Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
| ||
Nº Convencional: | 4ª SECÇÃO | ||
Relator: | ANA LUÍSA GERALDES | ||
Descritores: | IMPUGNAÇÃO DA DECISÃO DA MATÉRIA DE FACTO ÓNUS A CARGO DO RECORRENTE CONTEÚDO DAS CONCLUSÕES PRAZO DE RECURSO | ||
Data do Acordão: | 03/03/2016 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
Meio Processual: | REVISTA | ||
Decisão: | CONCEDIDA | ||
Área Temática: | DIREITO PROCESSUAL LABORAL - RECURSOS / PRAZO DE INTERPOSIÇÃO DE RECURSOS. DIREITO PROCESSUAL CIVIL - PROCESSO DE DECLARAÇÃO / SENTENÇA / RECURSOS / IMPUGNAÇÃO DA DECISÃO SOBRE A MATÉRIA DE FACTO. | ||
Doutrina: | - António Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2014, 2.ª Edição, p. 133; obra citada, 2016, 3.ª Edição, p. 143 e ss.. - Lopes do Rego, Comentários ao Código de Processo Civil, p. 465. | ||
Legislação Nacional: | CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (NCPC): - ARTIGOS 607.º, N.º4, 639.º, 640.º. CÓDIGO DE PROCESSO DO TRABALHO (CPT): - ARTIGO 80.º N.ºS 1 E 3. | ||
Jurisprudência Nacional: | ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA: -DE 13/12/2007, PROCESSO N.º 07S2095, 4.ª SECÇÃO, DISPONÍVEL EM WWW.DGSI.PT ; -DE 25/03/2010, PROCESSO N.º 740/07.3TTALM.L1.S1, 4.ª SECÇÃO, DISPONÍVEL EM WWW.DGSI.PT ; -DE 19/2/2015, PROCESSO N.º 299/05, 2.ª SECÇÃO; -DE 22/09/2015, PROCESSO N.º 29/12.6TBFAF.G1.S1, 6.ª SECÇÃO; -DE 29/09/2015, PROCESSO N.º 233/09, 2.ª SECÇÃO; -DE 1/10/2015, PROCESSO N.º 824/11.3TTLRS.L1.S1, 4.ª SECÇÃO, DISPONÍVEL EM WWW.DGSI.PT ; -DE 22/10/2015, PROCESSO N.º 2394/11.3 TBVCT.G1.S1, DA 7.ª SECÇÃO; -DE 14/01/2016, PROCESSO N.º 326/14.6 TTCBR.C1.S1, 4.ª SECÇÃO; -DE 19/01/2016, PROCESSO N.º 3316/10, 1.ª SECÇÃO ; -DE 11/02/2016, PROCESSO N.º 157/12.8 TUGMR.G1.S1, 4.ª SECÇÃO. | ||
Sumário : |
I – No recurso de apelação em que seja impugnada a decisão da matéria de facto é exigido ao Recorrente que concretize os pontos de facto que considera incorrectamente julgados, especifique os concretos meios probatórios que imponham uma decisão diversa, relativamente a esses factos, e enuncie a decisão alternativa que propõe. II – Servindo as conclusões para delimitar o objecto do recurso, devem nelas ser identificados com precisão os pontos de facto que são objecto de impugnação; quanto aos demais requisitos, basta que constem de forma explícita na motivação do recurso. III – O ónus a cargo do Recorrente consagrado no art. 640º, do Novo CPC, não pode ser exponenciado a um nível tal que praticamente determine a reprodução, ainda que sintética, nas conclusões do recurso, de tudo quanto a esse respeito já tenha sido alegado. IV – Nem o cumprimento desse ónus pode redundar na adopção de entendimentos formais do processo por parte dos Tribunais da Relação, e que, na prática, se traduzem na recusa de reapreciação da matéria de facto, maxime da audição dos depoimentos prestados em audiência, coarctando à parte Recorrente o direito de ver apreciada e, quiçá, modificada a decisão da matéria de facto, com a eventual alteração da subsunção jurídica. V – Independentemente da perfeição/imperfeição da impugnação da matéria de facto, não pode o Tribunal da Relação considerar que o prazo de recurso de 30 dias, fixado no art. 80.º n.º 3 do CPT, não é aplicável, reduzindo-o para o prazo de 20 dias, previsto no n.º 1 desse mesmo artigo, para depois concluir que o recurso é extemporâneo e decidir no sentido da sua rejeição. | ||
Decisão Texto Integral: | ACORDAM NA SECÇÃO SOCIAL DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
I – 1. AA Instaurou acção declarativa, sob a forma do processo comum, no Tribunal do Trabalho de Viseu, contra:
BB– ..., S. A.
