou.
XXIX. O Tribunal a quo deu grande relevo à designada “parte não técnica do contrato”, matéria sobejamente explorada nas declarações proferidas por M., sem ter em conta que esta matéria assume os contornos de um conveniente artifício tecido para justificar a alegada intervenção da O. na realização dos serviços associados pela recorrida à fatura n.º 10241100910.
XXX. Registe-se, ainda, que a possibilidade de preencher com “detalhes” o papel da O., na designada “parte não técnica” do contrato, através de um discurso aparentemente contextualizado e pormenorizado, é potenciada pela posição que a parte tem em ambas as empresas.
XXXI. As anotações complementares ao facto 42 permitem inferir que bastou o “conjunto do depoimento do administrador” para o Tribunal a quo o dar como “suficientemente demonstrado”, sem dar o devido relevo a outros elementos passíveis de infirmar o teor das declarações da parte.
XXXII. O Tribunal a quo, na valoração das declarações da parte, não deu relevo ao facto de estas traduzirem, tendencialmente, declarações interessadas, parciais e não isentas, desvalorizando, sem justificação, dados concretos oferecidos pelos autos.
XXXIII. Entre esses dados destacamos o designado estudo “Paraguai – Estudo de Mercado junho de 2011” que M. facultou aos serviços de inspeção tributária, correspondendo ao facto 33 dado como provado.
XXXIV. Este alegado estudo suscita legítimas perplexidades por via do seu conteúdo, dado que foi apurado em sede inspetiva que o “(…) mesmo se reduziu à extração de elementos disponíveis (e de fácil consulta) na internet” (cfr. facto 34; página 21 do RIT e correspondente Anexo XVI – fls. 1 a 10).
XXXV. Também no que concerne à data, as dúvidas que suscita resultam do facto do dito estudo ter sido elaborado em momento posterior a 08.10.2010, isto é, para além do prazo fixado para a apresentação de propostas, conforme consta da “Seccion II – Dados de la Contratacion por via de la excepcion, página 4, ponto D. Presentacion y Abertura de Ofertas” (cfr. página 22 do RIT e correspondente Anexo X – fls. 1 a 5).
XXXVI. Por fim, no concerne ao seu teor, é patente o seu desfasamento com a descrição constante da fatura, dado que nele, para além de não ser abordada a temática dos ensaios, também não há qualquer referência aos geradores diesel 900 a 1100 KVA e 1800 a 2200 KVA em cabine insonorizada (cfr. página 23 do RIT e correspondente Anexo X – fls. 1 a 5).
XXXVII. Esta factualidade, em nosso entender, era merecedora de rigorosa análise e avaliação critica, por constituir um parâmetro de relevo para aferir da veracidade das declarações prestadas por aquele que se arrogou ser o único autor do dito estudo.
XXXVIII. Um projeto negocial com a dimensão apresentada, à luz das máximas da experiência comum e técnica, não se ajusta a um estudo de mercado que se limita a agregar simples dados extraídos da internet.
XXXIX. Esta asserção nem sequer é posta em causa pela circunstância de poderem ter existido versões anteriores do referido estudo, uma vez que, segundo a factualidade dada como assente no ponto 35, elas gozam das “mesmas características da versão final” e são “parcialmente coincidentes”.
XL. Outro dado que, na nossa ótica, permitiria clarificar e concatenar, congruentemente, as declarações da parte, reside nas declarações prestadas por L. que colocam em causa a tese perfilhada pela recorrida, segundo a qual, M., na veste de administrador da O., teria sido o único autor das tarefas associadas à execução da designada “parte não técnica” do contrato celebrado com a A. (cfr. facto 14; páginas 20 e 21 do RIT; e Anexo XIII –fls. 1 a 2).
XLI. Estas declarações vêm na linha das proferidas por L-., sócio e diretor comercial da recorrida à data da realização do contrato e, por L., Diretor Técnico e de Produção da recorrida, à data do facto tributário (cfr. facto 14 e páginas 17 a 19 do Relatório e Anexo VIII – fls. 1 a 2; páginas 19 e 20 do Relatório e Anexo XII – fls. 1 e 2).
XLII. De todas estas declarações ressalta a ausência de qualquer referência ao papel alegadamente desempenhado pela O. na execução do projeto em causa, bem como às concretas funções que M. afirma ter desempenhado no âmbito da mencionada parte “não técnica”.
XLIII. Tendo em consideração que, à data da emissão da fatura n.º 10241100910, os declarantes supra mencionados assumiam os cargos de diretor comercial (e sócio), diretor técnico e de produção e vendedor responsável pelo mercado internacional, não nos parece credível, à luz das mais elementares regras da experiência comum, que a intervenção da O., a ter efetivamente existido, no âmbito da dita “área não técnica”, possa ter passado despercebida e, concomitantemente, omitida nas declarações por eles prestadas.
XLIV. Acresce que, das declarações emitidas por L., também é possível concluir que a recorrida tinha pessoas ao seu serviço, as quais executavam tarefas “fora da fábrica” que pela sua específica natureza, só podiam pertencer à dita “parte não técnica” do projeto em causa.
XLV. Dessas mesmas declarações, resultam clara e inequivocamente que ele era trabalhador da recorrida e que agiu no espaço da dita “área não técnica” do projeto, desde a sua génese (primeiros contactos com a empresa espanhola C.) até ao seu epílogo (deslocação ao Paraguai para entrega da proposta negocial à A.) – cf. facto 14.
XLVI. Tais declarações vêm ao arrepio das prestadas por M., segundo as quais, à luz das anotações exaradas em complemento do facto 42, “a G., S.A. apenas tinha pessoas na fábrica e o know how para fabricar geradores”.
XLVII. O Tribunal a quo desvalorizou por completo as declarações proferidas por outros trabalhadores da recorrida, nomeadamente as de L., as quais estão longe de confirmar o cenário factual urdido pela parte.
XLVIII. Sobre esta temática, na douta sentença recorrida, apenas vislumbramos o seguinte comentário: “Quanto à parte legal (presume-se que por não lhe ter sido perguntado) nada consta quanto à autoria da sua execução” (cfr. página 43).
XLIX. Tendo em consideração que L. declarou ter conhecimento das três vertentes do caderno de encargos associado ao contrato celebrado com a A. (legal, técnica e comercial) e que, na sequência dessa afirmação, disse não ter tido conhecimento de que tenha sido contratada alguma entidade externa para a execução do projeto em causa, não entendemos como o Tribunal a quo possa daí presumir que a inexistência de uma referência expressa quanto à autoria da “parte legal” se deva, simplesmente, ao facto de nada lhe ter sido questionado (cfr. auto de declarações Anexo XIII do Relatório).
L. Se o referido trabalhador da recorrida demonstrou ter conhecimento do projeto na sua globalidade, as máximas da experiência comum permitem inferir que também estaria em perfeitas condições para nomear uma entidade externa na execução de qualquer uma das suas componentes, pelo que não são percetíveis as razões que levaram o Tribunal quo a presumir que a questão que lhe foi colocada estava delimitada à autoria da “parte técnica”.
LI. As declarações prestadas pelos trabalhadores da recorrida, integralmente reproduzidas no facto 14 e inseridas num extenso fragmento do Relatório, traduzem um modelo de elaboração de sentença frequentemente censurado pelos tribunais superiores, dado que não se procede à discriminação dos factos que se consideram provados.
LII. Pese embora não resultar da lei a imposição de um modelo único de fundamentação, afigura-se-nos primordial que o juiz gradue as provas segundo a relevância e credibilidade que mereceram, explicitando clara e concretamente as razões pelas quais as provas produzidas granjearam diverso acolhimento e os motivos da prevalência de umas sobre as outras.
LIII. No que concerne ao facto 42, afigura-se-nos que a sentença recorrida não preenche estes requisitos, pecando por não justificar as razões que a levaram a conceder absoluta prevalência às declarações da parte, em detrimento da factualidade vertida no Relatório e respetivos anexos, em particular aquela que vem, genérica e parcialmente, enunciada no facto 14.
FACTO 40 (página 26)

LIV. Pelas razões atrás explanadas, aquando da análise dos factos anteriores, afigura-se-nos que os autos não oferecem elementos que permitam dar como comprovada a factualidade vertida neste ponto do probatório. A saber
LV. A manifesta incongruência existente entre o descritivo da fatura e os documentos colhidos em sede inspetiva que o próprio Tribunal a quo reconhece que, “(…) numa primeira análise, até poderia constituir motivo suficiente para duvidar da efetividade de tais serviços” (cfr. página 41).
LVI. O exame posterior que leva o Tribunal a quo a afastar este claro indício da não autenticidade do descritivo do documento em causa, acaba por ter como apoio primordial as declarações da parte, as quais, pelas razões já expostas na análise a que foi submetido o ponto 42, não merecem a credibilidade que lhe foram atribuídas.
LVII. Também o testemunho de D. não permite dar como comprovado que o sistema informático utilizado em 2011 não admitia inserir manualmente descritivos diferentes dos prédefinidos.
LVIII. Acresce ainda que a factualidade plasmada no ponto 34, tal como já foi anteriormente observado, não foi objeto da devida análise e avaliação crítica, pois um projeto negocial com a dimensão apresentada, à luz das máximas da experiência técnica, não se coaduna com um estudo de mercado que se limita a congregar simples dados extraídos da internet.
LIX. Esta asserção, tal como já foi anteriormente destacado, nem sequer é posta em crise pela circunstância de existirem versões anteriores do referido estudo, uma vez que, segundo a factualidade dada como assente no ponto 35, elas gozam das “mesmas características da versão final” e são “parcialmente coincidentes”.
LX. Para além disso, como vem evidenciado nos pontos 62 e seguintes das presentes alegações, o dito estudo suscita ainda dúvidas consequentes do seu conteúdo, da data e das manifestas discordâncias com a descrição da fatura n.º 10241100910.

IV - Do princípio do inquisitório

LXI. O Tribunal a quo começa por considerar que a AT, depois de ter apurado que o descritivo da fatura não coincidia com os serviços prestados, “(…) optou – e bem – por investigar no sentido de saber quais os serviços que eventualmente teriam sido prestados” (cfr. página 44).
LXII. Porém, vem depois censurar os serviços, pelo facto de estes terem ignorado parte da informação recolhida, acabando por apenas dar relevância “(…) à parte que fundamentou a desconfiança – estudo apresentado e as declarações dos funcionários e do sócio – nada dizendo, nem para o bem nem para o mal, sobre a questão do comissionamento do negócio” (cfr. página 44).
LXIII. Não podemos deixar de manifestar a nossa total discordância com o entendimento recolhido na douta sentença recorrida, uma vez que o conjunto de elementos disponibilizados pelos autos não permite, de forma alguma, concluir que, por parte dos serviços inspeção tributária, houve qualquer intenção de sobrevalorizar alguns dados indiciários em detrimento de outros, com vista a justificar a correção controvertida.
LXIV. O esforço instrutório desenvolvido pelos serviços permitiu reunir um conjunto de indícios suficientemente sérios e consistentes, no sentido de demonstrar que a fatura em questão não corresponde a serviços efetivamente realizados, quer quanto aos serviços de consultoria, quer quanto aos serviços de ensaios e mesmo quanto ao estudo alegadamente elaborado pelo administrador M..
LXV. A matéria que o Tribunal a quo considera ter sido deliberadamente negligenciada pelos serviços, brota, quase exclusivamente, de uma narrativa claramente planificada pelo administrador da recorrida, que à data do facto tributário também exercia as mesmas funções na O., isto é, na sociedade emitente da fatura em questão.
LXVI. Os autos facultam dados concretos passíveis de infirmar as declarações da parte, demonstrando a sua inveracidade, dados esses que advêm da factualidade detalhada no relatório, designadamente aquela que, genericamente, vem inserida no facto 14.
LXVII. O Tribunal a quo, na avaliação e valoração dos elementos oferecidos pelos autos, sem fundamentação percetível na sentença recorrida, sobrevalorizou as declarações da parte, em contraste com outros dados que foram omitidos e/ou secundarizados, os quais permitiriam clarificar e concatenar, congruentemente, aquelas mesmas declarações.
LXVIII. Contrariamente ao decidido pelo douto tribunal, entendemos que a atuação da AT, no âmbito do procedimento inspetivo que está na génese do ato tributário objeto do presente processo, não pode considerar-se violadora dos examinados princípios do inquisitório e da verdade material.

V - Do art. 23.º, n.º 1 do CIRC e das regras que disciplinam o ónus da prova

LXIX. De acordo com a douta sentença recorrida a “(…) AT não fez prova de que estavam verificados os pressupostos legais que legitimavam a sua atuação, demonstrando a existência de indícios sérios de que o custo documentado era inexistente e, por isso, não era necessário para a obtenção dos proveitos”. E remata, entendendo que a AT “(…) não tendo feito essa prova, não recai sobre a impugnante qualquer ónus demonstrativo de que tal custo foi real” (cfr. página 44).
LXX. Ora, mais uma vez não podemos acompanhar o douto Tribunal a quo, dado que, no que respeita à qualificação das verbas contabilizadas como custos dedutíveis, cabe ao contribuinte o ónus da prova da sua indispensabilidade para a obtenção dos proveitos ou para a manutenção da força produtora, se a AT questionar essa mesma indispensabilidade.
LXXI. Nos casos em que a AT duvida fundadamente da inserção no interesse societário de determinada despesa, impende sobre o contribuinte o ónus de prova de que tal operação se insere no respetivo escopo societário.
LXXII. Competia, assim, à AT provar a verificação dos pressupostos legais que legitimam a sua atuação legal, quer evidenciando as razões que a determinaram a atuar como atuou, de molde a permitir conhecer o seu itinerário cognoscitivo e valorativo, quer enunciando os motivos que a levaram a desconsiderar o gasto in quaestio .
LXXIII. Nos presentes autos essa prova está, em nosso entender, nitidamente firmada no Relatório, a fls. 1 a 82 do processo administrativo e respetivos anexos, matéria genérica e parcialmente reproduzida no facto 14, pelo que impendia sobre a agora recorrida o ónus de apresentar prova bastante da ilegitimidade do ato tributário praticado.
LXXIV. Ora, em face da prova produzida, afigura-se-nos que tal ónus não se encontra manifestamente cumprido.
LXXV. Em face de tudo o que acabou de ser explanado, afigura-se-nos que o douto Tribunal recorrido incorreu em erro de julgamento materializado em incorreta apreciação e valoração da factualidade dada como assente, em deficiente seleção e discriminação da matéria de facto relevante para a decisão da causa, segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito controvertida, em errónea subsunção da matéria considerada como provada aos comandos normativos contidos nos artigos 58.º e 74.º, n.º 1, da LGT e 23.º, n.º 1, do CIRC e em incorreta interpretação e aplicação daquelas mesmas normas.
Nestes termos
e nos melhores de direito, deve o presente recurso ser considerado procedente, revogando-se a douta decisão por erro de julgamento e substituindo-a por outra que considere a impugnação improcedente, assim se fazendo
JUSTIÇA.».

