Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00957/09.6BEVIS
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:10/27/2016
Tribunal:TAF de Viseu
Relator:Mário Rebelo
Descritores:IMPUGNAÇÃO
PRINCÍPIO DA VERDADE MATERIAL
Sumário:1. O princípio do inquisitório e da verdade material visa a descoberta da verdade material, devendo a administração tributária adoptar oficiosamente as iniciativas adequadas a esse efeito (art. 6º do RCPIT). Tem assento constitucional (Art. 266º da CRP) e encontra-se inscrito em várias normas que regem a actividade administrativa, de que são exemplo, além do citado art. 6º do RCPIT, os art.s 13º do CPPT, e 55º, 59º, 63º/1 e 99º da LGT bem como os artigos 58º, 115º e segs.. do CPA.
2. Este princípio fundamenta-se na obrigação de a administração prosseguir o interesse público (artigo 266º/1 da CRP e artigo 55º da LGT), assim como no dever de imparcialidade da actuação administrativa (266º/2 da CRP e artigo 55º da LGT) que a par dos restantes princípios constitucionais a que os órgão administrativos estão subordinados integram as designadas medidas materiais da juridicidade administrativa.
3. Por força deste princípio, a administração tributária não tem de aguardar pela iniciativa do interessado, devendo, pelos seus próprios meios e determinação, realizar as diligências necessárias para averiguação da verdade factual em que deve assentar a sua decisão.
4. Isto mesmo que estejam em causa factos contrários aos interesses patrimoniais do credor tributário.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:J...
Recorrido 1:Autoridade Tributária e Aduaneira
Decisão:Negado provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

J…, melhor identificado nos autos, interpôs recurso da sentença proferida em 11/1/2016 pelo MMº do TAF de Viseu que julgou improcedente por não provada a impugnação judicial contra as liquidações adicionais de IVA dos anos de 2005 e 2006, no valor total de € 78.782,63.
Terminou as alegações com as seguintes conclusões:

1 - O recorrente invocou a violação do princípio da verdade material em sede de Inspeção Tributária, porquanto no seu entender não foram realizadas as diligências necessárias, independentemente de os factos a averiguar serem contrários aos interesses patrimoniais que à Administração Tributária cabe defender (art°.6º do R.C.P.I.T.);
2 - Ao contrário do que se encontra na sentença recorrida, ocorreu uma efectiva violação do principio da verdade material na medida em que a Administração Tributária, em claro desrespeito pela lei, não procedeu a todas as diligências complementares e essenciais, a que estava obrigada, para a busca da verdade material, facto esse gerador de uma ilegalidade do relatório de decisão, e, consequentemente, da liquidação sub judice.
3 - Acresce que o art°.6º, do Regime Complementar da Inspeção Tributária (R.C.P.I.T.), não é uma norma meramente programática, é uma regra de conduta imperativa que deve nortear a Inspeção Tributária, o que não sucedeu no caso “sub judice”;
4 - Como ensinam o Prof. Diogo de Leite Campos e os Juízes Conselheiros Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa, em anotação ao art°.55º, da L.G.T., a Administração Tributária deve “realizar todas as diligências necessárias para averiguar a verdade material, independentemente de os factos a averiguar sejam contrários aos interesses patrimoniais que à Administração Tributária cabe defender”, in, Lei Geral Tributária, Comentada c Anotada... cit.;
5 - Mais, a Administração Fiscal, no âmbito do procedimento tributário, está sujeita ao princípio do inquisitório (cfr.art°.58º da L.G.T.), o qual é um corolário do dever de imparcialidade que deve nortear a sua atuação;
6 - Este dever de imparcialidade reclama que a Fazenda Pública procure trazer ao procedimento todas as provas relativas à situação fáctica em que vai assentar a decisão, mesmo que elas tenham em vista demonstrar factos cuja revelação seja contrária aos interesses patrimoniais da Administração;
7 - Em sede de inspeção, nada foi feito no sentido de indagar sobre a efectiva realização das obras em causa, designadamente por deslocação ao respectivo local, conformando as suas dimensões.
8 - Nada foi feito, em frontal violação dos princípios do inquisitório e da verdade material a que a Administração Fiscal se encontra adstrita nas suas relações com os particulares;
9 - Razão pela qual, as liquidações adicionais de IVA em causa nos presentes autos, por decorrerem de ação inspetiva concluída em desrespeito pelas normas e princípios a que a Administração Fiscal se encontra vinculada, são ilegais impondo-se a sua anulação;
10 - O desfasamento temporal de cerca de três anos entre as datas dos factos e a da ação inspetiva, obsta a, ou pelo menos muito dificulta, um efetivo conhecimento da realidade das circunstâncias que rodeavam entre a realização e conclusão das obra.
11 - Não obstante tal dificuldade, ainda assim o procedimento inspetivo assentou apenas em elementos internos, Lendo os serviços prescindindo do trabalho de campo e de diligências externas.
Termos em que, atentos os factos e fundamentos expedidos, nos melhores de direito e com o douto suprimento V. Exas., deve o presente recurso ser julgado procedente por provado, revogada a douta sentença do Tribunal “a quo” e, em consequência, anuladas as liquidações adicionais efetuadas em sede de I.V.A. dos anos de 2005 e 2006 com todas as consequências legais daí advindas.
Com o que V. Exas. farão a habitual Justiça!