Pedindo que a Ré fosse condenada a pagar-lhe a quantia de € 95.019,83, dos quais € 22.909,00, a título de indemnização pela resolução do contrato de trabalho por parte do A., por falta de pagamento de retribuições.
2. Realizada a audiência de julgamento, foi proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente e, em consequência, condenou a Ré no pagamento, ao Autor, das seguintes quantias: a) € 2.539,00, correspondente a retribuições não pagas; b) € 11.454,50, correspondente ao valor da indemnização por resolução do contrato; c) € 1.617,83, correspondente ao pagamento de férias, subsídios de férias e de Natal, e respectivos proporcionais vencidos no ano de 2013, aquando da extinção do contrato; d) A quantia que vier a liquidar-se, não superior a € 54.169,07, correspondente a retribuições para cujo pagamento a Ré entregou ao Autor cheques que este não descontou; e) E juros, à taxa legal, contados desde o vencimento de cada uma das prestações e até integral pagamento.
3. Inconformada com o decidido, a Ré apresentou recurso de apelação para o Tribunal da Relação de Coimbra, Tribunal que, por Acórdão, rejeitou o conhecimento da impugnação da matéria de facto deduzida pela Recorrente – na parte em que esta fundava o alegado erro na apreciação da prova testemunhal e documental produzida em sede de julgamento – por considerar que não foram observados os ónus neste âmbito consagrados no art. 640.º, nºs 1 e 2, do NCPC. E concluiu a Relação nos seguintes termos: não tendo a Ré dado cumprimento, quanto à impugnação da matéria de facto, ao ónus previsto no art. 640.º do CPC, não pode a Recorrente beneficiar da extensão do prazo de 10 dias que a lei prevê para os casos em que os recursos têm por objecto a reapreciação da prova gravada. Pelo que, julgou quanto ao mais, o recurso extemporâneo, rejeitando-o na totalidade.
4. Irresignada, recorreu a R. de revista, apresentando as conclusões constantes de fls. 304 a 307, que aqui damos por integralmente reproduzidas, e nas quais conclui que o Tribunal da Relação de Coimbra fez errada aplicação da lei do processo ao proceder à rejeição do recurso referente à impugnação da matéria de facto e, mais ainda quando, ao arrepio de qualquer norma ou princípio jurídico, decidiu pela extempo-raneidade do recurso, numa violação manifesta dos princípios constitucionais da segurança jurídica e da confiança, do processo equitativo e do direito ao acesso à Justiça e aos Tribunais. Deve, por isso, tal Acórdão ser revogado e substituído por outro que admita o recurso de Apelação e proceda à reapreciação da prova produzida e ao respectivo conhecimento da matéria de direito.
5. Não foram apresentadas contra-alegações.
6. O Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer, pronunciando-se no sentido de ser concedida a revista. Do seu conteúdo foram notificadas as partes, que nada aduziram.
7. Preparada a deliberação, cumpre conhecer e decidir as questões suscitadas nas conclusões da alegação da Recorrente, exceptuadas aquelas cuja decisão se mostre prejudicada pela solução entretanto dada a outras, nos termos preceituados nos arts. 608.º, n.º 2 e 679º, ambos do CPC.