1.3. A Recorrida contra-alegou, formulando, a final, as seguintes conclusões:
«1.ª A douta sentença recorrida julgou procedente a impugnação judicial deduzida contra o ato tributário consubstanciado na liquidação adicional de IRC n.º 2016 8310033786, de 30.05.2016, na liquidação de juros compensatórios n.º 2016 00000971166, na liquidação de juros moratórios n.º 2016 00000971167, na demonstração de acerto de contas n.º 2016 00002661538, de 01.06.2016, referente ao exercício de 2011;
2.ª O Tribunal a quo concluiu que os serviços de inspeção tributária incorreram em violação do princípio do inquisitório no que concerne à correção referente a encargos não dedutíveis (cf. artigo 23.º, n.º 1, do Código do IRC), no montante de € 512.610,79;
3.ª Não se conformando, a Fazenda Pública interpôs recurso assacando à sentença recorrida erro de julgamento da matéria de facto e de direito, nesta parte;
4.ª De referir que a Fazenda Pública não recorre da sentença proferida nos presentes autos na parte em julgou procedente a impugnação judicial quanto às seguintes correções: (i) depreciações do período não aceites fiscalmente, nos montantes de € 2.645,64, € 1.557,84, € 668,36 e € 795,94; (ii) encargos não dedutíveis, no montante de € 1.620,00; (iii) regime das mais-valias e de menos-valias, no montante de € 3.173,96; (iv) encargos não dedutíveis, nos montantes de € 1.484,85 e € 48.551,82; e (vi) tributações autónomas, nos montantes de € 534,19 e € 1.256,61;
5.ª No entender da Fazenda Pública o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento da matéria de facto ao dar como provados os factos 24., 41., 42., 34. e 40. constantes do probatório da sentença recorrida;
6.ª O Tribunal a quo deu como provado o seguinte facto “Em Outubro de 2010 foi celebrado entre a A. e a Impugnante um contrato de aquisição de equipamentos para uma central térmica, tendo sido prestada garantia no montante de € 515.619,00 (art. 19º da p.i., não impugnado, fls. 690 a 696 dos autos em suporte físico, sendo que, apesar de o contrato não ter sido junto, a sua celebração não foi posta em causa e resulta de vários factos, tais como a facturação emitida na sequência da sua execução, conforme factos abaixo; quanto à garantia no valor de € 1.546.857,00, a mesma não está comprovada, na medida em que apenas foi junta uma minuta da mesma).” (cf. facto 24. do probatório da sentença recorrida);
7.ª A Fazenda Pública alega que o Tribunal a quo não podia ter dado tal facto como provado, por força da inexistência do ónus de impugnação especificada;
8.ª Mas, na verdade, tal facto resulta da prova documental e testemunhal carreada para os autos pela Recorrida, como, aliás, é reconhecido pelo Tribunal a quo;
9.ª A relação contratual entre a A. e a Recorrida encontra-se descrita no relatório de inspeção tributária (cf. página 16 a 26 do relatório de inspeção junto como doc. n.º 2 com a petição inicial) e foi abordada no âmbito das declarações de parte do administrador M. (cf. suporte áudio das declarações de parte do administrador M., minuto 10, segundo 46);
10.ª No artigo 8.º das alegações de recurso a Fazenda Pública reconhece a celebração do contrato, pelo que, a impugnação de tal facto não pode deixar de consubstanciar litigância de má-fé, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 542.º, n.º 1 e n.º 2, alínea a), do CPC, aplicável ex vi artigo 2.º, alínea e), do CPC;
11.ª No que concerne à garantia bancária no valor de € 515.619,00, a Recorrida apresentou cópia da mesma (cf. doc. n.º 8 junto com a petição inicial) (cf. suporte áudio das declarações de parte do administrador M., minuto 18, segundo 00; minuto 19: segundo 10; minuto 42, segundo 28);
12.ª Por fim, no que concerne ao facto 24. não se verifica, o invocado erro de julgamento da matéria de facto por a sentença recorrida não incluir nos factos dados como não provados a prestação da garantia bancária no montante de € 1.546.857,00, pois não recai sobre o Tribunal a quo o dever de se pronunciar quanto a todos os factos alegados pela Recorrida;
13.ª O Tribunal a quo deu como provado o seguinte facto “O sistema informático de facturação da sociedade O. tinha pré-definidos os campos dos descritivos das facturas, não sendo possível inserir manualmente um descritivo diferente, tendo o relativo à factura indicada em 31. supra, por não fazer parte da actividade principal da sociedade, sido aposto com base no plano oficial de contabilidade, por ser o que melhor se adaptava à situação concreta (depoimento da primeira testemunha ouvida, D., contabilista da Impugnante e da O., que explicou, de forma objectiva e segura, o funcionamento do sistema de facturação da sociedade e que, por isso, o Tribunal relevou positivamente).” (cf. facto 41. do probatório da sentença recorrida);
14.ª A Fazenda Pública invoca que a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento, argumentando não vislumbrar “(…) nas asserções contidas na douta petição inicial qualquer alusão à existência de uma verdadeira impossibilidade material do programa de faturação em admitir a criação de descritivos para além dos já pré-definidos.” (cf. artigo 32.º das alegações de recurso);
15.ª De facto, a Recorrida não invocou tal impossibilidade, nem a mesma resulta do depoimento da testemunha D. (cf. suporte áudio do depoimento da testemunha D., hora 01, minuto 25, segundo 40);
16ª. A Recorrida invocou que o programa de faturação da O. não permite escrever palavra a palavra o descritivo de uma fatura e que tais descritivos estão padronizados consoante as rúbricas contabilísticas em que terá lugar o correspondente registo contabilístico, como, aliás, deu como provado o Tribunal a quo;
17.ª Em relação ao facto 41. invoca a Fazenda Pública que em determinados pontos da sentença recorrida o Tribunal a quo parece reconhecer alguma incoerência ao descritivo da fatura;
18.ª Contudo, a alegada incoerência mais não é do que sucinta exposição do itinerário cognoscitivo e valorativo prosseguido pelo Tribunal a quo e que o levou a decidir no sentido da procedência da presente impugnação judicial, pois o Tribunal a quo concluiu que “(…) apesar de o descritivo da factura não coincidir totalmente com os serviços prestados, a verdade é que a AT, ainda assim, optou – e bem – por investigar no sentido de saber quais os serviços que eventualmente teriam sido prestados. No entanto, de entre toda a informação recolhida, toda ela com potencial igual relevância, preferiu ignorar parte dela, dando relevância apenas à parte que fundamentou a desconfiança (…)” (cf. p. 44 da sentença recorrida);
19.ª Sem prejuízo do exposto, no que concerne ao descritivo da fatura para efeitos de prova do custo incorrido, cumpre sublinhar que a doutrina e a jurisprudência têm unanimemente admitido que a insuficiência de determinado documento para efeitos de comprovação de um custo pode ser suprida por outros meios de prova (cf. neste sentido, entre outros, ANTÓNIO MOURA PORTUGAL in A dedutibilidade dos custos na jurisprudência fiscal portuguesa, Coimbra Editora, 2004, página 112 e TOMÁS TAVARES in Da relação de dependência parcial entre a contabilidade e o direito fiscal na determinação do rendimento tributável das pessoas colectivas: Algumas reflexões ao nível dos custos, Ciência e Técnica Fiscal n.º 396, dezembro de 1999, página 126; acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 16.02.2000, proferido no processo n.º 24133 e acórdão do Tribunal de Justiça da União Europeia de 15.09.2016, processo C-516/14);
20.ª No caso vertente, o Tribunal a quo relevou – e bem – os esclarecimentos complementares apresentados pela Recorrida e que os serviços de inspeção tributária haviam omitido do relatório de inspeção tributária, pelo que inexiste o invocado erro de julgamento da matéria de facto;
21.ª O Tribunal a quo deu como provado o seguinte facto “A Impugnante foi a empresa responsável pela concepção e execução da parte técnica do contrato com a A., tendo cabido à sociedade O. os contactos, a negociação do mesmo e as diligências necessárias à sua assinatura (conjunto do depoimento do administrador de ambas as sociedades, Impugnante e O., à data dos factos, que depôs de forma segura e objectiva, explicando coerentemente que a G., S.A. não tem serviços administrativos nem escritórios, cabendo essas tarefas à O., que as factura à Impugnante, entre outros serviços e materiais facturados, e que a G., S.A. apenas tinha pessoas na fábrica e o know how para fabricar os geradores; este depoimento não foi contrariado pelos depoimentos considerados pelos Serviços de Inspecção e transcritos no relatório, já que todas as pessoas ali inquiridas – engenheiros e funcionários da Impugnante – se referiram à parte técnica do contrato e não à sua negociação e concretização; diga-se, ainda, que, de acordo com o depoimento do actual administrador que, na altura, era director financeiro, ele foi o único interlocutor dos Serviços de Inspecção no respectivo procedimento, não tendo sido inquirido sobre os serviços subjacentes à dita factura, mas apenas sobre se a mesma estava contabilizada na O.; o próprio administrador M. afirmou que apenas foi ouvido no processo de inquérito e não no procedimento de inspecção, podendo aqui residir a divergência de entendimento quanto aos serviços subjacentes à factura; da conjugação das situações descritas, as quais se complementam, entende o Tribunal estar suficientemente demonstrado este facto).” (cf. facto 42. do probatório da sentença recorrida);
22.ª A Fazenda Pública não se conforma com o mencionado facto por, no seu entender, tal resultar de uma errada valoração das declarações de parte do administrador M.;
23.ª Sucede que, a Fazenda Pública não logrou dar cumprimento ao ónus de alegar a que se encontra sujeita por força do disposto no artigo 640.º, n.º 1, alínea b) e c), do CPC, aplicável ex vi artigo 2.º, alínea e), do CPPT, uma vez que se limitou a proferir alegações genéricas sem demonstrar qualquer incoerência das declarações de parte do administrador M.;
24.ª Sem prejuízo, cumpre referir que as declarações de parte, previstas no artigo 466.º do CPC, aplicável ex vi artigo 2.º, alínea e), do CPPT, constituem um meio de prova autossuficiente, podendo fundamentar a convicção do juiz (cf. neste sentido, MARIANA FIDALGO, A Prova por Declarações de Parte, FDUL, 2015, p. 80);
25.ª A interpretação do artigo 466.º, n.º 3, do CPC e a valoração das declarações de parte nos termos ora propugnados pela Fazenda Pública colide com os princípios constitucionais do acesso ao direito e aos tribunais e da tutela jurisdicional efetiva (cf. Artigo 20.º da CRP).
26.ª A valoração deste meio de prova pelo Tribunal a quo não merece censura, pois as declarações do administrador M. primaram pela coerência e pelo detalhe;
27.ª Por outro lado, a circunstância de o Tribunal a quo ter relevado a parte não técnica do contrato resulta do facto de a fatura não titular serviços relacionados com a parte técnica;
28.ª Em relação ao facto 42., contrariamente ao referido nas doutas alegações de recurso, a formação da convicção do Tribunal a quo não assenta em exclusivo nas declarações de parte do administrador M., mas, também, no relatório de inspeção (cf. doc. n.º 2 junto com a petição inicial), nas declarações do administrador M (cf. suporte áudio das declarações de parte do administrador M) e na prova produzida no processo de inquérito criminal (cf. doc. n.º 17 junto com a petição inicial);
29.ª O Tribunal a quo deu como provado o seguinte facto “O documento que antecede (fls. 139 v.º a 153 v.º, com excepção da parte relativa à A. e às duas folhas com os elementos do custo de transporte e da conclusão (fls. 154 v.º a 161), corresponde exactamente aos elementos consultados pelos Serviços de Inspecção na internet e juntos a fls. 163 a 169 v.º do PA apenso).” (cf. facto 34. da sentença recorrida);
30.ª A Fazenda Pública refere que “No que concerne à data, ela releva que o dito estudo foi elaborado em momento posterior a 08.10.2010 (…)” (cf. artigo 65.º das alegações de recurso) e, por outro lado, “(…) no que concerne ao seu teor, é patente o seu desfasamento com a descrição constante da fatura em causa (…)” (cf. artigo 66.º das alegações de recurso);
31.ª No entanto, a Fazenda Pública incumpriu o ónus de alegar a que se encontra sujeita por força do disposto no artigo 640.º, n.º 1, alíneas b) e c), do CPC, aplicável ex vi artigo 2.º, alínea e), do CPPT;
32.ª Em primeiro lugar, a Fazenda Pública não indica qual o segmento em concreto do relatório de inspeção e do auto de declarações que dita decisão diversa da constante no facto 34.
33.ª Em segundo lugar, a Fazenda Pública não concretiza quais os concretos pontos que, no seu entender, deveriam constar do probatório da sentença recorrida;
34.ª Caso se considere que a Fazenda Pública cumpriu o ónus de alegar, no que não se concede, sempre se dirá que o Tribunal a quo não incorreu em erro de julgamento da matéria de facto, nesta parte, pois os colaboradores ouvidos pelos serviços de inspeção tributária estavam ligados à parte comercial e de desenvolvimento técnico do projeto;
35.ª No âmbito da ação inspetiva foram recolhidas declarações do, à data, sócio da Recorrida – L. – e de dois colaboradores – L-. e L--. (cf. p. 17 e seguintes do doc. n.º 2 junto com a petição inicial);
36.ª O primeiro esclareceu que os estudos técnicos foram elaborados pelo Engenheiro L., tendo sido este o responsável pelo desenvolvimento do projeto (cf. página 17 e anexo VIII do relatório de inspeção, junto como doc. n.º 2 junto com a petição inicial);
37.ª O segundo referiu que concebeu e desenvolveu os estudos técnicos e que, para o desenvolvimento do projeto, não foi contratada qualquer entidade externa (cf. página 20 e anexos XII do relatório de inspeção, junto como doc. n.º 2 da petição inicial);
38.ª O terceiro esclareceu que a Recorrida teve conhecimento do concurso lançado pela A. através da empresa espanhola C., e que a parte técnica foi da responsabilidade do Engenheiro L. (cf. página 21 e anexos XIV do relatório de inspeção, junto como doc. n.º 2);
39.ª As questões colocadas aos colaboradores incidiram sobre a componente técnica, de desenvolvimento e execução do projeto e, contrariamente ao invocado pela Fazenda Pública, nenhum colaborador se pronunciou sobre a questão não técnica do projeto, até porque, a Recorrida apenas dispunha de colaboradores afetos ao desenvolvimento técnico de projetos (cf. suporte áudio das declarações de parte do administrador M., hora 01, minuto 11, segundo 10);
40.ª Por outro lado, como esclareceu o administrador da Recorrida, M., as decisões de gestão, em particular em projetos de elevado valor económico, como o projeto com a A., são tomadas pela administração (cf. suporte áudio das declarações de parte do facto 34.; administrador M., hora 01, minuto 11, segundo 58);
41.ª O Tribunal a quo deu como provado o seguinte facto “Os serviços subjacentes à factura a que se refere o ponto 31. supra, corresponderam em parte a uma comissão relativa ao contrato celebrado com a A. e outra ao estudo elaborado nesse âmbito, nomeadamente ao indicado em 33. e 35. supra (conjugação do depoimento prestado pelo administrador da Impugnante em sede de processo de inquérito, com os documentos juntos em sede de procedimento de inspecção e espelhados no relatório de inspecção e respectivos anexos e, ainda, os juntos à impugnação como docs. 4 e 6, bem como das declarações prestadas na diligência de inquirição de testemunhas, sendo que o depoimento foi prestado de forma espontânea, objectiva, segura e sem hesitações, o que fez inculcar no Tribunal a impressão da sua veracidade).” (cf. facto 40. do probatório da sentença recorrida);
42.ª Contrariamente ao invocado pela Fazenda Pública, os presentes autos contêm elementos que corroboram o citado facto, a saber: (i) o auto de interrogatório do administrador da Recorrida – M. – no âmbito do processo de inquérito n.º 113/15.4IDAVR (cf. doc. n.º 17 junto com a petição inicial); e (ii) as declarações de parte do administrador M. (cf. suporte áudio das declarações de parte do administrador M., minuto 53, segundo 15);
43.ª Defende a Fazenda Pública que “(…) o esforço instrutório desenvolvido pelos serviços de inspeção tributária permitiu reunir um conjunto de indícios suficientemente sérios e consistentes, no sentido de demonstrar que a fatura em questão não corresponde a serviços efetivamente realizados (…).” (cf. artigo 131.º das alegações de recurso);
44.ª No âmbito da ação inspetiva, os serviços de inspeção tributária consideraram que a fatura sob análise não correspondia a serviços realizados;
45.ª Como resulta do teor do relatório de inspeção, tal conclusão foi alicerçada nas declarações de L., de L-. e de L--. (cf. p. 17 e seguintes do doc. n.º 2 junto com a petição inicial), as quais se revelam manifestamente insuficientes;
46.ª Tendo presente ónus da prova que impende sobre a administração tributária no que concerne aos pressupostos legais da correção em apreço (cf. artigo 74.º, n.º 1, da LGT), impunha-se aos serviços de inspeção tributária desenvolver diligências complementares e, por outro lado, relevar na sua totalidade o depoimento do administrador da Recorrida, M., no âmbito do processo de inquérito, assim dando cumprimento integral ao princípio do inquisitório e da verdade material (cf. artigo 58.º da LGT e artigo 6.º do RCPITA);
47.ª O princípio do inquisitório encontra-se enunciado no artigo 58.º da LGT e no artigo 6.º do RCPITA, e constitui corolário do dever de imparcialidade que deve nortear toda a atividade da administração tributária (cf. artigo 266.º, n.º 2, da CRP) (cf. neste sentido, acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 09.03.2017, proferido no processo n.º 05428/12);
48.ª No caso vertente, os serviços de inspeção tributária não desenvolveram qualquer diligência junto da entidade que emitiu a fatura sob análise tendo concluído, sem mais, pela falsidade da mesma;
49.ª Os serviços de inspeção tributária omitiram do relatório de inspeção uma parte das declarações prestadas pelo administrador da Recorrida, M., no âmbito do processo de inquérito n.º 113/15.4IDAVR, em que este esclareceu que a fatura sob análise titula, por um lado, a prestação de serviços de consultoria e a elaboração do estudo de mercado e, por outro, o comissionamento do negócio celebrado com a A. (cf. doc. n.º 17 junto da petição inicial);
50.ª Todavia, o princípio do inquisitório impõe à administração tributária o dever de apreciar todos os meios de prova, independentemente de tais meios poderem ser favoráveis ao sujeito passivo (cf. neste sentido, ELISABETE LOURO MARTINS, O ónus da prova no direito fiscal, Coimbra Editora, julho de 2010, p. 101 e MARTINS ALFARO, Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária – Comentado e Anotado, Áreas Editora, junho de 2003, pp. 76 e 77);
51.ª Contrariamente ao defendido pela Fazenda Pública, o Tribunal a quo não fundamentou a sua decisão única e exclusivamente nas declarações de parte do administrador da Recorrida, M., mas, ao invés, no teor do próprio relatório de inspeção;
52.ª A Fazenda Pública não específica quais os concretos pontos passíveis de infirmar a conclusão alcançada pelo Tribunal a quo, quanto à violação do princípio do inquisitório pelos serviços de inspeção tributária, não cumprindo, assim, o ónus de alegar a que se encontra sujeita, nos termos dos artigos 639.º e 640.º do CPC, aplicável ex vi artigo 2.º, alínea e), do CPPT;
53.ª Os serviços de inspeção tributária não deram cumprimento ao princípio do inquisitório falhando, pelo que não pode senão concluir-se pelo incumprimento do ónus da prova;
54.ª Embora o referido princípio não se confunda com o ónus da prova, não tendo os serviços de inspeção realizado as diligências necessárias ao apuramento da verdade, não poderá deixar de se concluir que os serviços de inspeção tributária não recolheram e não aportaram prova convincente de que a fatura em apreço não titula um custo real;
55.ª Sem prejuízo do exposto, cumpre sublinhar que a Recorrida logrou demonstrar que a fatura em apreço titula um custo real, como, aliás, concluiu e bem o Tribunal a quo;
56.ª Por outro lado, encontram-se reunidos os requisitos previstos no artigo 23.º, n.º 1, do Código do IRC, e dos quais depende a relevação do custo fiscal em apreço;
57.ª Em face de todo o exposto, deve o presente recurso ser julgado improcedente.

