Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
525/05.1TBCMN.G3.S1
Nº Convencional: 1.ª SECÇÃO
Relator: GARCIA CALEJO
Descritores: RESPONSABILIDADE EXTRACONTRATUAL
CONTRATO DE SEGURO
NULIDADE DO CONTRATO
DANOS FUTUROS
DANOS PATRIMONIAIS
CÁLCULO DA INDEMNIZAÇÃO
Data do Acordão: 11/28/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA PARCIALMENTE A REVISTA
Área Temática:
DIREITO PROCESSUAL CIVIL – PROCESSO EM GERAL / INSTÂNCIA / COMEÇO E DESENVOLVIMENTO DA INSTÂNCIA / SUSPENSÃO DA INSTÂNCIA – PROCESSO DE DECLARAÇÃO / AUDIÊNCIA FINAL / RECURSOS / RECURSO DE REVISTA.
DIREITO CIVIL – RELAÇÕES JURÍDICAS / PROVAS – DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / MODALIDADES DAS OBRIGAÇÕES / OBRIGAÇÃO DE INDEMNIZAÇÃO.
DIREITO COMERCIAL – SEGUROS.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 264.º, N.º 2, 269.º, N.º 1, ALÍNEA C), 272.º, N.º 1, 609.º, N.º 2, 635.º, N.º 4, 639.º E 671.º, N.º 1.
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 342.º, N.º 2, 564.º E 566.º, N.ºS 2 E 3.
CÓDIGO COMERCIAL (C.COM.): - ARTIGOS 428.º, N.º 1 E 429.º.
SEGURO OBRIGATÓRIO DE RESPONSABILIDADE CIVIL AUTOMÓVEL, APROVADO PELA DECRETO-LEI Nº 522/85, DE 31 DE DEZEMBRO: - ARTIGOS 1.º, N.º 1, 2.º, N.ºS 1 E 2, 5.º, 8.º, N.º 1 E 14.º.
LEI DO SEGURO OBRIGATÓRIO (LSO), APROVADA PELO DL N.º 291/2007, DE 21/8: - ARTIGO 13.º.
Legislação Comunitária:
DIRECTIVA 72/166/CEE DO CONSELHO, DE 24 DE ABRIL DE 1972: - ARTIGO 3.º, N.º 1.
SEGUNDA DIRECTIVA 84/5/CEE DO CONSELHO, DE 30 DE DEZEMBRO DE 1983: - ARTIGO 2.º, N.º 1.
DIRECTIVA 90/232/CEE: - ARTIGO 1.º.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

- DE 25-10-1990, IN BMJ, 400º, 583;
- DE 19-10-1993, IN CJ, ANO I, TOMO III,72;
- DE 05-05-1994;
- DE 23-05-2000, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 06-07-2000, IN CJ, 2000, TOMO II, 144;
- DE 18-12-2002, IN WWW.DGSI.PT/JSTJ.NSF;
- DE 31-03-2004, PROCESSO N.º 04B497, IN WWW.DGSI.PT/JSTJ.NSF;
- DE 09-12-2004, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 10-03-2005, IN WWW.DGSI.PT/JSTJ.NSF;
- DE 15-03-2005, IN WWW.DGSI.PT/JSTJ.NSF;
- DE 09-06-2005, IN WWW.DGSI.PT/JSTJ.NSF;
- DE 14-06-2005, IN WWW.DGSI.PT/JSTJ.NSF;
- DE 04-10-2005, IN WWW.DGSI.PT/JSTJ.NSF;
- DE 14-11-2006;
- DE 30-11-2006, PROCESSO N.º 06B2608;
- DE 19-12-2006, IN WWW.DGSI.PT/JSTJ.NSF;
- DE 22-03-2007, PROCESSO N.º 07A230;
- DE 04-10-2007, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 06-11-2007, PROCESSO N.º 07A3447;
- DE 04-12-2007, IN WWW.DGSI.PT/JSTJ.NSF;
- DE 07-02-2008, IN CJ, 2008, TOMO I, 91 E SS., WWW.DGSI.PT/JSTJ.NSF;
- DE 08-04-2008;
- DE 17-06-2008, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 16-10-2008, IN WWW.DGSI.PT/JSTJ;
- DE 19-05-2009, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 24-09-2009, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 22-10-2009, IN WWW.DGSI.PT/JSTJ;
- DE 27-10-2009, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 05-11-2009, PROCESSO N.º 381-2009.S1;
- DE 20-01-2010, PROCESSO N.º 471/2002.G1.S1;
- DE 01-06-2010, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 28-10-2010, PROCESSO N.º 272/06.7TBMTR.P1.S1;
- DE 31-05-2011, IN WWW.DGSI.PT/JSTJ.NSF;
- DE 17-11-2011, IN WWW.DGSI.PT/JSTJ.NSF;
- DE 15-03-2012, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 17-04-2012, IN WWW.DGSI.PT/JSTJ.NSF;
- DE 08-05-2012, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 12-01-2014;
- DE 21-01-2014;
- DE 09-07-2015, PROCESSO N.º 487/09.6TBOHP.C1.S1.


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ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA:

- DE 04-05-1995, CJ, 1995, TOMO II, 26.
Jurisprudência Internacional:
ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DA UNIÃO EUROPEIA:

- DE 20-07-2017, PROCESSO N.º C 287/16.
Sumário :

I - Não ocorre a nulidade do seguro invocada pela recorrente, Companhia de Seguros X.

II - Na resposta dada ao art. 132.° da b.i., deve considerar-se como provada (somente) a percentagem de 5%.

III - O quantum da indemnização fixado em relação aos danos patrimoniais futuros sofridos e a sofrer pelo autor A revela-se excessivo, sendo que uma indemnização de € 55 000 se mostra mais equilibrada e adequada.

IV - A indemnização que foi fixada ao autor A relativa às despesas com futuros tratamentos cirúrgicos, medicamentos e tratamentos, períodos de paralisação da sua actividade laboral, perda de rendimentos, dores, sofrimento e transtornos de que venha a padecer, foi atribuída de forma correcta, já que os ditos tratamentos médicos poderão vir a ser efectuados, isto é, serão previsíveis (no sentido de conjecturáveis), face ao disposto no art. 609.º n.º 2, do CPC.

V - O montante indemnizatório que foi fixado ao autor B, pela incapacidade permanente geral de que ficou a padecer, revela-se equilibrado e adequado, não se nos afigurando razão para dissentir do montante fixado pela Relação.

Decisão Texto Integral:                                   

    Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

                       

                        I- Relatório:

      1-1- AA, residente no lugar de Silveiro, freguesia da Correlhã, Ponte de Lima, intentou a presente acção declarativa de condenação, com a forma ordinária, contra a Companhia de Seguros BB, S.A., com sede na ..., CC, residente no lugar de ..., Viana do Castelo e Fundo de Garantia Automóvel, com sede na Av. de Berna, nº 19, 1000, Lisboa, pedindo a condenação da R. BB, solidariamente com os RR. CC e Fundo de Garantia Automóvel, a pagar-lhe a quantia global líquida de € 107.272,56, de indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais, acrescida de juros de mora, à taxa legal, contados a partir da citação e até efectivo e integral pagamento e ainda na indemnização que vier a ser fixada em decisão ulterior ou liquidada em execução de sentença, resultante de prejuízos futuros ainda não apurados, acrescida de juros idênticos.

Subsidiariamente, para o caso de se vir a demonstrar a não existência ou não validade, ou a oponibilidade dessa nulidade/anulabilidade a terceiros lesados do contrato de seguro titulado pela apólice nº ..., através do qual através do qual o R. CC transferiu a responsabilidade civil por danos causados a terceiro pelo veículo ligeiro de passageiros 73-91-FI, serem (então) os 2º e 3º RR., condenados nos aludidos termos.

    Alega, sinteticamente, para o efeito, que, no dia 22 de Setembro de 2002, pelas 2h30m, ao Km 87,800 da E.N. nº 13, na freguesia de ..., ocorreu um acidente de viação em que foram intervenientes os veículos ligeiro de passageiros de matrículas SJ-... e ...-FI, sendo que o SJ era conduzido por si e o FI pelo CC, que era também o seu proprietário. Em consequência desse acidente, resultaram-lhe ferimentos vários, que lhes determinaram dores, padecimentos e prejuízos decorrentes das sequelas dos ferimentos sofridos. Imputa a culpa no deflagrar do acidente ao condutor do FI, segurado da R. BB, para quem havia sido transferida a responsabilidade civil emergente da sua circulação.

       Por existirem dúvidas quanto à existência e validade do seguro aludido, instaurou a acção também contra os 2º e 3º RR.

           

  A R. Companhia de Seguros BB contestou, excepcionando a nulidade do contrato de seguro, pelo facto do mesmo não ter sido subscrito pelo R. CC, mas sim pelo seu pai, CC, que o transferiu de um outro veículo anteriormente segurado, de matrícula QB-..., para o veículo FI, sendo que este se intitulava como proprietário e condutor habitual desta viatura. Como este pai do R. tinha, para além da em causa, uma outra apólice na companhia R., beneficiou de uma bonificação de 45% no seguro contratado. Tendo sido estes os motivos determinantes para que fosse atribuído esse benefício.

        Vindo a constatar que afinal o veículo FI não pertencia àquele seu segurado, mas sim ao seu filho, o R., CC, que também era o seu condutor habitual, a R. seguradora informou aquele DD, via postal, que pelo facto de ter prestado declarações inexactas quando da apresentação da proposta de alteração do contrato de seguro, considerava esse contrato nulo.

        Admite a eclosão do acidente, negando contudo que o veículo FI tenha tido qualquer quota de responsabilidade no deflagrar do sinistro, imputando tal responsabilidade ao condutor do veículo SJ, cuja culpa, aliás, se presume. No mais impugna, por desconhecimento, os factos respeitantes aos danos e lesões sofridos pelo A. bem como os valores apresentados, concluindo pela culpa exclusiva do condutor do SJ na eclosão do acidente, na procedência da excepção invocada e pela improcedência da acção.

           

 O Fundo de Garantia Automóvel apresentou articulado de contestação, no qual começa por excepcionar a sua ilegitimidade para ser demandado na acção, alegando que o condutor do veículo FI está devidamente identificado e que esse veículo está abrangido por seguro de responsabilidade civil válido e eficaz, o que lhe retira qualquer responsabilização pelos danos peticionados.

                        Para além disso, mesmo que se entendesse que o seguro não estava em vigor, sempre o acidente seria imputado ao condutor do outro veículo interveniente no sinistro, ou seja, ao A., conforme lhe foi relatado pelo condutor da viatura segurada na R. BB, sendo certo que tal culpa se presume.

  Conclui pela procedência da excepção, com a sua consequente absolvição da instância, ou, se assim se não entender, pela improcedência da acção e absolvição do pedido.

           

    Também o R. CC apresentou articulado de contestação no qual argui a sua ilegitimidade para ser demandado na acção, uma vez que o veículo que conduzia, de sua propriedade, estava abrangido pelo seguro obrigatório que havia contratado com a R. BB, que se encontrava em vigor à data do sinistro.

    Impugna motivadamente a descrição do acidente expressa na petição inicial, concluindo que o acidente se ficou a dever a culpa exclusiva do A..

   Conclui pela procedência da excepção, com a sua consequente absolvição da instância, ou, se assim se não entender, pela improcedência da acção e absolvição do pedido.

           

  O R. Fundo de Garantia Automóvel requereu a intervenção provocada do Hospital de S. João do Porto e do CHAM de Viana do Castelo, uma vez que o A. alega ter sido assistido em ambas as unidades hospitalares e estas vieram, extrajudicialmente, reclamar do R. o pagamento desses tratamentos.

           

                        O “Centro Hospitalar do Alto Minho, EPE” veio deduzir incidente de intervenção principal e apresentar articulado próprio, no qual adere à versão do acidente apresentado pelo A., alega ter prestado assistência a este e pede a condenação dos RR. a pagarem-lhe o montante de € 9.807,14, acrescido de juros à taxa legal, respeitante ao custo desses tratamentos.

           

  O A. replicou, contestando a matéria de excepção invocada pelos RR., concluindo como na petição inicial.

                        Neste articulado vem invocar a excepção peremptória da caducidade da anulabilidade do contrato de seguro arguida pela R. BB, a inoponibilidade da mesma em relação a si e declarada a confirmação e/ou a redução do negócio jurídico, de acordo com os prémios de seguro pagos e recebidos pela mesma R.

           

                        O A., a R. BB e o Fundo de Garantia Automóvel vieram responder ao articulado apresentado pelo CHAM, impugnando o A. a maioria dos factos aí articulados, e os RR. deram por reproduzidas as respectivas alegações vertidas nas contestações que apresentaram.

           

                        Foi proferido despacho que ordenou a apensação aos presentes autos, das acções nºs 526/05.0 TBCMN e 685/05.1 TBCMN.

                        Acção Apensa nº 526/05.0 TBCMN (agora apenso A):

                        EE, (mãe do A. e proprietária do veículo SJ) residente no lugar do ..., propõe acção sumária contra a Companhia de Seguros BB, S.A., com sede na ..., Lisboa e CC, residente no lugar de ..., Viana do Castelo e Fundo de Garantia Automóvel, com sede na ..., Lisboa, pedindo a condenação da R. BB, solidariamente com os RR. CC e Fundo de Garantia Automóvel, a pagar-lhe a quantia global de € 3.965,00, de indemnização por danos patrimoniais, acrescida de juros de mora, à taxa legal, contados a partir da citação e até efectivo e integral pagamento.

Subsidiariamente, para o caso de se vir a demonstrar a não existência ou não validade, ou a oponibilidade dessa nulidade/anulabilidade a terceiros lesados, do contrato de seguro titulado pela apólice nº ..., através do qual o R. CC transferiu a responsabilidade civil por danos causados a terceiro pelo veículo ligeiro de passageiros ...-FI, serem os 2º e 3º RR., condenados naqueles termos.

                        Alega que é a proprietária do veículo SJ, apresentando uma versão do acidente em tudo idêntica às do A. no processo principal, acrescida dos danos apresentados pelo veículo em consequência do acidente e do valor comercial daquele veículo, dado de perda total, deduzido do valor dos salvados, e o custo de reboque do mesmo, cujo ressarcimento reclama.

                        Os RR. contestaram nos termos que fizeram no processo principal, deduzindo as mesmas excepções, e o A. respondeu da mesma forma.

                       

            Acção Apensa nº 685.05.1 (agora apenso B):

            FF, residente no lugar da ..., Viana do Castelo, propõe acção ordinária contra GG, Companhia de Seguros, S.A.”, com sede na ... Porto, Companhia de Seguros BB, S.A., com sede na ... Lisboa, CC, residente no lugar de ..., Viana do Castelo, Fundo de Garantia Automóvel, com sede na ..., Lisboa, pedindo a condenação das RR. GG e BB, de acordo com o grau de responsabilidade que vier a ser apurado em julgamento, a pagar a quantia global de € 35.000,00, de indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais, acrescida de juros de mora, à taxa legal, contados a partir da citação e até efectivo e integral pagamento, a pagar as despesas hospitalares decorrentes do acidente que lhe vierem a ser debitadas.

Subsidiariamente, para o caso de se vir a demonstrar a nulidade do contrato de seguro titulado pela apólice nº ..., através do qual o R. CC transferiu a responsabilidade civil por danos causados a terceiro pelo veículo ligeiro de passageiros ...-FI, serem os 3º e 4º réus, condenados, solidariamente, naqueles termos.

                        Este A. era transportado no veículo FI, seguia no assento traseiro desse veículo, apresentando uma versão do acidente em tudo parecida com a do R. CC, embora considere que a culpa pelo deflagrar do acidente é imputável a ambos os condutores, como maior incidência sobre o A.