II – QUESTÕES A DECIDIR:
Analisando e Decidindo.
III – FUNDAMENTAÇÃO FÁCTICO-JURÍDICA:
1. Consigna-se que para a decisão do presente pleito são convocadas as normas do Novo CPC, na versão conferida pela Lei nº 41/2013, de 26 de Junho, porquanto os autos deram entrada no dia 05.12.2013 e o Acórdão recorrido mostra-se datado de 24.09.2015.
2. Já referimos em contexto similar, o nosso entendimento sobre a presente matéria que pode ser recolhido no Acórdão do STJ, datado de 1/10/2015, no âmbito do processo nº 824/11.3TTLRS.L1.S1 e disponível em www.dgsi.pt. e que não acolhe o que foi decidido nestes autos pela Relação de Coimbra.
Atendendo porém que o objecto do presente recurso incide sobre a mesma questão, que ultimamente tem sido recorrente e tem merecido por parte dos Tribunais da Relação decisões como aquela contra a qual a Recorrente ora se insurge, consideramos útil reiterar, ainda que resumidamente, as razões que então, como agora, estiveram subjacentes ao acolhimento da pretensão da Recorrente.
São elas:
3. Como é sabido, é da fixação da matéria de facto que depende a aplicação do direito sendo determinante do mérito da causa e do resultado da acção. A apreciação rigorosa dos depoimentos prestados em audiência de julgamento, conexionados com os demais meios probatórios, é inquestionavelmente a função primordial de qualquer Juiz, tanto daquele que na 1ª instância preside à audiência que culmina com a decisão da matéria de facto, como daquele que, em instância de recurso, tem por missão a reapreciação de tal decisão, depois de reponderados os meios de prova. Constitui, sem dúvida, em qualquer das instâncias, uma tarefa espinhosa, cuja complexidade radica essencialmente na dificuldade em captar, com sentido crítico e analítico, os factos controvertidos a partir da narração que é trazida, nomeadamente pela prova testemunhal produzida em audiência de julgamento. Mas sendo espinhosa tal função, nem por isso está o Julgador desonerado de a exercer norteado, como lhe compete, pela nobre tarefa de privilegiar a substância em detrimento da forma, buscando alcançar a verdade material, que não a meramente formal, ou seja, numa palavra, fazer Justiça.
4. As exigências que o legislador entendeu consagrar nesta matéria e que impõem ao Tribunal o dever de fundamentação e de motivação crítica da prova, no actual art. 607º, nº 4, do CPC, encontra o seu contraponto na igual exigência imposta à parte Recorrente, que pretenda impugnar a decisão de facto, do respectivo ónus de impugnação. Trata-se, em resumo, de cumprir o ónus de impugnação estatuído no art. 640º do NCPC.[1] Por conseguinte, na interposição de qualquer recurso, deve o Recorrente, nas suas alegações, concluir, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão, a que se reporta o art. 639º do CPC.
A este ónus – de alegar e formular conclusões nos termos impostos pelo art. 639º do CPC – acresce o ónus previsto no art. 640º, que foi estabelecido especificamente para os casos em que seja impugnada a decisão proferida pelas instâncias sobre a matéria de facto.