Por todo o exposto, e o mais que o ilustrado juízo desse Venerando Tribunal suprirá, deve o presente recurso ser julgado improcedente, mantendo-se a douta sentença recorrida, assim se cumprindo com o DIREITO e a JUSTIÇA.».

1.4. O EPGA junto deste Tribunal emitiu douto parecer em 09.12.2019, no qual consignou o seguinte:
«(…)
ERRO DE JULGAMENTO DA MATÉRIA DE FACTO
No que concerne ao juízo formulado quanto à decisão da matéria de facto, alega a Recorrente que a mesma enferma de erro na parte em que deu como provada a factualidade constante dos pontos 24, 41, 42, 34 e 40, do probatório,
Uma vez que o depoimento das testemunhas indicadas pela Impugnante, ora Recorrida não permite sustentar tal factualidade (cf. Conclusões VV a LX das Alegações de Recurso, a fls. 1035v al 038/vo, do processo fiscal).
Sucede que, no que concerne à impetrada modificação da decisão de facto, aquando da afixação dos pontos de facto elencados na douta sentença recorrida, limitar-nos-emos a exarar que não nos suscita qualquer reparo a leitura conjugada da prova produzida, efectuada na decisão sob recurso.
Na verdade, é um dado adquirido e insofismável que a trave-mestra da valoração da prova testemunhal assenta nos princípios da livre apreciação, da oralidade e da imediação e daí que, em bom rigor, o tribunal ad quem não possa sindicá-la na globalidade.
Além disso, conforme foi afirmado pelo Supremo Tribunal de Justiça, "O recurso em matéria de facto ( «quando o recorrente impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto»), não pressupõe uma reapreciação pelo tribunal de recurso do complexo dos elementos de prova produzidos e que serviram de fundamento à decisão recorrida, mas apenas uma reapreciação sobre a razoabilidade da convicção formada pelo tribunal a quo relativamente à decisão sobre «os pontos de facto» que o recorrente considere incorrectamente julgados, na base da avaliação das provas que, na indicação do recorrente, imponham «decisão diversa» da recorrida" (cf. Acórdão do STJ, de 10/01/2007, no proc. N° 06p3518, disponível em www.dgsi.pt; sublinhado nosso).
Ora, a Recorrente não logrou convencer-nos de que a decisão da matéria de facto enferma efectivamente de erro, quer nos pressupostos em que se estribou quer, ainda, nas conclusões a que chegou, de forma a dar como provados certos factos, mais consentâneos com os seus interesses.
Com efeito, a concessão ou, ao invés, a negação da credibilidade aos depoimentos de determinadas testemunhas e a não valoração de determinados documentos, têm de radicar na livre convicção do tribunal, mas tal liberdade de apreciação do material probatório não significa que esta seja infundada, imotivada ou irracional.
Ora, no caso em análise, a convicção extraída da prova testemunhal e documental não se nos afigura irrazoável, infundamentada, ou arbitrária, de molde a justificar ou até impor a censura deste Tribunal.
E, para assim concluir basta atentar no conteúdo da motivação da decisão em relação a dada um dos factos provados", cuja explicitação se revela, a nosso ver, absolutamente clara, lógica e convincente (cf. fls. 25 a 27, da sentença, 1004 e 1005, do processo fiscal).).
Assim sendo, não vislumbramos quaisquer erros de julgamento na fixação dos concretos pontos de facto enumerados na douta decisão recorrida e/ou contradições entre eles e o restante acervo fáctico, de modo a exigir a intervenção do tribunal ad quem na reapreciação do material probatório posto em crise.
Nesta conformidade, sem necessidade de outros considerandos, somos de parecer de que o recurso não merece provimento, quanto a este segmento decisório.
ERRO DE JULGAMENTO DA MATÉRIA DE DIREITO

Alega a Fazenda Pública que reuniu um conjunto de indícios sérios e consistentes no sentido de demonstrar que a factura em questão não corresponde a serviços efectivamente realizados.
Vejamos se lhe assiste razão.
Ora, em matéria de gastos, o elemento determinante nos termos do n°1 do artigo 23°, do CIRC, é o requisito da indispensabilidade.
Assim nos termos do disposto no artigo 23°, do CIRC, consideram-se gastos os que comprovadamente forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora.
Se um gasto não é indispensável, então não integra a previsão normativa do n°1 do artigo 23°, do CIRC, podendo, pois, por esta via, ser fiscalmente desconsiderado.
Assim, os gastos fiscais, em regra, são os derivados da actividade da empresa que apresentem uma conexão fáctica ou económica com a organização e que, para que relevem fiscalmente, têm de estar afectos à exploração,
No sentido de que deve existir uma relação causal entre os custos e os proveitos da empresa, em termos de adequação económica do acto à finalidade da obtenção maximalista de resultados.
O juízo de comprovada indispensabilidade é um juízo casuístico, pois só analisando um concreto cada custo poder-se- à aferir da respectiva indispensabilidade de um gasto para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora.
Esta análise casuística deverá ser efectuada subjectivamente, não podendo associar-se a um juízo meramente objectivo, dependendo da actividade e objectivos de gestão da própria empresa.
A Autoridade Tributária pode excluir gastos quando casuisticamente haja motivos para se entender que aqueles foram incursos na prossecução de outro interesse que não o empresarial, ou, ao menos, com nítido excesso, face às necessidades e capacidades da empresa.
Ora, subjacente às correcções em causa, está o entendimento de que há indícios sérios de que o custo documentado era inexistente e, por isso, não era necessário à obtenção dos proveitos as referidas despesas e custos ou não se verificaram.
No entanto, conforme se concluiu na douta sentença recorrida, baseada nos documentos juntos-que não foram impugnados- e nos depoimentos das testemunhas que "Com efeito a Autora demonstrou que os serviços subjacentes à factura corresponderam, em parte, a uma comissão relativa ao contrato celebrado com a A. e, Outra, ao estudo elaborado nesse âmbito, cujas versões juntou ao procedimento de inspecção e à presente impugnação, e demonstrou também que foi a empresa responsável pela concepção e execução da parte técnica do contrato com a A.,
Cabendo à O. os contactos, a negociação do mesmo c as diligências necessárias à sua assinatura" (cf. fls. 45, da sentença, 1014, do processo fiscal).
Consequentemente, salvo o devido respeito por melhor opinião o custo está documentado por uma factura idónea à comprovação do mesmo
E está conexionado com a actividade da Impugnante, ora Recorrida, com um concurso público que viria a ser adjudicado, tendo como objectivo a realização de proveitos.
Pelo que nos afigura que o recurso deve improceder, também quanto a este segmento decisório.
CONCLUSÃO
Nos termos e com os fundamentos acima expostos, somos do parecer de que deverá ser negado provimento ao recurso, mantendo-se integralmente, a douta sentença recorrida.».


Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir, pois que a tanto nada obsta.


2. DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR

Tendo presente que as conclusões das alegações balizam o objeto do recurso e que não existem questões de que oficiosamente importe conhecer, cumpre apreciar e decidir se a sentença recorrida enferma de:
- erro de julgamento de direito ao considerar que a AT não observou o princípio do inquisitório;
- erro de julgamento de direito por não ter considerado que, face às dúvidas suscitadas pela AT, competia à Recorrida provar a indispensabilidade do custo;
- erro de julgamento de facto, na parte relativa aos factos descritos sob os pontos 24, 34, 40, 41 e 42;