CONTRA ALEGAÇÕES.
Não houve.

PARECER DO MINISTÉRIO PÚBLICO.
O Exmo. Procurador-Geral Adjunto neste TCA emitiu esclarecido parecer concluindo pela improcedência do recurso e confirmação da sentença recorrida

II QUESTÕES A APRECIAR.
O objecto do presente recurso, delimitado pelas conclusões formuladas (artigos 635º/3-4 e 639º/1-3, ambos do Código de Processo Civil, «ex vi» do artº 281º CPPT), salvo questões do conhecimento oficioso (artigo 608º/ 2, in fine), consiste em saber se a sentença errou ao julgar não ter sido preterido o dever de investigação da verdade material pela AT.

Colhidos os vistos dos Exmos. Juízes Desembargadores Adjuntos, vem o processo submetido à Conferência para julgamento.


III FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO.
A sentença fixou os seguintes factos provados e respetiva motivação:

1. Com data de 31/10/2008, foi elaborado “Relatório de inspeção tributária”, por referência ao impugnante, com o seguinte teor: - cfr. fls 5 a 34 do PA anexo aos presentes autos, que se dão por integralmente reproduzidas como as demais que abaixo se referenciam:
(…) III - Descrição dos factos e fundamentos das correcções meramente aritméticas à matéria tributável
111.1 - Variação de Produção
Os valores de obras em curso no início e fim de cada exercício, e a correspondente variação de produção são os seguintes:

2005
2006
Existências Iniciais
219.300,00 €
279.100,00 €
Existências Finais
279.100,00€
302.400,00 €
Variação Produção
59.800,00 €
23.300,00 €
Estes valores são discriminados pelo sujeito passivo, no inventário de obras em curso da seguinte forma:
- Inventário Obras em Curso
Clientes
Existências Finais 2005
Existências Finais 2006
D.. Construções
8.500,00 €
35.000,00 €
C…
76.000,00 €
30.000,00 €
C…
30.000,00 €
0,00€
C…
71.000,00 €
80.000,00 €
C… a)
68.000,00 €
80.000,00 €
C… a)
12.500,00 €
0,00€
M… a)
5.000,00 €
4.900,00 €
S…
3.500,00 €
13.000,00 €
B…
2.500,00 €
0,00€
Junta Freguesia…
2.100,00 €
0,00€
F…
11.000,00 €
Construções…
12.000,00 €
C…
9.500,00 €
S…
11.000,00 €
Irmãos…
16.000,00 €
279.100,00 €
302.400,00 €
Foram efectuados testes aos valores de existenciais finais de obras em curso, declarados para cada um dos exercícios.
1.° Teste
O 1.º teste efectuado foi comparar os valores declarados de obras em curso, com os valores facturados. Relativamente a 2007, não temos a totalidade dos valores facturados por cliente, e os que temos foram obtidos junto dos clientes. Para 2007, o sujeito passivo é não declarante, e tem a contabilidade organizada apenas até Março de 2007.
Foi construída a seguinte tabela:
Clientes Obras Curso 2005 Facturação
2006
Diferença Obras Curso 2006 Facturação
2007
Diferença
D… 8.500,00€ 0,00€ -8.500,00€ 35.000,00€
C… 76.000,004 29.284,64€ -46.715,36 30.000,00€
C… 30.000,004 18.690,52€ -11.309,48€ 0,00€
C… 71.000,00€ 47.342,50€ -23.657,50€ 80.000,00€ 44.338,00€ 35.662,00€
C… 68.000,004 -68.000,00€ 80.000,00€
C… 12.500,004 -12.500,00€ 0,00€
M… 5.000,00€-5.000,00€ 4.900,00€
0,00€
S… 3.500,00€ 0,00€ -3.500,00€ 13.000,00€ 9.008,26€ 3.991,74€
B… 2.500,00€ 0,00€ -2.500,00€ 0,00€
Junta Freguesia… 2.100,00€ 13.051,60€ 10.951,60€ 0,00€
F… 0,00€ 0,00€ 11.000,00€
Construções…, Lda 0,00€ 0,00€ 12.000,00€
C… 0,00€ 9.500,00€
S… 0,00€ 0,00€ 11.000,00€ 8.264,46€ 2.735,54€
0,00€
Irmãos… 0,00€ 0,00€ 16.000,00€ 0,00€
279.100,00 108.369,26302.400,00€ 61.610,72€ 42.389,28€

