Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
06S979
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: FERNANDES CADILHA
Descritores: IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
ÓNUS DE ALEGAÇÃO
PRAZO DE INTERPOSIÇÃO DE RECURSO
DIREITO DE ACESSO AOS TRIBUNAIS
Nº do Documento: SJ20070301009794
Data do Acordão: 03/01/2007
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário :
I – O incumprimento, pela secretaria judicial, do prazo máximo de oito dias de que dispõe para facultar ao mandatário das partes cópia da gravação da prova, quando o tenha requerido, constitui justo impedimento da apresentação da alegação de recurso pelo período de tempo em que foi excedido esse prazo, quando tenha também ficado inutilizado, durante esse período, o prazo de recurso;
II – O acréscimo de dez dias ao prazo geral de recurso previsto no artigo 80º, n.º 3, do Código de Processo de Trabalho, destina-se a permitir ao recorrente cumprir o ónus especial de alegação a que se refere o artigo 690º-A do Código de Processo Civil, e não é aplicável se o interessado, tendo requerido cópia da gravação da prova, não tenha, todavia, deduzido, na alegação de recurso, qualquer impugnação da matéria de facto.
Decisão Texto Integral:

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:

1. Nesta acção com processo comum, que AA moveu contra “PT COMUNICAÇÕES, S.A.”, tendo a Ré apelado da sentença do Tribunal do Trabalho de ...., que a condenou a reconhecer ao Autor a categoria profissional de Técnico Superior Especialista, com efeitos a partir de 12 de Março de 1997, veio o Tribunal da Relação do Porto a não admitir o recurso, por o considerar extemporâneo.

Do acórdão que assim decidiu interpôs a Ré o presente recurso de agravo, terminando a alegação com as conclusões assim redigidas:

1 – Em cumprimento do princípio constitucional do direito de acesso ao direito e aos tribunais e o correspondente exercício do direito de defesa incluindo o direito de recorrer (artigos 20.º e 32.º n.º 1 da C.R.P.), não pode ser exigível à recorrente que tenha de exercer o seu direito de recurso sem que esteja na posse dos meios que ao tribunal compete fornecer e que constituem elementos indispensáveis e essenciais para o efeito.

2 - Para a interposição do recurso, e mesmo antes de decidir interpor recurso da matéria de facto, a recorrente PT COMUNICAÇÕES, S.A., tinha de ter à sua disposição e como era seu direito, e para esse efeito, uma cópia das gravações das declarações prestadas oralmente na audiência de julgamento.

3 - Só assim estaria em condições de poder tomar a decisão de interpor recurso apenas sobre a matéria de direito ou também recurso da decisão da matéria de facto.

4 - As fitas magnéticas constituem um elemento indispensável, fundamental e essencial não só para se tomar uma decisão sobre a interposição ou não de recurso e de que matéria se recorre, como também para o motivar e preparar, e não é na audiência de discussão e julgamento, em que as partes e os seus mandatários estão presentes, que tal decisão tem que ser tomada.

5 - Aliás, se assim fosse, sempre, e perante situações, mesmo que pontuais, de um ou outro ponto duvidoso como é referido no douto acórdão recorrido, sempre se teria de recorrer à memória da parte ou do seu mandatário para motivar ou fundamentar o recurso substituindo-se o mandatário ou a parte ao audiovisual.

6 – Foi o próprio Decreto-Lei n.º 39/95 que veio possibilitar que as partes [acedam a] um elemento fundamental a ter em consideração quanto à fundamentação e motivação de um eventual recurso, que tem que ser colocado à sua disposição pelo tribunal, no prazo de oito dias, para poderem esclarecer algumas dúvidas cujos esclarecimentos poderão ser fundamentais quanto à decisão de recorrer e de impugnar ou não a decisão sobre a matéria de facto, revendo e confirmando os depoimentos em confronto com a motivação e a fundamentação da decisão do julgador.

7 – Aliás, e porque existe prova gravada, as partes e os seus mandatários sabem que, em caso de dúvidas sobre se devem ou não exercer o seu direito de recurso – recurso que verse sobre matéria de direito e/ou impugne a decisão sobre a matéria de facto –, sempre terão a possibilidade de ouvir os depoimentos gravados para, com maior segurança, tomar uma decisão, e nunca as partes e os seus mandatários terão a veleidade, até por falta de capacidade para tal, de se substituírem aos meios técnicos “guardando” toda a prova produzida em julgamento na sua memória.

8 - A recorrente, tendo em vista a possibilidade de interpor recurso da matéria de facto, e muito antes de ter terminado o prazo para recurso, solicitou, através do seu mandatário, a cópia das cassetes, uma das fitas gravadas e destinada às partes como dispõe o artigo 7.º n.º 1 do diploma que se vem a referir, no dia 29 de Dezembro de 2004.

