Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:33/17.8BEBJA
Secção:CT
Data do Acordão:09/16/2021
Relator:CATARINA ALMEIDA E SOUSA
Descritores:ARTIGO 73.º Nº2, DO RGCO
Sumário:I - Mesmo em casos em que o valor da coima é inferior à alçada e não há aplicação de sanção acessória, o recurso pode ser admitido ao abrigo do disposto no n.º 2 do art. 73.º do RGCO, aplicável ex vi da alínea b) do art. 3.º do RGIT, «quando tal se afigure manifestamente necessário à melhoria da aplicação do direito ou à promoção da uniformidade da jurisprudência”.

II - O que ressalta do recurso interposto é um alegado erro na apreciação da prova, com reflexo na matéria de facto, que consequentemente dá lugar a uma vulgar divergência entre o ponto de vista da Recorrente e o do Tribunal quanto à circunstância de as decisões contestadas conterem, ou não, os elementos essenciais que a lei exige para sua validação, sem os quais as mesmas serão nulas.

III - Tal não se encontra abrangido pelos apertados requisitos do regime excepcional do recurso previsto no artigo 73.º nº2, do RGCO

Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:

I - Relatório

H…………….., com os demais sinais dos autos, recorreu para o STA da sentença do TAF de Beja que, no recurso de contra-ordenação que correu termos neste tribunal, julgou o mesmo improcedente, mantendo as decisões de aplicação de coimas contestadas.

O recurso jurisdicional foi interposto ao abrigo do disposto no nº 2 do artigo 73º do RGCO, ou seja, por o mesmo se mostrar necessário à melhoria da aplicação do direito ou à promoção da uniformidade da jurisprudência.

O STA declarou-se hierarquicamente incompetente e os autos foram remetidos ao TCA Sul.

A Recorrente termina as alegações de recurso formulando as seguintes conclusões:

1) Vem o presente recurso interposto do douto despacho considerou o recurso improcedente;

2) O presente recurso é circunscrito à questão que diz respeito a um erro de julgamento;

3) Trata-se da garantia constitucional de tutela jurisdicional efectiva (artigos 20º n.º 1 e 268º n.º 4 da Constituição da República) e a vertente judicial do direito de defesa do arguido no processo de contra-ordenação (artigo 32.º, n.º 10 da Constituição da República);

4) Na medida em que, mencionando que do auto constam de forma discriminada, as circunstâncias de tempo, lugar e modo, meio de qualificação jurídica da infracção imputada;

5) o que, comprovadamente não é verdade;

6) Entende a Recorrente que o Tribunal “à quo”, com base neste erróneo pressuposto, decidiu ao arrepio do entendimento perfilhado por toda a jurisprudência;

7) O entendimento adoptado pela Juíza do Tribunal “a quo”, consubstancia um clamoroso erro de julgamento na medida em que tendo a sociedade arguida junto como documento número um do seu recurso, o auto de notícia notificado à arguida, dele não resulta que contenha os elementos indispensáveis ao exercício do direito de defesa;

8) Sempre com o devido respeito, o que configura uma solução de direito manifestamente errada ou injusta; Trata-se de um caso de erro claro na decisão judicial, que, por, isso, repugna manter na ordem jurídica por constituir uma afronta ao direito, justificando a utilização do recurso previsto no n.º 2 do art.º 73º do RGCO para promoção da uniformidade da jurisprudência ou para melhoria da aplicação do direito;

9) Nomeadamente, decidiu ao arrepio do Acórdão de Uniformização de Jurisprudência do STJ n.º 1/2003, sobre a essencialidade de notificação ao arguido dos elementos essenciais ao exercício do direito de defesa em processo contra ordenacional.

10) Entendimento diverso, nomeadamente o entendimento que tais elementos podem ser consultados na internet, ou no Ministério das Finanças, ou no serviço de finanças, violam o exercício do direito de defesa da sociedade arguida e qualquer interpretação de que a falta desses elementos na notificação a que se refere o Art.º 70 e 71º do RGIT, ferem o n.º 10 do Art.º 32º da CRP e tal interpretação sempre reia inconstitucional.