 Em consequência desse acidente, resultaram danos físicos e morais e outros prejuízos, cujo ressarcimento reclama.

           

A R. Axa contestou, começando por excepcionar a prescrição do direito do A. para a presente demanda, apresentando uma versão do acidente similar à do A. no processo principal, concluindo que o mesmo se deu por culpa exclusiva do condutor do veículo FI.

 Conclui pela procedência da excepção, com a sua consequente absolvição da instância, ou, se assim se não entender, pela improcedência da acção e absolvição do pedido.

Esta R., em resposta ao articulado apresentado pelo CHAM, reiterou quanto já havia vertido no seu articulado de contestação apresentado no âmbito deste apenso.

           

Os demais RR. contestaram nos mesmos termos em que o fizeram na acção principal, concluindo da mesma forma.

           

 O A. replicou, impugnando a matéria de excepção, e concluindo como no seu articulado inicial.

           

 Já na fase de instrução do processo veio este A. apresentar requerimento de ampliação do pedido inicialmente formulado, tendo esse requerimento sido alvo de decisão de deferimento parcial, mais precisamente no que concerne à actualização do valor do salário mínimo a ter em conta para efeitos do cálculo do dano futuro sofrido pelo A. Lucínio Alves, que passou a ser o em vigor em 2008, ou seja, € 425,00.

 Foi proferido despacho a admitir o incidente de intervenção do CHAM e o articulado próprio que apresentou, ao qual os interessados já haviam respondido.

           

 De seguida foi proferido despacho saneador único, que incluiu a matéria alegada nesta acção principal e nos apensos, no qual se avaliaram os pressupostos adjectivos essenciais para permitir a apreciação da questão de mérito, tendo sido julgadas improcedentes as excepções dilatórias da ilegitimidade passiva arguidas pelos RR. Fundo de Garantia Automóvel e CC e a prescrição do direito do A. invocada pela R. GG.

                        Procedeu-se à elaboração da matéria de facto assente e da base instrutória.

           

 Admitido o incidente, foi citado o chamado para os termos da acção, ao abrigo do disposto no art. 332º do Código Processo Civil, tendo o mesmo mantido a posição já assumida no processo principal, fazendo seu o articulado da R. BB.

  Os autos prosseguiram e, efectuado o julgamento foi proferida sentença do seguinte teor:

 “Julgar procedente o pedido formulado na presente acção nº 525/05.1 TBCMN pelo autor AA, contra a ré “Companhia de Seguros BB, S.A.”, e, consequentemente, condeno esta ré no pagamento àquele das seguintes quantias:

- € 15.000,00 (quinze mil euros), a título de danos não patrimoniais, acrescida de juros de mora, à taxa de 4% ao ano (Portaria n.º 291/2003 de 8 de Abril), e da que subsequentemente vier a ser legalmente fixada, contados desde a prolação da presente decisão e até efectivo e integral pagamento, a título de danos morais.

- € 92.272,56 (noventa e dois mil, duzentos e setenta e dois euros e cinquenta e seis cêntimos dez mil euros), acrescida de juros de mora, à taxa de 4% ao ano (Portaria n.º 291/2003 de 8 de Abril), e da que subsequentemente vier a ser legalmente fixada, contados da citação e até efectivo e integral pagamento, a título de danos patrimoniais.

- Na indemnização, que vier a ser fixada em decisão ulterior pelos danos futuros que, entretanto, se venham a verificar em consequência do acidente em causa nos autos, designadamente das despesas que o autor AA, vier a suportar com futuros tratamentos cirúrgicos, medicamentos e tratamentos, períodos de paralisação da sua actividade laboral e perda de rendimentos, dores, sofrimento e transtornos de que venha a padecer, acrescidas dos juros legais respectivos.

- Julgar improcedente o peticionado pelo autor contra os réus Fundo de Garantia Automóvel e CC, do mesmo se absolvendo estes réus.

- Custas em divida na acção a suportar pela ré Companhia de Seguros BB. art. 446.º, n.ºs 1 e 2, do C.P.C.

Acção apensa nº 525/05.1-A

- Julgar parcialmente procedente o pedido formulado pela autora EE, contra a ré “Companhia de Seguros BB, S.A.”, e, consequentemente, condeno esta ré no pagamento àquela da seguinte quantia:

- € 3.575,00 (três mil quinhentos e setenta e cinco euros), acrescida de juros de mora, à taxa de 4% ao ano (Portaria n.º 291/2003 de 8 de Abril), e da que subsequentemente vier a ser legalmente fixada, contados desde a prolação da presente decisão e até efectivo e integral pagamento, a título de danos morais.

- Julgar improcedente todo o demais peticionado pela autora contra os réus “Companhia de Seguros BB, S.A.”, Fundo de Garantia Automóvel e CC, do mesmo se absolvendo estes réus.

- Custas em divida na acção a suportar por autora e ré Companhia de Seguros BB, na proporção do respectivo decaimento - art. 446.º, n.ºs 1 e 2, do C.P.C.

Acção apensa acção nº 525/05.1-B

- Julgar procedente o pedido formulado pela autor FF, contra a ré “Companhia de Seguros BB, S.A.”, e, consequentemente, condeno esta ré no pagamento àquele das seguintes quantias:

- € 20.000,00 (vinte mil euros), acrescida de juros de mora, à taxa de 4% ao ano (Portaria n.º 291/2003 de 8 de Abril), e da que subsequentemente vier a ser legalmente fixada, contados desde a prolação da presente decisão e até efectivo e integral pagamento, a título de danos morais.

- € 20.000,00 (vinte mil euros), acrescida de juros de mora, à taxa de 4% ao ano (Portaria n.º 291/2003 de 8 de Abril), e da que subsequentemente vier a ser legalmente fixada, contados da citação e até efectivo e integral pagamento, a título de danos patrimoniais.

- Na indemnização, que vier a ser fixada em decisão ulterior pelos danos futuros que, entretanto, se venham a verificar em consequência do acidente em causa nos autos, designadamente das despesas hospitalares, como intervenções cirúrgicas, tratamentos e internamentos, que ao FF, venham a ser reclamadas, acrescidas dos juros legais respectivos.

- Julgar improcedente o peticionado pelo autor FF, contra os réus “GG, Companhia de Seguros, S.A.”, Fundo de Garantia Automóvel e CC que do mesmo vão absolvidos.

-Custas em divida na acção a suportar pela ré Companhia de Seguros BB. art. 446.º, n.ºs 1 e 2, do C.P.C.

Pedido do Interveniente

- Julgar procedente o pedido formulado pelo interveniente “CHAM –Centro Hospitalar do Alto Minho, S.A.”, contra a ré “Companhia de Seguros BB, S.A.”, e, consequentemente, condeno esta ré no pagamento àquele da seguinte quantia:

- € 9.807,14 (nove mil oitocentos e sete euros e catorze cêntimos), acrescida de juros de mora, à taxa de 4% ao ano (Portaria n.º 291/2003 de 8 de Abril), e da que subsequentemente vier a ser legalmente fixada, contados da citação e até efectivo e integral pagamento, a título de danos patrimoniais.

- Julgar improcedente o pedido formulado pelo interveniente CHAM – Centro Hospitalar do Alto Minho, S.A.” contra os demais réus, que do mesmo vão absolvidos.

- Custas do incidente a cargo da ré Companhia de Seguros BB.

1-2- Não se conformando com esta decisão, dela recorreram o A. AA e a R. BB para o Tribunal da Relação de Guimarães, tendo-se aí julgado a apelação da R. BB parcialmente procedente e procedente a apelação do A. AA e, em consequência alterou-se a sentença do seguinte modo:

                        “Condenam a ré BB a pagar ao autor AA juros desde a citação sobre a quantia que lhe foi arbitrada a título de indemnização pelos danos não patrimoniais.

Condenam a ré BB no pagamento das despesas hospitalares decorrentes do acidente que vierem a ser debitadas ao autor FF.

            No que respeita às custas da acção (acções), as mesmas são devidas por autores e réus na proporção do decaimento”.

                        No mais, manteve-se a sentença recorrida.

  1-3- Irresignada com este acórdão, dele recorreu a R. BB para este Supremo Tribunal, recurso que foi admitido como revista e com efeito devolutivo.

                       

   A recorrente alegou, tendo das suas alegações retirado as seguintes conclusões:

                        1. A aqui recorrente não se conforma com a decisão do Tribunal da Relação de Guimarães, na parte em que, mantendo a decisão da primeira instância, se pronunciou pela validade do contrato de seguro em causa nos autos, titulado pela apólice n. 0000489424.

                        2. Contrariamente ao defendido no Acórdão ora posto em crise, parece claro à recorrente que ficou amplamente demonstrado nos autos que DD prestou falsas declarações, aquando do preenchimento e apresentação da proposta de alteração do aludido contrato de seguro.

3. Com efeito, está demonstrado que quando, em 18.02.2002, aquele solicitou a alteração do objecto do contrato de seguro titulado pela apólice n. 4100337674, no sentido de o mesmo passar a segurar o veículo de matrícula ... -FI, o indicado DD manteve as demais condições do contrato - nomeadamente a qualidade em que o celebrava - não obstante saber que aquela viatura não só não lhe pertencia, como nunca lhe pertenceu, nem era por ele habitualmente conduzida

                        4. A qualidade em que se efectua o seguro de um veículo é, objectivamente, um elemento essencial do contrato, determinante para a aceitação do mesmo, para a sua existência e para as suas condições.

  5. Ora, estando inequivocamente demonstradas as aludidas falsas declarações, deverá o contrato de seguro ser declarado nulo, nos termos do disposto no artigo 429° do Código Comercial, com as necessárias consequências legais.

 6. Ainda que assim se não entenda - o que apenas se admite para efeitos do presente raciocínio - sempre se dirá que, estando provado que, quer à data da alteração do contrato de seguro, quer à data do acidente, o referido DD não só não era o proprietário do veículo objecto do seguro, como habitualmente não o conduzia, forçosa se torna a conclusão de que tal contrato deverá ser declarado nulo, por falta de interesse do segurado no mesmo.

7. Na qualidade em que subscreveu o seguro o referido DD não só produziu uma declaração (de risco) inexacta, como não podia transferir para a ré uma responsabilidade que não tinha.

  8. Na verdade, não podendo o indicado DD ser responsabilizado civilmente pelas consequências de sinistros provocados por tal veículo, não podia aquele ter transferido para a ré uma responsabilidade que não tinha.

 9. Não se tendo demonstrado que aquele por conta de quem o seguro foi celebrado fosse titular de qualquer interesse de ordem económica sobre o veículo objecto do seguro, deverá o contrato ajuizado ser declarado nulo, ab initio, nos termos do disposto no artigo 428.° do Código Comercial, (neste sentido ver os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 30/11/2006, processo 06B2608, de 31/1/2006, processo 05A3992, de 22/06/2004, processo 04A2204, em que a ora apelante era recorrente e ainda o recente processo 07A230, de 22/03/2007, num caso em tudo idêntico à questão em apreço nos presentes autos, todos em www.dgsi.pt.)

 10. Esta nulidade, anterior ao sinistro dos autos, é oponível aos recorrentes, nos termos do disposto no artigo 14.° do Decreto-Lei nº 522/85, de 31 de Dezembro, pelo que, uma vez declarada a mesma, deverá a aqui apelante ser absolvida de todos os pedidos que contra si vêm deduzidos.

 11. Caso não venha a ser declarada a nulidade do contrato de seguro aqui em apreço - o que apenas se equaciona por mera cautela - sempre não poderão manter-se as respostas dadas aos artigos 70 e 132 da douta Base Instrutória.

  12. Com efeito e ressalvando sempre o devido respeito por opinião contrária, entende a aqui recorrente que o Tribunal da primeira instância extravasou os seus poderes de julgamento, na medida em que deu como provados factos em resposta àqueles artigos que não foram alegados pelas partes e, como tal, não faziam parte da matéria objecto da instrução, pelo que deverá tal factualidade ser dada como não escrita.

 13. A aqui recorrente mantém o entendimento de que no cômputo da indemnização pela incapacidade geral que afecta o autor Jorge Neiva, a idade a atender deverá ser a da data da alta deste último e não a sua idade à data do acidente, como sustentado pelo Tribunal recorrido.

14. Ao considerar a idade do autor AA à data do acidento para efeitos de cálculo daquela indemnização e ao atribuir-lhe igualmente uma indemnização pelas perdas salariais sofridas, no período em que aquele esteve absolutamente incapacitado para o trabalho, o Tribunal contabilizou um período, de quase dois anos, em ambas as indemnizações, obtendo, assim, o autor um ganho injustificado.

                        15. Acresce que, a nosso ver, o cálculo da indemnização por de nos patrimoniais futuros decorrentes da incapacidade de que aquele autor ficou a padecer, não pode assentar no rendimento mensal considerado pelo tribunal recorrido, ou seja na quantia de 925,00€, resultante da soma do rendimento base mensal de 700,00€, acrescido do valor correspondente à comida de que o autor beneficiava, que o Tribunal estimou, sem qualquer elemento para tanto, em 225,00 € mensais.

    16. Face aos critérios que norteiam a atribuição de uma tal indemnização, o valor mensal que representa a alimentação de que beneficiava o recorrido, não pode ser considerado como rendimento líquido para efeitos do cálculo da indemnização por danos futuros, desde logo porque tal valor é insusceptível de variação em função da capacidade laboral do autor - (neste sentido vide Acórdão do STJ nº 05B3006, de 03/11/2005)

    17. Atendendo à idade do autor AA à data da alta (20 anos), ao grau de incapacidade de que ficou a padecer (20%) e ao salário que auferia (700,00€, entende a aqui recorrente que o montante de 45.000,00 € traduz de forma muito expressiva a gravidade das sua lesões, indo de encontro aos valores usualmente arbitrados em situações semelhantes, devendo, como tal, ser alterada a decisão do Tribunal a quo.

  18. Certamente por lapso, o Tribunal da Relação de Guimarães não se pronunciou sobre a questão suscitada pela aqui recorrente no ponto 18 das suas conclusões de recurso, no que tange a sua condenação no pagamento ao autor AA da indemnização que vier a ser fixada em decisão ulterior, relativa às despesas com futuros tratamentos cirúrgicos, medicamentos e tratamentos, períodos de paralisação da sua actividade laboral perda de rendimentos, dores, sofrimento e transtornos de que venha a padecer, acrescidos dos juros legais respectivos.

 19. Essa omissão de pronúncia configura a nulidade prevista nos artigos 615° nº 1 d) e 666° do C.P.C, que aqui expressamente se invoca, para os devidos efeitos legais, devendo o processo baixar para que aquele Tribunal possa pronunciar-se sobre tal questão, nos termos do disposto no artigo 684° nº 2 do C.P.C..

    20. Ainda que assim se não entende - o que apenas se admite por mera cautela -deverá a aqui recorrente ser absolvida dessa parte do pedido, já que não estão demonstrados os necessários danos futuros previsíveis, que permitiriam ao Tribunal recorrer ao disposto no artigo 609.° nº 2 do C.P.C, (antigo 661.° n. 2 do C.P.C.)

                        21. O Tribunal da Relação de Guimarães também não se pronunciou sobre a questão suscitada pela ora recorrente nos pontos 38 a 41 das conclusões de recurso que apresentou, relativa ao montante indemnizatório fixado pela primeira instância ao recorrido FF, pela incapacidade permanente geral de que o mesmo ficou a padecer, em consequência do acidente dos autos.

 22. Essa omissão de pronúncia configura a nulidade prevista nos artigos 615º nº 1 d) e 666° do C.P.C, que aqui expressamente se invoca, para os devidos efeitos legais, devendo o processo baixar para que aquele Tribunal possa pronunciar-se sobre tal questão, nos termos do disposto no artigo 684° nº 2 do C.P.C..

