Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
4691/16.2T8LSB.L1.S1
Nº Convencional: 4ª SECÇÃO
Relator: FERREIRA PINTO
Descritores: RECURSO DE APELAÇÃO
CONCLUSÕES
OBJETO DO RECURSO
IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
PRAZO DE INTERPOSIÇÃO DO RECURSO
Data do Acordão: 06/06/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA
Área Temática:
DIREITO PROCESSUAL CIVIL – PROCESSO DE DECLARAÇÃO / SENTENÇA / RECURSOS / RECURSO DE REVISTA / JULGAMENTO DO RECURSO.
DIREITO PROCESSUAL DO TRABALHO – PROCESSO CIVIL / PROCESSO DE DECLARAÇÃO / PROCESSO COMUM / RECURSOS.
Doutrina:
-António Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2017, 4.ª Edição, Almedina, p. 147;
-Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, Almedina, 2000, p. 108;
-José Augusto Pais do Amaral, Direito Processual Civil, 2013, 11.ª Edição, Almedina, p. 417 e 418.

Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 608.º, N.º 2 E 679.º.
CÓDIGO DE PROCESSO DE TRABALHO (CPT): - ARTIGO 80.º, N.ºS 1 E 3.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:


-DE 01-03-2007, PROCESSO N.º S6S979;
-DE 18-08-2013, PROCESSO N.º 483/08.0TBLNH.L1.S1;
-DE 26-11-2015, PROCESSO N.º 291/12.4TTLRA.C1.S1;
-DE 03-03-2016, PROCESSO N.º 861/13.3TTVIS.C1.S1;
-DE 27-10-2016, PROCESSO N.º 110/08.6TTGDM.P2.S1;
-DE 09-02-2017, PROCESSO N.º 471/10.7TTCSC.L1.S1, TODOS IN WWW.DGSI.PT.
Sumário :
I. São as conclusões que delimitam o objeto do recurso, não podendo o Tribunal “ad quem” conhecer de questão que delas não conste.

II. Se o recorrente, ao explanar e ao desenvolver os fundamentos da sua alegação, impugnar a decisão proferida na 1ª instância sobre a matéria de facto, pugnando pela sua alteração/modificação, mas omitindo nas conclusões qualquer referência a essa decisão e a essa impugnação, essa questão não faz parte do objeto do recurso.

III. Apesar de não haver lugar à reapreciação da prova gravada, por não fazer parte do objeto da apelação, continua a justificar-se o alongamento do prazo, por mais 10 dias, para a interposição da apelação, se na alegação o recorrente tiver impugnado a decisão proferida sobre a matéria de facto, nomeadamente, indicando e transcrevendo os trechos dos depoimentos gravados que, no seu entender, impõem a alteração da matéria de facto.
Decisão Texto Integral:

Processo n.º 4691/16.2T8LSB.L1.S1 (Revista) – 4ª Secção[1]

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça

I

1). Relatório[2]:

AA, instaurou, em 19 de outubro de 2016, no Tribunal da Comarca de Lisboa, Lisboa – Instância Central – 1ª Secção do Trabalho – J2, a presente Ação Declarativa, Emergente de Contrato Individual de Trabalho, sob a forma de Processo Comum, contra “MEO - Serviços de Comunicações e Multimédia, S. A.”, pedindo que:

i. Se a condene a reconhecer a existência de um contrato de trabalho entre ambas, desde junho de 2006;

Em consequência, seja condenada a pagar-lhe a quantia de € € 103.206,00, a título de diferenças salariais, € 20.144,81, a título de subsídio de férias, € 20.288,31, a título de subsídio de Natal e € 4.259,40, a título de diferenças do subsídio de parentalidade.

ii. Se declare que foi despedida ilicitamente e, em consequência, seja condenada a reintegrá-la, na mesma modalidade de trabalho (teletrabalho), sem prejuízo do mesmo período normal de trabalho e da retribuição correspondente ao nível C5:

iii. Se a condene a pagar-lhe a retribuição que deixou de auferir desde 30 dias antes da propositura da ação até ao trânsito em julgado da sentença que a condenar.