Conclusões
Pela análise da tabela, pode-se concluir que tanto em 2005, como em 2006, os valores de obras em curso não podem ser os valores que o sujeito passivo declarou.
Temos por exemplo o cliente C…, para o qual o valor de obras em curso no final de 2005 é de € 30.000,00, em 2006 são facturados € 18.690,52 e no final de 2006 não há obras em curso, temos 11.309,48 € que não foram facturados, nem estão em obras em curso.
Para o cliente M… temos uma diminuição no valor das obras em curso, de € 100,00, sem que exista qualquer factura para este cliente.
O cliente C…, tem de acordo com os dados da contabilidade obras em curso, no ano de 2005, € 76.000,00. Em 2006 são facturados € 29.284,64, o que significava que no final de 2006, ainda teríamos obras em curso no valor € 46.715,36 (€ 76.000,00-29.284,64), mas o valor de obras em curso no final de 2006 é de € 30.000,00.
Para o cliente B…, as obras em curso declaradas de 2005, são € 2.500,00.
Em 2006 não há facturação para este cliente e o valor de obras em curso no final de 2006, é zero, significando uma omissão de facturação de € 2.500,00. Relativamente ao cliente Costa Ibérica, a situação é idêntica à do cliente B…. No final de 2005, o sujeito passivo contabiliza para este cliente € 12.500,00 de obras em curso, não há qualquer facturação em 2005 e 2006, e em 2006, o valor de obras em curso passa a zero.
Há ainda a referir que os clientes C…, NIPC: 5…, C…, NIPC: 5…e M…, NIPC: 5…, não constam dos balancetes analíticos de 2005 e 2006, nem dos extractos de conta corrente dos clientes desses anos
2.0 Teste
o 2.0 teste foi efectuado com recurso à circularização de clientes. Foram circularizados todos os clientes com valores de obras em curso, para confirmação dos valores declarados pelo sujeito passivo. Expõem-se de seguida as conclusões retiradas após análise dos valores declarados em obras em curso, assim como das respostas obtidas com a circularização de clientes:
Os clientes que descriminamos responderam não ter obras em curso com o sujeito passivo J…, nos anos de 2005 e 2006:
_ C…, Lda, NIPC: 5…; _ D…, Lda, NIPC: 5…;
_ M…, SA, NIPC: 5…;
-Irmãos…, Lda, NIPC: 5…;
_ C…, SA, NIPC: 5…; - F…, Lda, NIPC: 5…;
_ Construções…, Lda, NIPC: 5…;
_ B… - Construções Civis, Lda, NIPC: 5…; _ C.. Unipessoal, Lda, NIPC: 5…;
_ C… - Empreiteiros, SA, NIPC: 5…
Para cada cliente, foi construído um quadro, no qual se sintetizou a informação recolhida com a circularização de clientes. Dispomos assim, para cada cliente os contratos adjudicados em 2005 e 2006, com J…, assim como a facturação de cada exercício. Os quadros seguintes foram construídos com informação disponibilizada pelos clientes do sujeito passivo.
(…)
111.2 - Correcções aos Valores de Obras Em Curso
Do atrás exposto conclui-se que o valor de obras em curso declarado pelo sujeito passivo, não merece qualquer credibilidade. Correcções nas existências finais de obras em curso traduzem-se em correcções aos proveitos. O que está registado na contabilidade como obras em curso, mas que na verdade não corresponde a obras em curso, representa prestações de serviços já concluídas, mas que o sujeito passivo não facturou. O cálculo da omissão de proveitos foi feito por subtracção do montante das obras em curso corrigidas, ao montante de obras em curso declaradas. No quadro seguinte, compilou -se a informação obtida da análise, que foi feita cliente a cliente, às obras em curso e à facturação.