11) Tendo em conta a unidade do sistema jurídico e a aplicação subsidiária do RGCO neste âmbito, por força da alínea b) do Art.º 3° do RGIT, a sociedade arguida tem legitimidade para recorrer nos recursos de processos de contra ordenação tributária, nos termos do n.º 2 do Art.º 73° do RGCO;

12) Como resulta do entendimento dos Conselheiros Jorge Lopes de Sousa e Simas Santos em "Regime Geral das Infracções Tributárias anotado", 4ª edição, 2010, em anotação ao Art.º 83°, página 562 e seguintes;

13) É aliás este o entendimento que a jurisprudência uniforme do STA tem acolhido quanto tal se afigure manifestamente necessário à melhoria da aplicação do direito, como é o caso, a título de exemplo, do Acórdão do STA de 08.06.2011 no Proc.º 0420/11. Disponível em www.dgsi.pt;

14) Quanto à subida imediata do presente recurso, entende a sociedade arguida que, no regime previsto no Art.º 84º, do RGIT, complementado pelo RGCO, não é possível a execução das coimas e sanções acessórias antes do trânsito em julgado ou de se ter tornado definitiva a decisão administrativa que as aplicar;

15) Sendo esta a única interpretação que assegura a constitucionalidade material do citado Art.º 84, do RGIT, nos casos em que o recurso é interposto de decisão condenatória; Não sendo necessário a prestação de garantia para que o mesmo recurso goze de efeito suspensivo da decisão recorrida - conforme se doutrinou no Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 15.11.2011, processo n.º 04847/11;

16) Entendimento perfilhado pelos Conselheiros Jorge Lopes de Sousa e Simas Santos em "Regime Geral das Infracções Tributárias anotado", 4ª edição, 2010, em anotação ao Art.º 84°, página 582 e seguintes;

Nestes termos e nos melhores de direito que V. Exas. Doutamente suprirão, deve ser dado provimento ao presente recurso e em consonância revogado a sentença recorrida e substituído por outro que conceda provimento ao recurso, assim se fazendo a costumada JUSTIÇA.


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A Exma. Magistrada do Ministério Público junto do TAF de Beja apresentou resposta às alegações de recurso que concluiu do seguinte modo:

1º - O presente recurso vem interposto da douta sentença, proferida em 13/09/2017, que julgou a improcedência dos recursos de contraordenação referentes aos presentes autos e seus apensos - todos relativos a coimas por transposição de diversas barreiras de passagem de autoestrada sem proceder ao pagamento de taxa de portagem - por considerar que não se verificava a nulidade das decisões de aplicação das coimas por falta de elementos em falta e essenciais ao exercício do direito de defesa, tendo em conta os factos provados e as infrações imputadas e puníveis nos termos das disposições invocadas, mostrando-se assegurada à arguida perceção dos factos que lhe são imputados e a compreensão clara do enquadramento jurídico que na decisão é dado às infrações.

2º - A arguida recorre por entender verificar-se um clamoroso erro de julgamento, na medida em que do auto de notícia que lhe foi notificado não resulta que contenha os elementos indispensáveis ao exercício do direito de defesa, defendendo que ocorreu erro na decisão judicial e que decidiu ao arrepio do Acórdão de jurisprudência do STJ nº 1/2003, sobre a essencialidade de notificação ao arguido dos elementos essenciais ao exercício do direito de defesa em processo contraordenacional.

3º - Nos termos do disposto no art. 83º do RGIT, aplicável ex vi da al. b) do art. 3º do RGIT, o presente recurso não será admissível, atento os montantes das coimas aplicadas não ultrapassar um quarto da alçada fixada para os tribunais judiciais de 1ª instância e não ter sido aplicada sanção acessória.

4º - Não obstante, o recurso poderia ser admitido nos termos nº 2 do art. 73º do RGCO para promoção da uniformidade da jurisprudência ou para melhoria da aplicação do direito, o que entendemos não ser o caso em análise, pois que não nos encontramos perante uma questão controversa ou que justifique apreciação, a título excecional por um novo grau de jurisdição – a douta sentença recorrida não adotou entendimento contrário ao sufragado na jurisprudência nem integra um erro clamoroso que importe corrigir sob pena de “afronta ao direito”.