   23. Ainda que assim se não entenda - o que apenas se admite por mera cautela - sempre se dirá que, não estando demonstrado que a incapacidade que afecta o autor FF em consequência do acidente dos autos, tenha igualmente afectado a sua capacidade de ganho, ou que dela tenha resultado uma efectiva perda de rendimentos para o recorrido, se afigura excessiva a indemnização que lhe foi arbitrada pelo Tribunal a esse título.

                        24. Na verdade, se compararmos o montante fixado no presente caso a este título, com outros que vêm sendo atribuídos pela nossa Jurisprudência em situações semelhantes, verifica-se que o mesmo se mostra desajustado, impondo-se a sua redução, (veja-se, a título de exemplo, entre outros citados na presentes alegações, o decidido no Acórdão do Tribunal do Porto, de 28/10/2008).

                        25. Neste caso, apesar de a incapacidade que afecta tal lesada (mais nova do que o autor) ter efectivamente repercussão na sua capacidade de ganho, foi-lhe atribuída uma indemnização muito inferior à que se encontra fixada na sentença recorrida.

   26. Face ao grau de incapacidade de que o autor FF ficou a padecer (5%), à sua a idade à data do acidente (20 anos), ao valor do salário mínimo em vigor no ano de 2008 (425,00€), não deverá a indemnização pelo dano funcional ser fixada em quantia superior a 8.000,00€, montante que se nos afigura mais conforme aos princípios de justiça, de equidade, de proporcionalidade.

                        27. O Acórdão recorrido violou o disposto nos artigos 562°, 563°, 566° do C. Civ., 609° e 615° nº 1 d) do CPC e 428° e 429° do Código Comercial, em vigor à data do acidente.

                         

 O recorrido contra-alegou, pronunciando-se pela confirmação do acórdão recorrido.

                        Por decisão do relator do presente acórdão, o processo foi mandado baixar ao Tribunal da Relação a fim de suprir as nulidades do acórdão suscitadas.

           

    Em conferência, o tribunal recorrido supriu as nulidades invocadas, tendo decidido manter a decisão proferida na 1ª instância no que toca às despesas que o A. AA vier a suportar com futuros tratamentos cirúrgicos, medicamentos e tratamentos, períodos de paralisação da sua actividade laboral e perda de rendimentos, dores, sofrimento e transtornos que venha a padecer, acrescidas dos juros legais respectivos e decidido também manter a indemnização de 20.000 € fixada no tribunal recorrido, a título de dano futuro.

                        Notificada desta decisão, a recorrente alargou o âmbito do recurso tendo formulado as seguintes conclusões:

                        1- Deverá ser revogada a decisão que condenou a R. no pagamento ao A. da “indemnização que vier a ser fixada em decisão ulterior pelos danos futuros que, entretanto, se venham a verificar em consequência do acidente em causa nos autos, designadamente das despesas que o autor AA vier a suportar com futuros tratamentos cirúrgicos, medicamentos e tratamentos, períodos de paralisação da sua actividade laboral e perda de rendimentos, dores, sofrimento e transtornos que venha a padecer, acrescidas dos juros legais respectivos” e substituída por outra que a absolva desta parte do pedido.

                        2- Deverá ainda ser revogada a decisão do Tribunal a quo que condenou a ré a pagar a FF a quantia de 20.000,00 € a título de indemnização pelo dano patrimonial futuro e substituída por outra que fixe tal indemnização em quantia não superior a 8.000,00 €.

                       

                        Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir:

                       

                        II- Fundamentação:

                        2-1- Uma vez que o âmbito objectivo dos recursos é balizado pelas conclusões apresentadas pelo recorrente, apreciaremos apenas as questões que ali foram enunciadas (arts. 635º nº 4 e 639º do C.P.Civil).

                        Nesta conformidade, serão as seguintes as questões a apreciar e decidir:

                        - Nulidade do contrato de seguro.

                        - Extravasamento pelo tribunal da primeira instância dos seus poderes de julgamento.

                        - Valor da indemnização pela incapacidade geral que afecta o A. AA.

                        - Indemnização ao A. AA relativa às despesas com futuros tratamentos cirúrgicos, medicamentos e tratamentos, períodos de paralisação da sua actividade laboral perda de rendimentos, dores, sofrimento e transtornos de que venha a padecer.

                        - Indemnização ao A. FF, pela incapacidade permanente geral de que o mesmo ficou a padecer.

   2-2- Vem fixada das instâncias a seguinte matéria de facto:

   A) AA nasceu no dia ...de 1983.

 B) A responsabilidade civil emergente de danos causados pela circulação do veículo automóvel de matrícula ...-FI foi transferida para a Ré, Companhia de Seguros BB, S.A., por contrato celebrado entre aquela e DD, e titulado pela apólice no ...;

    C) Em 12/07/2002, aquisição da propriedade do veículo de matrícula SJ-.... encontrava-se registada a favor da Autora, EE, com data de 12.07.2002.

- Constantes das respostas à matéria da base instrutória:

 1) No dia 22 de Setembro de 2002, na Estrada Nacional nº 13, ao quilómetro 87,800, na freguesia de ..., concelho de ..., ocorreu um embate entre o veículo ligeiro de passageiros de matrícula SJ-... e o veículo ligeiro de passageiros de matrícula ...-FI. -Quesito 1º.

2) O veículo de matrícula SJ... era conduzido pelo Autor AA e era propriedade da Autora EE. -Quesito 2º

3) O veículo de matrícula ...-FI era conduzido pelo Réu CC, que era também o seu dono. -Quesito 3º; Provado.

 4) A Estrada Nacional nº 13, no local do embate, configura um troço de recta, com uma extensão superior a 300 metros. Tem uma faixa de rodagem com uma largura de 9,50 metros e o seu piso era, em 22.09.2002, pavimentado com asfalto. Esclarecendo que a via tem uma ligeira inclinação descendente, atendendo ao sentido Viana-Caminha.-Quesito 4º

                        5) No momento e local do embate não havia água, óleo ou detritos na estrada. -Quesito 5º

     6) Nem buracos, rasgos ou inclinações no asfalto. -Quesito 6º

    7) Pelas suas duas margens, a faixa de rodagem da EN 13 apresentava, como apresenta, bermas, também pavimentadas com asfalto, atento o sentido de marcha Viana-Caminha. -Quesito 7º

     8) No local do embate existe um cruzamento de vias, sendo que, atento o sentido de marcha Viana/Caminha, entronca na EN 13 a antiga EN 13, pelo lado direito daquela, a qual, no sentido poente/nascente, dá acesso ao interior da Vila de Caminha -Quesito 8º

   9) E pelo lado esquerdo daquela, atento o mesmo sentido de marcha, entronca também a antiga EN 13, a qual, no sentido nascente/poente, dá acesso ao interior da freguesia de Moledo. -Quesito 9º

  10) Para quem se encontra no ponto central do cruzamento em causa consegue avistar a faixa de rodagem da EN 13, no sentido norte, até uma distância de 100 metros. -Quesito 10º

   11) E no sentido sul até uma distância de 200 metros. -uesito 11º

   12) A distância referida no quesito 10° é determinada pela existência de uma curva que, após aquela distância, configura a estrada para a direita, atento o sentido de marcha Viana/Caminha. -Quesito 12º

    13) A distância referida no quesito 11° é determinada pela existência de uma curva que, após aquela distância, configura a estrada para a esquerda, atento o sentido de marcha Viana/Caminha. –Quesito 13º

     14) Para quem circula pela antiga EN 13, no sentido de marcha Caminha/cruzamento com a EN 13, existia, em 22.09.2002, no local de confluência das vias referidas, um sinal de forma octogonal, com a orla branca e o fundo de cor vermelha, sobre a qual se encontrava pintada em cor branca a inscrição STOP. -Quesito 14º

   15) E no mesmo local e data, encontrava-se pintado a branco, no pavimento, a palavra STOP seguida de uma barra branca. -Quesito 15º

  16) O Autor AA conduzia o SJ no sentido Viana-Caminha, pela metade direita da faixa de rodagem. -Quesito 16º

   17) Momentos antes do embate descrito em 1°, o FI circulava pela antiga EN 13, no sentido de marcha Caminha/cruzamento com a EN 13. -Quesito 18º

  18) Ao chegar à confluência da antiga EN 13 com a propriamente dita EN 13 o condutor do FI, sem parar e sem reduzir a velocidade que imprimia ao veículo que conduzia, penetrou na metade direita da faixa de rodagem da EN 13, atento o sentido de marcha Viana/Caminha. -Quesito 19º

                        19) De modo a descrever uma trajectória oblíqua e para a sua esquerda, atento o seu sentido de marcha, de forma a dar a sua direita e a direita do veículo que conduzia ao ponto de intersecção dos eixos divisórios das duas vias. -Quesito 20º

                        20) Cortando a trajectória do SJ. -Quesito 21º

                        21) Quando o veículo SJ chegava ao ponto da via onde tem início a área formada pelo cruzamento. -Quesito 22

    22) Deparando-se com o FI, o condutor do SJ, apesar de ter travado a fundo, não conseguiu evitar o embate entre os dois veículos. -Quesito 24º

  23) Tendo deixado um rasto de travagem com um comprimento de cerca de 10 metros. -Quesito 25º

   24) O embate deu-se na metade direita da faixa de rodagem da E.N. 13, atento o sentido Viana-Caminha, junto à linha delimitadora de uma área localizada no centro do cruzamento, com cerca de 2,50 metros de largura, destinada aos veículos que circulavam na EN13 e que pretendessem efectuar manobra de mudança de direcção à esquerda, ou para os veículos provenientes de qualquer dos lados da antiga EN13, que pretendessem efectuar idêntica manobra, ou atravessar de um lado para o outro do cruzamento, aguardarem pela passagem do trânsito que circulasse na metade da via localizada do outro lado. -Quesito 26º

25) O embate deu-se entre a frente do SJ e a lateral esquerda, parte central, do FI. -Quesito 27

                        26) Como consequência directa e necessária do embate referido em 1° sofreu o Autor AA uma fractura supra e intercondiliana do fémur esquerdo, traumatismo facial, dois golpes no joelho esquerdo, traumatismo do nariz, fractura dos ossos próprios do nariz, esfacelo da pirâmide nasal, fracturas múltiplas da parede média do seio maxilar, laceração do corneto inferior à direita, traumatismo das costelas, traumatismo do tórax. fractura de três dentes (ciso, incisivo superior e incisivo inferior), traumatismo do olho direito, e escoriações e hematomas espalhados pelo corpo todo. -Quesito 28º;

 27) Na sequência do embate, o Autor AA foi transportado de ambulância para o Centro Hospitalar do Alto Minho, onde lhe foram prestados os primeiros socorros no respectivo serviço de urgência. -Quesito 29º

                        28) Aí foram-lhe feitas limpezas cirúrgicas à região das escoriações, foi-lhe aplicada uma compressa na região do nariz, uma tala na zona do membro inferior esquerdo e foi submetido a exames radiológicos. -Quesito 30º

 29) Após três horas de observação nesta unidade hospitalar, e dada a gravidade das lesões, o Autor AA foi transportado de ambulância para o Hospital de São João, do Porto. -Quesito 31º

30) Nesta unidade hospitalar foi submetido a uma intervenção cirúrgica para correcção do esfacelo dos ossos próprios do nariz, com tamponamento. -Quesito 32º

  31) E após essa, foi submetido a nova intervenção cirúrgica, aos ossos próprios do nariz, para redução da fractura e aplicação de uma cana do nariz artificial, com sutura da mucosa nasal. -Quesito 33º

 32) Momentos antes de ser intervencionado cirurgicamente, o Autor AA fez análises clínicas e foi submetido a uma anestesia geral -Quesito 34º

 33) Após ter recebido tratamento na especialidade de otorrinolaringologia no Hospital de São João do Porto, o Autor AA regressou ao CHAM de Viana do Castelo a fim de prosseguir o tratamento na especialidade de ortopedia. -Quesito 35º

  34) Aqui fez análises clínicas, foi submetido a uma anestesia geral e a uma intervenção cirúrgica no serviço de ortopedia, para redução, com osteossíntese, da fractura supra e intracondiliana do fémur esquerdo, com aplicação de uma placa condiliana de lâmina 70 e doze buracos, dois parafusos intercondilianos e um parafuso interfragmentário. -Quesito 36º

 35) Foi-lhe suturada a incisão cirúrgica com sessenta agrafes e foi-lhe aplicada uma tala no membro inferior esquerdo, a qual lhe passou a envolver esse seu membro inferior esquerdo desde o joelho até à anca. -Quesito 37º

36) O Autor AA permaneceu internado no CHAM, em Viana do Castelo, durante 40 dias. -Quesito 38º

 37) Esteve retido no leito, deitado de costas. -Quesito 39º

38) Tendo sido no leito que, durante esse período, tomou todas as suas refeições. -Quesito 40º

    39) Tendo também sido no leito que, durante parte desse período de tempo, fez as suas necessidades, com o auxílio de uma arrastadeira, que lhe era facultada por uma terceira pessoa. -Quesito 41º

  40) Durante esse período, foi o Autor submetido a exames radiológicos e ingeriu vários medicamentos, nomeadamente, analgésicos e anti-inflamatórios. -Quesito 42º

41) O Autor AA teve alta no dia 30.10.2002 -Quesito 43º

                        42) Em casa permanecia no leito e sentado num sofá. –Quesito 44º.

                        43) Ao fim desse período de tempo, o Autor passou a levantar-se com a ajuda de um par de canadianas. -Quesito 45º

                        44) Que usou durante um período de 3 meses. -Quesito 46º

                        45) Depois desse período de tempo, o Autor viu-se na necessidade de caminhar com o apoio de uma só canadiana, ao longo de um período de tempo de 2 meses. -Quesito 47º

                        46) No momento do acidente, e nos instantes que o precederam, o Autor assustou-se e receou pela própria vida. -Quesito 48º

                        47) O Autor AA sofreu dores nas regiões do corpo atingidas ao longo de um período de tempo de um ano. -Quesito 49º

                        48) E ainda hoje sente dores quando movimenta ou faz força e esforço com essas regiões do seu corpo. -Quesito 50º

                        49) E com as mudanças climatéricas. -Quesito 51º

                        50) A tala que lhe foi aplicada causou-lhe comichões e dores. - Quesito 52º

                        51) Como sequelas das lesões sofridas, o Autor ficou a padecer de: Deformação da pirâmide nasal, com sinais de obstrução parcial da narina direita; Cicatrizes superficiais da pirâmide nasal; Consolidação viciosa da fractura supra e intracondiliana do fémur esquerdo, com acavagalmento parcial dos topos; Encurtamento do membro inferior esquerdo em 2 centímetros; Cicatriz cirúrgica com 31 centímetros de comprimento, localizada na face externa do terço médio e inferior do fémur esquerdo; Dor e limitação funcional do joelho esquerdo, sobretudo da flexão, com fenómenos de hidratrose recorrente; Edema volumoso recorrente na perna esquerda; Marcha claudicante resultante do encurtamento do membro inferior esquerdo; Dores persistentes no fémur esquerdo, no local da respectiva fractura; Impossibilidade de suportar caminhadas prolongadas; Impossibilidade de suportar transporte de objectos pesados; Comprometimento de todas as tarefas que impliquem o uso de membros inferiores; Comprometimento da possibilidade de permanecer na posição de pé. -Quesito 53º

                        52) Antes do embate o Autor AA era saudável, ágil, forte, dinâmico e robusto. -Quesito 54º

 53) Os factos enunciados em 53° causam ao Autor desgosto. -Quesito 55º

  54) As lesões sofridas, e as sequelas delas resultantes, determinaram um período de incapacidade temporária geral total de 190 dias. -Quesito 56º

55) E um período de incapacidade temporária geral parcial de 1302 dias. -Quesito 57º