9 - Só no dia 14 de Janeiro de 2005, 17 dias após ter solicitado a cópia das fitas magnéticas destinada às partes, o tribunal entregou cópia das cassetes ao mandatário da ora recorrente, por insistência deste e sem que para tal tivesse sido sequer notificado por via postal ou mesmo informado telefonicamente da disponibilidade das mesmas.

10 - Incumbia ao tribunal garantir e proporcionar aos intervenientes processuais, e neste caso à ora recorrente, todos os actos conformes à lei, e esta impõe que as fitas magnéticas sejam disponibilizadas, “…facultar no prazo máximo de oito dias após a realização da respectiva diligência”, n.º 2 do artigo 7.º Dec-Lei 39/95, de 15 de Fevereiro.

11 - Este prazo não foi respeitado pelo Tribunal e as cassetes não foram atempadamente disponibilizadas à recorrente, pelo que o atraso verificado de 9, dias (17 – 8), o limite fixado pelo diploma são 8 dias e foram gastos 17 dias, não pode ser imputado à recorrente que, muito antes de terminado o prazo para a interposição do recurso, solicitou cópia das gravações.

12 - O prazo de 20 dias que a recorrente inicialmente dispunha para interpor recurso da matéria de direito, e se a recorrente decidisse após a audição das cassetes não interpor recurso da decisão da matéria de direito, deve ser acrescido do número de dias em que o tribunal ultrapassou o limite fixado no Decreto-Lei n.º 39/95, de 15 de Fevereiro, para a entrega das cópias das gravações, ou seja 9 dias (17 – 8 = 9).

13 - O prazo em que a recorrente podia apresentar o recurso terminava no 29.º dia após a notificação da decisão (ou 32.º praticado o acto com multa) ou seja o prazo teria terminado em 2005-01-19 ou 2005-01-22, razão pela qual o recurso apresentado é tempestivo.

14 – O atraso verificado tem que ser, e só pode ser, imputado ao próprio tribunal que desta forma, e a não ser considerado o supra referido, levaria a que a R. ficasse impossibilitada de interpor recurso sobre a matéria de direito, cujo prazo no entendimento do Acórdão recorrido terminaria no dia 10 de Janeiro ou, praticado com multa, no dia 13 de Janeiro.

15 - Se assim não for entendido, depois de descontado o tempo necessário para a obtenção da cópia dos suportes das gravações, restaria à recorrente um período exíguo, manifestamente insuficiente para a elaboração da motivação e fundamentação do recurso, ou seja:

Se a recorrente decidisse recorrer apenas da matéria de direito veria o seu prazo esgotado no dia 10 de Janeiro ou, praticado com multa, no dia 13 de Janeiro, e portanto antes da entrega das cassetes e de a recorrente as poder ouvir para motivar e fundamentar a decisão de recorrer e de que matéria recorrer,

16 – Tal decisão violaria o princípio constitucional do direito, de acesso ao direito e aos tribunais e o correspondente exercício do direito de defesa incluindo o direito de recorrer (artigos 20.º e 32.º n.º 1 da C.R.P.), por parte do Acórdão recorrido, não podendo ser exigível à recorrente que tenha de exercer o seu direito de recurso sem que esteja na posse dos meios que ao tribunal compete fornecer e que constituem elementos indispensáveis e essenciais para o efeito.

Ainda assim

17 - No seu requerimento de recurso e ao alegar que “a decisão do Mtº Juiz, fundamentada num poder de decisão autónomo, que o A. não detinha, porque agia “por incumbência e determinação” da sua chefia está em total oposição com a matéria de facto dada como provada e portanto com os seus fundamentos”,

18 – a R. mais não faz do que invocar erro notório na apreciação da prova e a contradição insanável da fundamentação, o que resulta claramente do seu requerimento de recurso, § 3º, e se desenvolve em várias conclusões da sua motivação, visando, dessa forma, a impugnação da matéria de facto.

19 - O que a recorrente faz também ao longo das alegações de recurso, ver páginas 7, 14 e 15, onde, em concreto, são referidos os pontos 37 e 38, e 26 e 35 da matéria de facto dada como provada, o que acontece também na conclusão 17, pontos 37 e 38 que a recorrente considera incorrectamente julgados.

20 – Recorrendo como recorre da decisão da matéria de facto o prazo de 30 dias (20+10) que a recorrente inicialmente dispunha recorrendo da decisão sobre a matéria de facto, deve ser acrescido do número de dias em que o tribunal ultrapassou o limite fixado no Decreto-Lei nº 39/95, de 15 de Fevereiro, para a entrega das cópias das gravações efectuadas, ou seja 9 dias (17 – 8 = 9).