5º - Em defesa da sua tese, invoca a arguida o douto Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 08/06/2011-rec nº 0420/11, porém, a nosso ver, erradamente dado que no mesmo a questão em recurso não é conhecida e o próprio Acórdão não admite o recurso por não se configurar uma situação de manifesta necessidade da sua admissão.

6º - Assim não sendo superiormente entendido, dos autos de notícia e notificados à arguida resulta que estes contêm os elementos indispensáveis ao exercício de defesa, nomeadamente, descriminam as circunstâncias de tempo, lugar e modo, meio e qualificação jurídica das infrações imputadas, tal como douto entendimento vertido na sentença ora colocada em crise.

7º - Pelo que, contrariamente ao alegado pela recorrente, a Mmª Juiz ad quo conheceu do recurso interlocutório interposto pela arguida e ponderada que foi a matéria de facto fixada e os demais elementos que constam dos autos, decidiu em conformidade, mantendo as decisões de aplicação das coimas.

8º - Termos em que, a serem analisados os fundamentos do recurso, entendemos que a douta sentença não incorre em erro de julgamento e muito menos clamoroso, nem da mesma resulta entendimento contrário à jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo ou do Supremo Tribunal de Justiça, designadamente a resultante do assento nº 1/2003 de 28/11/2002.

9º - Pelo que a douta sentença não merece censura, não padecendo de qualquer nulidade ou inconstitucionalidade por violação de preceitos legais, devendo, por isso, ser mantida, julgando-se improcedente o presente recurso.

Assim sendo superiormente decidido, será feita a costumada,

J U S T I Ç A


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Neste TCA Sul, a EMMP pronunciou-se no sentido de “deverem os autos prosseguir os ulteriores termos processuais”, evidenciando que “nos casos em que o MP é recorrente ou recorrido não há lugar à emissão de parecer pré-sentencial, por parte do MP junto do Tribunal Superior”.

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Com dispensa dos vistos dos actuais adjuntos que integram este colectivo, vêm os autos à conferência para decisão.

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II. Fundamentação

- Matéria de Facto

A sentença recorrida considerou provados os seguintes factos:

A) Foi instaurado o processo de contra-ordenação nº ………………….., em 17/01/2017, contra a recorrente com fundamento no auto de notícia levantado pela A………… ………………… relativamente a infracção verificada em 10/11/2012 e 11/11/2012;

B) Através de ofício datado de 10/10/2016, e recepcionado em 05/11/2016, foi a sociedade recorrente notificada para, no prazo de 10 dias, apresentar a sua defesa perante os factos noticiados ou proceder ao pagamento antecipado da coima;

C) Tal notificação continha cópia do auto de notícia no qual se encontrava descriminada as circunstâncias de tempo, lugar, modo, meio e qualificação jurídica da infracção imputada, ademais de indicar que todos os elementos se encontravam disponíveis para consulta no sítio da internet;

D) Em 22/10/2016 a sociedade Recorrente exerceu a sua defesa;

E) A Recorrente foi notificada de despacho de 04/11/2016 que apreciando a defesa exercida considerou que a mesma não suscita dúvidas sustentadas quanto aos factos noticiados;

F) Em 18/11/2016, pelo Chefe do Serviço de Finanças de ………………, foi proferida decisão que resultou na fixação de coima de 674,81 €, na base da qual foram dados como provados os factos constantes do auto de notícia que deu origem ao processo de contra-ordenação;

G) A decisão final foi notificada à sociedade arguida em 22/11/2016;

H) Veio a impugná-la mediante recurso de contra-ordenação distribuída neste TAF sob o nº …./17. BEBJA;

I) Foi instaurado o processo de contra-ordenação nº ……………………, em 06/10/2016, contra a recorrente com fundamento no auto de notícia levantado pela A….. ……………….. relativamente a infracção verificada em 06/04/2012;