56) E um período de incapacidade temporária profissional total de 863 dias. -Quesito 58º

57) E um período de incapacidade temporária profissional parcial de 630 dias. -Quesito 59º

58) O Autor AA sofreu um quantum doloris de grau 4, numa escala de 1 a 7. -Quesito 60º

                        59) Um coeficiente de dano de grau 1 numa escala de 0 a 4. -Quesito 61º

                        60) Um dano estético de grau 3, numa escala de 2 a 7. – Quesito 62º

                        61) Um prejuízo de afirmação pessoal de grau 4, numa escala de 1a 5. -Quesito 63º

  62) E, a final, ficou portador de uma incapacidade permanente geral de 20% que, em termos de rebate profissional, são compatíveis com o exercício da actividade habitual, mas implicam esforços suplementares. -Quesitos 64º e 65º

                        63) À data da ocorrência do embate descrito em 1°, o Autor AA encontrava-se a frequentar a Escola Tecnológica Artística e Profissional do ..., com sede em ..., concelho de ..., no 3° ano do curso de técnico de hotelaria, restauração, organização e controlo, com o objectivo de se tornar cozinheiro e servente de mesa no sector da indústria hoteleira/restauração. -Quesito 66º

 64) Aos fins-de-semana, normalmente Sábados e Domingos, trabalhava como servente de mesa em restaurantes e hotéis da região, em serviços que normalmente duravam 10 horas por dia, auferindo uma média de € 6,00 por hora. -Quesito 67º

                        65) Em consequência do embate referido em 1°, o Autor AA deixou de poder exercer a sua actividade de cozinheiro e servente de mesa em regime de part-time durante um período de 670 dias. -Quesito 68º

66) E não auferiu, por essa razão, os rendimentos respectivos do seu trabalho. -Quesito 69º

     67) Desde o mês de Julho de 2004, o Autor AA encontra-se a trabalhar, com carácter de regularidade e permanência, como cozinheiro, por conta de HH, na denominada pizzaria .... Com o esclarecimento de que apenas manteve esse trabalho durante cerca de 8 meses. Actualmente trabalha como condutor numa empresa de reboques, auferindo um vencimento mensal líquido de cerca de € 700,00, acrescido de um extra de 25% pelos serviços de reboque que efectua fora do horário de trabalho, obtendo mensalmente um rendimento global de cerca de € 1.400,00. -Quesito 70º

 68) Auferia um salário real líquido de à volta de € 700,00, com comida. -Quesito 71º

69) O seu recibo de vencimento era processado, nos últimos meses de trabalho, pelo valor de € 333,48, e o restante era pago à parte. -Quesito 72º

                        70) A actividade que exerceu como empregado de mesa e como cozinheiro exigia-lhe permanecer de pé ao longo do dia e andar de um lado para o outro na cozinha e na sala de refeições da referida pizzaria, solicitando-lhe o exercício de força ao nível dos seus membros inferiores, carregar e transportar sacos e embalagens dos géneros alimentares. -Quesito 74º

  71) Antes da ocorrência do embate referido em 1°, o Autor AA não sofria de qualquer limitação física ou funcional, e desempenhava todas as tarefas inerentes às suas referidas profissões de cozinheiro e de empregado de mesa sem qualquer dificuldade ou limitação. -Quesito 75º

   72) Caminhava com facilidade e permanecia de pé durante longos períodos de tempo sem qualquer limitação ou sacrifício. -Quesito 76º

                        73) A partir da data do embate referido em 1° e como consequência directa e necessária das lesões sofridas e das sequelas delas resultantes, o Autor AA executa essas tarefas com muito maiores dificuldades e esforços suplementares. -Quesito 77º

        74) E passou a necessitar de fazer intervalos para descanso, várias vezes ao dia, para aliviar as dores, o mal-estar e o cansaço de que passou a sofrer e que não sofria antes do acidente. -Quesito 78º

    75) Em consequência directa e necessária do embate referido em 1°, o Autor AA despendeu em consultas médicas, relatório médico, medicamentos, taxas moderadoras, exames complementares de diagnóstico, táxis, transportes públicos e documentos necessários à instauração da acção, a quantia global de € 1.087,56. -Quesito 80º

                        76) E viu danificados e inutilizados um par de calças e um par de ténis, que usava no momento do embate referido em 1°, no valor de € 130,00. -Quesito 81º

                        77) E ficou sem um fio e um crucifixo de ouro que usava no momento do embate referido em 1°, que se extraviaram, no valor de € 170,00. -Quesito 82º

                        78) E viu danificado e inutilizado um telemóvel de marca Nokia 3310, no valor de € 165,00. -Quesito 83º

  79) O Autor AA conserva ainda o material de osteossíntese que lhe foi aplicado no fémur do membro inferior esquerdo. -Quesito 84º

                        80) No futuro poderá vir a necessitar de extrair o material de osteossintese de que é portador. -Quesito 85º

                        81) Para o efeito vai ter de recorrer a consultas médicas. –Quesito 86º

                        82) E vai necessitar de efectuar exames complementares de diagnóstico, tais como Raios X. -Quesito 87º

                        83) Pode ter de sujeitar-se a adquirir medicamentos e de se submeter a sessões de fisioterapia para recuperação funcional. –Quesito 88º

  84) Poderá ter necessidade de suportar encargos com honorários médicos e internamentos hospitalares. -Quesito 89º.

85) Aquando da celebração do contrato, DD declarou, em sede de proposta de seguro, em 16.01.2001, que era o dono do veículo automóvel de matrícula QB-..., e que seria ele próprio condutor habitual do referido veículo, tendo indicado a data de 09.03.94 como sendo a data da sua carta de condução. Esclarecendo-se que a proposta de seguro foi preenchida pelo mediador de seguros colaborador da ré, onde o DD tem os seu seguros de casa, caça e veículos. -Quesito 91º

86) Declarou igualmente DD que já tinha celebrado com a Ré BB um outro contrato de seguro titulado pela apólice nº .... -Quesito 92º

 87) Para a situação do DD, a ré estabeleceu uma bonificação de 45% no seguro contratado, referido na resposta ao quesito 91º. -Quesito 93º

 88) Em 18.02.2002, a solicitação do segurado, o mediador da ré seguradora preencheu uma proposta de alteração do dito contrato titulado pela apólice em causa, no qual apenas fez constar que o mesmo passava a segurar o veículo de matrícula ...-FI, continuando a figurar como tomador o DD. -Quesito 94º

    89) O veículo matrícula ...-FI nunca pertenceu ao referido DD, nem por este era habitualmente conduzido. -Quesito 95º

      90) A Ré informou o referido DD, por carta datada de 14.01.03, que pelo facto de ter prestado declarações inexactas, aquando da apresentação da proposta de alteração do contrato de seguro, relacionadas com a propriedade do FI, considerava o contrato de seguro em causa nulo e de nenhum efeito desde 18.02.2002. -Quesito 96º

    91) Provado apenas o que consta das respostas aos quesitos 26º e 27º. -Quesito 101º

                        92) Em consequência do embate supra referido foi o FI projectado para fora do cruzamento e para a estrada que segue em direcção a Moledo, imobilizando-se a uma distância de cerca de 25 metros do sítio. -Quesito 102º;

                        93) À data em que ocorreu o embate, a hemi-faixa de rodagem direita da EN 13, atento o sentido de marcha Viana-Caminha, tinha 3,50 metros de largura, a faixa de desaceleração situada no meio da via, com sinal branco de STOP inscrito no pavimento, atento o mesmo sentido de marcha, tinha 2,50 metros de largura e a distância entre a rotunda existente à entrada do cruzamento e o limite direito da hemi-faixa de rodagem referida era de 1,60 metros. -Quesito 105º

                        94) Provado apenas o que consta das respostas aos quesitos 24º e 25º. -Quesito 106º

  95) O Autor FF era transportado, à data e hora do embate, no veículo de matrícula ...-FI, na parte de trás deste. -Quesito 107º

                        96) Em consequência directa e necessária do embate referido em 101° o Autor FF sofreu: Traumatismo crâneo-encefálico; Fractura do úmero direito; Fractura da mandíbula e do seio do maxilar esquerdo; Fractura da parede lateral da órbita esquerda; Laceração do baço; Traumatismo renal. -Quesito 108º

   97) Imediatamente após o embate, o FF entrou em coma, que se prolongou por 15 dias. -Quesito 109º

                        98) E foi conduzido e assistido no serviço de urgência do Hospital de Viana do Castelo, onde lhe foi feita a imobilização com gesso do braço direito, e realizados os exames urgentes necessários. –Quesito 110º

     99) No próprio dia, e porque tinha diversos traumatismos passíveis de intervenção cirúrgica, foi transferido para o Hospital de S. João, no Porto. -Quesito 111º

                        100) No primeiro dia de internamento, foi logo sujeito a vários TAC’s e raios X. -Quesito 112º

  101) Em 03.10.2002, foi sujeito a cirurgia plástica, consistente em osteossíntese da fractura da mandíbula e do malar, tendo-lhe sido introduzida placa metálica e parafusos. -Quesito 113º

    102) Durante cerca de dez dias manteve-se num estado de semi-consciência. -Quesito 114º

103) Tendo durante esse período, e após ele, realizado diversos exames analíticos. -Quesito 115º

                        104) Como se encontrava a cumprir o serviço militar foi transferido para o Hospital Militar do Porto, em 25.10.2002. -Quesito 116º

  105) Naquele hospital foi acometido de uma infecção urológica, denominada orquite aguda, tendo a mesma evoluído para um abcesso escrotal. -Quesito 117º

  106) E, no dia 08.11.2002, foi submetido a nova intervenção cirúrgica para limpeza do abcesso e orquidoctemia. -Quesito 118º

    107) Em 11.11.2002, iniciou recuperação funcional em clínica de fisioterapia. -Quesito 119º

  108) Continuando sob vigilância médica até 25 de Março de 2003, altura em que lhe foi dada alta. -Quesito 120º

     109) O Autor FF sofreu dores no momento do acidente e, após este, durante todo o internamento, em virtude das cirurgias e tratamentos a que foi sujeito. -Quesito 121º

  110) Tais dores e mal-estar impediram-no de dormir regularmente durante 4 meses. -Quesito 122º

  111) O Autor FF ainda hoje sente dores, em menor grau, principalmente nas mudanças climatéricas. -Quesito 123º

                        112) Apresenta perturbações da memória, enquadráveis no  Síndrome Pós-Comocional. -Quesito 124º

113) Assim como perdeu a boa disposição quotidiana que mantinha antes do embate. -Quesito 125º

    114) Antes do embate, o Autor FF era um homem sadio, voluntarioso, activo e trabalhador. -Quesito 126º

                        115) Era serralheiro de profissão. -Quesito 127º

    116) Antes do embate, e apesar de estar a cumprir serviço militar, o FF trabalhava numa serralharia em .... – Quesito 128º

                        117) Em virtude das lesões e suas sequelas o autor perdeu o emprego. -Quesito 129º

                        118) E passou a sentir-se diminuído em consequência das sequelas e incapacidades decorrentes do acidente, e que se vão manter pelo resto dos seus dias. -Quesito 130º

   119) Desde o termo do serviço militar, o Autor FF tem vindo a desempenhar algumas tarefas temporárias para sobreviver. -Quesito 131º

                        120) Em consequência do embate ficou portador de uma incapacidade permanente geral de 25% que, em termos de rebate profissional, é compatível com o exercício da actividade habitual, mas implica esforços suplementares. -Quesito 132º

  121) Como consequência directa e necessária do embate referido em 1°, o veículo automóvel de matrícula SJ-... sofreu danos de uma extensão tal que era irrecuperável. -Quesito 133º

                        122) O veículo referido é de marca Fiat, modelo Tipo -Quesito 134º

                        123) O veículo de matrícula SJ-...encontrava-se em bom estado de conservação, quer a nível da sua parte mecânica, quer dos seus interiores, quer ao nível de chapa e pintura. -Quesito 136º

    124) O valor comercial do veículo de matrícula SJ-... era, em 22 de Setembro de à volta de € 3.500,00. -Quesito 139º

   125) A Autora, EE, pagou, pelo serviço de reboque para remover o SJ do local do embate, a quantia de € 75,007 -Quesito 141º

 126) O Autor AA esteve internado, em consequência do embate referido em 1°, no serviço de ortopedia do CHAM, no período compreendido entre o dia 22 de Setembro e o dia 30 de Outubro. -Quesito 142º

                        127) Voltou a necessitar de cuidados de urgência e de radiologia nos dias 8 e 13 de Novembro de 2002. -Quesito 143º

                        128) Recebeu tratamentos em consulta de ortopedia e radiologia no dia 25 de Janeiro de 2003. -Quesito 144º

                        129) Voltou a estar internado no serviço de ortopedia, no período compreendido entre o dia 26 de Janeiro e o dia 21 de Fevereiro de 2003. -Quesito 145º

  130) Voltou a receber tratamentos na consulta de ortopedia e de radiologia nos dias 28 de Fevereiro e 8 de Agosto de 2003. –Quesito 146º

 131) Recebeu cuidados de saúde no serviço de especialidades cirúrgicas no período compreendido entre o dia 29 de Outubro e o dia 4 de Novembro de 2003. -Quesito 147º

   132) Recebeu tratamentos na consulta de otorrinolaringologia, ortopedia e radiologia nos dias 7 e 14 de Novembro e 12 de Dezembro de 2003, 9 de Janeiro e 26 de Novembro de 2004 e 4 de Março de 2005. -Quesito 148º

  133) O montante correspondente aos tratamentos prestados ao assistido é de € 9.807,14. -Quesito 149º

                        Quesito aditado na sequência de decisão do Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães:

 Provado apenas que o DD beneficiava de uma bonificação de 45% no prémio do seguro, e que o seu filho CC nasceu no dia 20 de Agosto de 1982 e, à data do sinistro, tinha carta de condução há menos de 2 anos. --------------------------

                       

  2-3- Como ponto prévio diremos que a nulidade do acórdão recorrido invocada pela recorrente, Companhia de Seguros BB, S.A., consistente em omissão de pronúncia sobre questões que havia colocado em termos de apelação, se encontra sanada, pois o processo foi mandado baixar à Relação precisamente para se suprir tal omissão, o que foi feito através do acórdão de 21-4-2016 (fls. 2423 e segs.).

 2-4- A recorrente, na presente revista, continua a bater-se pela invalidade do contrato de seguro em causa nos autos, titulado pela apólice nº. .... No seu prisma, ficou amplamente demonstrado nos autos que DD prestou falsas declarações, aquando do preenchimento e apresentação da proposta de alteração do aludido contrato de seguro. Isto porque está demonstrado que quando, em 18.02.2002, aquele solicitou a alteração do objecto do contrato de seguro titulado pela apólice n. ..., no sentido de o mesmo passar a segurar o veículo de matrícula ...-FI, o DD manteve as demais condições do contrato - nomeadamente a qualidade em que o celebrava - não obstante saber que aquela viatura não só não lhe pertencia, como nunca lhe pertenceu, nem era por ele habitualmente conduzida. A qualidade em que se efectua o seguro de um veículo é, objectivamente, um elemento essencial do contrato, determinante para a aceitação do mesmo, para a sua existência e para as suas condições. Ora, estando inequivocamente demonstradas as aludidas falsas declarações, deverá o contrato de seguro ser declarado nulo, nos termos do disposto no artigo 429° do Código Comercial. Ainda que assim se não entenda, estando provado que, quer à data da alteração do contrato de seguro, quer à data do acidente, o referido DD não só não era o proprietário do veículo objecto do seguro, como habitualmente não o conduzia, forçosa se torna a conclusão de que tal contrato deverá ser declarado nulo, por falta de interesse do segurado no mesmo. Na qualidade em que subscreveu o seguro o DD não só produziu uma declaração (de risco) inexacta, como não podia transferir para a R. uma responsabilidade que não tinha. É que, não podendo o indicado ser responsabilizado civilmente pelas consequências de sinistros provocados por tal veículo, não podia ter transferido para a R. uma responsabilidade que não tinha. Não se tendo demonstrado que aquele por conta de quem o seguro foi celebrado fosse titular de qualquer interesse de ordem económica sobre o veículo objecto do seguro, deverá o contrato ajuizado ser declarado nulo, ab initio, nos termos do disposto no artigo 428° do Código Comercial. Esta nulidade, anterior ao sinistro dos autos, é oponível aos recorrentes, nos termos do disposto no artigo 14.° do Decreto-Lei nº 522/85, de 31 de Dezembro, pelo que, uma vez declarada a mesma, deverá a aqui apelante ser absolvida de todos os pedidos que contra si vêm deduzidos.