2005 2006
Clientes Obras Curso
Contabilidade
Obras Curso
Corrigidas
Omissão
Facturação
Obras Curso
Contabilidade
Obras Curso
Corrigidas
Omissão
Facturação
D… 8.500,00€ 0,00€ 8.500,00€ 35.000,00€ 0,00€ 35.000,00€
C… 76.000,00€ 23.884,64€ 52.115,36€ 30.000,00€ 0,00€ 30.000,00€
C… 30.000,00€ 25.873,41€ 4.126,59€ 0,00€ 7.179,89€ 0,00€
C… 71.000,00€ 66.582,45€ 441755€ 80.000,00€ 69.231,43€ 10.768,57€
C… 68.000,00€ 0,00€ 68.000,00€ 80.000,00€ 0,00€ 80.000,00€
C… 12.500,00€ 0,00€ 12.500,00€ 0,00€ 0,00€ 0,00€
M… 5.000,00€ 0,00€ 5.000,00€ 4.900,00€ 0,00€ 4.900,00€
S… 3.500,00€ 6.568,05€ 0,00€ 13.000,00€ 9.008,26€ 3.991,74€
B… 2.500,00€ 0,00€ 2.500,00€ 0,00€ 0,00€
Junta Freguesia… 2.100,00€ 0,00€ 2.100,00€ 0,00€ 0,00€
F… 0,00€ 11.000,00€ 0,00€ 11.000,00€
Construções… 0,00€ 12.000,00€ 0,00€ 12.000,00€
C… 9.500,00€ 9.500,00€
S… 0,00€ 11.000,00€ 8.264,46€ 2.735,54€
Irmãos… 0,00€ 16.000,00€ 0,00€ 16.000,00€
279.100,00€ 122.908,55€ 159.259,50 302.400,00€ 93.684,04€ 215.895,85€

111.3 - Correcções em IRS
Como foi referido no ponto anterior, correcções nos valores de existências de obras em curso, reflectem-se nos proveitos apurados pelo sujeito passivo. Como o valor das obras em curso calculado no ponto anterior, é inferior ao valor que estava registado na contabilidade, a variação de produção, que resulta da diferença entre as existências finais e as existências iniciais de obras ainda a decorrer, diminui. A variação de produção diminui, mas as prestações de serviços aumentam. Ficou demonstrado que uma parte do montante que estava inscrito em obras em curso, não dizia respeito a obras em curso, mas a trabalhos já concluídos, e que por consequência já deviam estar facturados.
Assim, o valor da variação de produção e o valor das prestações de serviços em 2005 e 2006, após correcções são os seguintes:
200 2.00
Valores Declarados
Existências Iniciais 219.300,00 € 279.100,00
Existências Finais 279.100,00 € 302.400,00
Variação Produção 59.800,00€ 23.300,00
Valores Corrigidos
Existências Finais 122.908,55 € 93.684,04
Existências Iniciais 219.300,00 € 122.908,55
Variação Produção -96.391,45 € -29.224,51

2005 2006
Prestações Serviços Declaradas 291.244,55 236.737,73
Correcção Prestações Serviços 159.259,50 215.895,8
Prestações Serviços Corrigidas 450.504,05 452.633,58

Proveitos Após Correcções
Da correcção à variação de produção e às prestações de serviços, resultam os seguintes valores de proveitos.