J) Através de ofício datado de 07/10/2016, e recepcionado em 02/11/2016, foi a sociedade recorrente notificada para, no prazo de 10 dias, apresentar a sua defesa perante os factos noticiados ou proceder ao pagamento antecipado da coima;

K) Tal notificação continha cópia do auto de notícia no qual se encontrava descriminada as circunstâncias de tempo, lugar, modo, meio e qualificação jurídica da infracção imputada, ademais de indicar que todos os elementos se encontravam disponíveis para consulta no sítio da internet;

L) Em 18/11/2016, pelo Chefe do Serviço de Finanças de ……………., foi proferida decisão que resultou na fixação de coima de 448,88 €, na base da qual foram dados como provados os factos constantes do auto de notícia que deu origem ao processo de contra-ordenação e atendendo aos elementos recolhidos no processo de contra-ordenação nos termos do art. 27º do RGIT;

M) A decisão final foi notificada à sociedade arguida em 23/12/2016;

N) Com tal decisão não se conformando interpôs recurso de contra-ordenação registado neste TAF com o nº …../17.0BEBJA;

O) Foi instaurado o processo de contra-ordenação nº ……………………., em 05/10/2016, contra a recorrente com fundamento no auto de notícia levantado pela A………….. …………………… relativamente a infracção verificada em 07/01/2012, 14/01/2012 e 15/01/2012;

P) Através de ofício datado de 07/10/2016, e recepcionado em 02/11/2016, foi a sociedade recorrente notificada para, no prazo de 10 dias, apresentar a sua defesa perante os factos noticiados ou proceder ao pagamento antecipado da coima;

Q) Tal notificação continha cópia do auto de notícia no qual se encontrava descriminada as circunstâncias de tempo, lugar, modo, meio e qualificação jurídica da infracção imputada, ademais de indicar que todos os elementos se encontravam disponíveis para consulta no sítio da internet;

R) Em 18/11/2016, pelo Chefe do Serviço de Finanças de ...... ......, foi proferida decisão que resultou na fixação de coima de 93,45 €, na base da qual foram dados como provados os factos constantes do auto de notícia que deu origem ao processo de contra-ordenação e ainda atendido aos elementos recolhidos nos termos do art. 27º do RGIT;

S) A decisão final foi notificada à sociedade arguida em 23/12/2016 que com ela não se conformando interpôs recurso de contra-ordenação que foi neste TAF registado sob o nº ……./17.BEBJA;

T) Foi instaurado o processo de contra-ordenação nº ………………………, em 06/10/2016, contra a recorrente com fundamento no auto de notícia levantado pela A…….. …………………… relativamente a infracção verificada em 18/07/2012, 22/07/2012 e 30/07/2012;

U) Através de ofício datado de 07/10/2016, e recepcionado em 02/11/2016, foi a sociedade recorrente notificada para, no prazo de 10 dias, apresentar a sua defesa perante os factos noticiados ou proceder ao pagamento antecipado da coima;

V) Tal notificação continha cópia do auto de notícia no qual se encontrava descriminada as circunstâncias de tempo, lugar, modo, meio e qualificação jurídica da infracção imputada, ademais de indicar que todos os elementos se encontravam disponíveis para consulta no sítio da internet;

W) Em 18/11/2016, pelo Chefe do Serviço de Finanças de ...... ......, foi proferida decisão que resultou na fixação de coima de 1.200,00 €, na base da qual foram dados como provados os factos constantes do auto de notícia que deu origem ao processo de contra-ordenação e anda considerando os elementos recolhidos pela informação a que alude o art. 27º do RGIT;

X) A decisão final foi notificada à sociedade arguida em 22/12/2016 e com a mesma não se conformando veio a interpor recurso que neste TAF foi distribuído com o nº ………./17. BEBJA;

Y) Foi instaurado o processo de contra-ordenação nº ………………………, em 05/10/2016, contra a recorrente com fundamento no auto de notícia levantado pela B…………. ………………… relativamente a infracção verificada em 25/02/2012 e 26/02/2012;