  Sobre o tema o douto acórdão recorrido referiu (de essencial) que “a natureza particular dos interesses em presença, por um lado, e a inexistência de violação de qualquer norma imperativa, por outro, justificam que deva ser a anulabilidade a consequência jurídica associada à emissão de declarações inexactas ou reticentes do segurado, passíveis de influir na existência ou nas condições do contrato de seguro. Também resulta claramente do texto legal que não é uma qualquer declaração inexacta ou reticente que pode desencadear a possibilidade de anulação do seguro. Conforme vem sendo entendido maioritariamente, torna-se indispensável que as declarações inexactas ou reticentes influam na existência e nas condições do contrato, de sorte que o segurador, se as conhecesse, não contrataria ou teria contratado em diversas condições. Ora, o que se provou é que à data em que efectuou o seguro o tomador não era o proprietário do veículo. Não tendo a ré seguradora provado, como lhe competia – art.º 342º, nº 2, do Código Civil – que não teria celebrado o contrato de seguro se conhecesse a verdadeira identidade do condutor habitual do veículo (…), ou que, conhecendo tal identidade, teria contratado em condições diversas (exigindo, por exemplo, prémio diferente do convencionado), não pode deixar de decair na excepção que opôs à validade do seguro, como as instâncias decidiram”. E mais adiante do art.º 14º do DL 522/85, de 31/12 “infere-se que no âmbito do seguro obrigatório a seguradora não pode livrar-se da sua obrigação perante o lesado mediante a invocação duma mera anulabilidade não prevista no DL 522/85, como é o caso, justamente, da consagrada no art.º 429º do C. Comercial. E compreende-se que assim seja porque a instituição do regime do seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel teve em vista, como medida de relevante alcance social, a protecção directa (e célere) dos legítimos interesses e direitos das pessoas lesadas em consequência de acidentes de viação, o que postula um seguro em que, sendo a responsabilidade, em regra, garantida pela seguradora (e, excepcionalmente, pelo FGA), vigore com a máxima amplitude o princípio da inoponibilidade das excepções contratuais, do que resulta que só a nulidade, não a anulabilidade, do contrato de seguro possa ser oposta aos lesados em acidente de viação, nos termos do citado art.º 14º do DL 522/85, à data em vigor”. Por isso, considerou improcedente a excepção da nulidade invocada pela Seguradora.

Para apreciação e decisão do tema, provaram-se os seguintes factos:

 Aquando da celebração do contrato, DD declarou, em sede de proposta de seguro, em 16.01.2001, que era o dono do veículo automóvel de matrícula QB-..., e que seria ele próprio condutor habitual do referido veículo, tendo indicado a data de 09.03.94 como sendo a data da sua carta de condução. Esclarecendo-se que a proposta de seguro foi preenchida pelo mediador de seguros colaborador da R., onde o DD tem os seu seguros de casa, caça e veículos. Declarou igualmente DD que já tinha celebrado com a R. BB um outro contrato de seguro titulado pela apólice nº .... Para a situação do DD, a R. estabeleceu uma bonificação de 45% no seguro contratado. Em 18.02.2002, a solicitação do segurado, o mediador da R. seguradora preencheu uma proposta de alteração do dito contrato titulado pela apólice em causa, no qual apenas fez constar que o mesmo passava a segurar o veículo de matrícula ...-FI, continuando a figurar como tomador o DD. O veículo matrícula ...-FI nunca pertenceu ao referido DD nem por este era habitualmente conduzido. A R. informou o referido DD, por carta datada de 14.01.03, que pelo facto de ter prestado declarações inexactas, aquando da apresentação da proposta de alteração do contrato de seguro, relacionadas com a propriedade do FI, considerava o contrato de seguro em causa nulo e de nenhum efeito desde 18.02.2002.

   Destes factos resulta, de essencial, que em 18.02.2002, a solicitação de DD, o segurado, o mediador da R. seguradora preencheu uma proposta de alteração do dito contrato titulado pela apólice em causa, no qual apenas fez constar que o mesmo passava a segurar o veículo de matrícula ...-FI, continuando a figurar como tomador o DD. O veículo (em questão) matrícula ...-FI nunca pertenceu ao referido DD, nem por este era habitualmente conduzido. Por outro lado, a Companhia de Seguros comunicou ao tomador que considerava o contrato de seguro nulo e de nenhum efeito desde 18.02.2002, tendo essa comunicação sido feita em 4-1-03, ou seja, meses depois da ocorrência do acidente dos autos (22-9-2002).

Quer dizer, de interesse para a decisão, concluiu-se que somente se demonstrou que o veículo segurado não era propriedade da pessoa que efectuou o contrato de seguro (através de proposta de alteração do contrato antes celebrado), nem era por ele conduzido.

 A nosso ver, contra o que defende a recorrente, os factos assentes não demonstram que o tomador do seguro tenha prestado falsas declarações junto do mediador da Seguradora aquando do preenchimento da proposta de alteração do dito contrato de seguro.

                        De qualquer forma, vejamos:           

Estipula o (invocado) art. 429º do C. Comercial que “toda a declaração inexacta, assim como toda a reticência de factos ou circunstâncias conhecidas do segurado ou por quem fez o seguro, e que teriam podido influir sobre a existência ou condições do contrato tornam o contrato nulo”.

 Estabelece, pois, esta norma a nulidade do seguro por inexactidões ou omissões perpetradas pelo segurado (ou por quem fez o seguro), desde que essas circunstâncias, se conhecidas, possam influir sobre a existência ou condições do contrato de seguro.

 Como constitui jurisprudência recorrente (e segundo cremos, uniforme) deste STJ, "a nulidade" a que se refere o artigo 429º do Código Comercial não é uma nulidade mas simples anulabilidade. Com efeito, a nulidade é um vício do contrato imposto pela salvaguarda do interesse geral, o que no caso de falsas declarações quanto ao risco se não verifica: estamos aqui numa situação paralela à dos vícios na formação do contrato (dolo e erro) que determinam mera anulabilidade (veja-se, por exemplo, o acórdão deste Tribunal de 19 de Outubro de 1993, na CJ, Ano I, Tomo 3, p. 72...” (acórdão de 18-12-2002 - www.dgsi.pt/jstj.nsf).

     Na altura dos factos (22-9-2002), o regime jurídico do seguro obrigatório automóvel, era regido pelo Dec-Lei 522/85 de 31/12[1].

Sobre a nulidade, anulabilidade (e outras exclusões) do contrato de seguro, estabelece o art. 14º do diploma que “para além das exclusões ou anulabilidades que sejam estabelecidas no presente diploma, a seguradora apenas pode opor aos lesados a cessação do contrato nos termos do nº 1 do artigo anterior, ou a sua resolução ou nulidade, nos termos legais e regulamentares em vigor, desde que anteriores à data do sinistro[2].

   Isto é, esta disposição, de modo claro, determina que a anulabilidade do contrato só poderá ser oposta aos lesados, desde que sejam estabelecidas no próprio diploma (Dec-Lei 522/85 de 31/12), ou seja, que a anulabilidade decorra dos termos deste diploma. Por outras palavras, como se refere no acórdão deste STJ de 31-5-2011 (in www.dgsi.pt/jstj.nsf), “… o que o preceito determina é que, no âmbito dos contratos de seguro que tenham por objecto a cobertura de riscos sujeitos ao regime do seguro obrigatório de responsabilidade automóvel, a seguradora só pode invocar perante os lesados (isto é, só pode opor-lhes) as anulabilidades que estejam previstas na lei de seguro obrigatório (à data dos factos, no DL 522/85)”. Também no acórdão deste STJ de 21-1-2014 (no mesmo site) e em o presente relator foi adjunto, se referiu, reafirmando-se o que se havia dito no acórdão deste Supremo de 06.11.2007 (no mesmo site), que “…deve, contudo, sublinhar-se ainda o seguinte: mesmo que se entendesse, perante o disposto no art.º 429º do C. Comercial, que o seguro era anulável, essa anulabilidade seria inoponível aos recorridos, face ao art.º 14º do DL 522/85, de 31/12 … Desta norma infere-se que no âmbito do seguro obrigatório a seguradora não pode livrar-se da sua obrigação perante o lesado mediante a invocação duma mera anulabilidade não prevista no DL 522/85, como é o caso, justamente, da consagrada no art.º 429º do C. Comercial. E compreende-se que assim seja porque a instituição do regime do seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel teve em vista, como medida de relevante alcance social, a protecção directa (e célere) dos legítimos interesses e direitos das pessoas lesadas em consequência de acidentes de viação, o que postula um seguro em que, sendo a responsabilidade, em regra, garantida pela seguradora (e, excepcionalmente, pelo FGA), vigore com a máxima amplitude o princípio da inoponibilidade das excepções contratuais, do que resulta que só a nulidade, não a anulabilidade, do contrato de seguro possa ser oposta aos lesados em acidente de viação, nos termos do citado art.º 14º do DL 522/85”.

 Assim, qualquer vício gerador da anulabilidade do contrato previsto na lei geral ou em qualquer norma especial, no âmbito do contrato de seguro obrigatório, não poderá ser aposto aos lesados. Esta, segundo cremos, é a interpretação que decorre do referido art. 14º do Dec-Lei 522/85, sendo a jurisprudência maioritária deste STJ.[3]

                        Quer isto dizer que mesmo que os ditos factos provados pudessem ser entendidos como integrantes de inexactidões ou omissões por parte do tomador do seguro, originando tais faltas a anulabilidade do seguro, as mesmas não seriam oponíveis aos lesados pelas ditas razões.

 Poder-se-á dizer que existe, no âmbito do regime jurídico do seguro obrigatório automóvel, uma evidente e forte protecção dos lesados em acidentes de viação, através do regime de invalidades (anulabilidade, cessação do contrato, resolução e nulidade) e exclusões instituídas. Porém, a nosso ver, foi precisamente isso que o legislador quis, quando instituiu e impôs o seguro de responsabilidade civil automóvel, como obrigatório. Isso mesmo se refere no preâmbulo do diploma ao dizer-se que “a institucionalização do seguro de responsabilidade civil automóvel revelou-se uma medida de alcance social que, com o decurso do tempo, apenas se impõe reforçar e aperfeiçoar, procurando dar uma resposta cabal aos legítimos interesses, dos lesados em acidentes de viação”. A mesma finalidade de proteger os ofendidos, está subjacente nos dispositivos do próprio Dec-Lei, dos quais cabe destacar, entre outros, os arts. 1º nº 1 e 8º.

                      

  Nos termos do dito art. 14º do Dec-Lei 522/85, fora as exclusões e anulabilidades previstas no diploma, a Seguradora poderá opor aos lesados a cessação do contrato nos termos do nº 1 do artigo anterior (caso de alienação do veículo), ou a sua resolução ou nulidade, nos termos legais e regulamentares em vigor, desde que anteriores à data do sinistro. Ou seja, em condições decorrentes dos termos legais e regulamentares e desde que as invalidades e exclusões sejam “anteriores à data do sinistro” poderão ser opostas aos lesados. Nesta 2ª parte do dispositivo estabelece-se um diverso regime no que toca aos casos aí referidos (cessação do contrato no caso de alienação do veículo, resolução e nulidade decorrentes de normas legais e regulamentares).

  A recorrente defende que estando provado que, quer à data da alteração do contrato de seguro, quer à data do acidente, o DD não só não era o proprietário do veículo objecto do seguro, como habitualmente não o conduzia, forçosa se torna a conclusão de que tal contrato deverá ser declarado nulo, por falta de interesse do segurado no mesmo, nos termos do disposto no artigo 428° do C. Comercial, sendo que esta nulidade, anterior ao sinistro dos autos, é oponível aos recorrentes, nos termos do disposto no artigo 14° do Decreto-Lei nº 522/85 pelo que, uma vez declarada a mesma, deverá a Seguradora ser absolvida de todos os pedidos que contra si vêm deduzidos.

                        Estabelece o 428º §1º do C. Comercial que “se aquele por quem ou em nome de quem o seguro é feito não tem interesse na cousa segurada, o seguro é nulo”.

    Quer dizer a falta de interesse material pelo objecto segurado daquele que faz o seguro, gera a nulidade do seguro (nulidade absoluta).

  Determina, por sua vez, o art. 1º nº 1 do Dec-Lei 522/85 que “toda a pessoa que possa ser civilmente responsável pela reparação de danos patrimoniais e não patrimoniais decorrentes de lesões corporais ou materiais causadas a terceiros por um veículo terrestre a motor, seus reboques ou semi-reboques, deve, para que esses veículos possam circular, encontrar-se, nos termos do presente diploma, coberta por um seguro que garanta essa mesma responsabilidade”. Ou seja, estipula esta norma a obrigação de segurar qualquer veículo que circule na via pública, a pessoas que possam vir a ser civilmente responsáveis pela reparação de danos patrimoniais e não patrimoniais decorrentes de lesões corporais ou materiais causadas a terceiros.

   Refere o art. 2º nº 1 do mesmo diploma que “a obrigação de segurar impende sobre o proprietário do veículo, exceptuando-se os casos de usufruto, venda com reserva de propriedade e regime de locação financeira, em que a referida obrigação recai, respectivamente, sobre o usufrutuário, adquirente ou locatário”. Porém, “se qualquer outra pessoa celebrar, relativamente ao veículo, contrato de seguro que satisfaça o disposto no presente diploma, fica suprida, enquanto o contrato produzir efeitos, a obrigação das pessoas referidas no número anterior”.

    Ou seja, face a estes dispositivos fica claro que a obrigação de segurar impende, em regra, sobre o proprietário do veículo. Todavia essa falta fica suprida se qualquer outra pessoa celebrar o contrato de seguro relativamente ao veículo. Significa isto que o seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel, pode ser celebrado, validamente, por quem não seja o proprietário do veículo cujo risco se segura, independentemente do interesse económico.

                        Por outro lado, a responsabilidade coberta no seguro de veículos afere-se pela do condutor (responsável civil – art. 5º do DL nº 522/85 -), figure ou não no contrato como tomador ou beneficiário do seguro, pelo que sempre será a Seguradora a assumir o risco emergente da responsabilidade imputável ao condutor.

  Acresce que a relevância social da protecção dos lesados e “socialização do risco”, a que se refere o diploma justificam a legitimação do seguro efectuado por terceiros, ultrapassando o conceito de “interesse” a que se refere o C. Comercial (lei geral), sendo que, por isso, se deve aceitar a derrogação daquele art. 428º do C. Comercial pela Lei do Seguro Obrigatório (lei especial).

  Por isso nos parece que este dispositivo sobrepõe-se (no que respeita ao seguro automóvel) o disposto art. 428º §1º do C. Comercial (falta de interesse na coisa segurada), pois estabelece a possibilidade de terceiros efectuarem o seguro.