21 - O prazo em que a recorrente podia apresentar o recurso terminava no 39.º dia (ou 42.º praticado o acto com multa) ou seja o prazo teria terminado em 2005-01-29 ou 2005-02-01.

22 – Tal prazo de mais 10 dias, e salvo melhor opinião, para interposição do recurso e apresentação das alegações, e desde que haja prova gravada, tem como finalidade permitir a realização da tarefa de audição das fitas magnéticas a cargo da recorrente.

23 - Tarefa que a recorrente executou conforme se alcança das múltiplas transcrições dos depoimentos prestados nos autos a que a recorrente procedeu, com referência ao início e termo da gravação de cada depoimento, por referência ao constante da acta de julgamento, conforme consta das alegações de recurso apresentadas pela R., cfr. página 9 das mesmas, contrariamente ao referido no douto acórdão ora posto em crise.

24 - Se assim não fosse entendido, restaria à recorrente um período exíguo, manifestamente insuficiente para a elaboração da motivação depois de descontado o tempo necessário para a obtenção da cópia dos suportes das gravações.

25 - A julgar-se intempestivo tal recurso, seria limitar o prazo de recurso sempre que a recorrente necessitasse, previamente, ouvir a prova gravada, ainda que para esclarecer um ou outro ponto duvidoso que poderia ser fundamental para tomar uma decisão sobre a motivação e fundamentação do recurso.

26 - Verificando-se, na realidade, um encurtamento do prazo e a negação, por essa via, do pleno exercício do direito de recurso à parte recorrente e infringindo-se, dessa forma, princípios constitucionalmente consagrados, art. 204.º da C.R.P.

27 - Não poderia a recorrente, tendo a possibilidade e a necessidade de usar um elemento essencial e indispensável para tomar uma decisão sobre se deve ou não interpor recurso e, em caso afirmativo, para motivar esse recurso, abdicar desse direito e desse elemento fundamental para o recurso que é o de, previamente à sua decisão de recorrer ou não, ouvir a prova gravada.

28 - É entendimento da Recorrente que, desde que haja gravação da prova e a recorrente necessite de ouvir as fitas magnéticas para encontrar nos depoimentos das testemunhas fundamentação ou motivação para recurso sobre a decisão da matéria de facto, sempre o poderá fazer no decurso do prazo de 30 dias, quer decida recorrer apenas e só da matéria de direito, quer decida recorrer também da decisão da matéria de facto.

29 – Em qualquer circunstância e se assim não for entendido, sempre o prazo de que a recorrente dispunha para interpor recurso, recurso de direito e/ou da decisão sobre matéria de facto, teria de ser acrescido de 9 dias, sendo que o prazo seria sempre e, no mínimo, de 29 dias (20+9) em caso de recurso da matéria de direito e 39 dias (20+10+9) em caso de recurso da matéria de facto.

30 – Assim, a douta decisão, e tendo em vista a interposição do recurso apenas da matéria de direito, nunca transitaria em julgado no dia 10 de Janeiro, (ou dia 13, praticado o acto com multa) mas sim no dia 19 de Janeiro (20 + 9), (ou dia 22 praticado o acto com multa), contrariamente ao sustentado no douto acórdão do Tribunal da Relação.

31 - A nosso ver, cremos que o Acordão recorrido fez errada interpretação e aplicação do Dec.-Lei 39/95, de 15 de Fevereiro e art. 522.º-C, n.º 2 , 690.º-A, n.os 2 e 3 do Cód. Proc. Civil, 80.º do Cód. Proc. Trabalho, e art. 20.º, 32.º e 204.º da C.R.P..

Contra-alegou o Autor, para defender a confirmação do acórdão, argumentando, em síntese, que:

– O artigo 80.º, n.º 3, do Código de Processo do Trabalho, apenas consente o alargamento do prazo do recurso, desde que este tenha por objecto a reapreciação da prova gravada, o que não sucede no caso em apreciação;
– Por outro lado, sempre o requerimento de interposição do recurso haveria de ser considerado intempestivo, uma vez que, tendo ela sido notificada da sentença em 6 de Dezembro de 2004, solicitado as fitas magnéticas em 29 de Dezembro e tendo estas sido entregues em 14 de Janeiro de 2005, não se contando os dias de férias judiciais decorridos entre a data da solicitação e 3 de Janeiro de 2005, o atraso na entrega é apenas de 3 dias, pelo que o termo do respectivo ocorreu em 13 de Janeiro de 2005 e o recurso foi interposto seis dias depois;
– Por isso não houve violação de qualquer norma legal ou constitucional, designadamente dos artigos 20.º e 32.º, n.º 1, da Constituição da República.