20052006
Vendas 6.730,50 € 7.921,92 €
Prestações Serviços Corrigidas 450.504,05 € 452.633,58 €
Soma 457.234,55 € 4Ó0.555,50 €
Variação Produção Corrigida -96.391,45€ -29.224,51 €
Total Proveitos 360.843,10 € 431.330,99 €

As correcções aos proveitos, a realizar em cada um dos exercícios é a seguinte:

2005 2006
Proveitos Declarados 357.775,05 267.959,65
Proveitos Corrigidos 360.843,10 431.330,99
Acréscimo de Proveitos 3.068,05 163.371,34

Em 2005, as correcções à variação de produção e às prestações de serviços, traduzem-se apenas numa correcção aos proveitos de 3.068,05, porque com excepção das correcções que foram feitas à S…, em que houve um aumento das existências finais de obras em curso, as restantes correcções, resultaram de uma mudança de contabilização, o valor subtraído às existências finais de obras em curso, no exercício de 2005, foi adicionado aos proveitos. A diminuição da variação de produção corresponde ao aumento dos proveitos.
Neste ano a correcção à variação da produção, resultou apenas da diminuição das existências finais, não foi feita qualquer correcção às existenciais iniciais. Em 2006, a correcção aos proveitos já é mais significativa, porque para além de terem sido diminuídas as existências finais de obras em curso, também diminuíram as existências inicias de obras em curso, este valor foi alterado, o valor de existências iniciais de 2006, corresponde ao valor de existências finais de 2005 corrigidas. Assim, em 2006, a correcção aos proveitos não resultou apenas de uma diminuição das existências finais, com aumento de valor igual nas prestações de serviços, mas também da correcção do valor da variação na produção
111.4 - Correcções em IVA
As correcções efectuadas ao valor das existências finais, representam prestações de serviços que o sujeito passivo executou e não facturou. São prestações de serviços sujeitas a IVA, pelo que há lugar à correcção da base tributável e do IV A liquidado nos últimos períodos de 2005 e 2006:
2005
2006
Correcções à Base Tributável
159.259,50 €
215.895,85 €
Taxa
21
21
IVA a Liquidar
33.444,50 €
45.338,13 €
A correcção à base tributável de IVA é realizada no último período de cada exercício, porque as correcções às prestações de serviços resultaram da diminuição do valor das existências finais de obras em curso.
IV Motivo e exposição dos factos que implica, o recurso a métodos indirectos:
Não aplicável ao caso em apreciação ”.
2. Em 03/07/2008, foi o impugnante notificado do procedimento de inspeção externa, pela ordem de serviço n.º OI200800075 – cfr. fls. 30 dos autos.
3. A ação de inspeção externa á contabilidade do impugnante decorreu entre 03/07/2008 19/09/2008, data da sua conclusão cfr. fls. 8 do PA anexo.
4. Com data de 06/12/2008, a Administração Fiscal procedeu à liquidação adicional de IVA referente ao ano de 2005, com o n.º 08351438, no montante de € 33.444,50, cuja data limite de pagamento era de 28/02/2009 – cfr. fls. 4 do PA anexo.
5. Com data de 06/12/2008, a Administração Fiscal procedeu à liquidação adicional de IVA referente ao ano de 2006, com o n.º 08351440, no montante de € 45.338,13, cuja data limite de pagamento era de 28/02/2009 – cfr. fls. 4 do PA anexo.
6. A presente acção foi remetida por correio registado em 04/06/2009 cfr. fls. 1 dos presentes autos.
III.1 - Factos não provados
Não se provaram quaisquer outros factos para além dos referidos.
III.2 - Motivação da decisão de facto
A convicção do Tribunal quanto aos factos provados resultou da análise crítica e conjugada do teor dos documentos não impugnados juntos aos autos e do PA, conforme referido em cada ponto do probatório e também da posição assumida pelas partes, na parte dos factos alegados não impugnados e corroborados pelos documentos juntos, (artigo 76.º, da Lei geral Tributária e artigo 362.º e sgs. do Código Civil).
A matéria de facto não provada redundou na ausência de prova produzida para o efeito.

IV FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO.
O IMPUGNANTE, ora RECORRENTE, deduziu impugnação judicial contra as liquidações adicionais de IVA relativas aos anos de 2005 e 2006 no valor total de € 78.782,63, alegando em síntese que as correções efectuadas tiveram por base o recurso a métodos indirectos, por a IT ter presumido serviços prestados no mesmo montante das existências de obras em curso. Mas ao proceder assim, sem ter esgotado a possibilidade de utilização de métodos directos, preteriu uma formalidade essencial do processo de liquidação, que conduz à sua anulação.
Acrescenta que a IT violou o dever de investigação da verdade material. Limitou-se a recolher informação sobre as obras já concluídas e as que estavam em curso comparando os valores das que já estavam concluídas com os valores declarados na contabilidade. Mas esqueceu-se de diligenciar se na verdade essas obras já estavam concluídas, pois muitas das vezes a obra inicial sofre várias alterações que se incluem no mesmo contrato. Na prática o «grosso» da obra está concluído mas ainda há «retoques» a fazer. Nestes casos a obra ainda está em curso, até porque o pagamento da adjudicação só será feito no fim de tudo pronto.
Por fim, alegou a caducidade do direito à liquidação.