3. FUNDAMENTAÇÃO
3.1. De Facto

A decisão recorrida contém a seguinte fundamentação de facto:
«3.1. Factos Provados:
1. A Impugnante exerce a actividade de fabrico de equipamentos destinados à produção de electricidade e está inscrita com o CAE 27110 “Indústria, montagem, reparação e comercialização de grupos electrogéneos, materiais e equipamentos eléctricos e mecânicos, projectos e instalações eléctricas de baixa tensão, empreitadas de obras públicas, indústria de construção civil e fornecedor de obras públicas”, no regime geral de IRC e no regime normal de periodicidade mensal de IVA (fls. 4 v.º do PA apenso);
2. a) Em 14-04-2008 a composição do capital social da Impugnante era a seguinte:
- O., Lda.: 70%
- W., Lda.: 20%;
- L.: 10%
b) Em 13-05-2011 tal composição era a seguinte:
- O., SGPS: 90%;
- L.: 10%;
c) Em 07-05-2012 essa composição era a seguinte:
- O., SGPS: 100% (cfr. Certidão Permanente – Anexo II ao Relatório de Inspecção, a fls. 50 e ss. do PA apenso);
3. Para os triénios 2011/2013 e 2014/2016 foram designados como membros do Conselho de Administração da Impugnante M. como presidente e J., como vogal, tendo este último renunciado a este cargo em 31-03-2015 (cfr. Certidão Permanente – Anexo II ao Relatório de Inspecção, a fls. 50 e ss. do PA apenso);
4. Em 27-06-2011 M. era administrador da Impugnante e da sociedade O., S.A. (acordo e fls. 10 do PA apenso);
5. Através da Ordem de Serviço n.º OI201402731, de 05-11-2014, foi determinado pela AT que se procedesse a inspecção externa à Impugnante, aos exercícios de 2011, 2012 e 2013, tendo tal Ordem sido assinada pelo Director Financeiro da Impugnante em 09-12-2014 (fls. 5 e 432 do PA apenso);
6. A acção de inspecção que antecede foi objecto de duas prorrogações de 3 meses cada, notificadas pelos ofícios n.º 8203693, de 22-05-2015 e n.º 8306236, de 10-08-2015 (fls. 5 e 417 a 423 do PA apenso);
7. Relativamente ao ano de 2011 e à acção inspectiva que antecede, foi instaurado o processo de inquérito n.º 113/15.4IDAVR, tendo a Impugnante sido notificada dessa instauração e da suspensão do prazo da acção inspectiva pelo ofício n.º 8207817, de 06-10-2015 (fls. 5, 424 e 425 do PA apenso);
8. No processo de inquérito que antecede são investigados os factos referentes à contabilização por parte da Impugnante da factura n.º 10241100910, de 27-06-2011, no valor de € 512.610,79, acrescida de IVA no valor de € 117.900,48, emitida pela sociedade O. , S.A., por indícios de se tratar de factura falsa e simulação de negócio (cfr. despacho proferido no proc. n.º 113/15.4IDAVR do DIAP de Aveiro, a fls. 746 e ss. dos autos em suporte físico);
9. Em 27-04-2015 foi, pelos Serviços de Inspecção da DDF de Aveiro, feita proposta de inspecção, ao ano de 2011, à sociedade O. , S.A., deferida por despacho de 28-04-2015, tendo por fundamento o seguinte: “No decurso da acção inspectiva à G., S.A. , detectou-se, em 2011, a contabilização de uma factura relativa a um projecto de consultoria, emitido pela sociedade O.. Existindo indícios de que aquela factura não corresponde a serviços efectivamente prestados, solicita-se a emissão de despacho externo, tendo por objectivo a análise do quadro de pessoal da mesma, bem como a existência de subcontratos contabilizados.” (fls. 431 do PA apenso);
10. Na sequência da acção de inspecção a que se referem os pontos 4. e 5. supra, foi, pelos Serviços de Inspecção da DDF de Aveiro, solicitada, em 14-01-2016, a emissão de despacho no sentido de verificação dos elementos contabilísticos de suporte ao empréstimo por parte da Impugnante à sociedade O., no ano de 2010, do valor de € 500.000,00, tendo tal pedido sido deferido por despacho de 18-01-2016 (fls. 429 do PA apenso);
11. A acção inspectiva à Impugnante foi concluída em 13-04-2016, tendo sido remetida nota de diligência, pelo ofício n.º 3202630, de 14-04-2016, através de correio registado com o n.º RD789858763PT (fls. 414 a 416 do PA apenso);
12. Na sequência de tal inspecção foi, em 13-05-2016, elaborado Relatório de Inspecção Tributária, que foi sancionado superiormente, através do qual foram efectuadas “correcções de natureza meramente aritmética resultantes de imposição legal” à matéria tributável de IRC e em IVA, aos anos de 2011, 2012 e 2013, (fls. 1 e ss. do PA apenso);
13. No que ao IRC diz respeito, tais correcções prenderam-se, para além da não-aceitação como custo da factura n.º10241100910, de 27-06-2011, emitida pela O., S.A., com:
- 2011: depreciações não aceites fiscalmente: € 2.645,64 + € 1.557,84 + € 668,36 + € 795,94;
Encargos não dedutíveis para efeitos fiscais – h) do n.º 1 do art. 45.º do CIRC: € 1.620,99;
Errada consideração do regime das mais-valias de que resultou uma correcção a favor do Estado de: € 3.173,96;
Gastos com Km não aceites: € 48.551,82 + € 1.484,85;
Tributação autónoma: € 636,79 a favor do S.P.
- 2012: depreciações não aceites fiscalmente: € 2.645,64 + € 1.557,84 + € 323,02 + € 2.499,99;
Encargos não dedutíveis para efeitos fiscais – h) do n.º 1 do art. 45.º do CIRC: € 1.620,99;
Gasto considerado não indispensável, nos termos do art. 23.º n.º 1 do CIRC: € 3.000,00;
Gastos com Km não aceites: € 15.676,58;
Tributação autónoma: € 3.066,29.
- 2013: Encargos não dedutíveis para efeitos fiscais – h) do n.º 1 do art. 45.º do CIRC: € 135,08;
Gasto considerado não indispensável, nos termos do art. 23.º n.º 1 do CIRC: € 8.521,56;
Errada consideração do regime das mais-valias de que resultou uma correcção a favor do Estado de: € 12.464,39;
Tributação autónoma: € 2.991,77 (fls. 23 a 35 v.º do PA apenso);
14. No que se refere à não-aceitação como custo da factura n.º 10241100910, de 27-06-2011, emitida pela O., S.A. o Relatório de Inspecção tem, nomeadamente, o seguinte teor:
“(…)
II.3.8 Outros factos relevantes analisados
O sujeito passivo G., S.A. encontra-se coletado desde 1 de Janeiro de 1986 para o exercício da atividade de “Fabricação de motores e geradores”, dedicando-se à produção duma gama alargada de grupos eletroqéneos com potências várias, os quais tem por destino a produção de electricidade.
No decurso da ação inspetiva externa, verificou-se que a G., S.A. registou na sua contabilidade no ano de 2011 na conta 62101, a título de subcontratos a fatura n.º 10241100910, datada de 27 de junho de 2011, emitida pela empresa O. S.A., NIF (...), no valor de € 512.610,79 acrescida de IVA no valor de € 117.900,48 (ANEXO V - Fls 1 a 1).
De acordo com os dados constantes da referida fatura, verifica-se que a mesma tem a seguinte descrição: “Consultoria no projecto Grupos Geradores diesel 900 a 1100KVA e 1800 a 2200 KVA em cabine insonorizada para a A.-Paraguai e ensaio de equipamentos”.
Atendendo ao facto de a descrição da mesma não ser suficientemente esclarecedora, por forma a clarificar quais os serviços efetivamente prestados pela O., no dia 2 de março de 2015, a G., S.A. foi notificada (Anexo VI - Fls 1 a 1) para apresentar cópia do relatório/projeto ou outro elemento relativo ao processo de consultoria e ensaios daqueles grupos geradores.
A 6 de março de 2015, veio a G., S.A. juntar quatro documentos relativos àquela fatura (Anexo VII - Fls 1 a 7 – 2 folhas A4 com referência à confirmação de encomenda 10491100266 com a identificação da obra - (...) Paraguai e dois desenhos - Quadros 1600A e 3200A - projeto A. PARAGUAI). A análise daqueles elementos é de todo inconclusiva, restando sérias dúvidas sobre a realização/prestação daqueles serviços pela O. à G., S.A..
A O. é uma sociedade com a qual a G., S.A. tem relações especiais, nos termos do art.º 63.º do CIRC, pois, na data da emissão da referida fatura era administrador das duas sociedades, M.. Esta sociedade tinha sede na Rua (...), (...) (atualmente a sede localiza-se em (...) - (...) - sede da G., S.A.), tendo como atividade a fabricação de dispositivos e acessórios para Instalações elétricas de baixa tensão (CAE 27330), tratando-se essencialmente da fabricação de canópias (estrutura metálica com aberturas para permitir a ventilação e que serve de proteção aos geradores) para a G., S.A..
Atendendo à existência de relações especiais entre a sociedade emitente da fatura e a utilizadora da mesma e existindo sérias dúvidas quanto à veracidade da mesma, ouviram-se em auto de declarações o sócio à data L., e, alguns funcionários da G., S.A. que à data da emissão da fatura e da realização do negócio eram trabalhadores dependentes da mesma e estiveram envolvidos no referido projecto A..
A A. (…) é uma instituição autárquica descentralizada da Administração Pública tendo como principal objetivo satisfazer as necessidades de energia elétrica do Paraguai. Por sua vez, o projeto (...) consistiu no fornecimento dos seguintes produtos: “CENTRAL GRUPOS ELECTROGÉNEOS 3000kva 3X1000” e “CENTRAL GRUPOS ELECTROGÉNEOS 6000kva 3X2000” ao cliente A..
Assim, no dia 13 de abril de 2015, ouvimos em auto de declarações L. (Anexo VIII - Fls 1 a 2) o qual, na qualidade de sócio e de diretor comercial à data do negócio celebrado entre a G., S.A. e a A., veio referir o seguinte:
- Quem exercia as funções de diretor técnico na G., S.A. entre 2010 e 2013 foi o Engenheiro L-., o qual concebia todos os estudos técnicos relacionados com os geradores (nomeadamente, conceção de novos geradores, consultoria, aperfeiçoamento/melhoria, etc.).
- Quem efetivamente executou a consultoria, conceção e desenvolvimento dos geradores diesel relacionados com o projeto A. (no Paraguai) também foi o Engenheiro L-..
- Referiu ainda que os ensaios dos geradores faturados à A. foram efetuados nas instalações da G., S.A. em (...), e num edifício arrendado em (...), cujo proprietário desconhecia o nome mas que se localizava junto do Estádio (...), dada a dimensão dos geradores ser grande. Juntou várias fotografias, conforme se apresenta de seguida:
(…)
- Mencionou ainda que em circunstância alguma, foi contratada qualquer entidade externa para execução do projeto de consultoria (...) (Paraguai), visto que, a conceção e desenvolvimento daquele projeto foi realizado pelo departamento técnico da G., S.A., coordenado pelo Engenheiro L.. Acrescentou ainda que, inclusivamente, a subempreitada de quadros elétricos de comando e protecção, grelhas e acessórios de serralharia, foi desenvolvida pelo departamento técnico da G., S.A.. Nunca foi necessária a ajuda de qualquer engenheiro externo desde a presença do Engenheiro L. na G., S.A..
- Reforçou ainda que, os estudos foram executados pelo diretor técnico, L., com a colaboração de L-..
- Apresentou ainda documento elaborado pela A. - "Contratacion por via de la exception n.º 152/2010” onde aquela entidade vem apresentar a sua necessidade de aquisição dos referidos geradores. Transcreve-se de seguida aquele documento que se junta em anexo (ANEXO IX - Fls 1 a 2):
ADMINISTRACION NACIONAL DE ELECTRICIDADA.
CONTRATACION POR VIA DE LA EXCEPCION Nº 152/2010 - Tercer Llamado
BREVE DESCRIPCIÓN
1. La (A.) invita a los interessados a presentar ofertes para la Adquisición de Máquinas y Equipos para Central Térmica Diesel
2. La adquisición objeto de la presente Contratación por Via de la Excepción será financiada con fondos propios de A..
3. El plazo para la entrega del Suministro será conforme al Plan de Entrega y Cumplimiento establecido en la Sección V de los Documentos de Contratación por Via de la Excepción.
4. Las ofertas deberán cotizarse en dolares de los Estados Unidos de América o en la moneda de origen del Suministro en caso de oferentes no domiciliados en la República del Paraguay o en guaraníes para oferentes domiciliados en la República del Paraguay.
5. No podrán presentar propuestas o celebrar contratos las personas físicas o jurídicas que se encuentren en alguno de los supuestos de proibicion esteblecidos en el Art. 40 de la Ley Nº 2051/03.
6. Los documentos de la Contratación por Via de la Excepción (Pliego de Bases y Condiciones, Comunicaciones Suplementarias y Adendas, si los hubiere), podrán serobtenidos, sin costo alguno, a través de nuestra pagina WEB www.ande.gov.py en el link Contrataciones Públicas y del Sistema de Información de Contrataciones Públicas (SICP) www.contrataciones.gov.py.
7. Las ofertas serán recibidas en el Departamento de Licitaciones - Planta Baja en la dirección indicada más abajo hasta la hora y fecha esteblecidas en la Seccion II - Datos de la Contratación.
Las ofertas que se presenten fuera del prazo establecido serán rechazadas.
8. La apertura de ofertas se efectuará en presencia de los representantes de los Oferentes que deseen assistir, en el Departamento de Licitaciones – Segundo Piso - Oficina 220, en la dirección indicada más abajo a la hora y fecha establecidas en Sección II - Datos de la Contratación.
9. El processo se regirá de acuerdo a las disposiciones emanadas de la Ley Nº 2.051 del 21 de enero de 2003 que estabelece el régimen de Contrataciones Públicas, la Ley 3439 del 31 de diciembre de 2007 que modifica la citada Ley y las demás normas reglamentarias y modificatorias.
Departamento de Licitaciones – A.
Dirección: Avda. España Nº 1268
Ciudad: Assunción
País: Paraguay
Teléfono: (…)
Fax: (…)”
Também naquele documento vem definida a data de fecho para apresentação de propostas na Sección II - Dados de la Contratación por Via de la Excepción, página 4, ponto D. Presentación y Abertura de Ofertas (Anexo X - Fls 1 a 5) a qual é 8 de outubro de 2010.
- Apresentou ainda cópia de mail datado de 4 de outubro de 2010 (ANEXO XI - Fls 1 a 2) remetido por B. (advogada da G., S.A.) para “L.”, “L-.” e “M.” cujo assunto é “Seguro Caução: 3.500.000 € (negócio Paraguai). Neste mail são analisadas as condições especiais do contrato A. Paraguai.
Atendendo a que L. referiu ter sido o Sr. Engenheiro L., o responsável pela conceção e desenvolvimento do projeto (...), ouviu-se o mesmo em auto de declarações no dia 17 de abril de 2015 (Anexo XII - Fls 1 a 2), o qual veio referir que exerceu funções na G., S.A. desde 30/10/2009 até início do mês de abril 2012, exercendo as funções de diretor técnico e de produção, isto é:
- Responsável pelas soluções/serviços técnicos nos grupos geradores da G., S.A.;
-Responsável pela aprovação dos materiais elétricos a serem aplicados nos grupos geradores;
- Apoio técnico/comercial à direção comercial da G., S.A.;
- Apoio técnico, projeto e conceção de grupos especiais na produção da G., S.A.;
- Responsável da formação e assessoria técnica na G., S.A.;
- Auditor interno no âmbito do processo de certificação do sistema de gestão de qualidade;
Era ele e o departamento técnico da G., S.A., quem efetivamente concebia todos os estudos técnicos relacionados com os geradores (nomeadamente conceção de novos geradores, consultoria, aperfeiçoamento/melhoria, etc.).
Tendo sido questionado se no período em que exerceu funções na G., S.A., terá sido possível recorrer a entidades externas à G., S.A. (ou mesmo pertencente ao Grupo, designadamente a O., a C. ou O. SGPS), para “Consultoria no projeto Grupos Geradores Diesel 900 a 1100KVA e 1800 a 2200KVA em cabine insonorizada para a A. - Paraguai e ensaio dos equipamentos", o mesmo foi perentório referindo que não, urna vez que todo aquele processo havia sido desenvolvido por si, no departamento técnico da G., S.A..
Referiu ainda que os ensaios dos geradores faturados a (...) (Paraguai) foram efetuados nas instalações da G., S.A. em (...), e num edifício arrendado em (...), cujo proprietário era um familiar da S. (funcionária da G., S.A.) e que se situava em frente ao Novo Quartel dos Bombeiros de (...), dada a dimensão dos geradores e o facto de a G., S.A. na altura estar sediada numa zona residencial, o que dificultava a produção e ensaio dos geradores.
No dia 23 de abril de 2015 ouvimos em auto de declarações, L--. (Anexo XIII - Fls 1 a 2). Este exerceu funções na G., S.A. entre abril de 2006 e agosto de 2012, inicialmente como vendedor, responsável pelo mercado nacional até 2008, e, a partir de agosto de 2008 como vendedor com responsabilidade no mercado internacional. Tendo sido nesta qualidade que no início de 2010 foi contratado pela Junta da Galiza (espécie de Câmara de Comércio com serviços de representação de diversas empresas), no sentido de saber se a G., S.A. estaria interessada em receber representantes da empresa espanhola C.. Antes de agosto de 2010, aproximadamente, a C. abordou a G., S.A. sobre a realização de um projecto, situado no Paraguai (A.). A C., na altura, indicou que tinham um caderno de encargos para esse projeto A., o qual foi apresentado à G., S.A., para verificar se a mesma tinha condições técnicas para a execução daquele projecto. Naquela altura, L--., na qualidade de interlocutor, entre a C. e G., S.A., entregou o caderno de encargos à área técnica da G., S.A., cujo responsável único era o Engenheiro L., para proceder à sua análise. Referiu ainda que, o caderno de encargos incluía 3 vertentes:
- A parte legal (declarações de não dívida à seg. social, declarações de cumprimentos das leis do Paraguai, …);
- A parte técnica (aceitação das condições técnicas do caderno de encargos, especificações técnicas dos geradores e dos vários componentes do gerador (motor, alternador, transformador e quadro eléctrico, …) e desenhos técnicos, e,
- A proposta comercial (descrição do fornecimento a efetuar conjugada com os preços de venda).
Reforçou também, que, toda a parte técnica e conceção do projeto A. esteve à responsabilidade do Eng. L., tendo a execução e validação sido desenvolvida pelo Eng. L..
Indicou ainda, que, a parte dos desenhos necessários para a entrega da proposta foram executados por A., com a qual vivia em união de facto, tendo a mesma emitido os respetivos recibos verdes à G., S.A. (o que se confirmou).
Referiu também, que os ensaios dos geradores faturados à (...) (Paraguai) foram efetuados nas instalações da G., S.A., em (...), e num edifício arrendado em (...), cujo proprietário desconhece o nome, mas que ficava na Zona Industrial de (...).
Depois de executada a proposta com todos os seus componentes, parte legal, técnica e comercial, quem efetuou a entrega no Paraguai da proposta foi L--., o qual se deslocou ao Paraguai em outubro de 2010.
Ainda a 16 de março de 2016, ouvimos em auto de declarações A. (Anexo XIV - Fls 1 a 2) na qualidade de prestadora de serviços de desenho à G., S.A. entre 2004 e 2012. A mesma confirmou ter elaborado desenhos, vistas e alçados relacionados com o projeto A..
Perante estes elementos, no dia 21 de março de 2016, confrontamos o administrador da G., S.A., M., com as dúvidas levantadas, tendo este apresentado um estudo (Anexo XV - Fls 1 a 24) com a designação “Paraguai - Estudo Mercado Junho 2011”. Aquele administrador também afirmou ser ele o único conhecedor do estudo porquanto foi ele o seu único autor, tendo dado ordens à "O." para emitir a fatura em investigação.
O estudo contempla uma análise macroeconómica dos mercados da América do Sul, com especial enfoque do Paraguai e uma exposição sobre a empresa A. (designadamente a missão, a visão, os valores e ainda diversos dados estatísticos da produção, consumo, faturação e distribuição de energia). Ora, depois de analisado aquele estudo, concluiu-se que o mesmo se reduziu à extração de elementos disponíveis (e de fácil consulta) na internet. Juntam-se em anexo os elementos por nós consultados na Internet (Anexo XVI - Fls 1 a 10).
Constatamos também, que o próprio estudo não é coincidente com a descrição constante da fatura a qual se descreve de seguida “Consultoria no projecto Grupos Geradores diesel 900 a 1100KVA e 1800 a 2200 KVA em cabine insonorizada para a A.-Paraguai e ensaio de equipamentos”. De facto o estudo não aborda uma única vez qualquer temática alusiva aos geradores diesel 900 a 11 OOKVA e 1800 a 2200 KVA em cabine insonorizada, nem aborda a temática dos ensaios.
Para além de tudo, realça-se o elevado valor facturado, tendo em conta o estudo apresentado na medida em que grande parte do mesmo foi retirado da Internet.
Pelo que, em face do exposto, se pode concluir que a fatura em apreço não tem qualquer aderência ou ligação ao estudo realizado pelo administrador M.. Este no entanto referiu que o descritivo da fatura não passava duma minudência de menos importância, sendo que, o que relevava para o efeito era que tinha sido ele a realizá-lo e que o mesmo teria sido determinante para a decisão da realização do negócio.
Recorde-se que a 6 de março de 2015 (após notificação pessoal lavrada em 2 de março de 2015 para a G., S.A. apresentar cópia do relatório/projeto ou outro elemento relativo ao processo de consultoria e ensaios daqueles grupos geradores) veio aquela juntar quatro documentos (Anexo VII):
- Duas folhas A4 com referência à confirmação da encomenda 10491100266 datadas ambas de 5 de novembro de 2010 e logotipo da O.;
- Dois desenhos relativos a Quadros 1600A e 3200A com data de 1 de março de 2011.
A ser assim, parece contrassenso, o administrador elaborar um estudo reportado a Junho de 2011, o qual no seu entender foi decisivo para avançarem com o projeto A. e já existirem esboços e desenhos com data anterior ao mesmo. Tal facto ainda é mais estranho, conforme já foi exposto em pontos anteriores, com o facto de a data de fecho para apresentação de propostas, conforme consta da Sección II - Dados de la Contratacion por via de la excépcion, página 4, ponto D. Presentación Y Abertura de Ofertas (Anexo X - Fls 1 a 5), a qual é 8 de outubro de 2010. Pelo que, a G., S.A. tem que se candidatar à realização do negócio até 8 de outubro de 2010 e o estudo é elaborado e apresentado com data posterior. Tal não tem de facto aderência à realidade.
Mais se refere que, e contrariando o alegado pelo administrador, conforme se demonstra, a G., S.A. emitiu a sua primeira fatura à A. em 17 de janeiro de 2011, no montante de € 1.546.857,00. Data esta muito anterior a data da elaboração do referido estudo (“'Paraguai - Estudo Mercado Junho 2011”). Estudo este que de acordo com o referido pelo administrador seria decisivo no sentido de determinar se a G., S.A. iria avançar com a produção dos geradores para o Paraguai ou não. Senão vejamos (ANEXO XVII- Fls 1 a 9):