Neste Supremo Tribunal, a Exma. Procuradora-Geral-Adjunta emitiu douto parecer em que se pronunciou no sentido de ser concedido provimento ao agravo, no entendimento de que, apesar da redacção do n.º 3 do citado artigo 80.º, que não é a mais feliz, o alargamento do prazo é determinado ex ante, decorrendo da gravação da prova em audiência, para mais tendo o recorrente pedido para ouvir as cassettes, e não ex post, face ao conteúdo das respectivas alegações, uma vez que tal alargamento é concedido tendo em vista, necessariamente, o tempo da audição, e não em função de o recurso vir a ter, a final, como objecto, a reapreciação da prova, podendo bem acontecer que, após a audição e apreciação do conteúdo dos registos, o recorrente entenda não haver fundamento para pedir a reapreciação da prova gravada.

Na resposta a tal parecer, o Autor contrariou a argumentação nele aduzida.

Corridos os vistos, cumpre decidir.

2. Os factos pertinentes são os seguintes:
– A requerimento da Ré, formulado na contestação, as provas oralmente produzidas na audiência de discussão e julgamento foram objecto de registo fonomagnético (fls. 49, 129-130, e 139-140);
– Notificada da sentença, em 6 de Dezembro de 2004, a Ré, em 29 do mesmo mês, por requerimento transmitido por fax – cujo original do requerimento foi apresentado em 3 de Janeiro de 2005 –, pediu que lhe fossem confiadas as cassettes com a gravação, por um período não inferior a cinco dias (fls. 161 e 162);
– Em 14 de Janeiro de 2005, em cumprimento de despacho proferido no dia 5 do mesmo mês, foram entregues ao ilustre mandatário da Ré seis cassettes, constituindo cópia da gravação da audiência de julgamento (fls. 163 v.º);
– Em 19 de Janeiro de 2005, foi apresentado o requerimento de interposição do recurso, acompanhado da respectiva alegação;
– Da alegação não consta a indicação de pontos de facto incorrectamente julgados, em função das provas oralmente produzidas em audiência, embora o recorrente tenha procedido à transcrição de uma testemunha para ilustrar a afirmação de que “nenhuma das testemunhas, ao longo dos seus depoimentos referiu que o A. desempenhasse funções de TSE mas sim quando interpelados sobre tal matéria que as funções exercidas pelo A. se enquadravam, sem margem para dúvidas, na categoria profissional de ETP”.

3. A questão em debate é a de saber se é admissível a utilização do prazo mais longo de interposição do recurso, nos termos do artigo 80º, n.º 3, do Código de Processo de Trabalho, quando o recorrente, tendo embora requerido à secretaria judicial cópia da fita magnética de gravação de prova, não tenha, na respectiva alegação, impugnado a matéria de facto; interessando ainda considerar em que termos releva na contagem do prazo de recurso o incumprimento pela secretaria do prazo máximo de 8 dias de que dispõe para facultar ao interessado a cópia da gravação.

A Relação formulou uma resposta negativa quanto àquele primeiro aspecto da questão, considerando que o recorrente apenas tem direito ao acréscimo de 10 dias a que se refere o citado artigo 80º, n.º 3, do Código de Processo de Trabalho, quando pretenda impugnar a matéria de facto, pelo que o recurso se mostra, desde logo, intempestivo, quando o apelante tenha interposto o recurso para além do prazo normal de 20 dias, sem ter impugnado a decisão proferida sobre a matéria de facto.

A recorrente insurge-se contra este ponto de vista, invocando, em resumo, que o interessado só está em condições de optar entre a impugnação da matéria de direito ou também da matéria de facto, depois de ter acesso ao registo da gravação, aduzindo ademais que, não tendo o tribunal disponibilizado a cópia da gravação no prazo legalmente cominado para o efeito, o período de tempo em que o tribunal excedeu esse prazo deve ser descontado no cômputo do prazo de recurso. Conclui que qualquer outra interpretação viola o princípio constitucional do direito de acesso aos tribunais e o direito de defesa, consagrados nos artigos 20º e 32º, n.º 1, da Lei Fundamental.

Conforme resulta do artigo 80º, n.º 2, do Código de Processo de Trabalho, o prazo para interposição de recurso de apelação é de 20 dias, ao qual acresce, nos termos do subsequente n.º 3, o prazo de 10 dias “se o recurso tiver por objecto a reapreciação da prova gravada”.