            Para tanto, alegou, resumidamente, que:
- Foi admitida ao serviço da Ré mediante a pretensa celebração de um contrato de estágio profissional com a duração de 6 meses, auferindo, então, a retribuição mensal de € 700,00, e que esse contrato de estágio foi sucessivamente renovado por três vezes;
- Findo o mesmo, celebrou com a Ré um contrato de prestação de serviço, por mero ajuste verbal, nos termos do qual se comprometeu a desempenhar, a seu favor, as funções inerentes à categoria profissional de “designer de comunicação”;
- Contudo, e sem prejuízo do contrato de estágio, continuou a exercer as mesmas funções, sob as suas ordens e direção, pelo que, por diversas vezes, a interpelou com vista à regularização da sua situação, sendo que, em 3 de março de 2013, na sequência de uma auditoria interna, foi por ela solicitado que assinasse um contrato de prestação de serviço com a duração de 1 (um) ano, renovável por iguais períodos. Tal vínculo foi renovado uma vez, sendo que a Ré, alegando redução do volume de trabalho, denunciou o referido contrato com efeitos a partir de 3 de março de 2015;
- À data da cessação do contrato, auferia a retribuição de € 1.650,00;
- No período compreendido entre 4 de julho de 2012 e 2 de março de 2013 e no período compreendido entre 3 de fevereiro de 2014 e 3 de outubro de 2014, suspendeu a sua prestação de trabalho para a Ré devido ao nascimento dos seus dois filhos, sendo que, aquando do nascimento do seu primeiro filho, ela entregou-lhe a quantia de € 1.465,00, a título de diferença entre o subsídio que recebeu na qualidade de trabalhadora independente e aquele que receberia se estivesse registada como trabalhadora por conta de outrem. Quando nasceu o seu segundo filho, nada lhe foi pago;
- A partir de 3 de março de 2013, continuou a prestar a sua atividade à Ré, mas em regime de teletrabalho, trabalhando a partir da sua residência, mas deslocando-se à sede da Ré sempre que necessário ou que lhe fosse solicitado. Sempre exerceu, por conta da Ré, as mesmas funções dos demais trabalhadores integrados no mesmo departamento, inclusive dos trabalhadores BB e CC, ambos vinculados à Ré por contrato de trabalho;
- Até fevereiro de 2013, sempre exerceu as suas funções na sede da Ré, tendo passado, posteriormente, a exercer as suas funções no seu domicílio com o acordo da Ré.
- Os instrumentos, de que se serviu na prestação da sua atividade, eram pertença da Ré, possuía uma conta de correio eletrónico pertencente ao servidor e com o domínio da Ré, identificando-a como sua trabalhadora, foi-lhe atribuído um número de colaboradora e foi-lhe entregue um cartão de acesso às suas instalações, cartão que manteve após passar a exercer as suas funções no seu domicílio;
- Sempre observou um período normal de trabalho idêntico aos demais trabalhadores da Ré inseridos no seu departamento, auferia uma retribuição mensal fixa, gozava férias autorizadas pela Ré e constava do respetivo mapa;
- Sempre exerceu a sua atividade para a Ré em regime de exclusividade, dependendo, assim, economicamente da retribuição que da mesma auferia para assegurar o sustento do seu agregado familiar e ao longo da sua prestação laboral, sempre auferiu uma retribuição inferior às dos demais trabalhadores da Ré e não progrediu, à semelhança destes, nos seus quadros;
-  Atenta a natureza do vínculo existente com a Ré, a denúncia do seu contrato equivale a um despedimento ilícito.

              A audiência de partes frustrou-se pois não houve conciliação.

               Regularmente citada, a ré contestou por exceção e por impugnação.

                Por exceção invocou:
· A inexistência de contrato de teletrabalho;
· A nulidade do contrato de prestação de serviço;
· A prescrição dos direitos que a autora se arroga por via da celebração do contrato de estágio com a, então, “PT – Comunicações, S.A.”;
· A improcedência do reconhecimento da categoria profissional reclamada.

                Por impugnação alegou:


· As funções exercidas pela Autora, ao abrigo do contrato de estágio, eram distintas das que passou a exercer para a “PT – Centro Corporativo, S.A.”. O contrato, de prestação de serviço, foi assinado com a “PT – Centro Corporativo, S.A.”, de forma livre e voluntária;
· A partir de 3 de março de 2013, a Autora não mais se deslocou às suas instalações e, desde essa data, por sua livre iniciativa, passou a executar as suas tarefas exclusivamente com recurso aos seus próprios meios e instrumentos de trabalho, e de igual forma executava as suas tarefas da maneira e como melhor lhe convinha;
· A Autora não cumpria qualquer horário de trabalho, nem o mesmo lhe era exigido, não estando, por conseguinte, sujeita a qualquer controlo de assiduidade, e, após, a cessação do contrato de estágio, não mais registou as suas entradas e saídas no pontógrafo;
· A Autora não carecia de qualquer autorização para gozo de férias, não tinha acesso ao Portal do Colaborador e não lhe era exigido que comunicasse, previamente, qualquer situação de ausência.

               Concluiu, dizendo que, na procedência das exceções invocadas, devia ser absolvida do pedido, ou, caso assim não se entendesse, na improcedência da ação, devia ser absolvida de todos os pedidos contra eles formulados pela Autora.

               A Autora respondeu às exceções deduzidas pela Ré, pugnando pela sua improcedência.

               Foi proferido despacho saneador, dispensando-se a realização de audiência preliminar, bem como a seleção da matéria de facto assente e a seleção da matéria a constar da base instrutória.

               Procedeu-se à realização da audiência de julgamento e, após a leitura da decisão quanto à matéria de facto, foi proferida a seguinte sentença, em 11 de novembro de 2016:

               
a. A exceção da prescrição deduzida pela Ré foi julgada procedente, e, em consequência, foi esta absolvida dos pedidos formulados pela Autora até 29 de fevereiro de 2008.
b. No mais, foi a ação julgada improcedente e, consequentemente, a Ré absolvida de todos os pedidos contra ela formulados pela Autora;
c. Foi decidido que a Ré não litigou com má-fé.


