Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 7.ª SECÇÃO | ||
Relator: | FÁTIMA GOMES | ||
Descritores: | LIQUIDAÇÃO EM EXECUÇÃO DE SENTENÇA SENTENÇA DE CONDENAÇÃO GENÉRICA LIQUIDAÇÃO ULTERIOR DOS DANOS CASO JULGADO DANO CRITÉRIO DE QUANTIFICAÇÃO CÁLCULO DA INDEMNIZAÇÃO PRESCRIÇÃO DIREITO DE REGRESSO PAGAMENTO EM PRESTAÇÕES DANOS PATRIMONIAIS DANOS NÃO PATRIMONIAIS | ||
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Data do Acordão: | 04/27/2023 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | REVISTA | ||
Decisão: | NEGADA | ||
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Sumário : | I. O incidente de liquidação previsto no n.º 2 do art. 358.º CPC, pressupõe uma «sentença de condenação genérica», o que significa que tal condenação já existe, é certa e está fora de discussão, faltando apenas a sua liquidação, por permanecer incerta unicamente a «quantidade» abrangida pela condenação, pois a liquidação de sentença não pode servir para reabrir a discussão sobre se existe ou não obrigação. II. A liquidação da sentença visa assim, tão-só, a concretização do objeto da condenação, com respeito pelo caso julgado decorrente da acção declarativa, ou seja, a determinação do objecto da causa, o mesmo é dizer, a existência do dano não é relegável para o referido incidente. III. Tendo sido invocada a prescrição do direito do A., com indicação de este ter efectuado pagamentos em certas datas, mesmo não provadas, é possível conhecer da excepção de prescrição ainda que não se tenha apurado o valor exacto do dano, quando o R. é pessoa estranha às entidades a quem os pagamentos foram realizados e não possa, sem dificuldade extrema, oferecer prova da data real em que os pagamentos foram efectivados. IV. O prazo de prescrição no direito de regresso conta-se da data do último pagamento, podendo ocorrer segmentação por núcleos indemnizatórios que comportem uma lógica de separação entre si, como no caso dos autos, a separação entre danos patrimoniais e não patrimoniais. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam no Supremo Tribunal de Justiça I. Relatório
1. ZURICH INSURANCE PUBLIC LIMITED COMPANY – SUCURSAL EM PORTUGAL instaurou, em 15 de julho de 2020, a presente acção declarativa de condenação contra AA, pedindo a sua condenação a pagar-lhe a quantia de € 48.379,66 (quarenta e oito mil trezentos e setenta nove euros e sessenta e seis cêntimos), acrescida de juros de mora, à taxa legal, a contar da citação e até integral pagamento.
2. Alegou, para tanto, e em síntese, que: A autora dedica-se à atividade seguradora e, no exercício dessa atividade, celebrou contrato de seguro com BB pelo qual esta transferiu para aquela a responsabilidade civil decorrente da circulação do veículo de marca Hyundai, modelo GETZ, com a matrícula ..-..-XF. No dia 12 de outubro de 2016, o veículo seguro, conduzido pelo réu, em estrada do concelho ..., foi interveniente em acidente de viação consistente em despiste seguido de colisão com outro veículo, que foi projetado e colidiu com outro, que foi projetado e colidiu com outros dois, todos eles estacionados, o que veio a ocasionar avultados danos materiais em todos eles. O despiste do XF também provocou danos na via pública, bem como danos físicos no réu e no passageiro do XF, CC, os quais foram transportados ao Hospital. Aqui procedeu-se à recolha de sangue ao réu para análise daí resultando que ele tinha taxa de álcool no sangue de 1,04 g/l (gramas por litro). O estado de embriaguez em que o réu conduzia, reduzindo-lhe as suas capacidades físicas e psíquicas, foi causa direta do acidente. A autora, considerada a culpa exclusiva do réu na produção do acidente, decidiu assumir a responsabilidade pelos danos causados, procedendo ao pagamento, aos lesados, da quantia total de € 48.379,66, peticionada. Após interpelação feita pela autora ao réu para pagamento dos montantes despendidos, este nada pagou. Assiste à autora, nos termos da alínea c), do n. º 1, do artigo 27.º, do Decreto-Lei n.º 291/2007, de 21 de agosto, o direito de regresso contra o condutor, quando este tenha dado causa ao acidente e conduzir com uma taxa de alcoolemia superior à legalmente admitida. A autora não tem de provar o nexo de causalidade entre a condução sob o efeito do álcool e a produção do acidente. 