O alargamento do prazo do recurso tem correspondência com o estabelecido na lei processual civil, em que igualmente se prevê que ao prazo geral de 30 dias, consignado para a apelação cível, acresçam 10 dias se o recurso se destinar à impugnação da matéria de facto (artigo 698º, n.º 6, do Código de Processo Civil), e encontra justificação no maior dispêndio de tempo de que o interessado carece, nessa eventualidade, para elaborar e apresentar a alegação.

Com efeito, tendo sido admitido, pelo Decreto-Lei n.º 39/95, de 15 de Fevereiro, o registo das provas produzidas em audiência de julgamento, como medida inovadora destinada a garantir um efectivo segundo grau de jurisdição na apreciação da matéria de facto, o artigo 690º-A do CPC, aditado por esse diploma, veio impor ao recorrente que pretenda impugnar a decisão de facto um especial ónus de alegação no que respeita à delimitação do objecto do recurso e à sua fundamentação (cfr. preâmbulo do diploma). E, nesses termos, quando se impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, passou a estabelecer a obrigatoriedade, sob pena de rejeição do recurso, da identificação dos concretos pontos de facto que se consideram incorrectamente julgados e dos concretos meios probatórios, constantes do processo ou do registo ou da gravação nele realizada, que justifiquem sobre os pontos da matéria de facto impugnados uma decisão diversa da que foi proferida (n.º 1). Para efeito da concretização dos meios probatórios, o n.º 2 do artigo 690º-A começou por exigir, na sua redacção primitiva, a transcrição, mediante escrito dactilografado, das passagens da gravação em que se funda a impugnação; e, com a alteração introduzida pelo Decreto-Lei n.º 183/2000, de 10 de Agosto, veio substituir esse regime de transcrição das passagens da gravação, por um novo sistema de indicação dos depoimentos por mera remissão para o início e termo da respectiva audição que estiver assinalado na acta.

O prazo suplementar tem, pois, em vista, como tudo indica, permitir ao recorrente realizar o trabalho demorado e complexo de audição da prova gravada, para efeito de identificar, em relação aos depoimentos que se consideram relevantes para a alteração das respostas aos quesitos, os locais precisos onde se encontram registados, de modo a que facilmente seja possível apurar a autoria dos depoimentos e o momento em que os mesmos se iniciaram e cessaram.

É ainda o citado Decreto-Lei n.º 39/95 - que inaugurou o regime de registo das audiências e da prova nelas produzida - que contém diversas disposições instrumentais que visam assegurar a operacionalidade do sistema, e, entre elas, a do artigo 7º, que estabelece, na parte que mais interessa considerar, o seguinte:

“1- Durante a audiência são gravadas simultaneamente uma fita magnética destinada ao tribunal e outra destinada às partes.
2- Incumbe ao tribunal que efectuou o registo facultar, no prazo máximo de 8 dias após a realização da respectiva diligência, cópia a cada um dos mandatários ou partes que a requeiram.
3- (…)”

Do n.º 2 desse preceito logo resulta que a entrega de cópia da fita magnética depende do requerimento das partes ou dos mandatários, e não constitui um dever oficioso do tribunal. Por outro lado, estabelecendo-se que o prazo para facultar a cópia se conta a partir da realização da diligência, fica pressuposta a ideia de que o interessado deverá exercer a faculdade que lhe confere esse n.º 2 logo após o termo da audiência de julgamento.

A essa implícita exigência não será alheio o próprio regime de funcionamento da audiência de julgamento. Finda a inquirição de testemunhas e a realização de quaisquer diligências que devam decorrer perante o tribunal, há lugar a debates orais sobre a matéria de facto, nos quais os advogados procurarão fixar os factos que devem considerar-se provados e aqueles que o não foram (artigo 652º, n.º 3, alínea f), e nº 5, do Código de Processo Civil). Encerrada a discussão, o tribunal recolhe à sala das conferências para decidir, fixando a matéria de facto por meio de acórdão ou despacho, se o julgamento incumbir a juiz singular, no qual declarará quais os factos que o tribunal julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas e especificando os fundamentos que foram decisivos para a convicção do julgador. O presidente procede à leitura da decisão e faculta o seu exame a cada um dos advogados, pelo tempo que se revelar necessário para uma apreciação ponderada, tendo em conta a complexidade da causa. Feito o exame, qualquer deles pode reclamar contra a deficiência, obscuridade ou contradição da decisão ou contra a falta da sua motivação e, apresentadas as reclamações, o tribunal reunirá de novo para se pronunciar sobre elas. Decididas as reclamações, ou não as tendo havido, as partes podem ainda acordar na discussão oral do aspecto jurídico da causa, que, nesse caso, se fará na própria audiência de julgamento (artigo 653º).