II

               

                Inconformada com esta decisão, a Autora interpôs recurso de apelação, terminando a sua alegação com as seguintes conclusões:


1. “Não andou bem a sentença sob crítica no que respeita à questão fulcral apreciada na presente ação, que consiste no reconhecimento da existência de um contrato de trabalho entre a Recorrente e a Recorrida pelo menos desde 01 de março de 2008.
2. Resultou provado que:
a. A Recorrente se encontrava na dependência económica da Recorrida, através das suas declarações de IRS e do depoimento do seu colega e companheiro BB;
b. A recorrente se encontrava inserida na estrutura organizativa da Recorrida:

- Estava sujeita a um horário de trabalho e ao controlo de assiduidade e pontualidade pela Recomida;

- Tinha local de trabalho nas instalações da Recorrida;

- Tinha férias pagas;

- As férias tinham que ser marcadas em conjunto com os demais trabalhadores e eram controladas pela chefia;

- Os instrumentos do trabalho pertenciam à Recorrida.


c. A Recorrente realizava a sua prestação sob as ordens, direção e fiscalização da Recorrida, como resulta dos documentos de fls. 28 a 39, juntos com a petição inicial:
d. A Recorrente recebia uma retribuição da Recorrida, como resulta da matéria de facto provada;
3. A Recorrente não exercia as funções com autonomia, além daquela que é natural e inerente à profissão de “designer”;
4. A Recorrente exercia as suas funções da mesma forma e estava sujeita à direção da Recorrida nos mesmos termos que os trabalhadores que integravam o seu departamento;
5. Independentemente do volume de trabalho existente, a Recorrente auferia uma remuneração fixa, o que demonstra que a mesma não era paga em função dos resultados obtidos;
6. Era a Recorrida quem assegurava a substituição da Recorrente;
7. Nestes termos, não poderá deixar de se considerar reunidos os pressupostos da presunção estabelecida no artigo 12º, do Código do Trabalho de 2003, aplicável ao pressente vínculo;
8. E mesmo que assim não fosse, o que não se admite, como resulta do acima exposto, está provada a verificação dos indícios que permitem concluir que estava em causa a execução de um verdadeiro contrato de trabalho;
9. Assim sendo, em consequência deverá:
i. A Recorrida ser condenada no pagamento dos subsídios de férias e Natal, devidos à Recorrente por conta do mesmo, acrescidos de juros de mora à taxa legal de 4%;
ii. A Recorrida ser condenada no pagamento do valor correspondente à diferença dos montantes devidos e recebidos per conta do subsídio de parentalidade, acrescido de juros de mora à taxa legal de 4%;
iii. Ser declarado ilícito o seu despedimento e a Recorrida condenada a reintegrá-la no seu posto de trabalho e a pagar-lhe as retribuições que a mesma deixou de auferir desde 30 dias anteriores à entrada da presente ação juízo até ao trânsito em julgado da sentença.”

               Terminou pedindo que a sua apelação obtenha total provimento.

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               A recorrida contra-alegou, dizendo que a apelação da Autora era extemporânea “mormente por não ter sido observado o formalismo relativo à apreciação da prova produzida”.

               É manifesto, diz ela, que a Autora, no ponto II das suas alegações, pretendeu impugnar a Matéria de Facto. Contudo, não se descortina que concretos factos pretende que fossem apreciados”, nem em que parte do seu articulado se encontram alegados.

               Mais aduz que as conclusões da Recorrente omitem, em absoluto, quer a menção aos factos que pretendia fossem reapreciados, quer os depoimentos que suportavam uma resposta diferente.

               Ainda segundo a Recorrida, a omissão de tais ónus acarreta a rejeição do recurso relativamente à pretendida reapreciação da matéria de facto, não havendo lugar a qualquer convite ao aperfeiçoamento.

               Verifica-se, ainda, outra consequência que é a do prazo do recurso passar a ser de 20 dias em vez de 30.

                A apelação devia, assim, ter sido interposta até 09.12.2016, quando o foi em 20.12.2016, o que leva à extemporaneidade do recurso.
               Por mera cautela, a Ré pronunciou-se sobre o alegado pela Autora.

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            Por acórdão de 28 de junho de 2017, proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa, com uma declaração de voto[3], a apelação foi julgada intempestiva, com o seguinte fundamento:

«Olhando às conclusões tiradas das alegações pela apelante, diremos que manifestamente não deu cumprimento a nenhum dos ónus exigidos na visão, minimalista, se assim se pode dizer, traçada pela jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça e a que, face à sua persistência, aqui se acolhe, porquanto ali nada disse sobre a impugnação da matéria de facto que anteriormente considerou na alegação do recurso: não especificou os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados nem a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.

               Assim sendo, não há lugar para qualquer dúvida afirmar-se que o recurso versava apenas sobre matéria de direito e, por conseguinte, o prazo para a sua interposição era de 20 dias, subsequentes à notificação da sentença à apelante.»


III

            - Da revista:

           Inconformada também com esta a decisão, a Autora dela interpôs recurso de revista.

               

                As suas conclusões são as seguintes:

1. Tendo em consideração que a notificação do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa foi realizada no dia 13 de Julho de 2017, o presente Recurso de Revista é tempestivo, devendo considerar-se ilidida a presunção prevista no artigo 254.º, do Código de Processo Civil, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 329-A/95, de 12 de Dezembro (correspondente ao artigo 248.º do atual CPC, embora este se refira apenas as notificações realizadas nos termos definidos na portaria prevista no n.º 1, do artigo 132.º, do CPC, razão pela qua! se deve considerar ainda em vigor o anterior preceito).