Z) Através de ofício datado de 07/10/2016, e recepcionado em 02/11/2016, foi a sociedade recorrente notificada para, no prazo de 10 dias, apresentar a sua defesa perante os factos noticiados ou proceder ao pagamento antecipado da coima;

AA) Tal notificação continha cópia do auto de notícia no qual se encontrava descriminada as circunstâncias de tempo, lugar, modo, meio e qualificação jurídica da infracção imputada, ademais de indicar que todos os elementos se encontravam disponíveis para consulta no sítio da internet;

BB) Em 18/11/2016, pelo Chefe do Serviço de Finanças de ...... ......, foi proferida decisão que resultou na fixação de coima de 52,50 €, na base da qual foram dados como provados os factos constantes do auto de notícia que deu origem ao processo de contra-ordenação e ainda os constantes da informação a que alude o art. 27º do RGIT e constantes dos autos;

CC) A decisão final foi notificada à sociedade arguida em 23/12/2016 e, com a mesma não se conformando quanto a ela interpôs recurso que neste TAF foi registado sob o nº ……../17.3BEBJA.

5.1.

Os factos em apreço são de conhecimento oficioso face ao constante dos documentos dos autos.

6.

FACTOS NÃO PROVADOS

Com relevo para a decisão a proferir inexistem”.


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2.2. O direito

A sentença recorrida julgou improcedente o recurso da decisão de fixação de diversas coimas considerando, no essencial, que “das próprias decisões alcançam-se na plenitude os factos que integram a conduta contra-ordenacional que a administração tributária lhe imputa. Do mesmo modo não se afiguram quaisquer dúvidas quanto às disposições pela mesma violadas e em que sede legal se encontra vertida a respectiva punição. Ademais, recolhida a informação a que alude o art. 27º do RGIT, aí foi consignado que a Recorrente agiu com negligência simples, denotando que não apurou a Administração Tributária culpa mais relevante”.

Discordando do assim decidido, vem interposto o presente recurso com fundamento no nº 2 do artigo 73.º do RGCO, ou seja, para “melhoria da aplicação do direito” ou “promoção da uniformidade da jurisprudência”.

Para o devido enquadramento da questão da admissibilidade do recurso jurisdicional interposto nos termos do referido preceito, tenhamos presente o acórdão do STA, de 14/03/18, proferido no recurso nº 1344/17, no qual se lê, naquilo que para aqui importa, o seguinte:

“Na verdade, porque o valor da causa – determinado pelo valor da coima, ou seja, € 228,70 – não atinge 1/4 do valor da alçada fixada para os tribunais judiciais de 1.ª instância (Esse valor foi fixado em € 5.000,00 pelo art. 44.º da Lei da Organização do Sistema Judiciário, aprovada pela Lei n.º 62/2013, de 26 de Agosto.) e porque não foi aplicada sanção acessória, não é permitido o recurso ao abrigo do disposto no art. 83.º, n.ºs 1 e 2 do RGIT, normas legais que dizem, respectivamente, o seguinte: «O arguido, o representante da Fazenda Pública e o Ministério Público podem recorrer da decisão do tribunal tributário de 1.ª instância para o Tribunal Central Administrativo, excepto se o valor da coima aplicada não ultrapassar um quarto da alçada fixada para os tribunais judiciais de 1.ª instância e não for aplicada sanção acessória» (Note-se que só com a redacção dada ao preceito pela Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro (Orçamento do Estado para 2013) o representante da Fazenda Pública passou a ter legitimidade para interpor recurso da decisão proferida pelo tribunal em sede de contra-ordenação, que antes estava reservada apenas ao arguido e ao Ministério Público.) e «Se o fundamento exclusivo do recurso for matéria de direito, é directamente interposto para a Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo».

