Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
| Processo: | 114/11.1 BEFUN |
| Secção: | CT |
| Data do Acordão: | 06/01/2023 |
| Relator: | ISABEL FERNANDES |
| Descritores: | OPOSIÇÃO EXECUÇÃO FISCAL NOTIFICAÇÃO LIQUIDAÇÃO EFICÁCIA |
| Sumário: | I – O regime previsto nos artigos 37.º, n.ºs 1 e 2, e 39.º, n.º 9, do CPPT, é o de que, fora dos casos previstos nesta última disposição, em que a notificação se considera nula, o acto de comunicação ao destinatário de um acto em matéria tributária que não o informa de todos os elementos do acto notificado só é irrelevante para efeitos de determinação dos prazos de reacção contra o acto notificado, por via administrativa ou judicial, e mesmo esta única consequência apenas ocorre se for utilizada a faculdade prevista no n.º 1 daquele artigo 37.º. II - Assim, a notificação do acto de liquidação que não contém a fundamentação de facto e de direito, mas contém a indicação do prazo de pagamento voluntário, torna aquele acto eficaz e exigível a dívida nele apurada. |
| Votação: | UNANIMIDADE |
| Aditamento: |
| 1 |
| Decisão Texto Integral: | I – RELATÓRIO
O Tribunal Administrativo e Fiscal do Funchal, por decisão de 24 de Setembro de 2014, julgou a oposição procedente. Decisão que manteve quando proferiu despacho a 4 de Novembro de 2015, aditando factos ao probatório. Não concordando com a decisão, a representante DA fazenda pública, aqui Recorrente, veio interpor recurso da mesma, tendo nas suas alegações, formulado as seguintes conclusões: «a) Na sentença proferida em 24.09.2014, no âmbito do processo de oposição n.° 114/11.1BEFUN, foi decidida a procedência da ação com fundamento no disposto no artigo 204.° n.° 1 al. i) do CPPT. b) A oposição tinha por fundamento o disposto no artigo 204.° n.° 1 al. h) do CPPT, ilegalidade em concreto da liquidação objeto de execução fiscal. c) A representante da Fazenda Pública deduziu contestação à oposição invocando a falta de fundamentação da oposição, uma vez que o disposto no artigo invocado pelo oponente apenas se aplicaria no caso de não ser possível, ao sujeito passivo, lançar mão dos meios administrativos e/ou judiciais de contestação da liquidação. d) A contestação da Fazenda Pública foi notificada à oponente que em articulado superveniente invocou a inexistência de uma notificação válida e eficaz o que por sua vez seria fundamento enquadrável nas alíneas h) e i) do n.°1 do artigo 204.° do CPPT. e) A sentença proferida assentou a decisão, de procedência da oposição, na ineficácia da notificação da liquidação, invocando que a notificação ineficaz impede a instauração do processo de execução fiscal. f) Refere a sentença ainda que não foi concedido prazo de pagamento voluntário da liquidação em causa nestes autos. g) A sentença padece, salvo o devido respeito, de erro de julgamento da matéria de facto, pois assenta a decisão em factos que não constam da fundamentação de facto, e em erro de julgamento de direito, erro quanto às consequências determinadas pela norma aplicada. h) Quanto ao erro de julgamento de facto, a decisão de procedência da oposição assenta na ineficácia da notificação da liquidação do imposto, e da fundamentação de facto não ressaltam nem dos factos provados, nem dos factos não provados, quaisquer elementos de facto que permitam aferir da eficácia ou ineficácia da notificação. i) Na parte III.1 - De Facto (fundamentação de facto da sentença) começa logo pelos factos relativos ao processo de execução fiscal e em parte alguma da fundamentação de facto da sentença é feita referência à notificação da liquidação. j) Muito menos são levados à decisão elementos de prova que determinem a eficácia ou ineficácia da notificação que permitam concluir pela notificação insuficiente. k) Considera ainda, a sentença, que não foi concedido prazo de pagamento voluntário da liquidação, aqui em causa. l) Mais uma vez esta consideração, e salvo o devido respeito, não resulta da fundamentação de facto, ou seja, a decisão determina que não foi concedido prazo de pagamento voluntário e da fundamentação de facto não resulta esse facto (nem dos factos provados nem dos não provados). m) Pelo contrário, e dos documentos juntos aos autos do processo, pela Representante da Fazenda Pública (documento n.