(…)
Pelo que, antes da elaboração do estudo reportado a Junho de 2011, foram emitidas duas faturas à A., a primeira em Janeiro de 2011 no montante de €1.546.857,00 e a segunda em 13 de maio de 2011 por € 3.073.089,24. Refira-se que, em todas as faturas aparece referenciado como vendedor “L-.”.
Ora, depois de ouvidos os principais intervenientes no negócio Paraguai – (...), e de analisados os documentos contabilísticos de suporte ao negócio, conclui-se pela existência de fortes indícios de que aquela fatura não corresponde a serviços efetivamente realizados, quer quanto aos serviços de consultoria, quer quanto aos serviços de ensaios e mesmo quanto ao estudo alegadamente elaborado pelo administrador.
De facto, existem uma série de documentos e testemunhos que desacreditam o alegado pelo administrador e que veem confirmar as dúvidas quanto à veracidade da fatura emitida pela O. à G., S.A.. Vejamos:
a) A fatura de prestação de serviços n.º 10241100910, datada de 27 de Junho de 2011, emitida pela empresa O., S.A., NIF (...), no valor de € 512.610,79 acrescida de IVA no valor de €117.900,48, tem como descritivo “Consultoria no projecto Grupos Geradores diesel 900 a 1100KVA e 1800 a 2200 KVA em cabine insonorizada para a A.-Paraguai e ensaio de equipamentos”;
b) Ora existindo dúvidas quanto à natureza daquela fatura e quanto aos serviços de consultoria efetivamente prestados pela O., notificou-se a G., S.A. para apresentar cópia do relatório/projeto ou outro elemento relativo ao processo de consultoria e ensaios daqueles grupos geradores. Neste tipo de serviço é normal e natural ser apresentado ao cliente dossier onde sejam especificados os serviços prestados. Como já demonstramos, a G., S.A. não apresentou qualquer elemento esclarecedor nesse sentido, tendo apresentado um estudo apenas em 21 de março de 2016;
c) É conhecida e reconhecida a existência de relações especiais entre o cliente (G., S.A.) e o fornecedor dos serviços (O.), porquanto na data da emissão da fatura tinham um administrador em comum;
d) De referir que a O., em 2011, era tributada pelo Regime Especial de Tributação dos Grupos de Sociedades (RETGS) previsto no artigo 69.º do CIRC, sendo a sociedade dominante do grupo, entre 1 de Janeiro de 2008 e 31 de dezembro de 2012. O n.º 1 do art° 70.º do CIRC determina que “Relativamente a cada um dos períodos de tributação abrangidos pela aplicação do regime especial, o lucro tributável do grupo é calculado pela sociedade dominante, através da soma algébrica dos lucros tributáveis e dos prejuízos fiscais apurados nas declarações periódicas individuais de cada uma das sociedades pertencentes ao grupo.” Aquele regime teve início em 1 de janeiro de 2008 e teve o seu término em 31 de dezembro de 2012. Embora procedesse à entrega da declaração de rendimentos modelo 22 como sociedade filha (a qual fica no estado “Não liquidável”), para o exercício de 2011, o grupo O. era não declarante, pois a O. não entregava a declaração de rendimentos modelo 22 do grupo como sociedade mãe (a única suscetível de gerar liquidação de IRC).
e) Mantendo-se as dúvidas quanto à veracidade da fatura, foram ouvidos pessoalmente funcionários que à data trabalhavam na G., S.A., e que pelas funções que exerciam estiveram diretamente envolvidos no projecto A..
f) Ouvimos inicialmente, L., na qualidade de sócio e de diretor comercial à data do negócio celebrado entre a G., S.A. e a A.. Este veio afirmar de forma perentória que quem executou a consultoria, conceção e desenvolvimento dos geradores diesel relacionados com o projeto A. (no Paraguai) foi o Engenheiro L-. (responsável pelo departamento técnico da G., S.A.). Acrescentou ainda que os ensaios daqueles geradores tinham sido efetuados pela G., S.A., ainda nas antigas instalações da G., S.A., em (...), e num edifício arrendado em (...) (que se localizava junto do Estádio (...));
g) De seguida, e para não restarem quaisquer dúvidas, ouvimos L-., responsável pelo departamento técnico da G., S.A., e como tal, concebia todos os estudos técnicos relacionados com os geradores nomeadamente conceção de novos geradores, consultoria, aperfeiçoamento/melhoria, etc.).
Quando questionado se no período em que exerceu funções na G., S.A. terá sido possível a G., S.A. recorrer a entidades externas (ou mesmo pertencente ao Grupo, designadamente a O., a C. ou O. SGPS), para “Consultoria no projeto Grupos Geradores Diesel 900 a 1100KVA e 1800 a 2200KVA em cabine insonorizada para a A. - Paraguai e ensaio dos equipamentos” o mesmo foi categórico referindo que não, pois, todo aquele processo havia sido desenvolvido por si, no departamento técnico da G., S.A..
No tocante aos ensaios, indicou que os ensaios dos geradores faturados à (...) (Paraguai) foram efetuados nas instalações da G., S.A., em (...), e num edifício arrendado em (...) que se situava em frente ao ….de (...), atendendo à dimensão dos geradores e ao facto de a G., S.A. na altura, estar sediada numa zona residencial, o que dificultava o ensaio dos geradores.
h) Foi ainda ouvido L--., o qual reforçou também, que, toda a parte técnica e conceção do projeto A. esteve à responsabilidade do Eng. L., sendo a execução e validação sido desenvolvida pele mesmo. Acrescentou ainda, que, a parte dos desenhos necessários para a entrega da proposta foram executados por A., com a qual vivia em união de facto, tendo a mesma emitido os respetivos recibos verdes à G., S.A..
Confirmou também, o referido por L. e pelo Engenheiro L-., que os ensaios dos geradores faturados à (...) (Paraguai) foram efetuados nas instalações da G., S.A. em (...), e num edifício arrendado em (...) (Zona Industrial de (...).
i)Foram analisados os movimentos financeiros, tendo-se concluído que a fatura em análise foi “paga” através de encontro de contas. Em 3 de gosto de 2010, a G., S.A. efetuou um empréstimo no montante de € 500.000,00 à O., tendo a fatura (parte) emitida pela O. servido para quitar aquele empréstimo.
Conforme consta do extrato conta corrente da O. para com a G., S.A. - Fornecedor n.º 10261100019 (Anexo XVIII - Fls 1 a 1) em 3 de agosto de 2010 a O. recebeu da G., S.A. um empréstimo no montante de € 500.000,00 (documento n° OD10-00761). De acordo com o extrato conta corrente aquele empréstimo foi saldado em 30 de Junho de 2011, através do documento 10061100009.
Por sua vez, a G., S.A., registou na sua contabilidade em 3 de agosto de 2010, através da nota de lançamento n.º NLF10.0526, na conta 26601 um empréstimo à O. no montante de € 500.000,00 (Anexo XXII- Fls 1 a 1). Aquele empréstimo foi efetuado via transferência bancária do BPI.
A fatura emitida pela O. no valor de €630.511,27, foi contabilizada na conta do fornecedor O., através do documento 20161101853, em 27/6/2011 (Anexo XIX - Fls 1 a 22).
Em 30 de junho de 2011, a G., S.A., através do documento 20051100340, registou a débito do fornecedor O. o montante de €500.000,00. Aquele lançamento teve como descritivo “Empréstimos concedidos” (Folha 8 do anexo XIX), tendo desta forma Aquele lançamento (20051100340) teve como contrapartida a conta 26601 – “Empréstimos concedidos”, tendo desta forma quitado o empréstimo efetuado pela G., S.A. à O. (Anexo XX - Fls 1 a 2) em 2010. Junta-se em anexo cópia do documento de lançamento, conforme Anexo XXI - Fls 1 a 1. De referir que este documento é uma nota de lançamento interna com a designação “Reg. Movs. Contabilidade: N.º Lançamento: 173821”.
(…)
j) Por último ouvimos o administrador M., o qual apresentou o estudo a que supostamente alude a fatura emitida pela O., tendo aquele referido ter sido o seu único autor e ter sido aquele estudo determinante para a decisão do investimento a realizar no Paraguai. Estudo este, que após alguma pesquisa na internet, se conclui que o mesmo foi retirado quase que na integra daquela. De facto já foi demonstrado em pontos anteriores que em Junho de 2011 a decisão de investimento no Paraguai já estava tomada e até já faturada ao cliente A.. De facto, emitiu a primeira fatura à A. em Janeiro de 2011, pelo valor de € 1. 546. 857,00.
(…)
III.2.1.5 Encargos não Dedutíveis – n.º 1 do art.º 23.º do CIRC
Nos termos do disposto no n.º 1 do art.º 23.º do CIRC, consideram-se gastos os que comprovadamente sejam indispensáveis para a realização dos rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora.
No ponto II.3.8. do presente relatório, foram apresentados os factos que comprovam que os serviços prestados e mencionados na factura n.º 10241100910, datada de 27 de junho de 2011, emitida pela empresa O., S.A., NIF (...), no valor de € 512.610,79 acrescida de IVA, não correspondem a serviços efectivamente prestados/realizados.
Deste modo, o gasto no montante de € 512.610,79, relevado na conta 62101 – Subcontratos, nos termos do n.º 1 do art.º 23.º do CIRC, deverá ser acrescido ao resultado tributável, por resultar de serviços que não foram efectivamente realizados, não tendo gerado portanto, um influxo directo, mensurável e evidente do exercício da actividade da G., S.A..
Há que referir que decorrente do facto acima descrito, para além do objectivo fiscal, tal, teve igualmente um objectivo claramente financeiro, o qual se prende com um perdão de dívida à sociedade O., (decorrente do empréstimo financeiro no montante de € 500.000,00 que a G., S.A. lhe efectuou), porquanto aquela não teve de efectuar o seu reembolso. Não obstante, verificamos ainda um outro objectivo fiscal, na medida em que, um perdão de dívida da G., S.A. à O., não seria considerado gasto fiscal fiscalmente dedutível por não se encontrarem reunidos os requisitos constantes do art.º 41.º do CIRC (créditos incobráveis). (…)” (fls. 10 a 26 v.º do PA apenso);
15. Notificada do projecto de relatório de inspecção, de teor, no essencial, idêntico ao parcialmente transcrito nos números anteriores, a Impugnante exerceu o direito de audição, mas não se pronunciou sobre nenhuma das correcções questionadas em sede da presente impugnação (cfr. fls. 318 a 403 do PA apenso);
16. Em 31-05-2016 foi emitida a liquidação de IRC com o n.º 2016 8310033786, com o valor de € 353.121,81, tendo a nota de cobrança, com o n.º 2016 2661538, após o estorno da liquidação anterior, o valor a pagar de € 174.341,67 e data limite de pagamento de 29-07-2016 (fls. 444 a 446 do PA apenso e fls. 62 a 64 dos autos em suporte físico);
17. Na sequência da citação na execução fiscal n.º 0183201601031040, instaurada para cobrança da dívida de IRC a que se refere o ponto anterior, a Impugnante veio pedir a suspensão do PEF, apresentando um depósito-caução no valor de € 221.881,49, em 30-08-2016, ficando o processo suspenso (fls. 726 a 737 dos autos em suporte físico);
18. Em 31-10-2016 foi apresentada neste TAF a presente impugnação, através do respectivo site (fls. 1 dos autos em suporte físico);
Mais se provou que:
19. A A. publicou um anúncio intitulado “Contratación por Vía de la Excepción n.º 152/2010, Adquisición de Máquinas y Equipos para Central Térmica Diesel, Tercer Llamado, Año 2010”, que aqui se dá por integralmente reproduzido, que se traduziu num concurso para apresentação de propostas de “Adquisición de Máquinas y Equipos para Central Térmica Diesel”, com prazo limite para as propostas de 08-10-2010 (fls. 117 a 124 do PA apenso);
20. A Impugnante apresentou proposta ao concurso público que antecede, tendo apresentado uma garantia bancária, no valor de € 300.000,00, em 08-10-2010 (artigo 14º da p.i., não impugnado, e doc. de fls. 839 e 840 dos autos em suporte físico);
21. A A. – – é uma instituição autárquica, descentralizada da Administração Pública do Paraguai, que tem como objectivo satisfazer as necessidades de energia eléctrica do Paraguai (fls. 10 v.º do PA apenso e acordo);
22. O Projecto A. consistiu no fornecimento de máquinas e equipamentos para Central Térmica Diesel, nomeadamente, dos seguintes produtos: “Central Grupos Electrogéneos 3000kva 3x1000” e “Central Grupos Electrogéneos 6000kva 3x2000” ao cliente A. (acordo e fls. 10 v.º do PA apenso e fls. 841 a 906 dos autos em suporte físico);
23. Em 04-10-2010 a advogada B. enviou a L., L-. e M. uma mensagem de correio electrónico, sob o assunto “Seguro Caução: 3.500.000,00 € (negócio Paraguai)”, que aqui se dá por integralmente reproduzida, na qual fazia uma análise de algumas cláusulas das “condições especiais do contrato” (fls. 126 e 127 do PA apenso);
24. Em Outubro de 2010 foi celebrado entre a A. e a Impugnante um contrato de aquisição de equipamentos para uma central térmica, tendo sido prestada garantia no montante de € 515.619,00 (art. 19º da p.i., não impugnado, fls. 690 a 696 dos autos em suporte físico, sendo que, apesar de o contrato não ter sido junto, a sua celebração não foi posta em causa e resulta de vários factos, tais como a facturação emitida na sequência da sua execução, conforme factos abaixo; quanto à garantia no valor de € 1.546.857,00, a mesma não está comprovada, na medida em que apenas foi junta uma minuta da mesma);
25. Em 17-01-2011 a Impugnante emitiu à A. a factura n.º 20301100003, no valor de € 1.546.857,00, correspondente a “Antecipo del 30% del valor total del contrato Eur 5.156.190,00 de los suministros: (…)” (fls. 177 do PA apenso);
26. Em 13-05-2011 a Impugnante emitiu à A. a factura n.º 20301100211 no valor de € 3.073.089,24 (fls. 178 do PA apenso);
27. Em 15-09-2011 a Impugnante emitiu à A. a factura n.º 20301100399 no valor de € 41.145,00 (fls. 179 do PA apenso);
28. Em 28-10-2011 a Impugnante emitiu à A. a factura n.º 20301100492 no valor de € 536.243,76 (fls. 180 do PA apenso);
29. Em 30-10-2011 a Impugnante emitiu à A. a factura n.º 20301100498 no valor de € 536.243,76 (fls. 181 do PA apenso);
30. Em 30-11-2011 a Impugnante emitiu à A. a factura n.º 20301100567 no valor de € 147,00 (fls. 182 do PA apenso);
31. Em 27-06-2011 a sociedade O., S.A. emitiu à ora Impugnante a factura n.º 10241100910, no valor total de € 630.511,27, correspondendo € 512.610,79 ao valor do serviço e € 117.900,48 ao IVA, constando como “vendedor” a menção “Administração”, como forma de pagamento, “transferência bancária crédito”, com a seguinte descrição: “Consultoria no projecto Grupos Geradores diesel 900 a 1100kva e 1800 a 2200kva em cabine insonorizada para a A. – Paraguai e ensaio dos equipamentos” (fls. 102 e 108 do PA apenso);
32. Em 02-03-2015 os Serviços de Inspecção notificaram a Impugnante para, entre outras situações, apresentar “cópia do relatório/projecto ou outro elemento relativo àquela consultoria, no sentido de aferir da sua indispensabilidade para a realização dos rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora da G., S.A., nos termos do n.º 1 do art.º 23.º do CIRC” (fls. 104 e 104.º v.º do PA apenso);
33. Na sequência da transmissão ao administrador da G., S.A., por parte dos Serviços de Inspecção, da existência de dúvidas sobre os serviços prestados pela O. à G., S.A., titulados na factura n.º 10241100910, de 27-06-2011, o mesmo apresentou, em 21-03-2016, o documento que constitui o Anexo XV ao relatório de inspecção com o título “Paraguai – Estudode Mercado Junho 2011, Versão 1.3 Final”, que aqui se dá por integralmente reproduzido, o qual é constituído por 47 páginas tipo “powerpoint”, com informações genéricas de índole económica sobre o Paraguai, rankings comparativos de vários índices, dados macroeconómicos e incentivos ao investimento, bem como com dados sobre a A., nomeadamente, sobre a “Missão, visão e valores”, produção, transmissão, distribuição, comercialização, tarifas e recursos humanos nos anos de 2006 a 2010 e dados sumários sobre os custos de transporte Portugal – Paraguai: (…) – Chile e trânsito terrestre até Assuncion, bem como o tempo de viagem (fls. 138 a 161 do PA apenso);
34. O documento que antecede (fls. 139 v.º a 153 v.º, com excepção da parte relativa à A. e às duas folhas com os elementos do custo de transporte e da conclusão (fls. 154 v.º a 161), corresponde exactamente aos elementos consultados pelos Serviços de Inspecção na internet e juntos a fls. 163 a 169 v.º do PA apenso);
35. O “Estudo de Mercado” que antecede tem duas versões anteriores, de Agosto de 2010 (versão 1.1.) e de Maio de 2011 (versão 1.2), com as mesmas características da versão final e parcialmente coincidentes (Doc. 4 e doc. 6 da p.i., a fls. 620 e ss. e 643 e ss. dos autos em suporte físico);
36. À data da emissão da factura da O. a que se refere o ponto 31. supra, esta empresa constava da contabilidade da Impugnante como credora da quantia de € 500.000,00, com a designação “Empréstimo obtido da G., S.A.” e a data de 03-08-2010 (fls. 184 do PA apenso e acordo);
37. O valor de € 500.000,00 da factura a que se refere o ponto 31. supra foi regularizado contabilisticamente, em 30-06-2011, com o empréstimo a que se refere o ponto anterior, constando da contabilidade que, quanto ao valor de € 62.000,00, houve “Encontro de contas”, tendo sido liquidado o restante valor em 09-06-2011 - € 57.089,18 – e em 07-07-2011 - € 11.422,09, tendo havido transferências bancárias para a O., nestas duas datas, nos valores de € 70.000,00 e € 50.000,00 (fls. 189 v.º, 209, 212, 214, 216, 217, 219, 221 e 222 do PA apenso);
38. Entre a sociedade Impugnante e a sociedade O. existiram, pelo menos nos anos de 2011 a 2013, relações comerciais relevantes, conforme extracto de conta corrente de fornecedor, a fls. 186 a 207 do PA apenso, demonstrando centenas de movimentos entre as duas empresas;
39. Em 21-03-2016, M. e a Impugnante foram constituídos arguidos no processo de inquérito n.º 113/15.4IDAVR, tendo o primeiro prestado declarações, que aqui se dão por reproduzidas, perante um inspector tributário, instrutor do inquérito, e que, relativamente à factura a que se refere o ponto 31. supra têm o seguinte teor: “(…) À matéria dos autos disse pretender juntar documentos extraídos de um dossier que contem o relatório relacionado com os serviços da referida factura, mais referiu que foi o próprio quem realizou os serviços constantes dessa factura.
Questionado sobre em que consistiram esses serviços, respondeu que o conteúdo dos serviços facturados consistiu na elaboração de um relatório, constituído por 24 folhas, frente e verso, que pretende juntar ao presente Auto de Interrogatório e de uma parte de comissionamento do negócio. Relatório este, que já havia sido informado, pelos serviços de G., S.A. à Senhora Inspectora M., encarregue do procedimento de inspecção.
Questionado sobre quem é que contratou o projecto, respondeu que foi o próprio que tratou de tudo, designadamente deslocação ao Paraguai, assinou o contrato e tratou de tudo quanto foi necessário para ganhar e concretizar o projecto A..
Questionado sobre qual a sua função na G., S.A. e na O., respondeu que era e é administrador das duas empresas.
Questionado sobre qual das empresas que representa é a titular do contrato de concepção, produção, fornecimento e instalação dos geradores relativos ao Projecto (...), respondeu que é a G., S.A..” (fls 711 a 716 dos autos em suporte físico);
40. Os serviços subjacentes à factura a que se refere o ponto 31. supra, corresponderam em parte a uma comissão relativa ao contrato celebrado com a A. e outra ao estudo elaborado nesse âmbito, nomeadamente ao indicado em 33. e 35. supra (conjugação do depoimento prestado pelo administrador da Impugnante em sede de processo de inquérito, com os documentos juntos em sede de procedimento de inspecção e espelhados no relatório de inspecção e respectivos anexos e, ainda, os juntos à impugnação como docs. 4 e 6, bem como das declarações prestadas na diligência de inquirição de testemunhas, sendo que o depoimento foi prestado de forma espontânea, objectiva, segura e sem hesitações, o que fez inculcar no Tribunal a impressão da sua veracidade);
41. O sistema informático de facturação da sociedade O. tinha pré-definidos os campos dos descritivos das facturas, não sendo possível inserir manualmente um descritivo diferente, tendo o relativo à factura indicada em 31. supra, por não fazer parte da actividade principal da sociedade, sido aposto com base no plano oficial de contabilidade, por ser o que melhor se adaptava à situação concreta (depoimento da primeira testemunha ouvida, D., contabilista da Impugnante e da O., que explicou, de forma objectiva e segura, o funcionamento do sistema de facturação da sociedade e que, por isso, o Tribunal relevou positivamente);
42. A Impugnante foi a empresa responsável pela concepção e execução da parte técnica do contrato com a A., tendo cabido à sociedade O. os contactos, a negociação do mesmo e as diligências necessárias à sua assinatura (conjunto do depoimento do administrador de ambas as sociedades, Impugnante e O., à data dos factos, que depôs de forma segura e objectiva, explicando coerentemente que a G., S.A. não tem serviços administrativos nem escritórios, cabendo essas tarefas à O., que as factura à Impugnante, entre outros serviços e materiais facturados, e que a G., S.A. apenas tinha pessoas na fábrica e o know how para fabricar os geradores; este depoimento não foi contrariado pelos depoimentos considerados pelos Serviços de Inspecção e transcritos no relatório, já que todas as pessoas ali inquiridas – engenheiros e funcionários da Impugnante – se referiram à parte técnica do contrato e não à sua negociação e concretização; diga-se, ainda, que, de acordo com o depoimento do actual administrador que, na altura, era director financeiro, ele foi o único interlocutor dos Serviços de Inspecção no respectivo procedimento, não tendo sido inquirido sobre os serviços subjacentes à dita factura, mas apenas sobre se a mesma estava contabilizada na O.; o próprio administrador M. afirmou que apenas foi ouvido no processo de inquérito e não no procedimento de inspecção, podendo aqui residir a divergência de entendimento quanto aos serviços subjacentes à factura; da conjugação das situações descritas, as quais se complementam, entende o Tribunal estar suficientemente demonstrado este facto).