O MMª juiz proferiu sentença na qual julgou improcedente o vício de caducidade do direito à liquidação, e procedente a impugnação por considerar que a AT «...lançou mão de juízos presuntivos sem, contudo, ter lançado mão da metodologia indirecta, uma vez que se ancorou a meras correções técnicas, o que tanto basta para concluir pela ilegalidade das liquidações impugnadas…»

Interposto recurso desta sentença para o STA, foi ordenada a sua revogação e remessa dos autos ao tribunal «a quo» a fim de aí prosseguirem com o conhecimento dos vícios que a sentença considerou prejudicados.
Cumprindo o determinado no douto ac. do STA, o MMº juiz proferiu sentença na qual decidiu não ter sido preterido o dever de investigação da verdade material e julgou improcedente a Impugnação com a seguinte fundamentação:

«O princípio do inquisitório, está consagrado no âmbito do procedimento gracioso tributário, no artº.58, da Lei Geral Tributária, de acordo com o qual devendo a Administração Tributária proceder às diligências que considere convenientes para a descoberta da verdade material. O princípio do inquisitório justifica-se pela obrigação de prossecução do interesse público imposta à atividade da Administração Tributária (artº.266, nº.1, da C.R.P., e artº.55, da L.G.T.) e é corolário do dever de imparcialidade que deve nortear a sua atividade (artº.266, nº.2, da C.R.P., e artº.55, da L.G.T.). Este dever de imparcialidade, reclama que a Fazenda Pública procure trazer ao procedimento todas as provas relativas à situação fáctica em que vai assentar a decisão, mesmo que elas tenham em vista demonstrar factos cuja prova seja contrária aos interesses patrimoniais da Administração. Concluindo, este princípio, obriga a administração tributária a realizar todas as diligências que se afigurem necessárias à satisfação do interesse público e à descoberta da verdade material. Quer isto dizer, que todas as diligências devem ser efetuadas ainda que as mesmas não tenham sido requeridas, não dependendo por isso de um qualquer impulso procedimental do sujeito passivo.
O princípio da verdade material está consagrado no artº.6.º, do Regime Complementar do Procedimento de Inspeção Tributária e impõe que a Administração Tributária, no âmbito do procedimento de inspeção, procure recolher os elementos probatórios que possibilitem mais tarde fundamentar o ato tributário que venha a ser praticado. Trata-se de investigar e apurar o correto cumprimento das obrigações fiscais pelos sujeitos passivos e, com base nessa investigação, recolher elementos que permitam apurar a eventual existência de irregularidades. Concluindo, o princípio da verdade material fixa aquele que deve ser o objetivo do procedimento inspetivo - a descoberta da verdade material. Este princípio é uma concretização do examinado princípio do inquisitório (enunciado no artº.58, da L.G.T., como princípio geral do procedimento tributário), sendo postulado pela natureza pública e indisponível da relação jurídico tributária, assim abrangendo, por isso, os seus elementos de facto.
No caso dos presentes autos, como decidido pelo colendo Supremo tribunal Administrativo, a liquidação impugnada resulta do apuramento da matéria tributável do impugnante por recurso ao que a lei designa de métodos diretos ou o que apurou do exame à escrita do impugnante.
Nos termos do supra mencionado Acórdão do STA, “…as correções feitas pela AT não podem deixar de se considerar correções técnicas e não correções por via dos métodos indiretos, na verdade, face aos elementos de facto e contabilísticos recolhidos pela AT, a mesma não estava impedida de, de forma direta, proceder às correções que levou a efeito. Tais correções não se basearam em presunções ou indícios, não se partiu de uma realidade desconhecida para se chegar a um concreto valor de imposto a pagar, antes se procedeu a alterações à declaração do contribuinte face a outros elementos contabilísticos e documentais recolhidos, quer na sua própria contabilidade, quer na contabilidade daqueles com quem o mesmo havia contratado e cujas operações já se encontravam inscritas na sua própria contabilidade.
Assim sendo, não estava sequer a AT autorizada a socorrer-se dos métodos indiretos para proceder a correções à declaração do impugnante, uma vez que dispunha de elementos documentais e declarativos suficientes, do impugnante e de terceiros, para poder efetuar tais correções, que de resto consistiram em contabilizar inscrever de modo diferente determinados valores previamente declarados pelo contribuinte impugnante, dando assim origem a um aumento do valor do imposto a pagar”.
Em face do decidido no Acórdão acabado de transcrever, outra conclusão não se pode retirar senão a de que as correções que deram origem à liquidação impugnada estão sustentadas em elementos contabilísticos do impugnante e de terceiros, consideradas suficientes para o apuramento efetuado em sede de inspeção.
Nesta conformidade, não se verifica o invocado vício de violação do dever de investigação da verdade material, pelo que improcede, também nesta parte a presente impugnação.»