 Neste sentido, afirma-se no acórdão 16-10-2008 (www.dgsi.pt/jstj) “...tendo presentes os princípios que presidem e regem a instituição do seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel como “medida de relevante alcance social, de protecção directa (e célere) dos legítimos interesses e direitos das pessoas lesadas em consequência de acidentes de viação, o que pos­tula um seguro em que, sendo a responsabilidade, em regra, garantida pela seguradora (e, excepcionalmente, pelo FGA)”, não é de estranhar que se tenha acolhido com a máxima amplitude o princípio da inoponibilidade das excepções contratuais gerais (ac. deste Supremo, de 06/11/2007 – proc. 07A3447). Daí que, neste campo, do seguro obrigatório, de pouco valha já argumentar com a natureza e efeitos do carácter pessoal do contrato, pois que não está em causa a transmissão do veículo seguro (art. 13º da LSO), sendo certo, de qualquer modo, que a questão de a seguradora assumir o risco emergente da responsabilidade imputável ao condutor em nada colide com a circunstância de o outorgante no contrato de seguro ser qualquer outra pessoa; A responsabilidade coberta no seguro de veículos afere-se pela do condutor, responsável civil – art. 5º do DL n.º 522/85 -, figure ou não no contrato como tomador ou beneficiário do seguro. Aquela relevância social da protecção dos lesados e “socialização do risco”, de expressão cada vez mais evidente – cfr. o actual DL n.º 291/2007, de 21/8 -, essa sim, erguem-se como valores que bem podem justificar a legitimação do seguro efectuado por terceiros, para além do conceito de “interesse” subjacente ao do preceito do C. Comercial (lei geral), não repugnando aceitar a derrogação da norma pelas das Lei do Seguro Obrigatório, enquanto enformadoras dum regime especial”.

       Em sentido idêntico referiu-se no acórdão deste STJ de 22/10/2009 (no mesmo site) “… podendo intervir no risco elementos subjectivos que a ela interessem – tal como a propriedade do veículo, cujo titular pode influir, v. g. através da sua idade, no montante do prémio do seguro, sendo o seguro obrigatório automóvel, por natureza, um seguro por conta, já que abrange a responsabilidade civil do tomador do seguro, dos sujeitos da obrigação de segurar e dos legítimos detentores e condutores do veículo – art. 8.º, nº 1 do citado DL 522/85 – pode qualquer pessoa celebrá-lo, caso em que, face ao disposto no art. 2.º, nº 2 do mesmo diploma legal, a obrigação de segurar fica suprida, enquanto o contrato produzir efeitos. Não podendo, assim, invocar-se a falta de interesse ou a inexistência de um seguro por conta”.

       Ainda em sentido análogo afirmou-se no acórdão deste Supremo de 31-5-2011 (no mesmo site) “…como determina o n.º 8 do referido diploma legal (DL 522/85), o contrato de seguro garante a responsabilidade civil do tomador do seguro, dos sujeitos da obrigação de segurar previstos no art. 2 e dos legítimos detentores e condutores do veículo. Como se lê no relatório do DL 522/85 “A institucionalização do seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel revelou-se uma medida de alcance social inquestionável, que com o decurso do tempo, apenas impõe reforçar e aperfeiçoar, procurando dar uma resposta cabal aos legítimos interesses dos lesados por acidente de viação ...” Por isso mesmo, dada a relevância social do regime do seguro obrigatório enquanto meio de protecção directa dos lesados (e não dos segurados como alega a recorrente) “não é de estranhar que se tenha acolhido com a máxima amplitude o princípio da inoponibilidade das excepções contratuais gerais” ... “Daí que, neste campo do seguro obrigatório, de pouco valha já argumentar com a natureza e efeitos do carácter pessoal do contrato... sendo certo, de qualquer modo, que a questão de a seguradora assumir o risco emergente de responsabilidade imputável ao condutor em nada colida com a circunstância de o outorgante no contrato de seguro ser qualquer outra pessoa; A responsabilidade coberta no seguro de veículo afere-se pela do condutor responsável civil – Art. 5º do DL 522/85 –, figure ou não no contrato com o tomador ou beneficiário do seguro. Aquela relevância social de protecção dos lesados e “socialização do risco”, de expressão cada vez mais evidente – cof. actual DL 291/2007 de 21/8 – ... erguem-se como valores que bem podem justificar a legitimação do seguro efectuado por terceiros, para além do conceito de “interesse” subjacente ao preceito do C. Com. (lei geral), não repugnando aceitar a derrogação da norma pelas leis de Seguro Obrigatório, enquanto enformadoras dum regime especial”. (Cof. Ac. do S.T.J. de 16/10/2008, relatado pelo aqui 1º adjunto). Não será, pois, pela falta de interesse da tomadora do seguro que o contrato aqui em causa é nulo, como pretende a recorrente”.

       Quer isto dizer que, mesmo que se considerasse demonstrada a falta de interesse do segurado na realização do seguro (o que, face à escassez dos factos provados é, duvidoso), a Seguradora não poderia opor aos lesados a cessação do contrato decorrente da nulidade, nos termos do art. 428º § 1º (falta de interesse na coisa segurada), mesmo que a causa invocada fosse anterior à data do sinistro.

                        É esta a posição a que, decididamente, aderimos.

   Não se desconhece que esta posição não é uniforme neste STJ, pois existem arestos que, seguindo a orientação mais próxima da letra da lei, consideram que o contrato de seguro é absolutamente nulo quando o tomador do seguro declara falsamente ser proprietário do veículo e seu condutor habitual, com o intuito de conseguir que a seguradora, celebre o contrato que de outra forma não seria celebrado e/ou celebre o contrato em condições menos onerosas para o segurado (vide entre outros os acórdãos de 30/11/2006 (proc. n° 06B2608), de 22/03/2007 (proc. Nº 07A230), de 20/01/2010, (proc. n° 471/2002.G1.S1) e de 09/07/2015 (proc. n° 487/09.6TBOHP.C1.S1)).

                        Foi derivada a esta polémica que decidimos, nos termos, dos arts 269° nº 1, alínea c) e 272° nº 1 do C.P.Civil, declarar suspensa a instância, até à resolução da questão prejudicial suscitada junto do Tribunal de Justiça da União Europeia, no processo deste STJ com o nº 40/10.1TVPRT.P1.S1, pedindo a pronúncia desse tribunal sobre o seguinte questão:

   “O artigo 3°, n° 1, da Directiva 72/166/CEE, o artigo 2°, n° 1, da Directiva 84/5/CEE, e o artigo 1°, da Directiva 90/232/CEE, relativas à aproximação das legislações dos Estados-Membros, respeitantes ao seguro da responsabilidade civil que resulta da circulação de veículos automóveis, opõem-se a uma legislação nacional que comine com a nulidade absoluta o contrato de seguro, em consequência das falsas declarações sobre a propriedade do veículo automóvel, assim como sobre a identidade do seu condutor habitual, sendo o contrato celebrado por quem não tem interesse económico na circulação do veículo e estando subjacente o intuito fraudulento dos intervenientes (tomador, proprietário e condutor habitual) de obter a cobertura dos riscos de circulação, mediante: (i) a celebração de contrato que a seguradora não celebraria se conhecesse a identidade do tomador; (ii) o pagamento de um prémio inferior ao devido, em razão da idade do condutor habitual”.

   A esta problemática o Tribunal de Justiça respondeu:

     “O artigo 3.°, nº 1, da Directiva 72/166/CEE do Conselho, de 24 de Abril de 1972, relativa à aproximação das legislações dos Estados-Membros respeitantes ao seguro de responsabilidade civil que resulta da circulação de veículos automóveis e à fiscalização do cumprimento da obrigação de segurar esta responsabilidade, e o artigo 2.°, D.O 1, da Segunda Directiva 84/5/CEE do Conselho, de 30 de Dezembro de 1983, relativa à aproximação das legislações dos Estados-Membros respeitantes ao seguro de responsabilidade civil que resulta da circulação de veículos automóveis, devem ser interpretados no sentido de que se opõem a uma legislação nacional que, em circunstâncias como as que estão em causa no processo principal, tem por efeito que seja oponível aos terceiros lesados a nulidade de um contrato de seguro de responsabilidade civil automóvel, nulidade essa que resulta de falsas declarações iniciais do tomador do seguro sobre a identidade do proprietário e do condutor habitual do veículo em causa ou do facto de que a pessoa por quem ou em nome de quem esse contrato de seguro é celebrado não tinha interesse económico na celebração do referido contrato” (Acórdão de 20 de Julho de 2017, no proc. C 287/16).

     Ou seja, perante esta decisão do Tribunal de Justiça da União Europeia, a interpretação do direito português em conformidade com o direito da União Europeia impõe que se entenda que, num contrato de seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel, como o dos autos, o requisito legal do interesse, previsto no art. 428°, § 1°, do Cód. Com.) se deve encontrar derrogado, não podendo a (eventual) invalidade ser oponível aos lesados.

  Isto mesmo se entendeu no acórdão proferido no dito processo nº 40/10.1TVPRT.P1.S1, em 2-11-2017 (que consultámos), em que se afirmou (em sumário) que “a interpretação do direito português em conformidade com o direito da União Europeia impõe que se entenda que, num contrato de seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel como o dos autos, o requisito legal do interesse, previsto no art. 428°, § 1°, do Cód. Com.) se deve encontrar derrogado, pela possibilidade de o contrato ser celebrado por terceiro, prevista no art. 2°, nº 2, do Decreto-Lei nº 522/85, pelo que a invalidade do contrato de seguro em causa nos autos é inoponível às herdeiras do falecido lesado…”.

 O contrato de seguro tem, por conseguinte, de se ter como válido e eficaz, em relação aos lesados, pelo que improcede nesta parte a pretensão da recorrente.

   2-5- Sustenta depois a recorrente que mesmo que não venha a ser declarada a nulidade do contrato de seguro, sempre se não poderão manter as respostas dadas aos arts. 70º e 132º da base instrutória (b.i.), pois o tribunal da primeira instância extravasou os seus poderes de julgamento, na medida em que deu como provados factos em resposta àqueles artigos que não foram alegados pelas partes e, como tal, não faziam parte da matéria objecto da instrução. Assim, deverá tal factualidade ser dada como não escrita.

    Sobre a resposta ao art. 70º da b.i. o tribunal recorrido referiu que “no que concerne ao quesito 70º efectivamente o esclarecimento não consta da base instrutória, mas o relevante é que se deu como provado o que aí se perguntava, esclarecendo-se a situação posterior e actual do autor, que conforme já se referiu resulta do depoimento da testemunha ..... E por outro lado, como consta da sentença recorrida no cálculo da indemnização teve-se em conta a situação laboral do mesmo à data do acidente”.

  Sobre a resposta ao art. 132º da b.i. referiu-se no acórdão recorrido que “no quesito 132º perguntava-se e deu-se como provado que: se em consequência do embate (o autor FF) ficou portador de uma incapacidade permanente geral de 25% que, em termos de rebate profissional, é compatível com o exercício da actividade habitual, mas implica esforços suplementares. Também o relatório do IML constante dos autos a fls. 789 a 793 confirma plenamente o que foi dado como provado. Assim, para além dos depoimentos das testemunhas, que o conhecem, convivem com ele, assistiram ao seu internamento e sofrimento decorrente das lesões, os documentos, nomeadamente os relatórios periciais confirmam o que consta provado nos referidos quesitos, assim como em relação ao quesito 90º”.

                        Como se considera jurisprudência uniforme, as respostas à base instrutória não têm que ser meramente afirmativas ou negativas, podendo ser restritivas ou explicativas desde que se mantenham dentro da matéria articulada (entre outros Ac.do STJ de 25-10-1990, BMJ, 400º, 583).

                        No mesmo sentido refere-se no acórdão deste STJ de 17/11/2011 (www.dgsi.pt/jstj.nsf) que “as respostas ao carreado para a base instrutória, não têm de ser, necessariamente, afirmativas ou negativas, antes, outrossim, restritivas ou explicativas, sem mácula, podendo sê-lo, as últimas desde que não constituam via para entrada no processo de factos essenciais da acção ou da excepção, não alegados, ao juiz, o qual não está obrigado a ater-se aos termos formais da(s) pergunta(s), vedado não sendo usar a explicação para fazer ingressar no processo os factos instrumentais que resultem da instrução e discussão da causa, como dispõe a 2.ª parte do n.º 2 do art.º 264.º do C.P.C., em ordem a dar à facticidade provada o enquadramento necessário à sua cabal compreensão”.

     Com a resposta ao art. 70º da b.i. ficou assente que desde o mês de Julho de 2004, o A. AA encontra-se a trabalhar, com carácter de regularidade e permanência, como cozinheiro, por conta de HH, na denominada pizzaria ..., na Vila de Ponte de Lima, com o esclarecimento de que apenas manteve esse trabalho durante cerca de 8 meses. Actualmente trabalha como condutor numa empresa de reboques, auferindo um vencimento mensal líquido de cerca de € 700,00, acrescido de um extra de 25% pelos serviços de reboque que efectua fora do horário de trabalho, obtendo mensalmente um rendimento global de cerca de € 1.400,00.

                        No artigo 70º da b.i perguntava-se se o A. AA se “desde Julho de 2004, o A. AA encontrava-se a trabalhar com carácter de regularidade e permanência, como cozinheiro, por conta de HH na denominada pizzaria ..., na vila de Ponte de Lima”.

   Com este quesito pretendia-se indagar e averiguar a situação profissional do lesado AA, entendendo-se que a 1ª parte do item responde directamente ao que era perguntado, esclarecendo e explicando a sua segunda parte, a actividade laboral do lesado mais actual.

  Neste sentido entendemos que a forma como se respondeu ao quesito, mais concretamente a 2º parte dele, não ultrapassou o esclarecimento e elucidação que a factualidade indagada demandava.

                        Com a resposta ao art. 132º da b.i ficou demonstrado que em consequência do embate o A. FF ficou portador de uma incapacidade permanente geral de 25% que, em termos de rebate profissional, é compatível com o exercício da actividade habitual, mas implica esforços suplementares.

   No artigo 132º da b.i perguntava-se se “em consequência do embate, o A. FF, ficou com uma incapacidade permanente parcial de 5% para o exercício da profissão”.

                        Com este quesito pretendia indagar qual a incapacidade permanente parcial do lesado FF, tendo-se chegado à conclusão que essa incapacidade ascendeu a 25%.

                        Também aqui a resposta foi elucidativa (e a percentagem fixada terá sido a real, pois foi atestada pelo relatório do IML constante dos autos a fls. 789 a 793) mas não se poderá manter porque, expressamente, através do despacho judicial de 10-11-2009 (fls. 1431) foi indeferida a ampliação do pedido fundamentada na alteração da incapacidade permanente alegada em sede de petição inicial e, nesta conformidade, deve ter-se como fixada a incapacidade permanente parcial de 5% para o exercício da profissão.

         Portanto, nesta parte o recurso procede, devendo, consequentemente, ter-se como escrita, na resposta ao art. 132º da b.i, a percentagem de 5%.

   Sublinhar, contudo, que esta alteração não teve relevância a nível do acórdão recorrido visto que ele atendeu a esta circunstância referindo, designadamente, que “em consequência do embate ficou portador de uma incapacidade permanente geral de 25% que, em termos de rebate profissional, é compatível com o exercício da actividade habitual, mas implica esforços suplementares … Concordamos com a sentença recorrida que considerou que a indemnização a arbitrar deveria ser mais elevada se fosse considerado o grau de incapacidade efectivamente fixado, ou seja, 25%, mas tal não foi permitido por força do despacho (fls. 1428) que indeferiu essa parte do requerimento de ampliação do pedido (sublinhado nosso).