3.2. Factos não provados
Nada mais se provou com interesse para a decisão da causa.
*
A decisão da matéria de facto foi tomada com base no exame crítico do conjunto da prova produzida, nomeadamente, dos documentos, não impugnados, que constam dos autos e do processo administrativo, e da prova testemunhal e declarações de parte, cuja relevância foi referida em cada ponto do probatório, com excepção da última testemunha, que não demonstrou conhecimento directo sobre a intervenção da sociedade O. no projecto (...) e que, por isso, não contribuiu para a decisão sobre a matéria de facto.».


3.2. De Direito

3.2.1. Na parte que releva para o presente recurso, a sentença recorrida procedeu ao seguinte julgamento de direito:
«(…)
Prosseguindo na apreciação da presente impugnação, vem, depois, a Impugnante invocar o erro nos pressupostos de facto na liquidação, defendendo que a AT não cumpriu o ónus da prova de que a factura em causa não era verdadeira e que houve violação do princípio do inquisitório e da verdade material.

A FP, na contestação, defende que os indícios recolhidos pela AT de que a factura não titulou operações reais são sérios, objectivos e consistentes, tendo a AT demonstrado os pressupostos legais que legitimaram a sua actuação, cabendo à Impugnante o ónus de apresentar prova bastante da ilegitimidade dos actos tributários praticados.

Apreciemos:

Na correcção a este custo, de acordo com o relatório de inspecção (ponto 14. do probatório), a AT utilizou o fundamento de o mesmo não ser indispensável à realização dos proveitos e/ou manutenção da fonte produtora, por se tratar de serviços que não foram efectivamente realizados ou prestados e, como tal, não poder ser aceite, nos termos do art. 23.º n.º 1 do CIRC.

Um custo, para ser relevante fiscalmente, tem de ser afecto à exploração, no sentido de que deve existir uma relação causal entre tal custo e os proveitos da empresa, relação causal essa que não é, no entanto, uma relação de causalidade necessária, mas antes, uma adequação económica do acto à finalidade da máxima obtenção de resultados.
Daí, pois, que se a contabilidade organizada goza da presunção de veracidade e, por isso, cabe à AT o ónus de ilidir essa presunção, demonstrando que os factos contabilizados não são verdadeiros, já no que respeita à qualificação das verbas contabilizadas como custos dedutíveis, cabe ao contribuinte o ónus da prova da sua indispensabilidade para a obtenção dos proveitos ou para a manutenção da força produtora, se a AT questionar essa indispensabilidade.
É que, em tal desiderato, o encargo da prova deve recair sobre quem, alegando o facto correspondente, com mais facilidade, pode documentar e esclarecer as operações e a sua conexão com os proveitos (cfr. Ac. do TCA, de 26/6/2001, Rec. nº 4736/01).
Quanto a esta questão, de resto, a jurisprudência dos tribunais superiores tem-se pronunciado abundante e coincidentemente, de que é exemplo o Acórdão do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, de 16-03-2016, proc. n.º 0587/15 que, por com ele se concordar inteiramente, a seguir se transcreve parcialmente: “(…) como decidido no Acórdão do Pleno desta Secção do STA do passado dia 17 de Fevereiro, recurso n.º 591/15, onde se consignou: «(…) Com efeito, como a jurisprudência do STA tem unanimemente afirmado, apesar de, atendendo ao princípio da legalidade administrativa, impender sobre a AT o ónus de provar a factualidade que a leve a desconsiderar fiscalmente (não aceitando a respectiva dedução) o montante do IVA incluído em facturas correspondentes a transacções que considere não se terem realizado, basta para legitimar essa actuação da AT (ao abrigo do nº 3 do art. 19º do CIVA) a existência de indícios sérios de que as operações tituladas por tais facturas não são verdadeiras, cabendo depois ao contribuinte demonstrar que o são.
E reiterando-se tal entendimento, é de concluir que cabe à AT «o ónus da prova da verificação dos pressupostos legais (vinculativos) da sua actuação, como factos constitutivos de tal direito, em termos daquele princípio da legalidade, segundo a sua actual compreensão, entendido não como mero limite à actividade da administração mas como fundamento de toda a sua actividade.
O que corresponde ao ensinamento de Vieira de Andrade in Justiça Administrativa, 2ª edição, pág, 269: "há-de caber, em princípio à Administração, o ónus da prova da verificação dos pressupostos legais (vinculativos) da sua actuação, designadamente se agressiva (positiva e desfavorável); em contrapartida, caberá ao administrado apresentar prova bastante da ilegalidade do acto, quando se mostrem verificados estes pressupostos"» (ac. do STA, de 30/4/2003, no proc. nº 0241/03). (No qual se referenciam, igualmente, os ac.s de 24/4/02, rec. 102/02, de 17/4/02, rec. 26.635, de 9/10/02, rec. 871/02 e de 14/11/01, rec. 26.015.)
Na verdade, embora a regularidade formal da escrita constitua presunção da sua veracidade - estendida aos seus elementos de apoio (art. 75º da LGT) -, tal presunção cessa no caso da existência de indícios sérios de que as operações escrituradas se não realizaram. Daí que, como se disse, provando a AT a existência de indícios sérios e credíveis de que tais operações não são verdadeiras, cabe ao contribuinte o ónus da prova da veracidade das mesmas.
Sobre esta matéria escreveu-se no Acórdão do STA, de 24/4/2002, Rec. 0102/02:
«Ora, como quem tem a seu favor uma presunção estabelecida na lei está dispensado da prova do facto presumido (cfr. os arts. 349° e 350° do CCivil), a recorrente, tendo a sua escrita organizada conforme as exigências legais, não precisa de provar que são verdadeiros os dados decorrentes.
A não ser que se verifiquem erros, inexactidões ou outros indícios fundados de que ela não reflecte a matéria tributável efectiva.
Quer dizer, a presunção cessa quando, estando, embora, a escrita ou contabilidade organizada de acordo com a lei, enferme de erros ou inexactidões, ou haja “indícios fundados” de que, apesar da sua correcta organização, não reflecte a matéria tributável efectiva.
Cabe nesta previsão, claramente, o caso de a contabilidade, impecavelmente organizada, se avaliada do ponto de visto técnico-contabilístico, no entanto omitir operações efectuadas; e cabe o caso inverso - o de incluir operações não efectuadas. Este último é aquele que correntemente se vem chamando de “facturas falsas”, isto é, a contabilidade considera (e trata de forma contabilisticamente correcta) documentos emitidos na forma legal, mas que não correspondem a qualquer realidade, porque as operações que era suposto reflectirem, na verdade, não tiveram lugar.
E, aqui, a lei não exige senão “indícios fundados”, ou seja, não impõe à Administração a “prova provada” de que por detrás dos documentos não está a realidade que normalmente reflectem e comprovam, basta-se com indícios fundados para fazer cessar a presunção a favor do contribuinte. E a este, desprovido do escudo protector da presunção, não resta senão demonstrar a veracidade dos seus elementos contabilísticos, e respectivos suportes, destarte posta em crise, face àqueles “fundados indícios”.
De todo o modo, quando seja a Administração Fiscal a praticar um acto, designadamente, um acto tributário de liquidação, fundado na existência de determinado facto tributário, por hipótese não revelado pela escrita do contribuinte, não deixa de ser ela a ter que provar tal existência, pressuposto da sua actuação. É isto corolário do princípio da legalidade administrativa, de acordo com o qual a Administração só pode agir se isso lhe permitir a lei, e não pode fazê-lo contra ela. Os pressupostos da sua actuação são, pois, factos constitutivos do seu direito a agir, cuja prova lhe compete, por isso que é o agente.
Porém, no caso vertente, a Administração Fiscal não actuou baseada na existência de qualquer facto tributário, nomeadamente, liquidando o correspondente imposto. Antes, obstou ao exercício, por parte da recorrente, do seu direito à dedução do IVA constante das facturas em causa, baseada no entendimento de que, face aos indícios recolhidos, não se teriam, realmente, realizado as operações comerciais que tais facturas, supostamente, titulavam.
Como assim, o caso, aqui, é diverso, também para os efeitos de saber a quem cabe provar a ocorrência dos factos em que assenta o direito à dedução: é a recorrente quem se arroga um direito que pretende exercer - o direito à dedução do IVA -, que não é reconhecido pela Administração Fiscal.
Destarte, não é a Administração que afirma um facto positivo com consequências tributárias - é o contribuinte que invoca o seu direito à dedução do IVA pago a montante. Por isso, é ele quem deve provar a verificação dos pressupostos em que assenta tal direito.
Conforme se diz no recente - 17 de Abril de 2002 - acórdão deste mesmo Tribunal, proferido no recurso n° 26635, “da conjugação das normas dos art.s 82° n° 1 e 19° do CIVA resulta, assim, que não caberá à administração o ónus de prova da inexistência dos factos tributários cujo imposto considerou fundamentadamente deduzido ilegalmente por parte do contribuinte, mas que caberá ao próprio contribuinte o ónus de prova da existência dos factos tributários em que fundou a dedução que declarou. Digamos (...) que (...) à administração cabe o ónus de prova da verificação dos requisitos estabelecidos no art. 82° n° 1 do CIVA para que possa liquidar adicionalmente o IVA respeitante a deduções indevidas, mas já não a existência dos factos contra ela afirmados pelo contribuinte, traduzidos na existência dos factos tributários e sua expressão quantitativa. Os requisitos legalmente estabelecidos para que seja permitida a dedução do imposto pago a montante não constituem, nesta óptica, também requisitos que estejam legalmente previstos enquanto requisitos de legitimação da actuação da administração. Relativamente a esta matéria, a lei basta-se com um juízo administrativo de adequação entre os factos e valorações em que a administração diz, formalmente, suportar a sua decisão e o resultado desse juízo no sentido de se lhe afigurar ter sido declarado uma dedução superior à devida, e com a prova perante o tribunal da pertinência desse juízo ou seja, com a prova, perante o tribunal, da existência dos elementos que tornam possível ter como adequada a consideração por si feita de que o contribuinte declarou uma dedução superior à permitida pela lei”.
Neste aresto faz-se, aliás, uma exaustiva análise da questão do ónus probatório na matéria, concluindo-se, lapidarmente, no seu sumário, que “quando o acto de liquidação adicional do IVA se fundamente no não reconhecimento das deduções declaradas pelo contribuinte cabe à administração apenas a prova da verificação dos pressupostos legais que legitimam a sua actuação, constantes do art. 82° n° 1 do CIVA e ao contribuinte o ónus de prova da existência dos factos tributários que alegou como fundamento do seu direito de dedução do imposto nos termos do art. 19° do CIVA”.».
Também a nosso ver é esta a interpretação legal que resulta do disposto nos apontados normativos (nº 3 do art. 19º e no nº 1 do art. 82º, do CIVA, art. 74º da LGT e 240º do CCivil), bem como no art. 36º (renumeração actual) do CIVA, sendo que igualmente não se vislumbram razões que levem a conclusão diversa, sendo que a própria argumentação da recorrida (nas respectivas contra-alegações) acaba, no essencial, por apelar a uma interpretação do nº 3 do art. 19º do CIVA no sentido de que a AT deveria ter identificado, nas relações da Recorrida com os seus fornecedores, quer o intuito e o acordo simulatórios, quer o “animus nocendi” em desfavor do Estado.
E volvendo, então, à concreta situação dos autos, há, portanto, que concluir que a AT, para proceder a correcções decorrentes da não aceitação da dedução do IVA mencionado nas facturas relativamente às quais considerou que as transacções nelas mencionadas não correspondem à realidade, não tinha de fazer prova da existência de acordo simulatório (existência de divergência entre a declaração e a vontade negocial das partes por força de acordo entre o declarante e o declaratário, no intuito de enganar terceiros – cfr. art. 240º do CCivil) para satisfazer o ónus de prova que sobre si impende. Antes lhe bastando provar a factualidade que a levou a não aceitar a respectiva dedução de imposto, factualidade essa que tem de ser susceptível de abalar a presunção de veracidade das operações constantes da escrita do contribuinte e dos respectivos documentos de suporte, só então passando a competir ao contribuinte o ónus de prova do direito de que se arroga (o de exercer o direito à dedução do IVA) e que não é reconhecido pela AT, ou seja, o ónus de prova de que as operações se realizaram efectivamente.»”.