Desta sentença vem o presente recurso. O RECORRENTE advoga que em «…sede inspeção nada foi feito no sentido de indagar sobre a efectiva realização das obras em causa, designadamente por deslocação ao respetivo local, conformando as suas dimensões», o que viola os princípios do inquisitório e da verdade material.

O princípio do inquisitório e da verdade material visa a descoberta da verdade material, devendo a administração tributária adoptar oficiosamente as iniciativas adequadas a esse efeito (art. 6º do RCPIT). Tem assento constitucional (Art. 266º da CRP) e encontra-se inscrito em várias normas que regem a actividade administrativa, de que são exemplo, além do citado art. 6º do RCPIT, os art.s 13º do CPPT, e 55º, 59º, 63º/1 e 99º da LGT bem como os artigos 58º, 115º e segs.. do CPA.

No procedimento tributário, a iniciativa da procura da verdade material pertence à própria administração tributária, mesmo nos casos em que os pedidos dos contribuintes fiquem aquém das diligências necessárias ao apuramento real dos factos e da aplicação do direito.

Este princípio fundamenta-se na obrigação de a administração prosseguir o interesse público (artigo 266º/1 da CRP e artigo 55º da LGT), assim como no dever de imparcialidade da actuação administrativa (266º/2 da CRP e artigo 55º da LGT) que a par dos restantes princípios constitucionais a que os órgão administrativos estão subordinados integram as designadas medidas materiais da juridicidade administrativa (Cfr. Gomes Canotilho e Vital Moreira in CRP anotada, vol. II, 4ª ed. pp 797).

Por força da aplicação deste princípio, a administração tributária não tem de aguardar pela iniciativa do interessado, devendo, pelos seus próprios meios e determinação, realizar as diligências necessárias para averiguação da verdade factual em que deve assentar a sua decisão. Isto mesmo que estejam em causa factos contrários aos interesses patrimoniais do credor tributário.

O princípio do inquisitório e da busca da verdade material é uma decorrência do princípio da legalidade. Os direitos dos contribuintes e do credor tributário derivam directamente da lei e dos factos a que esta se aplica. A administração tributária está vinculada à busca desses factos e dos direitos que deles derivam, sendo os procedimentos apenas o instrumento para os declarar. Ac. do TCAS n.º 08843/15 de 22-10-2015
9. O procedimento tributário de inspecção visa, como não podia deixar de ser, como sucede em qualquer procedimento administrativo, a descoberta da verdade material. O procedimento de inspecção, à semelhança de qualquer outro procedimento administrativo, tem de ser considerado como um instrumento que garanta e assegure o efectivo respeito pelos direitos fundamentais e garantias dos contribuintes por parte da Administração Tributária. Uma das formas de efectivar e concretizar este respeito pelos direitos e garantias dos contribuintes é através do princípio da verdade material, enquanto concretizador dos princípios da prossecução do interesse público e da igualdade.
10. O princípio da verdade material está consagrado no artº.6, do R.C.P.I.T., e impõe que a Administração Tributária, no âmbito do procedimento de inspecção, procure recolher os elementos probatórios que possibilitem mais tarde fundamentar o acto tributário que venha a ser praticado. Trata-se de investigar e apurar o correcto cumprimento das obrigações fiscais pelos sujeitos passivos e, com base nessa investigação, recolher elementos que permitam apurar a eventual existência de irregularidades. Concluindo, o princípio da verdade material fixa aquele que deve ser o objectivo do procedimento inspectivo - a descoberta da verdade material. Este princípio é uma concretização do examinado princípio do inquisitório (enunciado no artº.58, da L.G.T., como princípio geral do procedimento tributário), sendo postulado pela natureza pública e indisponível da relação jurídico-tributária, assim abrangendo, por isso, os seus elementos de facto.