Embora o processo laboral se encontre sujeito a um regime processual específico, ele não difere muito do esquema traçado para o processo civil, sendo igualmente admissível a gravação da prova, caso em que, todavia, não há lugar à intervenção do colectivo ainda que a causa seja de valor superior à alçada da Relação (artigo 68º, n.ºs 2 e 3), Os debates orais servem para a discussão da matéria de facto e de direito, findos os quais o tribunal pode ainda ampliar a matéria de facto (artigo 72º, n.ºs 3 e 4), aplicando-se no mais o regime supletivo do artigo 653º do Código de Processo Civil.

Em qualquer dos casos, os advogados das partes, porque assistiram à audiência de recolha de prova, intervieram na discussão da matéria de facto, ouviram a decisão do tribunal que fixou os factos provados e não provados, e puderam examinar essa decisão e até dela reclamar, estão, no termo da audiência, em condições de avaliar se ocorreu ou não um erro de julgamento e de manifestar a concordância ou discordância com a decisão proferida sobre a matéria de facto.

Por isso bem se compreende que o legislador, no diploma que define os procedimentos a adoptar na gravação da audiência, tenha estabelecido uma ligação funcional entre o termo da audiência e o requerimento da parte para obtenção da fita magnética, fazendo contar o prazo para a secretaria disponibilizar o registo fonográfico da data da audiência de julgamento.

Na ausência de uma cominação expressa da lei, nada parece obstar, no entanto, a que o mandatário venha a requerer cópia da gravação já após a notificação da sentença, e quando se encontre em curso o prazo de impugnação jurisdicional. A admitir-se esta possibilidade, o recorrente terá de apresentar o seu requerimento em tempo útil, tendo em consideração que o prazo para a prática do acto de secretaria corre concomitantemente com o prazo de recurso, e, no período de tempo cominado para o funcionário judicial disponibilizar o registo magnético, o mandatário está impedido de aceder aos elementos que permitam elaborar a alegação de recurso.

Neste contexto, aceita-se que o incumprimento pelo tribunal do prazo que lhe está consignado para fornecer a gravação deva configurar-se como uma situação de justo impedimento que possa obstar à prática atempada do acto processual. Cabe à parte, nessas circunstâncias, alegar e provar que a demora na entrega da gravação tenha inviabilizado a elaboração e apresentação da alegação do recurso dentro do prazo, tornando justificável que o acto processual venha a ser praticado quando cessou esse impedimento.

O evento que integra o justo impedimento é, neste caso, todo o período de tempo em que a secretaria excedeu o prazo cominado, durante o qual o prazo de recurso ficou inutilizado por virtude de o mandatário judicial se encontrar impossibilitado de aceder às provas e preparar a alegação.

Parece ser, no entanto, de assentar no entendimento de que o prazo acrescido de 10 dias só é aplicável quando o recorrente o use efectivamente para impugnar a matéria de facto. Essa é a interpretação que melhor se ajusta à literalidade do preceito e melhor apoio encontra na ratio legis e no elemento histórico de interpretação.

Por um lado, o artigo 80º, n.º 2, do Código de Processo de Trabalho, em consonância com a correspondente norma do Código de Processo Civil, evidencia que o prazo para a interposição de recurso (e para a apresentação da alegação, que deve acompanhar esse requerimento) é acrescido de 10 dias “se o recurso tiver por objecto a reapreciação da prova gravada”, efectuando assim uma clara interligação entre a utilização do prazo suplementar e o objecto do recurso, que deverá ter por base (pelo menos, em parte) a impugnação da matéria de facto. Nesse mesmo sentido aponta o preâmbulo do Decreto-Lei n.º 39/95, que, pretendendo esclarecer o alcance das inovações introduzidas, faz alusão ao ónus especial de alegação que incumbe ao recorrente, quando pretenda impugnar a matéria de facto, e explicita que “Tal ónus acrescido do recorrente justifica, por outro lado, o possível alargamento do prazo para a elaboração e apresentação das alegações, consentido pelo n.º 6 do artigo 705º” (norma que corresponde ao actual artigo 698º, n.º 6, resultante da reforma de 1995/1996). Por fim, esse entendimento surge justificado pela razão de ser da lei.

Ao impor um ónus especial de alegação quando se pretenda impugnar a matéria de facto, o legislador pretendeu evitar que o impugnante se limite a atacar, de forma genérica e global, a decisão de facto, pedindo simplesmente a reapreciação de toda a prova produzida em primeira instância, expediente que ademais poderia ser utilizado pelas partes apenas com intuitos dilatórios (Lopes do Rego, Comentários ao Código de Processo Civil, 1999, Coimbra, pág. 465). É, pois, para fazer face ao dispêndio de tempo que exige a audição da prova gravada e a indicação precisa dos locais onde se inserem as passagens dos depoimentos que poderão fundamentar uma diferente decisão de facto quanto a determinados quesitos, que se atribui ao recorrente um prazo acrescido para elaborar e apresentar a sua alegação, que, por seu lado, deixa de ter qualquer utilidade prática quando o interessado prescinda de impugnar a matéria de facto.