° 3 da contestação), verifica-se que foram concedidos ao sujeito passivo dois prazos de pagamento voluntário, um integral voluntário e outro em regime prestacional. n) Ambos os prazos estão definidos na notificação, cfr. doc. n.° 3 da contestação. o) A afirmação de que não foi concedido prazo de pagamento voluntário resulta de erro na apreciação da matéria de facto. p) A sentença padece ainda, de erro de julgamento de direito, quando considera que a notificação insuficiente impede a instauração da execução fiscal, e quando considera este um fundamento enquadrável na alínea i) do n.° 1 do artigo 204.° do CPPT. q) A notificação considerada insuficiente é um mera irregularidade, sanável (quando não é acionado o mecanismo do artigo 37.° do CPPT), e essa insuficiência apenas determina, no caso da sua não sanação, a suspensão do início da contagem dos prazos de impugnação administrativa e/ou judicial da liquidação. r) A notificação insuficiente não contende com a eficácia da notificação nem é fundamento da oposição à execução fiscal. s) Neste sentido já se pronunciou a jurisprudência do STA, acórdãos 0128/09, de 07.10.2009 e 0801/09, de 18.11.2009. t) “A notificação de uma liquidação efectuada ao contribuinte, sem conter a respectiva fundamentação, confere a este o direito de requerer, dentro de 30 dias ou dentro do prazo para reclamação, recurso ou impugnação ou outro meio judicial que desta decisão caiba, se inferior, a notificação dos requisitos que tenham sido omitidos ou a passagem de certidão que os contenha, isenta de qualquer pagamento (art° 37°, n° 1). II - O uso desta faculdade suspende o decurso dos prazos de reclamação, recurso, impugnação ou outro meio judicial mas já não o prazo de pagamento voluntário e de instauração da respectiva execução, nos termos dos artigos 85.° e 86.° do CPPT, se decorrer o prazo de pagamento sem que ele seja efectuado. III - A existência de irregularidades da notificação (que não as previstas no n.° 9 do artigo 39.° do CPPT, pois estas consubstanciando nulidades da notificação tornam esta absolutamente irrelevante para assegurar a eficácia do acto notificado) não constitui fundamento de oposição à execução fiscal enquadrável na alínea i) do n.° 1 do artigo 204.° do CPPT.” Ac. STA proc. 0801/09, de 18.11.2009. u) Pelo que deve a douta sentença recorrida ser anulada e substituída por outra que julgue pela improcedência da oposição.» * Não foram apresentadas contra-alegações. * A DMMP junto deste Tribunal Central Administrativo emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.* Colhidos os vistos, vem o processo submetido à conferência desta Secção do Contencioso Tributário para decisão. * II – FUNDAMENTAÇÃO - De facto Na sequência de promoção do DMMP junto do TCAS, foi determinada a baixa dos autos à 1ª instância, em virtude de ter sido invocada a nulidade da sentença no âmbito do recurso jurisdicional deduzido pela Fazenda Pública. Em cumprimento do determinado pela, então, titular do processo, a Juiz do TAF do Funchal proferiu despacho, em 04 de Novembro de 2015, no qual, considerou provados os seguintes factos e manteve o sentido da decisão: «Verifica-se pois a nulidade prevista no artº 615º nº 1 al b), pelo que, deve a mesma ser reparada. Atendendo a que a nulidade invocada implica a ampliação da matéria de facto provada e não provada: A) M… (doravante apenas oponente) e marido Mi…, falecido, adquiriram os prédios urbanos inscritos na matriz sob os artºs 24…º e 23…º da freguesia de Santa L…, Funchal, por usucapião; B) Em 03-11-2004 a oponente apresentou declaração modelo 1 do Imposto do selo (doc nº da contestação); C) A participação referida em B) deu origem à liquidação de IS nº 06-10- 2006, no valor de €24.816,50 (doc nº 2 da contestação); D) Consta do print de fls 60 que foi enviado o registo RY384014115PT em 10-10-2006, constando como recebido a data de 17-10-2006; E) A oponente foi notificada da liquidação (admitido por confissão); F) Em 06-10-2006 deu entrada no serviço de finanças um pedido de notificação dos elementos da