                                                                                                                                                                     

     2-6- Defende depois a recorrente que no cômputo da indemnização pela incapacidade geral que afecta o A. AA, a idade a atender deverá ser a da data da alta deste último e não a sua idade à data do acidente, como sustentado pelo tribunal recorrido. Ao considerar a sua idade à data do acidento para efeitos de cálculo daquela indemnização e ao atribuir-lhe igualmente uma indemnização pelas perdas salariais sofridas, no período em que aquele esteve absolutamente incapacitado para o trabalho, o Tribunal contabilizou um período, de quase dois anos, em ambas as indemnizações, obtendo, assim, o A. um ganho injustificado. Acresce que o cálculo da indemnização por danos patrimoniais futuros decorrentes da incapacidade de que aquele A. ficou a padecer, não pode assentar no rendimento mensal considerado pelo tribunal recorrido, ou seja na quantia de 925,00 €, resultante da soma do rendimento base mensal de 700,00€, acrescido do valor correspondente à comida de que o A. beneficiava, que o Tribunal estimou, sem qualquer elemento para tanto, em 225,00 € mensais. Face aos critérios que norteiam a atribuição de uma tal indemnização, o valor mensal que representa a alimentação de que beneficiava o recorrido, não pode ser considerado como rendimento líquido para efeitos do cálculo da indemnização por danos futuros, desde logo porque tal valor é insusceptível de variação em função da capacidade laboral do A.. Atendendo à idade do A. AA à data da alta (20 anos), ao grau de incapacidade de que ficou a padecer (20%) e ao salário que auferia (700,00€, o montante de 45.000,00 € traduz de forma muito expressiva a gravidade das sua lesões, indo de encontro aos valores usualmente arbitrados em situações semelhantes, devendo, como tal, ser alterada a decisão do Tribunal a quo.

            Sobre tal matéria referiu-se no douto acórdão recorrido que a recorrente entende “que o montante arbitrado a título de indemnização - de € 85.000,00 - em consequência da incapacidade que o lesado sofreu, é excessiva e teve em conta pressupostos que não se verificam como seja a remuneração fixa. Considerou-se – na sentença recorrida - que à data do acidente o recorrido tinha 18 anos de idade, e bem assim que ficou a sofrer de uma IPP de 20%.Também se considerou que a esperança de vida activa ocorreria pelos 70 anos de idade. E que o mesmo auferia de salário € 700,00 acrescido de € 7,5 corresponde à comida que beneficiava. É, fundamentalmente, neste ponto que assenta a discordância da recorrente, entendendo a mesma que ao montante respeitante à comida não integra o salário e ainda que apenas deve ser considerada (para o cálculo) a idade de 20 anos, ou seja a idade que o autor tinha à data da alta. Conforme tem sido entendido pela jurisprudência, do STJ a indemnização deve corresponder a um capital produtor do rendimento que a vítima não auferirá e que se extingue no final do período provável de vida. “Deve ter-se em conta, não exactamente a esperança média de vida activa da vítima, mas sim a esperança média de vida, uma vez que, como é óbvio, as necessidades básicas do lesado não cessam no dia em que deixa de trabalhar por virtude da reforma (em Portugal, no momento presente, a esperança média de vida dos homens já é sensivelmente de 78 anos, e tem tendência para aumentar; e a das mulheres ultrapassou a barreira dos oitenta anos)” Ac. do STJ de 8 de Maio de 2012, e no mesmo sentido Ac. de 15 de Março de 2012, disponíveis em www.dgsi. pt. Na indemnização do dano futuro decorrente de IPP deve atender-se a que o A. era uma pessoa saudável antes do acidente, tinha 18 anos à data do acidente, que a IPP foi fixada em 20%., a retribuição total mensal por aquele auferida, a taxa de juro do capital produtor do rendimento que, neste momento não será inferior a 2% ao ano como se considerou na sentença recorrida. E temos que ter em consideração a esperança de vida e não a esperança de vida activa (neste sentido Ac. do STJ de 17 de Junho de 2008 em www.dgsi.pt), pelo que não vemos quaisquer razões para alterar os pressupostos que estiveram subjacentes à atribuição da indemnização explanados na sentença recorrida. Pois, sendo vários os critérios que vêm sendo propostos para determinar a indemnização devida pela diminuição da capacidade de ganho, não se revelando nenhum deles infalível, devem os mesmos ser utilizados como meios indiciários com vista à obtenção da justa indemnização, pelo que o seu uso deve ser temperado por um juízo de equidade, nos termos do n.º 3 do artigo 566º. Ora, mesmo partindo da idade de 20 anos (como requer a recorrente e tendo em conta que já lhe foi atribuída uma indemnização pelo tempo em que esteve totalmente incapacitado para o trabalho (ou antes partindo da idade de 18 anos e descontando a quantia já recebida pelo tempo em que esteve totalmente incapacitado para o trabalho), bem como o salário que se provou que auferia e não a quantia de € 374,70 como pretende a recorrente) entendemos como correcta a quantia arbitrada nesta sede, tanto mais que o autor estava a iniciar a sua vida laboral. E como se refere no Ac. do STJ de 24 de Setembro de 2009, em www.dgsi.pt “seja qual for o relevo que, para efeitos laborais, tem a autonomização da parte da remuneração que corresponde ao subsídio de refeição, para o cálculo do que o autor deixou de auferir por causa do acidente há que contar com o correspondente montante, por se traduzir em remuneração efectivamente não recebida. Podem ver-se, a título de exemplo de decisões em que este Supremo Tribunal contou com o subsídio de refeição para o cálculo da indemnização que agora está em causa, os acórdãos de 9 de Dezembro de 2004 ou de 23 de Maio de 2000 (www.dgsi.pt)”. Por isso, se entendeu manter o montante de indemnização fixado em 1ª instância.

                        Vejamos:

Pretende-se, neste âmbito, procurar uma indemnização que compense o lesado pelo prejuízo corporal que, em razão do acidente, ficou a padecer para o resto dos seus dias. Não existem dúvidas que incapacidade ou diminuição da capacidade de ganho, porque previsível, é indemnizável a título de danos futuros/lucros cessantes (art. 564º do C.Civil). Por outro lado, não deveremos perder de vista que a indemnização em dinheiro tem como medida a diferença entre a situação patrimonial do lesado à data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal e a que teria nessa data se não tivesse ocorrido o dano, sendo que não podendo ser avaliado o valor exacto dos danos, o tribunal julgará equitativamente dentro dos limites que tiver por provados (art. 566º nº2 e 3 do mesmo diploma).

          Como se trata de danos futuros e, portanto, impossível de determinar com exactidão, a sua fixação não poderá deixar de passar pela utilização de um critério de equidade. Poder-se-á, porém, como elemento auxiliar, usar fórmulas ou tabelas financeiras, com objectivo de lograr um critério mais ou menos objectivo e uniforme. Não é, porém, de mais sublinhar que as tabelas ou fórmulas financeiras devem ser usadas como critério meramente indicativo, devendo ser os seus resultados alterados, caso se mostrem desajustado ao caso concreto. A indemnização deve, a final, ser fixada através da equidade, como determina a lei.

                        Mesmo que se possa colocar a hipótese de não ocorrer, na prática, uma diminuição de salário ou vencimento, a pertinente indemnização não deve deixar de se colocar, por se considerar ser necessário um maior esforço por banda do lesado, para obter o mesmo rendimento. Considerar-se-á a incapacidade em termos de prejuízo funcional. É o chamado dano biológico que consiste, precisamente, “na diminuição somático-psíquico do indivíduo com repercussão na vida de quem o sofre” (in acórdão deste STJ de 4-10-2005 em www.dgsi.pt/jstj.nsf). Trata-se de um prejuízo que se repercute nas potencialidades e qualidade de vida do lesado, afectando-lhe o seu viver quotidiano na sua vertente laboral, recreativa sexual, social e sentimental. É um dano que determina perda das faculdades físicas e até intelectuais em termos de futuro, deficiências que se agravarão com a idade do ofendido. Em termos profissionais conduz este dano o lesado a uma posição de inferioridade no confronto com as demais pessoas no mercado de trabalho, exigindo-lhe, outrossim, um maior esforço para o desenvolvimento da sua laboração. Ou seja, é um prejuízo que se repercute no seu padrão de vida, actual e vindouro.

                        Foi precisamente este dano biológico que se verificou no caso vertente, já que de demonstrou que em termos de rebate profissional, a incapacidade permanente do A. é compatível com o exercício da actividade habitual, mas implica esforços suplementares.

    Somos em crer que a necessidade de esforços acrescidos são os mesmos para dois lesados em idêntica situação de incapacidade, independente da remuneração que recebam, pelo que na fixação de uma indemnização a remuneração auferida pelo lesado terá um peso limitado, devendo a respectiva atribuição ser realizada, essencialmente, através da equidade.   

                        Este dano é indemnizável per si, independentemente de se verificarem, ou não, consequências em termos de diminuição de proventos por parte do lesado. Trata-se de um prejuízo funcional que não perde, porém, a natureza de dano patrimonial[4], na medida em que é susceptível de avaliação pecuniária, tendo-se verificado durante o período de vida activa do lesado (neste sentido vai a jurisprudência mais recente deste STJ, vide designadamente o acórdãos de 27-10-2009, de 19-5-2009 e de 4-10-2007 todos publicados no mesmo sítio na internet e ainda o acórdão deste colectivo de 1-6-2010).

  Em virtude deste entendimento, é evidente que a condenação da R. Seguradora, no pagamento de uma indemnização pela incapacidade permanente parcial de que o A. ficou a padecer, se justifica.

                        Por outro lado, em questões em que a indemnização seja fixada através da equidade, este STJ só deve intervir quando os montantes fixados se revelem em patente colisão com os critérios jurisprudenciais que vêm a ser adoptados. Não ocorrendo essa clara oposição, a ponderação casuística das circunstâncias do caso deve ser mantida, já que o julgador se situou na margem de discricionariedade que lhe é consentida. Não se trata aqui de aplicação de critérios normativos, pelo que, em rigor não está em causa a resolução de uma «questão de direito» a que uma revista deve particularmente dar resposta (art. 671º nº 1 do C.P.Civil). A este propósito referiu-se no acórdão deste STJ de 17-4-2012 de que o presente relator foi adjunto (www.dgsi.pt/jstj.nsf) “…não podem ser postergados, como critério de valoração, os referidos valores de igualdade de tratamento e de segurança jurídica, transpondo, na medida do possível, os indicadores fornecidos pelas situações mais próximas conhecidas. É, de resto, a este nível que colhe justificação a intervenção do STJ, como Tribunal de revista, pois que como já se escreveu nos acórdãos de 28/10/2010 e de 05/11/2009 (proc. 272/06.7TBMTR.P1.S1 e 381-2009.S1), respectivamente, “quando o cálculo da indemnização haja assentado decisivamente em juízos de equidade, ao Supremo não compete a determinação exacta do valor pecuniário a arbitrar em função da ponderação das circunstâncias concretas do caso, - já que a aplicação de puros juízos de equidade não traduz, em bom rigor, a resolução de uma «questão de direito», - mas tão somente a verificação acerca dos limites e pressupostos dentro dos quais se situou o referido juízo equitativo, formulado pelas instâncias face à ponderação da individualidade do caso concreto «sub juditio»”, sendo que esse “juízo de equidade das instâncias, assente numa ponderação, prudencial e casuística, das circunstâncias do caso – e não na aplicação de critérios normativos - deve ser mantido sempre que – situando-se o julgador dentro da margem de discricionariedade que lhe é consentida – se não revele colidente com os critérios jurisprudenciais que generalizadamente vêm sendo adoptados, em termos de poder pôr em causa a segurança na aplicação do direito e o princípio da igualdade”.

    No que respeita ao quantum da indemnização por este dano patrimonial, atendendo aos elementos que referenciou, o douto acórdão recorrido chegou ao valor de 85.000,00 €, confirmando o montante atribuído na 1ª instância.

                        Somos em crer que este valor se revela algo excessivo.

  Com efeito, a atendendo à idade do lesado, aos rendimentos que auferia (acima referenciados), à incapacidade com que ficou (20%) sendo que com a sua passagem à situação de reforma a necessidade de esforços acrescidos não desaparece, à esperança média de vida à nascença para os homens, somos em crer que uma indemnização de 55.000 € se mostra equilibrada e adequada.

   Note-se que se entendesse calcular a indemnização (como se ficasse, realmente, incapacitado para o trabalho), em atenção ao tempo provável da vida activa do lesado, aos seus rendimentos anuais e à incapacidade sofrida, de forma a representar um capital produtor de rendimento que cobrisse a diferença entre a situação anterior e a actual até ao fim desse período, segundo as tabelas financeiras usadas para determinação do capital necessário à formação de uma renda periódica correspondente a uma taxa de juros (neste sentido, entre outros, Acs. do STJ de 6-7-00, Col. Jur. 2000, II, 144 e da Relação de Coimbra de 4-5-1995, Col. Jur. 1995, II, 26), ou atendendo, dada a complexidade desta fórmula, a uma regra mais simples, como a indicada no acórdão de 4-12-2007 (relator Cons. Mário Cruz in www.dgsi.pt/jstj.nsf) que tem por base a indicada fórmula, sendo que os factores a aplicar (calculados por aplicação o programa informático Excell), seriam os mencionados nesse aresto, para onde se remete, o valor a que se chegaria seria claramente inferior ao fixado pelas instâncias. Assim, atendendo-se à idade de 20 anos do lesado, teríamos 47 anos de vida activa (67 anos idade actual da reforma – 20 anos), o que conduz a um factor de 25,02471 (vide também Acórdão deste Supremo de 7-2-2008, relator Cons. Cardoso de Albuquerque, Col. Jur. 2008, Tomo I, págs. 91 e segs.-). No caso dos autos, o salário a considerar seria de € 700,00 mensais, a que deveria acrescer a quantia de € 7,5 correspondente ao subsídio de alimentação de que beneficiava (este porém, somente durante 12 meses). Assim o salário anual a considerar seria de 9.890 € (700x14=9800 +7.5x12=90), 47 anos de vida activa e 20%o grau de incapacidade permanente, sendo, como já se disse, o factor[5] de 25,02471. Assim a operação a realizar seria esta:

                        9890 x 25,02471 x 20 % o que dará 49.498,876.

                        Chegados aqui haveria que descontar uma percentagem de 1/3[6] de rendimentos que serão os que o lesado gastaria consigo próprio.

 Assim, 49.498,876 – 1/3 = 32.999,25, por arredondamento, 33.000 €.

    Por outro lado pese embora se deva considerar, para efeitos de cálculo, a vida activa do lesado até aos 67 anos, pois é nessa altura que se atinge a idade da reforma, parece-nos ser de ponderar que a vida não acaba com essa idade, mantendo-se a capacidade de ganho do lesado por mais algum tempo, se bem que se aceite que essa capacidade de auferir proventos diminui patentemente após terminar a vida profissional activa. Nesta conformidade, como tem vindo a ser entendido pela jurisprudência maioritária deste Supremo Tribunal[7], deve-se considerar uma idade de aproximadamente 70 anos, como limite da capacidade de ganho do lesado.

   Haveria atender também a uma esperada melhoria das condições de vida no futuro, bem como um aumento de produtividade e de ganhos em função da progressão profissional. Além disso, não poderíamos deixar de ponderar que a incapacidade permanente que a A. ficou a padecer, a iria inabilitar (parcialmente) não só para a sua vida profissional, mas também para todos os actos da vida que demandem esforço físico.

                        Daí que o cálculo a que acima chegaríamos deveria ser entendido como determinativo da indemnização mínima.

                        Por tudo o exposto, chegaríamos ao valor de 55.000,00, quantia que se afigura correcta e equilibrada.

                        Nesta parte o recurso procede.

  2-5- A recorrente discorda da indemnização que foi fixada ao A. AA relativa às despesas com futuros tratamentos cirúrgicos, medicamentos e tratamentos, períodos de paralisação da sua actividade laboral perda de rendimentos, dores, sofrimento e transtornos de que venha a padecer.