Estando o custo em causa suportado em factura devidamente contabilizada, tendo em conta a jurisprudência citada, compete à AT fazer prova de que estão verificados os pressupostos legais que legitimam a sua actuação, ou seja, demonstrar a existência de indícios sérios de que o custo documentado era inexistente e, por isso, não era necessário para a obtenção dos proveitos; feita essa prova, recai sobre a Impugnante o ónus da prova de que tal custo foi real e que, por isso, tem direito de vê-lo relevado negativamente no apuramento da sua matéria tributável; só que, neste caso, como se viu, não lhe bastará criar dúvida sobre essa realidade, ainda que fundada, pois aqui o art. 100.º do CPPT não tem aplicação, já que não é a AT que está a alegar factos tributários e respectiva quantificação, mas a Impugnante que tem que demonstrar a existência dos factos em que se funda o seu direito de ver determinados custos relevados negativamente.

Dito isto, vejamos então o caso concreto:
Como se viu, a correcção ao custo declarado com a factura da O. prendeu-se com o facto de os Serviços de Inspecção, na análise e investigação feita aos serviços subjacentes à factura em causa, ter concluído que tais serviços não foram reais. Para tanto, fundamentou-se nos seguintes indícios:
a) Notificada a Impugnante para juntar os elementos relativos aos serviços descritos na factura (elementos relativos ao processo de consultoria e ensaios), esta juntou 4 documentos, nomeadamente uma confirmação de encomenda de equipamentos e desenhos, que não esclareceram a efectiva realização dos serviços;
b) Foram ouvidos em auto de declarações um sócio e director comercial da empresa à data do negócio celebrado com a A., bem como alguns funcionários (engenheiros e vendedor), directamente envolvidos no projecto (...), sendo que todos esclareceram que tinha sido o departamento técnico da G., S.A., coordenado pelo Eng. L. (também ouvido), quem tinha concebido e elaborado todos os estudos técnicos relacionados com os geradores, bem como que os ensaios dos geradores tinham sido efectuados nas instalações da G., S.A. em (...) e num edifício arrendado em (...) e que não tinha sido contratada qualquer entidade externa para execução do projecto de consultoria (...);
c) Quando confrontado com as dúvidas dos Serviços de Inspecção, o administrador da sociedade M. apresentou um “estudo de mercado”, de Junho de 2011, do qual disse ter sido o único autor e ter sido determinante para a decisão de avançar com o projecto, com uma análise macroeconómica dos mercados da América do Sul e, em especial, do Paraguai, e uma exposição sobre a A., que, depois de analisado, se verificou reduzir-se à extracção de elementos disponíveis da internet, de fácil consulta, sendo que o estudo não é coincidente com a descrição da factura, nem é ajustado ao seu valor, além de ter uma data posterior à data limite de apresentação de propostas, bem como às datas dos documentos que apresentou anteriormente – confirmação de encomenda e desenhos – e à data da primeira e segunda facturações à A.;
d) Existem relações especiais entre a Impugnante e a fornecedora de serviços (O.), tendo um administrador comum;
e) A O., no ano de 2011, era tributada pelo Regime Especial de Tributação dos Grupos de Sociedades (RETGS), sendo a sociedade dominante do grupo até 31-12-2012, não tendo entregue a declaração de rendimentos modelo 22 do grupo como sociedade mãe;
f) Analisados os movimentos financeiros, verificou-se que a factura em causa foi “paga” através de encontro de contas – quitação de um empréstimo de € 500.000,00.

Quanto à existência de relações especiais entre ambas as sociedades, a cliente e a fornecedora de serviços, trata-se de um indício que não vale por si só e que nada diz, sendo apenas um ponto de partida para uma análise mais minuciosa e exigente da operação em causa.
Também nada diz, para o que ora importa, a afirmação em singelo, por parte da AT, da tributação da O. pelo Regime Especial de Tributação dos Grupos de Sociedades, já que nenhuma conclusão relacionada com tal tipo de tributação é retirada para efeitos de desacreditar a efectividade dos serviços a que se refere a factura.
Depois, quanto aos movimentos financeiros entre ambas as empresas e ao encontro de contas – quitação de um empréstimo – a verdade é que, no entender do Tribunal, tal não constitui um indício sério da falsidade da factura. Com efeito, a própria AT não põe em causa a efectividade desse empréstimo por parte da G., S.A. à O., relativamente ao qual até indica o Banco através do qual foi efectuado. Por outro lado, tal encontro de contas até poderia ser suspeito se não houvesse quaisquer relações comerciais entre ambas as empresas a justificar o mesmo – facto que os Serviços de Inspecção nunca afirmam e que, como resulta do probatório (ponto 38.) até nem é verdadeiro, resultando da conta corrente, entre 2011 e 2013, centenas de movimentos a espelhar relações comerciais entre ambas.
Já quanto ao descritivo da factura e à incongruência deste com os documentos apresentados aos Serviços de Inspecção, tanto inicialmente como em momento posterior, para o justificar, numa primeira análise, até poderia constituir motivo suficiente para duvidar da efectividade de tais serviços.
Na verdade, postas perante o descritivo da factura, todas as pessoas ouvidas, o sócio e director comercial à data do negócio e os funcionários ligados ao dito projecto, foram unânimes em dizer que a concepção e elaboração dos estudos técnicos, bem como o ensaio tinham sido efectuados pelo departamento técnico da G., S.A., dirigido pelo Eng. L..
Por outro lado, o administrador da Impugnante, perante as dúvidas suscitadas pelos Serviços de Inspecção, juntou um estudo de mercado, com data de Junho de 2011, que afirmou ter sido determinante para a decisão de contratar, data essa posterior ao termo do prazo de apresentação das propostas e alguma da facturação já emitida pela G., S.A. à (...). Acresce que os Serviços de Inspecção apuraram (o que se veio a confirmar – pontos 33. e 34. do probatório) que tal estudo era maioritariamente retirado de site de internet de fácil consulta, daí concluindo ser duvidoso que pudesse suportar a factura no valor de 512.610,79.
Acresce que os documentos que tinham sido juntos anteriormente – uma confirmação de encomenda e dois desenhos – também não eram esclarecedores dos serviços prestados e constantes do descritivo da factura.
Ora, se se tivesse que considerar os factos-índice tal como acima expostos, o Tribunal entende que a AT tinha demonstrado suficientemente os pressupostos da sua actuação correctiva, já que, de facto, nada do que tinha sido apurado parecia conduzir a que a O. tivesse prestado os serviços constantes da factura em causa.
Acontece, porém, que, da análise das declarações prestadas perante os Serviços de Inspecção, e transcritas no relatório (ponto 14. dos factos provados) resulta a dúvida sobre aquilo que foi efectivamente executado pelos serviços técnicos da G., S.A.. Na verdade, o que as pessoas inquiridas afirmaram perentoriamente foi que a concepção, estudos técnicos, elaboração, desenvolvimento e execução do projecto A. tinha estado a cargo desses serviços técnicos, coordenados pelo Eng. L., sendo que a resposta à questão sobre se era possível ter sido contratada uma entidade externa para fazer consultoria nesse projecto poderia referir-se a essa parte técnica do projecto. No que diz respeito à parte relativa à negociação e concretização da parte legal do contrato, a mesma apenas é referida por L--., vendedor com responsabilidade no mercado internacional (cujo auto de declarações constitui o anexo XIII do relatório), que referiu ter entregue o caderno de encargos à área técnica da G., S.A. para proceder à análise e que tal caderno possuía três vertentes: a parte legal, a parte técnica e a proposta comercial, tendo sido claro na referência de que a parte técnica e a concepção do projecto era da responsabilidade do Eng. L., o qual executou e validou tal contrato. Quanto à parte legal (presume-se que por não lhe ter sido perguntado) nada consta quanto à autoria da sua execução.
Resulta, também, do probatório (ponto 39.), que a AT, nomeadamente, os Serviços de Inspecção, no dia 21-03-2016, constituíram arguidos a Impugnante e o seu administrador M., no processo de inquérito n.º 113/15.4IDAVR, que, nesse dia, juntou os documentos a que se refere o ponto 33. do probatório e que constituem o anexo XV ao relatório de inspecção, e prestou declarações relativamente à factura em causa, referindo que os serviços a que se refere consistiram num relatório, constituído pelo documento que juntou, e “de uma parte de comissionamento do negócio”, referindo, ainda, ter sido ele quem contratou o projecto e tratou de tudo, designadamente, a deslocação ao Paraguai, a assinatura do contrato e de “tudo quanto foi necessário para ganhar e concretizar o projecto A.”.
Estranhamente, no procedimento de inspecção, espelhado no relatório, verifica-se que foi aproveitada a junção dos documentos, dele constando que a factura se referia a esse estudo, tendo o mesmo sido analisado, mas já não as restantes afirmações do responsável legal da Impugnante, nomeadamente, quanto à parte do comissionamento do negócio, bem como a sua preparação e assinatura.
Ora, se foi possível aproveitar para o procedimento de inspecção os documentos juntos ao processo de inquérito, a AT não deveria ter cindido as declarações prestadas pelo representante legal da Impugnante nesse processo, tendo ignorado a parte relativa ao comissionamento do negócio, bem como as explicações dadas para tal comissionamento.
Caso tivesse tido em conta as explicações dadas, e espelhadas no documento, que, de resto, até são anteriores à tomada de declarações dos funcionários da Impugnante, poderia, e deveria, tê-los inquirido sobre essa situação, nomeadamente, o vendedor, mais ligado à parte comercial.
Assim sendo, apesar de o descritivo da factura não coincidir totalmente com os serviços prestados, a verdade é que a AT, ainda assim, optou – e bem – por investigar no sentido de saber quais os serviços que eventualmente teriam sido prestados. No entanto, de entre toda a informação recolhida, toda ela com potencial igual relevância, preferiu ignorar parte dela, dando relevância apenas à parte que fundamentou a desconfiança – o estudo apresentado e as declarações dos funcionários e do sócio –, nada dizendo, nem para o bem nem para o mal, sobre a questão do comissionamento do negócio.
Assim sendo, de todos os indícios recolhidos, apenas sobra a questão do estudo, com data posterior a parte da facturação e do termo do prazo de apresentação de propostas.
Ora, tal estudo tem como título “Paraguai – Estudo de Mercado Junho 2011, Versão 1.3 Final” (ponto 33. dos factos provados), o que indicia a existência de versões anteriores – situação que, já na presente impugnação, se veio a demonstrar – cfr. ponto 35. do probatório.
Ora, indiciando o documento apresentado a existência de outros, ou outro, anteriores, deveria a AT ter diligenciado pela sua obtenção – o que não consta ter feito.
Por tudo quanto se deixa dito, entende o Tribunal que houve, efectivamente, violação do princípio do inquisitório, não tendo a AT efectuado a correcção em causa de forma sustentada e baseada em indícios credíveis.
Ou seja, a AT não fez prova de que estavam verificados os pressupostos legais que legitimavam a sua actuação, demonstrando a existência de indícios sérios de que o custo documentado era inexistente e, por isso, não era necessário para a obtenção dos proveitos.
E não tendo feito essa prova, não recai sobre a Impugnante qualquer ónus demonstrativo de que tal custo foi real.
Apesar disso, em sede de impugnação logrou demonstrá-lo, como sobressai da matéria de facto provada, nomeadamente, dos pontos 40., 41. e 42..
Com efeito, a Autora demonstrou que os serviços subjacentes à factura corresponderam, em parte, a uma comissão relativa ao contrato celebrado com a A. e, outra, ao estudo elaborado nesse âmbito, cujas versões juntou ao procedimento de inspecção e à presente impugnação, e demonstrou, também, que foi a empresa responsável pela concepção e execução da parte técnica do contrato com a A., cabendo à O. os contactos, a negociação do mesmo e as diligências necessárias à sua assinatura.
Com efeito, como se deixou consignado na fundamentação do facto 42., o depoimento do administrador da Impugnante foi valorado positivamente, já que explicou, de forma coerente, que a G., S.A. não tem serviços administrativos nem escritórios, cabendo essas tarefas à O., que as factura à Impugnante, entre outros serviços e materiais facturados – o que é coerente com a extensa conta corrente existente entre ambas as sociedades, conforme ponto 38. do probatório –, e que a G., S.A. apenas tinha pessoas na fábrica e o know how para fabricar os geradores. Como ali se deixou dito, este depoimento não foi contrariado pelos depoimentos considerados pelos Serviços de Inspecção e transcritos no relatório, já que, como também já se referiu, todas as pessoas ali inquiridas – engenheiros e funcionários da Impugnante – se referiram à parte técnica do contrato e não à sua negociação e concretização. Por outro lado, de acordo com o depoimento do actual administrador que, na altura, era director financeiro, ele foi o único interlocutor dos Serviços de Inspecção no respectivo procedimento, não tendo sido inquirido sobre os serviços subjacentes à dita factura, mas apenas sobre se a mesma estava contabilizada na O., sendo que o próprio administrador M. afirmou que apenas foi ouvido no processo de inquérito e não no procedimento de inspecção, o que pode justificar (ainda que tal não seja muito credível) a divergência de entendimento quanto aos serviços subjacentes à factura.
Finalmente, quanto ao descritivo da factura, resultou demonstrado que o sistema informático de facturação da sociedade O. tinha pré-definidos os campos desses descritivos, não sendo possível inserir manualmente um descritivo diferente, tendo o relativo à factura aqui em causa, por não fazer parte da actividade principal da sociedade, sido aposto com base no plano oficial de contabilidade, por ser o que melhor se adaptava à situação concreta.
De tudo quanto se deixa dito, resulta, pois, e sem necessidade de mais amplos desenvolvimentos, que a correcção efectuada pela AT quanto à factura emitida pela O. não se pode manter, porque ilegal, procedendo a impugnação quanto a esta correcção.
Tal significa que, na procedência da mesma, a impugnação tem que proceder totalmente – o que abaixo, no segmento decisório, se determinará.
(…).».