2. A Recorrente cumpriu com o ónus que sobre si impende no que respeita a impugnação da matéria de facto, nos termos do artigo 640.º, do CPC:

a. No ponto I. Enquadramento (páginas 1 e 2 do Recurso), a Recorrente identificou as concretas decisões que, no seu entender, foram incorretamente apreciadas pelo Tribunal a quo, cumprindo o disposto na alínea a) do n.º 1, do artigo 640.º do CPC.

b. A Recorrente cumpriu o disposto nas alíneas b) e c) do n.º 1, do artigo 640.º, do CPC, e o n.º 2 do mesmo preceito: (i) no ponto II. Impugnação da Matéria de Facto, a Recorrente elencou os factos que deveriam ter sido julgados como provados de acordo com a prova produzida (página 3 do Recurso); (ii) identificou os meios de prova constantes do processo e das gravações realizadas em sede de audiência de discussão e julgamento, fazendo menção aos documentos de suporte e aos depoimentos das testemunhas que, no seu entender, impunham decisão distinta quanto à matéria de facto; (iii) identificou os nomes das testemunhas, os minutos das gravações e transcreveu com exatidão as passagens das gravações relevantes (páginas 4 a 17 do Recurso da Recorrente onde constam oito transcrições dos depoimentos das testemunhas); (iv) para realização das referidas transcrições, a mandatária da Recorrente teve de ouvir as gravações da audiência de discussão e julgamento, de identificar as partes relevantes e de, posteriormente, proceder a transcrição dos excertos necessários para demonstração de que a decisão proferida em 1.ª instância deveria ser revista.

c. Nas suas conclusões, a Recorrente: (i) identificou o concreto ponto que, no seu entender, não foi corretamente julgado pelo Tribunal a quo: existência de um contrato de trabalho entre a Recorrente e a Recorrida pelo menos desde 1 e Março de 2008 (página 22 do Recurso) - trata-se de uma qualificação jurídica totalmente dependente da apreciação da matéria de facto, o que revela que o Recurso da Recorrente teria inevitavelmente de ter por objeto matéria de facto; (ii) identificou os factos que deveriam ter sido considerados provados, em resultado da apreciação da prova testemunhal produzida nos autos e transcrita nas suas alegações (páginas 22 e 23).

3. Invocar que o recurso da Recorrente apenas versou sobre matéria de direito porque não resulta das conclusões referência à apreciação de prova gravada mas quando, comprovadamente, a Recorrente indicou com exatidão e exaustão dos trechos das gravações dos depoimentos das testemunhas relevantes e quando apreciou matéria de facto - inclusivamente nas conclusões constitui uma apreciação formalista, desproporcionada e nada razoável das normas adjetivas quanto ao ónus de impugnação da matéria de facto e quanto ao alargamento do prazo em caso de apreciação de prova gravada.

4. Na verdade, resulta de forma inequívoca do Recurso que a Recorrente impugnou a matéria de facto com base na reapreciação da prova gravada, não sendo percetível por que razão o Tribunal da Relação conclui que o recurso apenas pode versar sobre matéria de Direito!

5. A apreciação quanto ao cumprimento do ónus de impugnação nunca afastaria a aplicação do prazo de 10 dias suplementar, uma vez que se trata de duas questões distintas, conforme vem sendo afirmado pela Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça. Estando a aplicação do prazo de 10 dias dependente da apreciação da matéria de prova gravada, nos termos do n.º 3, do artigo 80.º, do CPT - tendo em consideração o tempo que inevitavelmente se é obrigado a despender para ouvir e transcrever os trechos relevantes, conforme exigência do n.º 2, do artigo 640.º do CPC -, cumpre apenas verificar se a Recorrente efetivamente reanalisou as gravações e apresentou recurso com base nessa reapreciação.

6. Ora, apenas será de concluir que o prazo de 10 dias é aplicável ao caso dos autos porque, efetivamente, o Recurso da Recorrente teve por objeto a reapreciação da prova gravada.

7. Veja-se neste sentido, entre outros, os acórdãos proferidos pelo Supremo Tribunal de Justiça em 28 de abril de 2016, referente ao processo 1006/12.2TBPRD.P1.S1, em 31 de maio 2016, referente ao processo n.º 1184/10.5TTMTS.P1.S 1, em 3 de março de 2016, referente ao processo n.º 861/13.3TTVIS.C1.S1, em 25 de novembro de 2015, referente ao processo n.º 291/12.4TTLRA.C1.S1, em 22 de fevereiro de 2017, referente ao processo n.º 638/13.6TBLRA.Cl.Sl, em 22 de outubro de 2015, referente ao processo n.º 2394/11.3TBVCT.G1, S1, todos disponíveis em www.dgsi.pt.

8. Por essa razão, não existe qualquer fundamento, nem sequer formal, para que o Tribunal da Relação de Lisboa se exima de apreciar o recurso apresentado com fundamento na intempestividade do mesmo, devendo o Recurso de Apelação ser admitido e apreciado.

Terminou pedindo que se conceda a revista e, consequentemente, se julgue tempestivo o recurso de Apelação por si interposto.

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   A Ré “MEO” contra-alegou da seguinte forma:

            1). Alega a Ré que o acórdão em causa não é recorrível.                 