2. Citado, veio o réu defender-se por excepção, invocando a prescrição do crédito da autora, e por impugnação, alegando, em síntese, que em 4 de agosto de 2020, data em que foi citado para os termos da ação, já estava prescrito o direito de regresso da autora sobre o montante de € 47.742,63. Conclui assim a contestação: «Nestes termos e nos mais de direito, (...), deve: a) A exceção de prescrição deduzida ser julgada procedente por provada, e, em consequência ser o R. absolvido do pedido de pagamento respeitante ao direito de regresso sobre o montante de € 47.742,63, que se deve declarar prescrito; Caso assim se não entenda, b) Ser a ação julgada improcedente por não provada, absolvendo-se o R. do pedido.» 3. A autora respondeu à matéria de excepção, pugnando pela sua improcedência. 4. Não obstante o reconhecimento de que caberia «designar audiência prévia, tendo em vista, para além do mais, outros fins que não apenas os previstos no artigo 593.º, n.º 1 do CPC», com fundamento na imprevisibilidade da conciliação das partes e ainda na circunstância: - de a causa se revestir de simplicidade, e; - de as partes já terem debatido as matérias de exceção por escrito, ao abrigo do «princípio da simplificação processual», o tribunal entendeu aconselhável a dispensa da realização de tal audiência prévia, o que fez com o assentimento das partes. 5. No saneador, o tribunal proferiu, o despacho a que alude o art. 596.º, n.º 1: identificando o objeto do litígio e enunciando os temas da prova. 6. Na subsequente tramitação dos autos realizou-se a audiência final, após o que foi proferida sentença, de cuja parte dispositiva consta o seguinte: «Pelo exposto, julgo a ação parcialmente procedente, por provada, e, em consequência, condeno o réu a pagar à autora os montantes que esta despendeu - para além do pagamento de € 18.000,00 (dezoito mil euros) a CC, por este recebido em 3 de março de 2017 - em pagamentos a A... Lda., Município ..., Auto ..., CC, C... e Reparação Automóvel, Lda., M..., Lda., Farmácia ... e Serviço de Saúde da ..., E.P.E., para ressarcimento dos danos patrimoniais e não patrimoniais decorrentes do sinistro ajuizado, causado pelo réu – sem prejuízo de os respetivos créditos estarem prescritos, no todo ou em parte – até ao montante, peticionado, de € 48.379,66 (quarenta e oito mil trezentos e setenta nove euros e sessenta e seis cêntimos), a apurar em liquidação de sentença.» 7. Inconformado, o réu interpôs recurso de apelação. 8. O Tribunal da Relação identificou as seguintes questões a abordar na apelação: a) se é possível relegar para sede de incidente de liquidação o conhecimento da excepção peremptória de prescrição do direito de regresso; b) se deve ser considerado prescrito o direito de regresso da autora relativamente ao montante de € 47.742,63. 9. E veio a proferir acórdão com o seguinte dispositivo: “Por todo o exposto, acordam os juízes que integram a 7.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa, em alterar a sentença recorrida e, consequentemente: 4.1 – Em julgar prescrito o direito de regresso da autora relativamente à quantia de € 18.000,00, paga no dia 3 de março de 2017, ao lesado CC, a título de indemnização pelos danos patrimoniais e não patrimoniais, por este sofridos em consequência do acidente, absolvendo, nesta parte, o réu do pedido; 4.2 – Em condenar o réu a pagar à autora, a título de direito de regresso, a quantia que vier a ser liquidada em sede de incidente de liquidação, correspondente às quantias que, em consequência do acidente, esta pagou: a) a A... Lda., até ao limite de: - € 77,25 (setenta e sete euros e vinte e cinco cêntimos), pela imobilização do veículo QB; - € 185,40 (cento e oitenta e cinco euros e quarenta cêntimos), pela imobilização do veículo RQ; - € 10.710,00 (dez mil, setecentos e dez euros), a título de compensação pela perda total do veículo QB; b) ao Município ..., até ao limite de € 1.854,88 (mil e oitocentos e cinquenta e quatro euros e oitenta e oito cêntimos), a título de danos patrimoniais provocados pelo veículo XF na Rua..., ...; c) a Auto ..., até ao limite de: - € 4.286,86 (quatro mil, duzentos e oitenta e seis euros e oitenta e seis cêntimos), pela reparação do veículo RQ; - € 1.089,35 (mil e oitenta e nove euros e trinta e cinco cêntimos), pela reparação do veículo QB; d) a C... e Reparação Automóvel, Lda., até ao limite de € 392,74 (trezentos e noventa e dois euros e setenta e quatro cêntimos), pela reparação do veículo RI; e) a M..., Lda., até ao limite de € 9.483,02 (nove mil, quatrocentos e oitenta e três euros e dois cêntimos), pela reparação do PQ; f) a Farmácia ..., até ao limite de € 16,11 (dezasseis euros e onze cêntimos), a título de medicamentos; g) ao Serviço de Saúde da ..., E.P.E., até ao limite de € 620,92 (seiscentos e vinte euros e noventa e dois cêntimos), a título de despesas com hospital e exames complementares de diagnóstico, o que perfaz o limite global de 28.716,53 (vinte e oito mil setecentos e dezasseis euros e cinquenta e três cêntimos, conforme descrito no art. 45.