No entanto, como a jurisprudência deste Supremo Tribunal Administrativo tem vindo a afirmar há muito (Vide, entre outros e por mais antigos, os seguintes acórdãos da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

- de 18 de Junho de 2003, proferido no processo n.º 503/03, disponível em

http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/396bbbf3dc1e9c4680256d50003bd38c;

- de 16 de Novembro de 2005, proferido no processo n.º 524/05 disponível em

http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/6516372085d10671802570c2003de02e;

- de 17 de Janeiro de 2007, proferido no processo n.º 1116/06, disponível em

http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/d70e24eba82e81228025726e003fc9f6.), mesmo em casos em que o valor da coima é inferior à alçada e não há aplicação de sanção acessória, o recurso pode ser admitido ao abrigo do disposto no n.º 2 do art. 73.º do RGCO, aplicável ex vi da alínea b) do art. 3.º do RGIT, «quando tal se afigure manifestamente necessário à melhoria da aplicação do direito ou à promoção da uniformidade da jurisprudência».

Note-se ainda que, apesar de o art. 73.º, n.º 2, do RGCO se referir apenas a sentença – e a decisão recorrida ter sido proferida, ao abrigo da faculdade concedida pelo art. 64.º, n.º 2, do RGCO, aplicável ex vi da alínea b) do art. 3.º do RGIT, por despacho –, tem vindo a entender-se que não há razão para não estender a admissibilidade desse recurso aos despachos, pois, como dizem JORGE LOPES DE SOUSA e SIMAS SANTOS (Regime Geral das Infracções Tributárias Anotado, 2.ª edição, pág. 505 e segs.), «não existe nenhuma diferença de natureza entre as duas decisões», sendo que «a alternativa da decisão por despacho ou sentença não radica na complexidade das questões a decidir pelo que aquele n.º 2 do dito art. 73.º se deve aplicar indiferentemente a ambas as decisões».

Impõe-se, assim, verificar se estão reunidos os requisitos para a aceitação do presente recurso por este Tribunal, sabido que a posição do Ministério Público é no sentido da não admissibilidade do mesmo.

Vejamos.

Estão em causa nos autos coimas aplicadas por falta de pagamento de taxa de portagem (artigo 7º da Lei 26/06; artigo 5º, nº1, alínea a) do mesmo diploma, com respeito ao veículo com a matrícula …………).

A Arguida sustentou, conforme síntese constante da sentença, que “às decisões impugnadas faltam-lhe elementos essenciais que a lei exige para sua validação”.

A este respeito, a sentença considerou, no essencial, que:

“…, efectivamente as diversas decisões, e antes delas a notificação da pendência de processos de contra-ordenação, deverão conter os fundamentos de facto e de direito que conduziram às decisões tomadas sob pena de nulidade insuprível.

Compulsados os factos supra mencionados que foram considerados provados verifica-se que, ainda que sumariamente – como a lei refere - é perfeitamente perceptível a factualidade que a Administração Tributária considera que a arguida praticou em cada uma das contra-ordenações que lhe é imputada. Na verdade, está suficientemente evidenciado que a Recorrente transpôs distintas barreiras de portagem de auto-estradas em território nacional, em diversos dias e a horas díspares fazendo recurso ao mesmo veículo automóvel sem que tenha efectuado o pagamento da respetiva prestação pecuniária para utilização da via em causa. Encontra-se, ainda, cabalmente elucidado que a infracção imputada à arguida encontra-se prevista e é, consequentemente, punida nos termos das disposições invocadas.

Do mesmo modo quanto ao elemento subjectivo a ATA considerou que a Recorrente agiu com negligência ainda que simples.

Encontra-se, efectivamente, a autoridade tributária submetida aos requisitos constantes do art. 79º, nº 1, al. b) do RGIT e os mesmos, como decorre dos factos dados como provados e da apreciação da decisão, foram respeitados pelo que não se reconhece a falta como alega a Recorrente.

Efetivamente das próprias decisões alcançam-se na plenitude os factos que integram a conduta contra-ordenacional que a administração tributária lhe imputa. Do mesmo modo não se afiguram quaisquer dúvidas quanto às disposições pela mesma violadas e em que sede legal se encontra vertida a respectiva punição. Ademais, recolhida a informação a que alude o art. 27º do RGIT, aí foi consignado que a Recorrente agiu com negligência simples, denotando que não apurou a Administração Tributária culpa mais relevante.