Como se alcança do teor da sentença recorrida na parte aqui relevante, entendeu o Tribunal a quo, em primeiro lugar, que no âmbito do inquérito n.º 113/15.4IDAVR foi ouvido o administrador M., o qual referiu que a fatura em crise respeitava a serviços que consistiam num relatório (que apresentou e que veio a constituir o Anexo XV ao RIT) e de uma parte de comissionamento do negócio, referindo também ter sido ele quem contratou o projeto e tratou de tudo, designadamente a deslocação ao Paraguai, assinatura do contrato e tudo quanto foi necessário para ganhar e concretizar o projeto A.. Porém, de toda esta informação, a AT apenas relevou o documento em causa, ignorando a parte relativa ao comissionamento do negócio, bem como à sua preparação e assinatura, sem sequer confrontar as pessoas que ouviu em declarações com tais factos, o que a fez incorrer em violação do princípio do inquisitório.
Em segundo lugar e logo depois de considerar que, por não ter a AT demonstrado indícios suficientes da falsidade da operação titulada pela fatura em crise não cabia à Impugnante demonstrar a efetividade da operação, o Tribunal procurou demonstrar que, ainda assim, a ora Recorrida efetuou tal prova.
Vejamos, então:
O princípio do inquisitório, previsto no artigo 58.º da LGT, postula que «A administração tributária deve, no procedimento, realizar todas as diligências necessárias à satisfação do interesse público e à descoberta da verdade material, não estando subordinada à iniciativa do autor do pedido». Tal princípio vale também no âmbito do procedimento inspetivo, resultando expressamente do artigo 6.º do RCPITA que «O procedimento de inspeção visa a descoberta da verdade material, devendo a administração tributária adotar oficiosamente as iniciativas adequadas a esse fim.».
Este princípio tem assento constitucional (cfr. artigo 266.º da CRP) e encontra-se inscrito em várias normas que regem a atividade administrativa, designadamente e para além do citado artigo 6.º do RCPITA, nos artigos 13.º do CPPT, 55.º, 59.º, 63.º/1 e 99.º da LGT, bem como os artigos 58.º, 115.º e segs.. do CPA.
«No procedimento tributário, a iniciativa da procura da verdade material pertence à própria administração tributária, mesmo nos casos em que os pedidos dos contribuintes fiquem aquém das diligências necessárias ao apuramento real dos factos e da aplicação do direito.
Este princípio fundamenta-se na obrigação de a administração prosseguir o interesse público (artigo 266º/1 da CRP e artigo 55º da LGT), assim como no dever de imparcialidade da actuação administrativa (266º/2 da CRP e artigo 55º da LGT) que a par dos restantes princípios constitucionais a que os órgão administrativos estão subordinados integram as designadas medidas materiais da juridicidade administrativa (Cfr. Gomes Canotilho e Vital Moreira in CRP anotada, vol. II, 4ª ed. pp 797).
Por força da aplicação deste princípio, a administração tributária não tem de aguardar pela iniciativa do interessado, devendo, pelos seus próprios meios e determinação, realizar as diligências necessárias para averiguação da verdade factual em que deve assentar a sua decisão. Isto mesmo que estejam em causa factos contrários aos interesses patrimoniais do credor tributário.
O princípio do inquisitório e da busca da verdade material é uma decorrência do princípio da legalidade. Os direitos dos contribuintes e do credor tributário derivam directamente da lei e dos factos a que esta se aplica. A administração tributária está vinculada à busca desses factos e dos direitos que deles derivam, sendo os procedimentos apenas o instrumento para os declarar. Ac. do TCAS n.º 08843/15 de 22-10-2015
9. O procedimento tributário de inspecção visa, como não podia deixar de ser, como sucede em qualquer procedimento administrativo, a descoberta da verdade material. O procedimento de inspecção, à semelhança de qualquer outro procedimento administrativo, tem de ser considerado como um instrumento que garanta e assegure o efectivo respeito pelos direitos fundamentais e garantias dos contribuintes por parte da Administração Tributária. Uma das formas de efectivar e concretizar este respeito pelos direitos e garantias dos contribuintes é através do princípio da verdade material, enquanto concretizador dos princípios da prossecução do interesse público e da igualdade.
10. O princípio da verdade material está consagrado no artº.6, do R.C.P.I.T., e impõe que a Administração Tributária, no âmbito do procedimento de inspecção, procure recolher os elementos probatórios que possibilitem mais tarde fundamentar o acto tributário que venha a ser praticado. Trata-se de investigar e apurar o correcto cumprimento das obrigações fiscais pelos sujeitos passivos e, com base nessa investigação, recolher elementos que permitam apurar a eventual existência de irregularidades. Concluindo, o princípio da verdade material fixa aquele que deve ser o objectivo do procedimento inspectivo - a descoberta da verdade material. Este princípio é uma concretização do examinado princípio do inquisitório (enunciado no artº.58, da L.G.T., como princípio geral do procedimento tributário), sendo postulado pela natureza pública e indisponível da relação jurídico-tributária, assim abrangendo, por isso, os seus elementos de facto.» - cfr. acórdão deste TCAN de 27.10.2016, proc. 000957/09.6BEVIS, disponível em http://www.dgsi.pt/jtcn.nsf/-/7E29E8F5579151FA8025808B00364B53.
Importa salientar que este dever de inquisitório se situa a montante do ónus da prova – cfr. acórdão do STA de 21.10.2009, rec. 0583/09, disponível em http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/0/ff95c1b10a445518025765d0041d4db?OpenDocument&ExpandSection=1 –, por isso não é possível afirmar que a AT cumpriu o ónus da prova a seu cargo quando não haja, sequer, realizado as diligências probatórias que o dever de inquisitório e de descoberta da verdade material lhe impunham. Cabe, também referir que a inobservância deste princípio configura um vício procedimental, de violação de lei, que fere de ilegalidade o ato final do procedimento.
Descendo ao caso dos autos, afigura-se-nos acertada a decisão recorrida quando sustenta que a AT não investigou toda a factualidade trazida ao procedimento, designadamente através das declarações prestadas pelo administrador M. no âmbito do processo de inquérito, concretamente no que respeita à sua participação na preparação, negociação e assinatura do contrato celebrado entre a Recorrida e a A.. E nem se diga que as declarações prestadas por L-. (em 13/04/2015), L. (em 23/04/2015) e L. (em 17/04/2015) eram esclarecedoras o bastante para tornar desnecessária qualquer outra indagação ou investigação relativamente a tais factos.
Vejamos, então, o teor das declarações por eles prestadas, nesta matéria:
- Auto de Declarações de L-.:
[imagem que aqui se dá por reproduzida]

(…)» - cfr. anexo VIII do RIT, de pp. 76 a 79 do requerimento registado no SITAF sob o n.º 007006381;
- Auto de Declarações de L.:

[imagem que aqui se dá por reproduzida]

(…)» - cfr. anexo XIII do RIT, de pp. 4 a 4 do requerimento registado no SITAF sob o n.º 007006382;
- Auto de Declarações de L-.:
[imagem que aqui se dá por reproduzida]

(…)» - Cfr. Anexo XII do RIT, de pp. 92 e 93 do requerimento registado no SITAF sob o n.º 007006381.
Cabe salientar que o identificado administrador da Recorrida não foi ouvido em Auto de Declarações; com efeito, no RIT consta apenas que aquele foi confrontado «com as dúvidas levantadas, tendo apresentado um estudo, (…). (…) também afirmou ser ele o único conhecedor do estudo porquanto foi ele o seu único autor», não se sabendo, ao certo, quais as questões que lhe foram colocadas nem o teor exato das respostas obtidas.
Sabemos, porém, que M. foi ouvido na Direção de Finanças de (...), em Auto de Interrogatório de Arguido junto como doc. 17 da p.i. e datado de 21/03/2016, do qual consta o seguinte:
«(…)
À matéria dos autos disse pretender juntar documentos extraídos de um dossier que contem o relatório relacionado com os serviços da referida fatura, mais referiu que foi o próprio quem realizou os serviços constantes dessa fatura.
Questionado sobre em que consistiram esses serviços, respondeu que o conteúdo dos serviços faturados consistiu na elaboração de um relatório, constituído por 24 folhas, frente e verso, que pretende juntar ao presente Auto de Interrogatório e de uma parte do comissionamento do negócio. Relatório este, que já havia sido informado, pelos Serviços de G., S.A. à Senhora Inspetora M., encarregue do procedimento de inspeção.
Questionado sobre quem é que contratou o projeto, respondeu que foi o próprio que tratou de tudo, designadamente deslocação ao Paraguai, assinou o contrato e tratou de tudo quanto foi necessário para ganhar e concretizar o projeto (...).
Questionado sobre qual a sua função na G., S.A. e na O., respondeu que era e é administrador das duas empresas.
Questionado sobre qual das empresas que representa é titular do contrato de concessão, produção, fornecimento e instalação dos geradores relativos ao Projeto (...), respondeu que é a G., S.A..
(…)» .
Da análise das declarações prestadas no âmbito do procedimento inspetivo é possível concluir que, efetivamente, os declarantes L-., L--. e L. responderam sobre matéria atinente à parte técnica do projeto A..
Assinalamos, porém, que o declarante L--. respondeu à questão 5 em moldes que permitem suscitar dúvidas quanto à participação que o administrador M. alegou ter no contrato respeitante ao dito projeto, pois o teor da sua resposta sugere ter sido ele o único participante na preparação do negócio e respetiva formalização.
A ser assim, acompanhamos a perspetiva do Tribunal a quo, no sentido de que a AT não procedeu a todas as diligências instrutórias que se impunha realizar, designadamente a nova audição do declarante L--., de molde a esclarecer se apenas ele se deslocou ao Paraguai, se foi ele quem assinou o contrato e qual a intervenção, segundo é do seu conhecimento, do administrador M. na preparação e formalização do negócio respeitante ao projeto A.. Afigura-se-nos que seria, ainda, pertinente questionar o declarante L-. sobre a concreta intervenção do administrador M. na vida societária da Recorrida e, mais relevantemente, acerca do papel desempenhou, efetivamente, no negócio subjacente ao projeto A..
O que vimos de considerar em nada se altera perante dos restantes factos em que a AT se baseou para sustentar a sua tese: a insuficiência/deficiência do descritivo da fatura é um indício pouco seguro da inexistência da operação por ela titulada; a especificação dos serviços prestados foi feita no âmbito do interrogatório do arguido M., ocorrido perante a AT; não está evidenciado em que medida as “relações especiais” entre a G., S.A. e a O. influenciaram a operação comercial espelhada na fatura aqui em crise – aliás a AT propugna que a operação subjacente nem existiu; não se alcança a relevância do facto de a O. ser não declarante para efeito de IRC para a determinação da efetividade da operação titulada pela dita fatura; finalmente, a facilidade com que a AT alcançou, através da internet, os dados constantes do relatório alegadamente elaborado pelo administrador M. também não evidencia, por si só, que tal documento não teve a relevância que este lhe atribuiu.
Era, pois, necessária a realização de outras diligências instrutórias, nomeadamente as que já especificámos (sem prejuízo de outras), para adequado apuramento da verdade material.
Em face do que vimos de considerar, efetivamente ocorre violação do princípio do inquisitório que configura vício de violação de lei e inquina de ilegalidade o ato final do procedimento, devendo ser mantida a sentença recorrida na parte agora analisada.

3.2.2. Sustenta a Recorrente, nas conclusões LXIX a LXXIV das alegações de recurso, que, no que respeita à qualificação das verbas contabilizadas como custos dedutíveis, cabe ao contribuinte o ónus da prova da sua indispensabilidade para obtenção dos proveitos ou para a manutenção da fonte produtora, se a AT questionar essa indispensabilidade. À AT cabia provar os pressupostos legais que legitimam a sua atuação, prova essa que foi feita, pelo que impendia sobre a Recorrida o ónus de provar a ilegitimidade do ato tributário.
É sabido que « Em regra, todos os custos em que incorre uma empresa serão relevados negativamente na determinação do seu lucro tributável (Nos termos do n.º 1 do art. 17.º do CIRC, «O lucro tributável das pessoas colectivas e outras entidades mencionadas na alínea a) do n.º 1 do artigo 3.º é constituído pela soma algébrica do resultado líquido do período e das variações patrimoniais positivas e negativas verificadas no mesmo período e não reflectidas naquele resultado, determinados com base na contabilidade e eventualmente corrigidos nos termos deste Código».), tanto mais que, por imperativo constitucional [cfr. art. 104.º, n.º 2 («A tributação das empresas incide fundamentalmente sobre o seu rendimento real».), da Constituição da República Portuguesa (CRP)], a tributação das empresas deve incidir sobre o rendimento real. O que significa que devem excluir-se do cômputo do lucro tributável todos os custos incorridos na obtenção do rendimento.
Há, no entanto, que ter presente que o legislador, na ponderação de motivos que considerou relevantes (E que se prendem com os fins extra-fiscais prosseguidos pelo Direito Fiscal, com os princípios da legalidade fiscal e da segurança jurídica, bem como com o princípio da soberania fiscal e com fins de prevenção e combate à evasão fiscal.), não estabeleceu uma correspondência absoluta entre os custos contabilísticos e os custos fiscais (Adoptando um modelo de dependência parcial, que tomando como ponto de referência as normas contabilísticas e o resultado contabilístico, sujeita-o a ajustes extra-contabilísticos para cumprimento das normas fiscais) e entendeu que só devem relevar negativamente no apuramento do lucro tributável «os [custos ou perdas] que comprovadamente forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora» (cfr. o já referido art. 23.º, n.º 1, do CIRC).» - cfr. acórdão do STA de 28.06.2017, rec. 0627/16, disponível em http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/9ff886014e34df8d80258152004d86f8?OpenDocument&ExpandSection=1.
Na situação sub judice está em causa a efetividade do custo (que é prévia à questão da sua indispensabilidade) pois a AT não aceita, sequer, que a respetiva fatura titula uma real operação económica, um serviço, de facto, prestado à Recorrida. Nesta medida, o ónus da prova tem de ser analisado à luz da questão da materialidade da operação.
A este propósito devemos afirmar, em sintonia com a jurisprudência que, reiterada e uniformemente, vem sendo seguida nos nossos Tribunais que «(…) o ónus da prova se reparte, em processo onde o contribuinte impugne a actuação da AT, desconsiderando operações consubstanciadas em determinadas facturas existentes na escrita daquele, no sentido de caber a esta (AT) a prova dos pressupostos da sua actuação e àquele (contribuinte) a prova de que as questionadas operações tiveram, efectivamente, lugar. Ou, numa outra formulação, obtendo a AT indícios sérios e credíveis de que determinada operação comercial titulada por uma factura não é real, cabe ao contribuinte o ónus da prova da veracidade dessa transacção (neste sentido, Ac. TCAN de 24-01-2008, Proc. nº 02887/04 - VISEU, www.dgsi.pt ).
De notar que a administração tributária não precisa de demonstrar a falsidade das facturas, bastando-lhe evidenciar a consistência daquele juízo (Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 27-10-2004, processo n.º 810/04), invocando factos que traduzem uma probabilidade elevada de as operações referidas nas facturas serem simuladas, probabilidade elevada capaz de abalar a presunção legal de veracidade das declarações dos contribuintes e dos dados constantes da sua contabilidade - artigo 75.º da Lei Geral Tributária.
Tal significa que, quando está em causa a correcção de liquidações de IRC por desconsideração dos custos documentados por facturas reputadas de falsas pela AT, e porque a liquidação de IRC tem por fundamento o não reconhecimento de custos declarados pelo sujeito passivo, compete à administração tributária fazer prova de que estão verificados os pressupostos legais que legitimam a sua actuação, ou seja, tendo o juízo da administração tributária assentado na consideração de que as operações e o valor mencionado na factura em causa não corresponde à realidade, haverá de demonstrar a existência de indícios sérios de que a operação referida na factura foi simulada, sendo que, como já ficou dito, feita essa prova, compete ao sujeito passivo o ónus da prova dos factos que alegou como fundamento do seu direito a fazer reflectir negativamente os custos declarados na determinação da respectiva matéria tributável nos termos que decorrem dos artigos 17º nº 1 e 23º do CIRC, não lhe bastando criar dúvida sobre a sua veracidade, ainda que fundada, pois neste caso o artigo 100º do CPPT não tem aplicação; na verdade, o ónus consagrado no artigo 100º nº 1 do CPPT, contra a administração tributária (de que a dúvida quanto à existência e quantificação do facto tributário deve ser decidida contra a administração tributária: in dubio contra Fisco) apenas existe quando seja esta a afirmar a existência dos factos tributários e respectiva quantificação e não quando, como in casu, é ao contribuinte que compete demonstrar a existência e quantificação dos custos em que alega ter incorrido e que pretende ver reflectidos no apuramento do lucro tributável. ». – cfr. acórdão deste TCAN de 25/01/2018, proc. 02318/06.0BEPRT.
É que, «(…) como decidido nos Acórdãos do Pleno desta Secção do STA de 16.03.2016, Acórdão 587/15, de 16.11.2016, recurso 600/15 e de 17 .02.2016, recurso n.º 591/15 (acórdão fundamento), no qual se consignou:
«(…)
Na verdade, embora a regularidade formal da escrita constitua presunção da sua veracidade - estendida aos seus elementos de apoio (art. 75º da LGT) -, tal presunção cessa no caso da existência de indícios sérios de que as operações escrituradas se não realizaram. Daí que, como se disse, provando a AT a existência de indícios sérios e credíveis de que tais operações não são verdadeiras, cabe ao contribuinte o ónus da prova da veracidade das mesmas.
» – cfr. acórdão do Pleno da Secção do Contencioso Tributário do STA de 27/02/2019, proc. 01424/05.2BEVIS.
Assim, compete à AT evidenciar a existência de factos que, segundo as máximas da experiência comum, são seriamente indiciadores de que as operações tituladas pelas faturas não correspondem a transações comerciais efetivamente ocorridas, não lhe sendo exigível demonstrar a falsidade das faturas ou a existência de um conluio entre os emitentes das faturas e o respetivo beneficiário para emissão de faturas “falsas”. A prova exigível à AT é, portanto, a da existência de “indícios fundados” (objetivos, sólidos e consistentes, que traduzam uma probabilidade elevada de que os documentos não titulam operações reais), não se impondo a “prova provada” de que por detrás dos documentos não está a realidade que normalmente refletem e comprovam – cfr. neste mesmo sentido, o ac. do TCAS de 11/10/2018, proc. 1594/09.0BELRA.
Em suma, basta à AT provar a factualidade suscetível de abalar a presunção de veracidade das operações constantes da escrita do contribuinte e dos respetivos documentos de suporte, só então passando a competir ao contribuinte o ónus de prova do direito de que se arroga (o de exercer o direito de deduzir os custos ao lucro tributável) e que não é reconhecido pela AT, ou seja, o ónus de prova de que as operações se realizaram efetivamente e ocorrem os pressupostos de que depende o seu direito àquela dedução.
Sucede que, como já foi demonstrado, a AT não cumpriu o dever de inquisitório a seu cargo, omitindo a realização de diligência probatórias necessárias ao adequado apuramento da verdade material. Como tal dever se situa a montante do ónus da prova, a sua inobservância impede, à partida, um juízo positivo de observância deste por parte da AT.
A ser assim, é patente que à Recorrida não foi devolvido o dever de provar a materialidade da operação e, muito menos, da indispensabilidade do custo aqui em causa.

3.2.3. Em face do que vimos de expender, resulta prejudicada a apreciação do recurso na parte relativa ao julgamento de facto quanto aos pontos 24, 34, 40, 41 e 42 da factualidade provada.
Com efeito, se, como concluímos, não é possível considerar que a AT cumpriu o seu ónus da prova (pois, desde logo, nem observou o dever de inquisitório a seu cargo), também a Recorrida não ficou onerada com a prova da efetividade da operação ou da indispensabilidade do custo.


4. Decisão

Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, em negar provimento ao recurso jurisdicional interposto pela Recorrente e manter a sentença recorrida.

Custas a cargo da Recorrente.

Porto, 23 de abril de 2020



Maria do Rosário Pais
António Patkoczy
Ana Patrocínio