O recorrente alega, no entanto, que para a interposição do recurso, e mesmo antes de decidir interpor recurso da matéria de facto, deveria ter à sua disposição uma cópia das gravações das declarações prestadas oralmente na audiência de julgamento e só assim estaria em condições de poder tomar a decisão de interpor recurso apenas sobre a matéria de direito ou também sobre a matéria de facto, acrescentando que as fitas magnéticas constituem um elemento indispensável não só para motivar e preparar o recurso mas também para se tomar uma decisão sobre a interposição ou não de recurso e de que matéria se recorre, pois não é na audiência de discussão e julgamento, em que as partes e os seus mandatários estão presentes, que tal decisão tem que ser tomada.

Mas não é essa ilação, como já se deixou antever, que dimana da funcionalidade do sistema.

A discussão da matéria de facto em audiência de julgamento é feita, em cumprimento do princípio do contraditório, com a intervenção activa dos advogados das partes, que, em debate oral, poderão pronunciar-se sobre os factos que devem considerar-se provados e não provados, e examinar o despacho que fixa a matéria de facto e ainda dele reclamar contra a deficiência, obscuridade ou contradição ou contra a falta da sua motivação. Além de que as partes podem acordar na discussão oral do aspecto jurídico da causa, que, nesse caso, terá lugar na própria audiência de julgamento, e se não o fizeram dispõem de prazo para alegarem por escrito, aplicando a lei aos factos que tiverem ficado assentes (artigo 657º do Código de Processo Civil), sendo que, no processo laboral, é na própria audiência que decorre obrigatoriamente o debate oral sobre a matéria de facto e de direito.

Finda a audiência de julgamento, os advogados das partes devem, pois, ter uma percepção muito clara quanto aos factos que são favoráveis ou desfavoráveis à pretensão que querem fazer valer e sobre se a decisão de facto adoptada pelo tribunal é ou não concordante com os resultados probatórios. O próprio advogado, no debate oral, fazendo uma apreciação crítica da prova produzida, fornece ao juiz a sua perspectiva sobre a matéria de facto e dá indicação dos depoimentos que, em seu entender, apontam para que os factos sejam tidos como provados ou não provados. E competindo-lhe alegar de direito, oralmente, na própria audiência de julgamento (ou por escrito, em processo civil, quando notificado para isso), deve ter também uma noção clara dos factos materiais da causa e da sua conformidade com o direito probatório material, pois é em relação a esse acervo factual que terá de ajustar a solução jurídica que considera aplicável ao caso.

Em suma, finda a audiência de julgamento, o advogado está, ou deve estar, preparado, para determinar se a convicção que julgador formou sobre a matéria de facto está ou não de acordo com a prova produzida e se é ou não conveniente, para a salvaguarda dos interesses que lhe cumpre defender, impugnar por via de recurso decisão de facto proferida.

Por isso mesmo é que o falado artigo 7º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 39/95, manda contar o prazo de 8 dias, de que a secretaria dispõe para facultar às partes cópia da gravação, a partir da própria realização da audiência de julgamento, tomando como certo que o requerimento pode ser formulando imediatamente após a audiência, constituindo como que um procedimento ou formalidade que integra a própria audiência de julgamento.

A recorrente alega ainda que a norma do artigo 80º, n.º 3, do Código do Processo de Trabalho, na interpretação feita pela decisão recorrida viola o princípio constitucional do direito de acesso aos tribunais e o correspondente exercício do direito de defesa incluindo o direito de recorrer, consagrados nos artigos 20.º e 32.º n.º 1, da C.R.P..

Mas não é assim.

Existe um fundamento material para que seja concedido ao recorrente um acréscimo ao prazo geral de recurso jurisdicional. E esse fundamento radica na maior dificuldade que se depara ao recorrente, quando pretenda impugnar a matéria de facto, por virtude da imposição legal de identificar os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados e os concretos meios probatórios, constantes da gravação, que justifiquem uma decisão diversa da que foi proferida. A atribuição de um prazo suplementar está, pois, directamente relacionada com o cumprimento do especial ónus de alegação, naquela específica circunstância. Representaria uma fraude à lei e uma violação do princípio da igualdade das partes, que constitui também a concretização de um princípio constitucionalmente consagrado – o princípio da igualdade vertido no artigo 13º da Lei Fundamental (Teixeira de Sousa, Estudos sobre o Novo Processo Civil, Lisboa, 1996, pág. 39) -, que o recorrente pudesse obter uma ampliação do prazo de recurso, passando a dispor de um prazo superior ao que se encontra geralmente fixado, apenas porque se limitou a anunciar a possibilidade de impugnar a decisão de facto e a requerer a cópia da gravação.