                        No douto acórdão recorrido sob o tema referiu-se que “…tendo em conta que a matéria de facto não foi alterada e considerando os factos dados como provados sob os nºs 79 a 84 do acórdão e os demais fundamentos aí constantes no que respeita à indemnização a arbitrar nesta sede, mantém-se a condenação fixada na sentença recorrida[8].

                        Em sede das alegações da presente revista, a recorrente notificada desta posição afirma que a matéria dada como provada aponta apenas no sentido de que o indicado autor poderá vir a necessitar de retirar o material de osteossintese que tem aplicado e, consequentemente, para a possibilidade de este poder necessitar, para o efeito de se submeter a novas intervenções cirúrgicas, a consultas e a tratamentos, com todas as consequências daí resultantes (nomeadamente perdas de tempo, incapacidades, sofrimentos etc.). Contudo, trata-se de uma mera hipótese, que tanto pode verificar-se, como não. Os médicos não afirmam - nem isso está provado - que o A. AA vai necessitar, no futuro, de extrair o material de osteossíntese que tem aplicado. Assim, contrariamente ao afirmado pelo Tribunal a quo, não estamos aqui perante um dano futuro previsível, já que, neste momento, é impossível afirmar se o mesmo irá, ou não, ocorrer. Entende a ora requerente que, perante a factualidade que vem dada como provada, não é possível recorrer ao disposto no artigo 609.° nº 2 do C.P.C. (antigo 661.° nº 2 do C.P.C.), para a condenar no pagamento de uma indemnização a ser fixada em momento ulterior, relativamente a danos que, neste momento, não são previsíveis. Assim, não podia o Tribunal ter relegado a liquidação de um prejuízo não demonstrado para liquidação em momento posterior, pelo que deverá ser absolvida desta parte do pedido.

    Sobre o tema demonstrou-se que o A. AA conserva ainda o material de osteossíntese que lhe foi aplicado no fémur do membro inferior esquerdo, no futuro poderá vir a necessitar de extrair o material de osteossintese de que é portador, para o efeito vai ter de recorrer a consultas médicas, e vai necessitar de efectuar exames complementares de diagnóstico, tais como Raios X, pode ter de sujeitar-se a adquirir medicamentos e de se submeter a sessões de fisioterapia para recuperação funcional e poderá ter necessidade de suportar encargos com honorários médicos e internamentos hospitalares (factos referidos de 79 a 84).

                        Porque os ditos tratamentos médicos poderão que vir a ser efectuados, isto é, serão previsíveis (no sentido de conjecturáveis), face ao disposto no art. 609º nº 2 do C.P.Civil, o tribunal agiu correctamente ao proferir a decisão sob escrutínio.

                        Não se vê, por outro lado, que a condenação proferida, nos termos em que o foi, possa prejudicar a recorrente, pois esta foi condenada, somente, no pagamento das despesas que o A. AA, vier a suportar com futuros tratamentos cirúrgicos, medicamentos e tratamentos (se, claro, ocorrerem), em razão das lesões sofridas em consequência do evento.

                        Improcede, nesta parte a pretensão da requerente.

  2-5- Discorda a recorrente, ainda, do montante indemnizatório que foi fixado ao A. FF, pela incapacidade permanente geral de que o mesmo ficou a padecer.

      Afirma a recorrente que antes de mais, importa salientar que, tal como o A. AA, também o A. FF não ficou a padecer de qualquer tipo de incapacidade permanente parcial para o trabalho profissional, já que as sequelas apuradas são compatíveis com o exercício da sua actividade profissional habitual, embora implicando esforços acrescidos. E não ficou demonstrado que as sequelas que o afectam impliquem para este A. qualquer perda de capacidade de ganho, mas apenas a necessidade de um maior dispêndio de esforço e de energia para obter os mesmos resultados. Ou seja, não está demonstrado nos autos, que, em consequência da incapacidade que o afecta (5%), o A. tenha visto a sua capacidade de ganho reduzida, ou que dela tenha resultado uma efectiva perda de rendimentos. É certo que as lesões e sequelas resultantes para o A. em consequência do sinistro terão de ser devidamente compensadas, já que aquele nenhuma culpa teve na ocorrência do acidente. O chamado "dano biológico" justifica uma indemnização, com vista a compensar as consequências negativas futuras que esse dano determina a todos os níveis da actividade do lesado. Todavia não se afigura justo e conforme aos princípios da equidade, que, nestas circunstâncias, se fixe uma indemnização de valor muito superior àquelas que vêm sendo atribuídas pelas nossa mais recente jurisprudência em situações em que os lesados ficam a padecer de um grau de incapacidade idêntico mas com perda da capacidade de ganho.

        Sobre o tema o douto acórdão recorrido afirmou que “conforme consta da sentença recorrida ao autor foi fixada a indemnização, nesta sede, de € 20.000,00. Consta da matéria de facto provada que o autor FF tinha na altura do acidente 20 anos de idade, era um homem sadio, voluntarioso, activo e trabalhador - resposta ao quesito 1260. Era serralheiro de profissão. -resposta ao quesito 1270. Antes do embate, e apesar de estar a cumprir serviço militar, o Lucínio trabalhava numa serralharia em S. Pedro da Torre. - resposta ao quesito 1280 Em consequência do embate ficou portador de uma incapacidade permanente geral de 25% que, em termos de rebate profissional, é compatível com o exercício da actividade habitual, mas implica esforços suplementares, ­resposta ao quesito 132º.. Concordamos com a sentença recorrida que considerou que a indemnização a arbitrar deveria ser mais elevada se fosse considerado o grau de incapacidade efectivamente fixado, ou seja, 25%, mas tal não foi permitido por força do despacho (fls. 1428) que indeferiu essa parte do requerimento de ampliação do pedido. E remetemos para o acórdão em relação aos considerandos sobre o cálculo da indemnização sobre os danos futuros e a perda de capacidade de ganho, concordando com a mesma sentença quando se refere que "tratando-se de uma indemnização em dinheiro, fazendo uso dos critérios já apontados e ao tipo de cálculo referido, e tendo em conta: a remuneração, que aqui, tal como indicado pelo próprio autor, será tido em conta o salário mínimo nacional à data do acidente, o período restante de vida activa, tendo por tecto os 70 anos de idade, pelas razões já supra expostas, a taxa de incapacidade, e a taxa de juro de 2%. Assim, tomando por referência uma taxa de juro de 2%, o rendimento líquido mensal (salário mínimo) de € 425,00, a idade do FF à data do acidente, 20 anos, e uma taxa de incapacidade de 5%, obteremos o capital que garanta as prestações periódicas correspondente à perda da sua capacidade de ganho. Assim sendo, fazendo uso da fórmula supra aludida e procedendo aos ajustamentos e correcções que o caso concreto justifica, designadamente o facto de estarmos em presença de um jovem adulto afectado de forma relevante na sua capacidade de trabalho, entendemos fixar o total do valor peticionado de € 20.000,00, (vinte mil euros) a título de dano futuro".

                        Vejamos:

                               Ficou provado sobre o tema, que antes do embate, o A. FF era um homem sadio, voluntarioso, activo e trabalhador e era serralheiro de profissão e que apesar de estar a cumprir serviço militar, trabalhava numa serralharia em .... Em virtude das lesões e suas sequelas o A. perdeu o emprego e passou a sentir-se diminuído em consequência das sequelas e incapacidades decorrentes do acidente, e que se vão manter pelo resto dos seus dias. Desde o termo do serviço militar, o A. FF tem vindo a desempenhar algumas tarefas temporárias para sobreviver. Em consequência do embate ficou portador de uma incapacidade permanente geral de 5%[9] que, em termos de rebate profissional, é compatível com o exercício da actividade habitual, mas implica esforços suplementares.

                        Remete-se para a vertente teórica que acima se referiu no que toca à indemnização fixada ao A. AA, pelos danos patrimoniais futuros e pela perda de capacidade de ganho, que a recorrente coloca em dúvida.

    Também aqui repetiremos que, em questões em que a indemnização seja fixada através da equidade, este STJ só deve intervir quando os montantes fixados se revelem em patente colisão com os critérios jurisprudenciais que vêm a ser adoptados. Não ocorrendo essa clara oposição, a ponderação casuística das circunstâncias do caso deve ser mantida, já que o julgador se situou na margem de discricionariedade que lhe é consentida. Não se trata aqui de aplicação de critérios normativos, pelo que, em rigor não está em causa a resolução de uma «questão de direito» a que uma revista deve particularmente dar resposta (art. 671º nº 1 do C.P.Civil).

    Igualmente reafirmaremos que mesmo que se possa colocar a hipótese de não ocorrer, na prática, uma diminuição de salário ou vencimento, a pertinente indemnização não deve deixar de se colocar, por se considerar ser necessário um maior esforço por banda do lesado, para obter o mesmo rendimento. Considerar-se-á a incapacidade em termos de prejuízo funcional. É o chamado dano biológico. E foi precisamente este dano biológico que se verificou no caso vertente, já que de demonstrou que em termos de rebate profissional, a incapacidade permanente do A. é compatível com o exercício da actividade habitual, mas implica esforços suplementares.

   Como igualmente já se disse, este dano é indemnizável per si, independentemente de se verificarem, ou não, consequências em termos de diminuição de proventos por parte do lesado. Trata-se de um prejuízo funcional que não perde, porém, a natureza de dano patrimonial[10], na medida em que é susceptível de avaliação pecuniária, tendo-se verificado durante o período de vida activa do lesado.

   Em virtude deste entendimento, é evidente que a condenação da R. Seguradora, no pagamento de uma indemnização pela incapacidade permanente parcial de que o A. ficou a padecer, se justifica.

                        No que respeita ao quantum da indemnização por este dano patrimoniais, atendendo aos elementos que referenciou, o douto acórdão recorrido chegou ao valor de 20.000,00 €.

                        Ponderando na idade do lesado à data do acidente (20 anos), à incapacidade com que ficou (5%- se bem que a real seja superior - ) sendo que com a sua passagem à situação de reforma a necessidade de esforços acrescidos não desaparece, à esperança média de vida à nascença para os homens, somos em crer que se mostra equilibrada e adequada a indemnização fixada na Relação, não se nos afigurando razão para dissentir do montante fixado pela Relação.

                       

                        Em síntese:

                         O recurso da recorrente procede quanto à resposta ao art. 132º da b.i, em que se deve ter como assente a percentagem de 5%, ficando, por conseguinte a respectiva resposta a ser do seguinte teor:

       “Em consequência do embate, o A. FF, ficou portador de uma incapacidade permanente geral de 5% que, em termos de rebate profissional, é compatível com o exercício da actividade habitual, mas implica esforços suplementares”.

                        A revista também procede quanto à indemnização por danos patrimoniais futuros do A., em razão da incapacidade parcial permanente que afecta o A. AA, fixando-se o seu valor no montante de 55.000,00.

                        No mais improcede o recurso.

                        III- Decisão:

       Por tudo exposto concede-se parcialmente a revista, devendo-se considerar a seguinte resposta ao art. 132º da b.i: “Em consequência do embate, o A. FF, ficou portador de uma incapacidade permanente geral de 5% que, em termos de rebate profissional, é compatível com o exercício da actividade habitual, mas implica esforços suplementares”, fixando-se a indemnização por danos patrimoniais futuros do A. AA, em razão da incapacidade parcial permanente que o afecta, em 55.000,00.

      No mais nega-se a revista, confirmando-se o douto acórdão recorrido.

                        Custas pelo A. e R. consoante o seu vencimento.

                        Elabora-se o seguinte sumário (arts. 679º e 663º nº 7 do C.P.Civil):

    - Não ocorre a nulidade do seguro invocada pela recorrente, Companhia de Seguros BB, S.A.,

    - Na resposta dada ao art. 132º da b.i, deve considerar-se como provada (somente) a percentagem de 5%.

    - O quantum da indemnização fixado em relação aos danos patrimoniais futuros sofridos e a sofrer pelo A. AA revela-se excessivo, sendo que uma indemnização de 55.000 € se mostra mais equilibrada e adequada.

   - A indemnização que foi fixada ao A. AA relativa às despesas com futuros tratamentos cirúrgicos, medicamentos e tratamentos, períodos de paralisação da sua actividade laboral perda de rendimentos, dores, sofrimento e transtornos de que venha a padecer, foi atribuída de forma correcta, já que os ditos tratamentos médicos poderão que vir a ser efectuados, isto é, serão previsíveis (no sentido de conjecturáveis), face ao disposto no art. 609º nº 2 do C.P.Civil.

     - O montante indemnizatório que foi fixado ao A. FF, pela incapacidade permanente geral de que ficou a padecer, revela-se equilibrado e adequado, não se nos afigurando razão para dissentir do montante fixado pela Relação.

Garcia Calejo (Relator) *

Helder Roque

Roque Nogueira

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[1] Este diploma foi revogado pelo Dec-Lei 291/2007 de 21 de Agosto que entrou em vigor em 21-10-2007 (vide art. 95º).
[2] Esta norma, com similar redacção, teve acolhimento no art. 22º do Dec-Lei 291/2007 de 21 da Agosto.
[3] Vide entre outros, para além dos referidos acórdãos de 31-5-2011,12-1-2014 e 6-11-2007, os acórdãos de 14-11-2006 onde expressamente se diz (em sumário) que “nos contratos de seguro que tenham por objecto coberturas de riscos sujeitas ao regime do seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel, a seguradora não pode invocar perante os lesados quaisquer exclusões ou anulabilidades não previstas na Lei do Seguro Obrigatório, corporizada no DL n.º 522/85, de 31-12, ou seja, está-lhe vedado opor-lhes qualquer anulabilidade prevenida noutra lei ou norma jurídica geral ou especial”, de 16-10-2008 e de 8-4-2008.
[4] O dano biológico poderá ser também avaliado como dano não patrimonial. A situação deverá ser averiguada casuisticamente (neste sentido vide entre outros, o Acórdão deste STJ de 27-10-2009 em www.dgsi.pt/jstj.nsf)
[5] Como se diz no acórdão deste STJ indicado, a fórmula tem como suporte a aplicação do programa informático Exell à formula utilizada pelo STJ do acórdão de 5-5-1994, tendo sido construída tendo como referência a atribuição de 3 % ao factor aí indicado como taxa de juros previsível no médio e longo prazo.
[6] Dado o salário exíguo que auferia a lesada, parece-nos ser esta a percentagem ajustada para os gastos consigo própria.
[7] Neste sentido, entre outros, Acórdãos do STJ de 31-3-2004 , proc. 04B497/ITIJ/net, 10-3-2005 (relator Cons. Custódio Montes), 15-3-2005 (relator Cons. Barros Caldeira), 9-6-2005 (relator Cons. Loureira da Fonseca), 14-6-2005 (relator Cons. Azevedo Ramos), 19-12-2006 (relator Cons. Oliveira Rocha) e de 72-2-2008 (relator Cons. Alves Velho) in www.dgsi.pt/jstj.nsf.

[8] A pronúncia sobre este tema verificou-se, aquando do conhecimento das nulidades invocadas pelas R., recorrente, efectuada na sequência da remessa à Relação ordenada por este STJ (despacho do relator de 12-1-2016 - fls. 2410 -).

[9] Como acima já se mencionou, através do despacho judicial de 10-11-2009 (fls. 1431) foi indeferido a ampliação do pedido fundamentada na alteração da incapacidade permanente alegada em sede de petição inicial, pelo que a percentagem de incapacidade a atender será esta.

[10] O dano biológico poderá ser também avaliado como dano não patrimonial. A situação deverá ser averiguada casuisticamente (neste sentido vide entre outros, o Acórdão deste STJ de 27-10-2009 em www.dgsi.pt/jstj.nsf)