notificação considerados em falta, onde consta (doc nº 1 da pi): (imagem, original nos autos) G) O requerimento identificado em F) obteve a seguinte resposta: (imagem, original nos autos) H) Por fax datado de 18-12-2006, para o nº 291 212672, a oponente solicitou a seguinte informação: (imagem, original nos autos) I) O requerimento identificado em F) não obteve resposta até à data (admitido por confissão); J) Em 07-03-2011 foi instaurado a o processo de execução fiscal nº 3450201101008048, para cobrança coerciva de IS de 2004, no valor de €24.816,50, acrescido de juros de mora de €8.692,55 e custas no valor de €123,01 (PEF apenso).» * Factos não provados «Não se provou que a liquidação tivesse sido validamente notificada à oponente. Com efeito, atento os factos levados ao probatório apenas pode ser dado como provado que a notificação da liquidação foi efectuada e não que a mesma tenha sido “validamente” notificada. » * Motivação da decisão de facto «A convicção do tribunal formou-se no teor dos documentos identificados em cada ponto dos factos provados. A oponente deduz oposição à execução fiscal nº 3450201101008048, instaurada para cobrança coerciva de IS de 2004, no valor de €24.816,50, acrescido de juros de mora de €8.692,55 e custas no valor de €123,01. A Fazenda Pública invoca que a liquidação foi validamente notificada à oponente através do registo dos CTT RY384014115PT, aceitando, porém, que o requerimento da oponente entrado a 06-10-2006, onde é requerido a notificação dos elementos da notificação considerados em falta, ao abrigo do artº 37º do CPPT, ainda e, até agora não obteve qualquer resposta. Mais invoca que não tendo, a oponente, obtido qualquer resposta ao seu requerimento (levado ao probatório no ponto F) se mantém em aberto a possibilidade judiciais de discussão da legalidade da dívida, quer pela via da reclamação graciosa, quer pela via da impugnação judicial. Daí que conclui que existindo meio judicial de impugnação contra a liquidação nº 226449, de 06-10-2006 não pode a oposição à execução fiscal ser julgada procedente. A oponente, ao invés, alega que não foi validamente notificada da liquidação, porquanto a liquidação que lhe foi notificada, contendo os elementos indispensáveis e necessários para a compreensão do imposto liquidado e daí que, nos termos do artº 37º do CPPT, tenha requerido a sua notificação, sem que até á data tenha obtido qualquer resposta. Pelo que, e atendendo aos factos ora aditados ao probatório permitem que a solução de direito encontrada na sentença se mantenha.» * Ao abrigo dos poderes conferidos pelo artigo 662º do CPC, reformula-se a alínea c) do probatório, por forma a que da mesma passe a constar o seguinte: “A participação referida em B) deu origem à liquidação de IS nº 06-10- 2006, no valor de €24.816,50, com data limite de pagamento em 31/12/2006 - Cfr. documentos 2 e 3 juntos com a contestação, os quais se dão, aqui, por integralmente reproduzidos;
- De Direito Conforme entendimento pacífico dos Tribunais Superiores, são as conclusões extraídas pelo recorrente, a partir da respectiva motivação, que operam a fixação e delimitação do objecto dos recursos que àqueles são submetidos, sem prejuízo da tomada de posição sobre todas e quaisquer questões que, face à lei, sejam de conhecimento oficioso e de que ainda seja possível conhecer. Assim sendo, lidas as conclusões das alegações de recurso apresentadas pela Fazenda Pública, concluímos que são as seguintes as questões a apreciar e decidir: · Saber se a sentença padece de erro de julgamento na apreciação da matéria de facto; · Saber se a sentença sofre de erro de julgamento de direito, quanto às consequências da norma aplicada, em virtude de se ter entendido que a notificação da liquidação insuficiente impede a instauração do processo de execução fiscal e se enquadra na alínea i) do nº1 do artigo 204º do CPPT. Antes de iniciarmos a análise do recurso, impõe-se esclarecer que, como supra se deixou dito, foram aditados factos ao probatório fixado na sentença recorrida, pelo juiz a quo, por forma a suprir a nulidade invocada em sede recursiva, sendo que ambas as partes foram notificadas