Com efeito, dispõe o n.º 1, do artigo 643°, do Cód. Proc. Civil, que do despacho que não admita o recurso, pode o recorrente reclamar, no prazo, de 10 dias para o tribunal que seria competente para dele conhecer.

Foi esse, precisamente, o teor da decisão proferida, motivo pelo qual a Recorrente deveria ter apresentado reclamação e não recurso de Revista.

Donde, não poder o recurso ser recebido por não corresponder ao meio processual adequado.

             2). Mesmo que assim se não entenda, de acordo com a Ré, sempre o Recurso apresentado seria extemporâneo.

             Com efeito, tendo a notificação da decisão sido expedida a 30 de junho, a Recorrente considera-se formalmente notificada no dia 3 de julho, logo, o prazo para apresentação das alegações terminaria no dia 8 de setembro.

            Como as alegações foram apresentadas 10 dias depois, é manifesto achar-se o recurso ferido de extemporaneidade.

            Contrapõe a Mandatária da Recorrente, afirmando que se encontra ilidida a presunção relativa à notificação dos mandatários judiciais em processos pendentes - no terceiro dia útil posterior ao do registo - com a junção do print do “site dos CTT” comprovando a entrega do expediente postal, que continha a decisão recorrida, no dia 13 de julho.

            No caso em apreço, está documentalmente demonstrado que o expediente postal contendo a decisão em causa, só não foi entregue à Mandatária no pretérito dia 3 de julho, por se ela encontrar ausente do seu escritório,

            Sem se invocarem (e provarem) as razões, impeditivas ou de mera conveniência, que originaram que o expediente postal apenas fosse levantado no dia 13 de julho, não se mostra ilidida a presunção da notificação da decisão não se ter verificado no terceiro dia útil posterior ao do registo.

               3). Quanto à questão de fundo, como decorre da simples leitura das suas alegações, o único formalismo observado pela Recorrente consistiu na transcrição das passagens dos depoimentos que ela considerou relevantes.

               Quanto aos factos que, em sua opinião, não foram, mas deviam ter tidos por assentes, nada disse.

                Questão diferente, reside em saber que cominação deverá ter quem não cumpre o indicado formalismo, ou seja, saber se o recurso não será conhecido quanto à questão da reapreciação da prova ou, indo mais além, não será de todo conhecido por não ser de considerar o acréscimo do prazo que a lei concede nessa situação.

               Por não se ter firmado opinião, consciente e maturada sobre tal questão, que como se vê, não é nada inconsequente, muito pelo contrário, se oferece, quanto a esse aspeto, o merecimento dos autos.

               

               Termos em que se impõe, termina, a rejeição, por extemporâneo, do presente recurso e quando assim se não entenda, que seja julgado insubsistente, confirmando-se a decisão proferida que julgou a ação improcedente.

IV

Parecer do Ministério Público:

Neste Supremo Tribunal de Justiça, o Exmo. Senhor Procurador-Geral Adjunto, ao abrigo do disposto no artigo 87º, n.º 3, do CPT, emitiu parecer no sentido de não se conceder a revista, por a recorrente não ter dado cumprimento ao disposto nas alíneas a) e b), do n.º 1, artigo 640.º, do CPC.

            Notificado às partes, não houve qualquer pronúncia sobre ele.

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            Questões prévias colocadas pela Ré:

           

1ª Questão:

Diz a Ré que, do acórdão que não admitiu o recurso de apelação, devia a Autora ter apresentado reclamação e não interposto recurso.

Para tal, invoca o disposto no artigo 643º, n.º 1, do CPC, que determina que do despacho que não admita o recurso pode o recorrente reclamar para o tribunal que seria competente para dele conhecer.

   O presente recurso tem por objeto a não admissão, pelo Tribunal da Relação de Lisboa, do recurso de apelação interposto pelo Autora, porque, pretendendo impugnar a decisão sobre a matéria de facto, nada disse, nas conclusões, sobre a referida impugnação, que anteriormente considerou na alegação do recurso.

A reclamação a que se refere o artigo 643º, n.º 1, do CPC, é para as decisões singulares, nomeadamente para o despacho do relator que não admite um recurso.

Com efeito, não sendo possível recorrer de decisões singulares proferidas nos tribunais superiores, torna-se necessário, previamente à sua impugnação, obter uma decisão coletiva que seja, ela própria, passível de impugnação para o tribunal superior - artigo 652º, n.ºs 3 a 5, do CPC.

Assim, o acórdão (nos termos gerais ou que recai sobre decisão singular do Relator) que, rejeitando essa impugnação, não admitiu a apelação, por não ter sido interposta no prazo de 20 dias após a notificação, é impugnável por meio de recurso e não pela via da reclamação.

2ª Questão:

Diz, ainda, a Ré que o recurso da Autora é extemporâneo, porque esta não ilidiu a presunção relativa às notificações aos mandatários judiciais em processos pendentes.

Ora, no despacho em que se admitiu a revista, proferido em data posterior à da apresentação das contra-alegações, reconheceu-se que a mandatária da Autora havia ilidido essa presunção – artigos 248º e 249º, nº 1, ambos do CPC.

Tendo o referido despacho sido notificado às partes, e não tendo sido objeto de reclamação para a conferência, transitou em julgado – artigo 652º, n.º 3, do CPC.