Como tem vindo a ser consagrado em abundante jurisprudência emanada do STA é necessário assegurar que os arguidos destinatários das decisões das autoridades administrativas se apercebem dos factos que lhe são imputados mas igualmente compreendam claramente o enquadramento jurídico que na decisão é dado à infracção.

Não se pode concordar com a posição da Recorrente pois tais elementos obrigatórios e que reputa de completamente omissos vêm expressamente referidos na decisão posta em crise, conforme se fez menção, e constam dos autos por forma a poderem ser sindicados”.

A questão, então, que se coloca é a seguinte: será que, ao assim decidir, e com base num erróneo pressuposto, a Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja contrariou “o entendimento perfilhado por toda a jurisprudência”, como alega a Recorrente, que invoca como exemplo o acórdão de Uniformização de Jurisprudência do STJ, n.º 1/2003?

Lê-se no sumário do referido Assento nº 1/2003 o seguinte:

“Quando, em cumprimento do disposto no artigo 50.º do regime geral das contra-ordenações, o órgão instrutor optar, no termo da instrução contra-ordenacional, pela audiência escrita do arguido, mas, na correspondente notificação, não lhe fornecer todos os elementos necessários para que este fique a conhecer a totalidade dos aspectos relevantes para a decisão, nas matérias de facto e de direito, o processo ficará doravante afectado de nulidade, dependente de arguição, pelo interessado/notificado, no prazo de 10 dias após a notificação, perante a própria administração, ou, judicialmente, no acto de impugnação da subsequente decisão/acusação administrativa”.

Salvo o devido respeito, atento o transcrito, não vislumbramos como a decisão recorrida contraria a doutrina firmada na referida jurisprudência (nem a Recorrente o esclarece), afigurando-se-nos – isso sim – que o presente recurso assenta em pressupostos que não correspondem à realidade do processo. Em nosso entendimento, não há como considerar que o entendimento adoptado pela Juíza do TAF de Beja se apresenta como contrário à jurisprudência, nem que configura uma solução de direito manifestamente errada ou injusta, um caso de erro claro na decisão judicial, que, por isso, repugne manter na ordem jurídica por constituir uma afronta ao direito, a justificar a utilização do recurso previsto no n.º 2 do art. 73.º do RGCO para promoção da uniformidade da jurisprudência ou para melhoria da aplicação do direito.

O que ressalta do recurso interposto é um alegado erro na apreciação da prova, com reflexo na matéria de facto, que consequentemente dá lugar a uma vulgar divergência entre o ponto de vista da Recorrente e o do Tribunal quanto à circunstância de as decisões contestadas conterem, ou não, os elementos essenciais que a lei exige para sua validação, sem os quais as mesmas serão nulas.

Ora, tal não se encontra abrangido pelos apertados requisitos do regime excepcional do recurso em análise, a justificar a sua apreciação por um tribunal superior, já que tal matéria não assume contornos gerais mas meramente pontuais, limitados ao caso concreto, não sendo provável que se repita a mesma controvérsia em inúmeros casos.

Por seu turno, e quanto ao teor da conclusão 10), deve dizer-se que, lida a sentença, não se alcança em que medida é que a Recorrente se insurge nos termos que aí constam, já que a decisão recorrida jamais se refere à possibilidade de elementos essenciais ao exercício do direito de defesa em processo contraordenacional poderem ser “consultados na internet, ou no Ministério das Finanças, ou no serviço de finanças”.

Nesta conformidade, entendemos, como a EMMP, que não é de admitir o recurso, por falta de verificação dos respectivos pressupostos, o que prejudica o conhecimento de todas as questões nele suscitadas.


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III – Decisão

Face ao exposto, os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste TCA acordam, em conferência, em não admitir o recurso.

Custas pela Recorrente.

Registe e notifique.

Lisboa, 16/09/21

[A Relatora consigna e atesta que, nos termos do disposto no art.º 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13 de março, aditado pelo art.º 3.º do DL n.º 20/2020, de 01 de maio, têm voto de conformidade com o presente Acórdão as restantes Desembargadoras integrantes da formação de julgamento, os Senhores Desembargadores Isabel Fernandes e Jorge Cortês]

Catarina Almeida e Sousa