de tal aditamento, nada tendo vindo dizer. Dito isto, prossigamos. Está em causa nos presentes autos avaliar do acerto do decidido na sentença recorrida no que diz respeito à questão de saber se é subsumível ao preceituado na alínea i) do nº1 do artigo 204º do CPPT a falta de resposta da AT ao requerimento efectuado pela Recorrida ao abrigo do nº1 do artigo 37º do CPPT, na medida em que se entendeu não existir meio de discutir a legalidade da dívida ao dispor da Recorrida. Para tanto, a sentença recorrida entendeu que a notificação da liquidação efectuada era ineficaz, sendo que, dada a pendência do pedido dirigido à AT nos termos do nº1 do artigo 37º do CPPT, não se iniciou o prazo de impugnação judicial. Afirma-se na sentença recorrida que a AT não concedeu à Recorrida um prazo para pagamento voluntário, facto este que determina a ilegalidade da instauração dos autos de execução fiscal, por incumprimento dos artigos 84°, 85° e máxime 87° do CPPT, pois a dívida exequenda apenas coercivamente não seria exigível, e tal configura fundamento de oposição fiscal previsto na alínea i) do n°l do artigo 204° do CPPT. Aliás, de acordo com a factualidade apurada nos presentes autos constata-se exactamente o seguinte, a Oponente indagou junto da Administração Tributária, qual o prazo para pagamento voluntário da dívida exequenda e não obteve qualquer resposta. ( cfr. factos provados n°5 e 6). Mantendo presente a nova redacção da alínea c) do probatório, por nós alterada, aí se constata que a sentença partiu de um pressuposto de facto errado quando afirma que à Recorrida não foi estabelecido um prazo de pagamento voluntário da liquidação de Imposto de Selo. Efectivamente, contrariamente ao considerado na sentença recorrida, consta dos autos, e agora do probatório, o prazo para pagamento voluntário concedido à Recorrida. Tem, pois, razão a Recorrente ao alegar que a sentença padece de erro de julgamento de facto, já suprido. Por outro lado, não podemos concordar com o entendimento vertido na sentença recorrida de que, se a Administração Tributária não passar a certidão requerida nem efectuar a notificação dos requisitos omitidos, o acto de liquidação notificado permanecerá ineficaz relativamente ao notificado. (…) Ora, sendo a notificação da liquidação ineficaz contra o sujeito passivo nos termos expostos, nada legitima a Administração Tributária a instaurar os presentes autos de execução fiscal. Se bem interpretamos a decisão recorrida, ali se entendeu que, uma vez que a AT não deu resposta ao pedido de fundamentação da liquidação apresentado pela Recorrida ao abrigo do nº1 do artigo 37º do CPPT, não se iniciou a contagem do prazo de impugnação judicial, pelo que, sendo a liquidação ineficaz, não poderia a AT ter lançado mão do processo de execução fiscal. Mais se entendeu ser esta situação subsumível ao fundamento de oposição constante da alínea i) no nº1 do artigo 204º do CPPT. Afirma a Recorrente que a notificação da liquidação insuficiente não contende com a eficácia da notificação nem é fundamento de oposição à execução fiscal. Entendemos que a razão está do lado da Recorrente. Recorde-se que, como vimos, a notificação da liquidação continha o prazo para pagamento voluntário. Sobre esta questão já se pronunciou o STA, no Acórdão de 02/08/2017, proferido no âmbito do processo nº 1018/16, que acompanhamos e reproduzimos em seguida: “(…) que está em causa nos autos é, muito claramente, uma irregularidade da notificação, por falta de comunicação da fundamentação da liquidação de IRS do ano de 2003, e não a legalidade dessa liquidação, que na petição inicial nunca é posta em causa. Não havendo razões para divergir do entendimento plasmado no Acórdão do STA referido, concluímos pela procedência da argumentação da Recorrente, pelo que será de conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e julgar improcedente a oposição. III- Decisão Face ao exposto, acordam, em conferência, os Juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e julgar improcedente a oposição. Custas pela Recorrida. Registe e Notifique. Lisboa, 1 de Junho de 2023 (Isabel Fernandes) (Jorge Cortês) (Maria Cardoso) |