V

            Do recurso:

Tendo a ação sido proposta em 19 de outubro 2016 e o acórdão recorrido sido proferido em 28 de junho de 2017, é aqui aplicável o Código de Processo Civil (CPC), anexo e aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de junho, e o Código de Processo do Trabalho (CPT) na versão aprovada pelo Decreto-Lei n.º 480/99, de 9 de novembro.

O objeto do recurso:

· Saber se o recurso de apelação interposto pela Autora é tempestivo.

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Cumpre, assim, decidir:
                                                                                                                                      
VI

2). Fundamentação:

– Da matéria de facto:

O presente recurso tem por objeto a não admissão, pelo Tribunal da Relação de Lisboa, do recurso de apelação interposto pela Autora, porque, pretendendo impugnar a decisão sobre a matéria de facto, nada disse, nas conclusões, sobre a referida impugnação que anteriormente considerou na alegação do recurso.

Pelo que, entendeu o Tribunal da Relação de Lisboa que o recurso versava apenas sobre matéria de direito, e, assim sendo, o prazo para a sua interposição era o de 20 dias, subsequentes à sua notificação da sentença.

 Não tendo sido interposto nesse prazo e nem nos 3 dias úteis seguintes, com pagamento da multa, prevista no artigo 139º, n.ºs 5 e 6, do CPC, não foi admitido por extemporaneidade.

Ora, sendo esta questão apenas de direito e não havendo lugar a qualquer alteração da matéria de facto neste Supremo Tribunal de Justiça, nos termos do artigo 663º n.º 6, do CPC, “ex vi” do artigo 679º, do CPC, remete-se para os termos da decisão proferida na 1ª instância.

         – Do direito
               Cumpre, pois, apreciar as questões suscitadas nas conclusões da alegação da Recorrente, excetuadas aquelas cuja decisão se mostre prejudicada pela solução, entretanto dada a outras, nos termos preceituados nos artigos 608º, n.º 2, e 679º, ambos do CPC.
Dispõe o artigo 80º, do CPT, que o prazo de interposição do recurso de apelação é de 20 dias (n.º 1) e que se esta tiver por objeto a reapreciação da prova gravada, a esse prazo acrescem 10 dias (n.º 3).
                Estipula o artigo 639º, do CPC, que:
               1). O recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão.
                2). Versando o recurso sobre matéria de direito as conclusões devem indicar:
a) As normas jurídicas violadas;
b) O sentido com que, no entender do recorrente, as normas que constituem fundamento jurídico da decisão deviam ter sido interpretadas e aplicadas;
c) Invocando-se erro na determinação da norma aplicável, a norma jurídica que, no entendimento do recorrente, devia ter sido aplicada.

                Por sua vez, consta no artigo 640º, do CPC, que:
               1). Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a. Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b. Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c.  A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.

               2). No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a. Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, 
b. Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.
               3). O disposto nos n.ºs 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636º, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes.
               

           Estabelece, assim, o artigo 639º, n.ºs 1 e 2, do CPC, que o recorrente tem o ónus de alegar e de formular conclusões, devendo apresentar a sua alegação, na qual deve concluir, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão.

               

                Já o artigo 640º, do CPC, estabelece os ónus que recaem sobre a parte que impugnar a decisão sobre a matéria de facto, sob pena de, não os cumprindo, ser o recurso rejeitado, quanto a essa decisão.

                De acordo com as normas conjugadas dos artigos 635º, n.ºs 3 a 5, e 639º, n.ºs 1 e 2, ambos do CPC, são as conclusões que delimitam o objeto do recurso.

            É esta a posição quer da doutrina quer da jurisprudência[4].

                Na doutrina:

                Nas palavras de António Santos Abrantes Geraldes[5] “[a]s conclusões exercem ainda a importante função de delimitação do objeto do recurso, como clara e inequivocamente resulta do artigo 635º, n.º 3, do CPC. Conforme ocorre com o pedido formulado na petição inicial, as conclusões do recurso devem corresponder à identificação clara e rigorosa daquilo que se pretende obter do tribunal Superior, em contraposição com aquilo que foi decidido pelo Tribunal a quo.

               Para Fenando Amâncio Ferreira[6] “[n]o momento de elaborar as conclusões da alegação pode o recorrente confrontar-se com a impossibilidade de atacar algumas das decisões desfavoráveis. Tal verificar-se-á em dois casos; por preclusão ocorrida aquando da apresentação do requerimento de interposição do recurso, ou por preclusão derivada da omissão de referência no corpo da alegação.

             Se o recorrente, ao explanar os fundamentos da sua alegação, defender que determinada decisão deve ser revogada ou alterada, mas nas conclusões omitir a referência a essa decisão, o objeto do recurso deve considerar-se restringido ao que estiver incluído nas conclusões.”

               Por fim, para José Augusto Pais do Amaral[7] “[o] recorrente que tenha restringido o âmbito do recurso no requerimento de interposição, pode ainda fazer maior restrição nas conclusões da alegação. Basta que não inclua nas conclusões da alegação do recurso alguma ou algumas questões, visto que o Tribunal ad quem só conhecerá das que constem dessas conclusões.