De acordo com este normativo exige-se do Recorrente que dê cumprimento ao ónus de alegação, devendo obrigatoriamente especificar:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados; b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
Quer isto dizer que recai sobre a parte Recorrente um triplo ónus: 1º - O de circunscrever ou delimitar o âmbito do recurso, indicando claramente os segmentos da decisão que considera viciados por erro de julgamento; 2º - O de fundamentar, em termos concludentes, as razões da sua discordância, concretizando e apreciando criticamente os meios probatórios constantes dos autos ou da gravação que, no seu entender, impliquem uma decisão diversa;
Ónus tripartido que encontra nos princípios estruturantes da cooperação, da lealdade e boa fé processuais a sua ratio e que visa garantir, em última análise, a seriedade do próprio recurso instaurado, arredando eventuais manobras dilatórias de protelamento do trânsito em julgado da decisão.[2]
5. A interpretação desta nova alínea c), do art. 640º, do CPC, é-nos dada de forma exemplar por Abrantes Geraldes, podendo ler-se a este propósito que:
“O Recorrente deixará expressa a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, como corolário da motivação apresentada, tendo em conta a apreciação crítica dos meios de prova produzidos, exigência nova que vem no reforço do ónus de alegação, por forma a obviar à interposição de recursos de pendor genérico ou inconsequente”. (…)[3]
Porém, essa exigência, bem como o cumprimento do ónus a cargo do Recorrente, quando esteja em causa a impugnação da decisão sobre a matéria de facto, não pode redundar na adopção de entendimentos centrados numa visão formalista do processo por parte dos Tribunais da Relação, e que, na prática, se traduzam na recusa de reapreciação da matéria de facto, maxime da audição dos depoimentos prestados em audiência, coarctando à parte Recorrente o direito de ver apreciada e, quiçá, modificada a decisão da matéria de facto, com a eventual alteração da subsunção jurídica. Mais concretamente, não pode admitir-se que, por uma via interpretativa de raiz essencialmente formal, o Recorrente fique impedido de alcançar o objectivo visado pelo legislador e que foi consagrado nas reformas introduzidas ao processo civil: o segundo grau de jurisdição no âmbito do julgamento da matéria de facto.
A este propósito adverte o citado Autor [4]: (…)
“Importa que não se exponenciem os requisitos a um ponto que seja violado o princípio da proporcionalidade e seja denegada a pretendida reapreciação da decisão da matéria de facto com invocação de fundamentos que não encontram sustentação clara na letra ou no espírito do legislador. Ou seja, jamais deve transparecer a ideia – que por vezes perpassa em diversos arestos das Relações – de que a elevação do nível de exigência além dos parâmetros que a lei inequivocamente determina constitui, na realidade, um pretexto para recusar a reapreciação da decisão da matéria de facto, nesse primeiro momento, com invocação do incumprimento de requisitos de ordem adjectiva e, numa segunda oportunidade, com apresentação de argumentário de pendor genérico em torno dos princípios da imediação e da livre apreciação das provas. Por outro lado, quando houver sérios motivos para rejeição do recurso sobre a matéria de facto (maxime quando o recorrente se insurja genericamente contra a decisão, sem indicação dos pontos de facto; quando não indique de forma clara nem os pontos de facto impugnados, nem os meios de prova em que criticamente se baseia; ou quando nem sequer tome posição clara sobre a resposta alternativa pretendida) tal efeito apenas se repercutirá nos segmentos afectados, não colidindo com a admissibilidade do recurso quanto a outros aspectos. Isto é, eventuais falhas de elementos essenciais no campo da motivação e/ou das conclusões apenas atingem as questões de facto a que respeitam, sem prejudicar a parte restante”. 6. Com efeito, embora o Novo Código de Processo Civil exija o cumprimento do ónus de alegação a cargo do Recorrente, impondo a este, quando se trata de impugnação da decisão da matéria de facto, que proceda à especificação prevista nas alíneas do nº 1 do art. 640º, o exercício desse ónus, conforme se salientou em ponto anterior, não pode ser exponenciado a um nível tal que praticamente determine a reprodução, ainda que sintética, nas conclusões do recurso, de tudo quanto a esse respeito já tenha sido alegado na respectiva motivação. A lei não exige essa reprodução, ao contrário do que ressalta do acórdão recorrido. O que verdadeiramente importa ao exercício do ónus de impugnação em sede de matéria de facto é que as alegações, na sua globalidade, e as conclusões, contenham todos os requisitos que constam do art. 640º do Novo CPC. A saber:
Efectivamente, sendo as conclusões uma súmula e síntese da indicação dos fundamentos por que se deduz a impugnação relativa à matéria de facto, deixariam de ter esse cunho se a Recorrente tivesse que inserir e especificar detalhadamente, em sede conclusiva, todos os elementos que compõem a impugnação e que se mostram enunciados nas diversas alíneas do nº 1 do art. 640º do NCPC, com a repetição exaustiva da fundamentação desenvolvida ao longo do conteúdo das alegações. Seguramente que nas conclusões o Recorrente deve indicar os pontos da matéria de facto que pretende ver modificados, ónus que verdadeiramente permite circunscrever o objecto do recurso no que concerne à matéria de facto.