Desse modo, o recorrente obteria uma vantagem inteiramente injustificada, em desfavor da posição da contraparte, bastando que o interessado requeresse a cópia da gravação no último dia do prazo de 20 dias, quando constatasse de que não já dispunha de tempo suficiente para preparar uma alegação de direito, para que desde logo pudesse beneficiar de um acréscimo de 10 dias (que cobre o prazo de que dispõe a secretaria para facultar a gravação), sem que daí resultasse qualquer outra consequência processual.

A solução da lei, tal como se preconiza e foi acatada na Relação, não ofende de nenhum modo o direito de acesso aos tribunais ou o direito de recurso. A recorrente dispõe, em condições idênticas às de qualquer outro interessado, de um prazo para elaborar e apresentar a sua alegação de recurso. E quando pretenda impugnar a matéria de facto beneficia de um prazo mais longo para cumprir o ónus especial de alegação que lhe é exigido nessa situação. Esse prazo, como se deixou esclarecido, não é para o recorrente decidir se pretende impugnar a matéria de facto - nem se justificaria que o fosse -, mas unicamente para minutar a alegação de recurso e fundamentar a sua posição. Acresce que a própria lei, como se depreende do disposto o citado artigo 7º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 35/95, prevê que o interessado requeira a entrega de cópia da gravação da prova logo imediatamente após audiência de julgamento, o que lhe permite efectuar a audição do registo áudio ainda antes de ser proferida a sentença, caso ela não tenha sido logo ditada para a acta, ou antes de ela lhe ser notificada, ou, pelo menos, logo no início do decurso do prazo geral de 20 dias.

A lei confere, portanto, ao interessado todas as garantias para que possa decidir e minutar em tempo útil o recurso de impugnação da matéria da matéria, quer através do alargamento do prazo, quer mediante a possibilidade de obter imediatamente após a audiência de julgamento a cópia da gravação, independentemente de se encontrar já em curso o prazo de recurso.

No caso vertente, a Ré foi notificada da sentença em 6 de Dezembro de 2004, e considerando a suspensão dos prazos judiciais entre 22 daquele mês e 3 de Janeiro de 2005, atento o disposto nos artigos 144.º, n.º 1, do Código de Processo Civil e 13.º da Lei n.º 3/99, de 13 de Janeiro, na primitiva redacção, o prazo de 20 dias faria termo final em 8 de Janeiro de 2005, que coincidiu com um sábado, por isso que se transferiu para o dia 10 de Janeiro. A Ré, em 29 de Dezembro de 2004 – ainda dentro do prazo de 20 dias –, requereu cópia da gravação da audiência, a qual só foi entregue em 14 de Janeiro de 2005, excedendo em 3 dias o prazo limite de 8 dias de que a secretaria dispunha para facultar essa cópia, que só começou a correr em 4 de Janeiro, dia seguinte ao termo de férias judiciais. O prazo de 30 dias a que se refere o artigo 80º, n.º 3, do Código de Processo de Trabalho, destinado à impugnação da matéria de facto, terminaria, em princípio, em 18 de Janeiro de 2005, e a Ré apresentou a sua alegação no dia 19 imediato, mas não deduziu qualquer impugnação quanto à decisão de facto.

Face a todas as considerações antes expostas, o prazo de recurso terminava em 8 de Janeiro de 2005 e só seria ampliado em 10 dias, com transferência do termo final para 18 de Janeiro de 2005, se a recorrente tivesse impugnado a matéria de facto, com a consequente utilização desse prazo suplementar para cumprir o ónus especial de alegação.

Não o tendo feito, o recurso foi apresentado intempestivamente, perdendo qualquer interesse a discussão sobre a relevância, na contagem o prazo, do atraso imputável à secretaria na disponibilização da gravação, visto que a recorrente não se aproveitou dos elementos dela constantes e o atraso não teve qualquer consequência para efeito do cumprimento do prazo geral de 20 dias.

4. Termos em que acordam em negar provimento ao agravo e confirmar a decisão recorrida.

Custas pela recorrente

Lisboa, 1 de Março de 2007


Fernandes Cadilha – relator por vencimento
Mário Pereira
Maria Laura Leonardo
Manuel Joaquim Sousa Peixoto
Adelino César Vasques Dinis