               

                Na jurisprudência:

           Acórdão de 18.08.2013, proferido no processo n.º 483/08.0TBLNH.L1.S1:
1. O recorrente deve terminar as suas alegações de recurso com conclusões sintéticas (onde indicará os fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão recorrida).
2. Essas conclusões devem ser idóneas para delimitar de forma clara, inteligível e concludente o objeto do recurso, permitindo apreender as questões de facto ou de direito que o recorrente pretende suscitar na impugnação que deduz e que o tribunal superior cumpre solucionar.

Acórdão de 27.10.2016 proferido no processo n.º 110/08.6TTGDM.P2.S1:
1. Sendo as conclusões não apenas a súmula dos fundamentos aduzidos nas alegações stricto sensu, mas também e sobretudo as definidoras do objeto do recurso e balizadoras do âmbito do conhecimento do tribunal, no caso de impugnação da decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente indicar nelas os concretos pontos de facto cuja alteração se pretende e o sentido e termos dessa alteração.
2. Omitindo o recorrente a indicação referida no número anterior o recurso deve ser rejeitado nessa parte, não havendo lugar ao prévio convite ao aperfeiçoamento.

Ora, a Autora não se conformando com a sentença da 1ª instância, dela interpôs recurso de apelação, tendo declarado nas suas alegações que pretendia impugnar a decisão proferida acerca da matéria de facto.

Contudo, nas respetivas conclusões, que se transcreveram integralmente, não fez qualquer alusão ou referência a essa impugnação, que anteriormente considerara na alegação do recurso.

Mais concretamente, não especificou, nas conclusões, os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados nem a decisão que, no seu entender, deveria ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, limitando-se a afirmar que a sentença recorrida “não andou bem”(,,,) “no que respeita à questão fulcral apreciada na presente ação e que consiste no reconhecimento da existência de um contrato de trabalho entre a Recorrente e a Recorrida pelo menos desde 01 de março de 2008” e descreveu o que “resultou provado”.

Mesmo aqui, não especificou se a matéria de facto por si descrita (sendo a grande maioria conclusiva), era aquela que a 1ª instância julgara provada ou se era aquela que, no seu entender, se devia ter julgado como provada.

Deixou, assim, a Autora, cair nas conclusões, de forma implícita, essa questão, ao omitir qualquer referência sobre essa decisão.

Analisadas as conclusões do recurso de apelação, verifica-se que nelas a apelante omite por completo a temática relativa à impugnação da matéria de facto, pois não indicou os concretos pontos de facto que entendia terem sido incorretamente julgados, como também não fez referência à prova gravada, nem à decisão a proferir sobre aqueles concretos pontos de facto.

, assim, uma completa omissão, nas conclusões, relativamente à impugnação da decisão sobre a matéria de facto, ao contrário do que a Recorrente alega nesta revista.

Ora, sendo as conclusões que delimitam o objeto do recurso, só podendo, o Tribunal ad quem, conhecer das questões que delas constem e não estando essa questão nas respetivas conclusões, não faz parte do objeto do recurso de apelação.

Apesar do sobredito, a Autora, na sua alegação, identificou os pontos concretos da matéria de facto que, no seu entender, foram incorretamente apreciados, elencou os factos que deveriam ter sido julgados como provados, fez menção aos depoimentos das testemunhas que, segundo ela, impunham decisão distinta, identificando os seus nomes e os minutos da gravação dos seus depoimentos e transcrevendo as passagens relevantes dessas gravações.

Dado o exposto, encontra-se, nos termos do artigo 80º, n.º 3, do CPT, legitimado o acréscimo de 10 dias para a interposição do recurso de apelação.

Na verdade, consistindo a justificação desta extensão ou alongamento do prazo na necessidade que o apelante tem de instruir as alegações do recurso com as especificações dos meios de prova cuja reapreciação, na sua opinião, determinam a modificação da decisão da matéria de facto, o que a Autora fez, o prazo para a interposição da sua apelação era o de 20 + 10 dias e não o prazo geral de 20 dias.

A este respeito, o acórdão de 01.03.2007, desta Secção Social e Supremo Tribunal de Justiça[8], decidiu que “[o] acréscimo de dez dias ao prazo geral de recurso previsto no artigo 80º, n.º 3, do Código de Processo de Trabalho, destina-se a permitir ao recorrente cumprir o ónus especial de alegação a que se refere o artigo 690º-A, do Código de Processo Civil, e não é aplicável se o interessado, tendo requerido cópia da gravação da prova, não tenha, todavia, deduzido, na alegação de recurso, qualquer impugnação da matéria de facto”.

Ora, no caso concreto, há razão, como se viu, para a existência do acréscimo do prazo de 10 dias ao prazo geral, por ter sido pedida e alegada a reapreciação da prova gravada, na respetiva alegação.

Existindo um fundamento material para que seja concedido ao apelante, no caso de reapreciação da matéria de facto gravada, um acréscimo ao prazo geral do recurso jurisdicional, esse fundamento existe no recurso interposto pela Autora.

“Esse fundamento [segundo o acórdão citado] radica na maior dificuldade que se depara ao recorrente, quando pretenda impugnar a matéria de facto, por virtude da imposição legal de identificar os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados e os concretos meios probatórios, constantes da gravação, que justifiquem uma decisão diversa da que foi proferida. A atribuição de um prazo suplementar está, pois, diretamente relacionada com o cumprimento do especial ónus de alegação, naquela específica circunstância.”