Mas já não se compreende, nem se aceita, que uma tal exigência vá ao ponto de demandar de novo, em sede de conclusões, a sustentação da pretensão modificativa e a indicação repetitiva dos meios de prova em que é sustentada a pretensão.
7. Relativamente ao sentido e alcance dos requisitos formais de cumprimento dos ónus a cargo do Recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto, estabelecidos no art. 640.º, nºs 1 e 2, do CPC, impõe-se salientar que, reforçando a doutrina citada, tem vindo a consolidar-se neste Supremo Tribunal de Justiça, Jurisprudência de sentido unívoco.
Entre outros, há que ter presentes os seguintes Acórdãos, cujos sumários se transcrevem, pela sua importância para o caso dos presentes autos:
- Ac. STJ de 01.10.2015, Proc. 824/11.3TTLRS.L1.S1, desta Secção Social [5]:
- Ac. STJ de 14.01.2016, P. n.º 326/14.6 TTCBR.C1.S1, desta Secção Social (Relator: Mário Belo Morgado):
- Ac. STJ de 11.02.2016, P. n.º 157/12.8 TUGMR.G1.S1, desta Secção Social (Relator: Mário Belo Morgado):
- Ac. STJ, datado de 19/2/2015, P. nº 299/05, 2ª Secção (Relator: Tomé Gomes): - Ac. STJ de 22.09.2015, P. 29/12.6TBFAF.G1.S1, 6ª Secção (Relator: Pinto de Almeida): 8. Posto isto, e sem que se suscitem dúvidas sobre o entendimento do Supremo Tribunal de Justiça, relativamente ao ónus a cargo do Recorrente que pretenda impugnar a decisão da matéria de facto, verifica-se, in casu, que:
Resulta do conteúdo das conclusões (e das alegações) do recurso de apelação (constantes de fls. 227 a 239 dos autos), que a Recorrente:
- Identifica os pontos da matéria de facto que em concreto impugna, enumerando-‑os e transcrevendo-os, afirmando que os mesmos foram dados como provados e os que tinham que ter sido dados como não provados (cf. fls. 234 a 239); - Identifica os concretos depoimentos das testemunhas, com data, hora e minuto em que os mesmos se iniciaram e terminaram, transcrevendo as passagens dos referidos depoimentos e fazendo a propósito de cada excerto transcrito, uma análise crítica do mesmo e apresentando a conclusão do que é que, tendo por base aquele depoimento, tinha que ter sido dado como provado, apresentando uma redacção alternativa – cf. o teor das conclusões 6ª, 7ª, 10ª, 14ª, 15ª, 17ª a 21ª e 43ª; - No que respeita à prova documental: procede a uma análise crítica dos documentos, identificando-os, e o que pode ser retirado da análise dos mesmos, apresentando também uma redacção alternativa para tal factualidade – cf. o teor das conclusões 12ª a 15ª, 24ª, 33ª, 44ª, 45ª, 52ª e 53ª.
E na 62ª conclusão do recurso de apelação, a Recorrente (cf. fls. 236 a 239) voltou a identificar a matéria sobre a qual, no seu entender, deveria ser dada outra decisão, fazendo referência aos documentos e depoimentos em concreto e apresentando para cada um deles uma redacção alternativa.