O dever de a administração tributária descobrir, por si própria, a verdade factual no
âmbito do procedimento tributário, não se sobrepõe ao ónus da prova dos factos que
cabem aos contribuintes, nem exclui ou limita o dever de colaboração dos contribuintes para com a administração tributária, dentro do espírito da boa-fé, conforme resulta do artigo 59° da LGT.

Ora a AT no âmbito dos seus deveres de fiscalização recorreu a dois testes por amostragem. O primeiro foi comparar os valores declarados de obras em curso, com os valores facturados. Dessa comparação resultou que os valores das obra em curso não eram os descritos na contabilidade. Assim:

1º Cliente C…, para o qual o valor de obras em curso no final de 2005 é de € 30.000,00, em 2006 são facturados € 18.690,52 e no final de 2006 não há obras em curso, temos 11.309,48 € que não foram facturados, nem estão em obras em curso.
2º Para o cliente M… temos uma diminuição no valor das obras em curso, de € 100,00, sem que exista qualquer factura para este cliente.
3º O cliente C…, tem de acordo com os dados da contabilidade obras em curso, no ano de 2005, € 76.000,00. Em 2006 são facturados € 29.284,64, o que significava que no final de 2006, ainda teríamos obras em curso no valor € 46.715,36 (€ 76.000,00-29.284,64), mas o valor de obras em curso no final de 2006 é de € 30.000,00.
4º Para o cliente B…, as obras em curso declaradas de 2005, são € 2.500,00.
Em 2006 não há facturação para este cliente e o valor de obras em curso no final de 2006, é zero, significando uma omissão de facturação de € 2.500,00.
5º Relativamente ao cliente C…, a situação é idêntica à do cliente B…. No final de 2005, o sujeito passivo contabiliza para este cliente € 12.500,00 de obras em curso, não há qualquer facturação em 2005 e 2006, e em 2006, o valor de obras em curso passa a zero.

Os clientes C…, NIPC: 5…, C…, NIPC: 5…e M…, NIPC: 5…, não constam dos balancetes analíticos de 2005 e 2006, nem dos extractos de conta corrente dos clientes desses anos

A AT «descobriu» que os valores das obras em curso não estavam correctos.
Se apenas com base nessa «descoberta» tivesse efectuado as correcções à matéria tributável, poderia ser defensável a tese de que foram omitidas diligências com vista à descoberta da verdade material, uma vez que às imprecisões da contabilidade poderiam não corresponder omissões de proveitos, mas apenas lapsos de escrita «inocentes».

Mas a AT efectuou um segundo teste que consistiu em circularizar todos os clientes com valores de obras em curso, para confirmação dos valores declarados pelo sujeito passivo.

E os clientes responderam não ter obras em curso com o sujeito passivo J…, nos anos de 2005 e 2006:

C…, Lda,
D…, Lda,
M…, SA;
Irmãos…, Lda,
C…, SA,
F…, Lda;
Construções…, Lda;
B…, Lda;
C…, Lda;
C…, SA.

É importante relevar que os dois testes deram o mesmo resultado. Confirmaram que a contabilização das obras em curso não merece credibilidade porque não constituem, na verdade, «obras em curso» mas sim obras concluídas que o Impugnante/Recorrente não facturou.

Não se detetou nenhum outro indício que permitisse antever que a contabilização das obras em curso são mesmo «Obras em curso». Por isso, nada mais haveria que investigar.

Não seria exigível à AT que tomasse a iniciativa de investigar algo que pura e simplesmente não era vislumbrado.

De resto, o contribuinte também não ofereceu qualquer prova, ou mesmo contraprova que permitisse fundamentar qualquer indício de veracidade do que alegou.

Assim, concluímos, o MMº juiz andou bem; o recurso deve improceder.


V DECISÃO.

Termos em que acordam, em conferência, os juízes da secção de contencioso Tributário deste TCAN em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida.
Custas pelo RECORRENTE.
Porto, 27 de outubro de 2016.
Ass. Mário Rebelo
Ass. Cristina Travassos Bento
Ass. Paula Maria Dias de Moura Teixeira