É esta, também, a jurisprudência desta Secção e Tribunal.

Foi o que se decidiu no acórdão de 26.11.2015, no processo n.º 291/12.4TTLRA.C1.S1:
- Nas conclusões do recurso de apelação em que impugne matéria de facto deve o recorrente respeitar, relativamente a essa matéria, o disposto no n.º 1 do artigo 639.º do Código de Processo Civil, afirmando a sua pretensão no sentido da alteração da matéria de facto e concretizando os pontos que pretende ver alterados.
- Interposto recurso de apelação, visando, para além do mais, a impugnação da matéria de facto fixada na decisão recorrida, no prazo a que se refere o n.º 3 do artigo 80.º do Código de Processo do Trabalho, demonstradas na fundamentação das alegações e nas conclusões respetivas as razões subjacentes a essa interposição, o eventual não cumprimento integral das exigências formais das conclusões, previstas no artigo 640.º do mesmo código, não retira a tempestividade ao recurso interposto, pelo que o Tribunal sempre terá de conhecer da parte restante do respetivo objeto.


Foi também o decidido no acórdão proferido em 03.03.2016, no processo n.º 861/13.3TTVIS.C1.S1:

- Independentemente da perfeição/imperfeição da impugnação da matéria de facto, não pode o Tribunal da Relação considerar que o prazo de recurso de 30 dias, fixado no artigo 80.º n.º 3 do CPT, não é aplicável, reduzindo-o para o prazo de 20 dias, previsto no n.º 1 desse mesmo artigo, para depois concluir que o recurso é extemporâneo e decidir no sentido da sua rejeição.

Ora, esta posição não colide com o decidido no acórdão de 09.02.2017, proferido no processo n.º 471/10.7TTCSC.L1.S1[9].

Concluindo, como se conclui, o recurso de apelação interposto pela Autora foi interposto tempestivamente, pelo que deve ser admitido.

VII

3). Decisão:


a. Face ao exposto, concede-se a revista, revoga-se o acórdão recorrido e julga-se tempestivo o recurso de apelação interposto pela Autora.
b. Transitado em julgado o presente acórdão, remetam-se os autos ao Tribunal da Relação de Lisboa para conhecer do objeto do recurso de apelação interposto pela autora.
c. Custas da revista: A cargo da Ré/Recorrida.
Anexa-se sumário do acórdão.

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Lisboa, 2018.06.06

Ferreira Pinto (Relator)

Chambel Mourisco

Pinto Hespanhol



______________      
[1] - N.º 024/2017 – (FP) – CM/PH
[2] - Relatório feito com base nos relatórios da sentença e do acórdão recorrido.
[3] - A declaração de voto tem o seguinte teor:
“Tenho defendido que a falta de cumprimento dos ónus da impugnação da decisão de facto (artigo 640º, do CPC) não impede que o recorrente se aproveite do alargamento do prazo, por 10 dias, para recorrer.
Creio que também o acórdão do STJ de 09 de fevereiro de 2017, citado neste aresto vai neste caminho (não estando o sumário deste, ao referir apenas as conclusões, em total consonância com o texto do acórdão).
No caso vertente, contudo, não consta sequer das conclusões da recorrente uma pretensão no sentido de alterar a decisão de facto.
Assim, voto a decisão de rejeição do recurso por extemporaneidade por a impugnação da decisão de facto não integrar o objeto do recurso traçado nas conclusões e não por não estarem cumpridos os ónus da referida impugnação, pois a meu ver este aspeto não colide com o prazo do recurso.”
[4] - Todos os acórdãos referidos são do Supremo Tribunal de Justiça e estão em www.dgsi.pt.
[5] - Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2017 – 4ª edição, Almedina, página 147.
[6] - Manual dos Recursos em Processo Civil, Almedina, 2000, página 108.
[7] - Direito Processual Civil, 2013, 11ª edição, Almedina, páginas 417/418.
[8] - Proferido no processo n.º S6S979.
http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/ae40e814a6513281802572920056a324?OpenDocument.
[9] - Como se verifica, o acórdão de 09.02.2017 está em perfeita consonância com o agora decidido.
No mesmo consta o seguinte:

· Lendo a alegação e as conclusões do recurso de apelação em causa não se descortina qualquer referência à prova gravada e, por isso, não se verifica, e nem podia verificar-se o cumprimento de qualquer dos ónus estabelecidos no artigo 640º, n.º 1, do CPC.”

· “É o que se verifica no caso concreto porque na alegação e nas conclusões da apelação interposta pelos Autores não existe qualquer referência à prova gravada e nem existe qualquer referência à prova gravada e nem existe alusão a qualquer passagem dos depoimentos gravados.”

·  “Essa impossibilidade de se usar o alargamento do prazo nada tem a ver com o cumprimento ou o incumprimento total ou defeituoso dos ónus estabelecidos no artigo 640º do CPC.”
              Na verdade, na ação em que foi proferido o acórdão, não havia qualquer alusão à reapreciação da prova        gravada quer na alegação quer nas conclusões.
               
               No caso concreto, existe impugnação da matéria de facto na alegação, independentemente da sua   perfeição/imperfeição.