Destarte, ponderados os elementos dos autos, concluímos que a Recorrente cumpriu o ónus de impugnação previsto no art. 640.º, n.ºs 1, als. a), b) e c) e 2, al. a), do CPC, tendo, em sede de conclusões, observado o ónus que sobre si impendia ao especificar os concretos pontos de facto que considerava incorrectamente julgados e o demais referido, não lhe sendo, pois, exigível que volte a concretizar/especificar nas conclusões todos os meios de prova já referidos, isto é, com o mesmo detalhe com que identificara e já tinha analisado nas suas alegações. Sob pena de as conclusões se apresentarem como uma repetição das alegações, exigência que a lei não prevê e a Jurisprudência não acolhe.
E porque a Recorrente identificou nas conclusões a matéria impugnada, bem como o sentido que, em seu entender, devia extrair-se das provas que invocou e que analisou em sede de alegações, não pode ver coarctado o seu direito de recurso, porquanto, cumpriu o ónus de impugnação que legalmente se lhe impunha. Assim sendo, a rejeição pelo Tribunal da Relação de Coimbra do recurso interposto quanto à reapreciação do julgamento da matéria de facto não pode ser sufragada.
10. Quanto à segunda questão: aferir se o Tribunal da Relação podia ter rejeitado, por extemporaneidade, o recurso relativamente às demais questões suscitadas, evidentemente que a resposta não pode deixar de ser no sentido negativo. Ou seja: está vedado à Relação essa extrapolação.
Nesta matéria a Jurisprudência deste STJ é igualmente pacífica e clara, conforme se extrai do Acórdão de 22.10.2015, Relatado por Lopes do Rego, onde pode ser recolhido o seguinte entendimento:
(…) Entendimento que vinha sendo anteriormente firmado por esta Secção, conforme decorre dos seguintes Acórdãos:
- Acórdão do STJ, datado de 25.03.2010, onde se pode ler que: (…) “VI – Todavia, o incumprimento dos ónus impostos pelo art. 690.º-A, do CPC, não tem por consequência a intempestividade do recurso no que ao segmento da matéria de direito diz respeito, nas situações em que o recurso tenha sido interposto após o decurso do prazo de 20 dias a que alude o n.º 2 do art. 80.º do CPT”. [7]
Pelo que, independentemente da perfeição/imperfeição da impugnação da matéria de facto, não pode o Tribunal da Relação considerar que o prazo de 30 dias previsto no art. 80.º, n.º 3 do CPT, não é aplicável, reduzindo-o para o prazo de 20 dias, previsto no n.º 1 desse mesmo artigo, para depois rejeitar o recurso.
Tanto mais que não pode confundir-se a tempestividade do recurso que versa sobre a reapreciação da decisão proferida sobre a matéria de facto, e que diz respeito aos prazos do recurso, com a eventual improcedência da acção por falta do cumprimento de um requisito processual, in casu, o ónus do art. 640º do CPC, ou por insuficiência da prova.
Razão pela qual não se pode sufragar tal entendimento.
11. Nesta medida se concede a presente revista.
IV – DECISÃO:
- Termos em que se acorda em revogar o Acórdão recorrido, determinando-se a remessa dos autos ao Tribunal da Relação de Coimbra, a fim de se conhecer do recurso de apelação, na parte relativa à reapreciação da decisão da matéria de facto oportunamente impugnada com recurso à prova testemunhal e documental produzida e posterior conhecimento das questões jurídicas suscitadas no âmbito desse recurso.
- Custas da revista a cargo da parte vencida a final. - Anexa-se o sumário do acórdão.
Lisboa, 03 de Março de 2016.
Ana Luísa Geraldes (Relatora) Ribeiro Cardoso Pinto Hespanhol _____________________ [1] As normas sem qualquer referência adicional pertencem ao Novo CPC, aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26 de Junho. [2] Cf., sobre esta matéria, Lopes do Rego, in “Comentários ao Código de Processo Civil”, pág. 465 e que, nesta parte, se mantém actual. [3] Cf. António Santos Abrantes Geraldes, in “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, 2014, 2ª Edição, pág. 133. |