º da petição inicial. Custas do recurso, na vertente de custas de parte, a cargo do recorrente e da recorrida, na proporção 2/5 e 3/5, respetivamente.” 10. Não se conformando com o acórdão o R. veio a interpor recurso de revista para o STJ, pedindo que seja fixado o efeito suspensivo e subida imediata nos próprios autos, e no qual formula as seguintes conclusões (transcrição): “A. O R. Recorrente, recorre do Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa, tendo por objecto a seguinte matéria de direito apreciada: a. Incorreta aplicação das regras de procedência e improcedência de uma causa; b. Incorreta repartição do ónus da prova dos factos constitutivos e extintivos do direito; c. Incorreta aplicação das regras de exercício do direito de regresso; d. Incorreta aplicação do instituto jurídico da liquidação. B. A A. Recorrida, apresentou na sua Petição Inicial um pedido líquido, no montante de € 48.379,66, por oposição a um pedido genérico em que aquele montante não é quantificado. C. A sentença do Tribunal de 1.ª Instância, condenou o R. Recorrente, nos seguintes termos: “Pelo exposto, julgo a ação parcialmente procedente, por provada, e, em consequência, condeno o réu a pagar (...) os danos patrimoniais e não patrimoniais decorrentes do sinistro ajuizado, causado pelo réu – sem prejuízo de os respetivos créditos estarem prescritos, no todo ou em parte – até ao montante, peticionado, de € 48.379,66 (quarenta e oito mil trezentos e setenta nove euros e sessenta e seis cêntimos), a apurar em liquidação de sentença.” (sublinhado nosso) D. O Recorrente apelou e o Tribunal da Relação de Lisboa, por sua vez, proferiu o Acórdão, do qual se recorre, nos seguintes termos: “Por todo o exposto, acordam os juízes que integram a 7.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa, em alterar a sentença recorrida e, consequentemente: (...) 4.2 – Em condenar o réu a pagar à autora, a título de direito de regresso, a quantia que vier a ser liquidada em sede de incidente de liquidação, correspondente às quantias que, em consequência do acidente, esta pagou (...).” (sublinhado nosso): E. O Tribunal da Relação de Lisboa manteve, na sua decisão, a principal crítica assacada ao Tribunal de 1.ª Instância, a remissão para um incidente de liquidação, de um quantum, que no pedido já era líquido. F. Não satisfeito, condenou o R. ao pagamento de um montante que resultou, em sede declarativa na 1.ª Instância, não sujeito a reapreciação na 2.ª Instância, como facto não provado. G. A Sentença do Tribunal de 1.ª Instância deu como não provados todos os pagamentos alegados pela A. na sua petição inicial, à exceção do pagamento feito à testemunha CC. H. Para mais, deu-se ainda como factos não provados, ainda que por maioria de razão, a data dos supra referidos pagamentos conforme alegados pela A. I. Como factos não provados, a consequência jurídica deveria ter sido desfavorável a quem tinha o ónus da sua prova, in casu à A., no entanto decidiu o Tribunal de 1.ª Instância, e mais tarde o Tribunal de 2.ª Instância, a remissão para liquidação de sentença, a “liquidação” de um pedido deduzido de forma líquida. J. O efeito prático desta decisão redunda numa segunda oportunidade, dada à A., de suprir a falta de prova de pagamento da indemnização do qual o seu direito de regresso está dependente. K. Se isso não bastasse, o Tribunal de 2.ª Instância, introduziu, ainda, uma limitação ao direito de defesa do R., violentamente castradora da igualdade de armas entre as partes, nomeadamente impedindo que em sede de liquidação fosse apreciada a exceção de prescrição alegada pelo R. e admitida pela 1.ª Instância. L. Ao decidir como decidiu, o Tribunal da Relação de Lisboa permitiu que o incidente de liquidação seja deduzido para um fim que não é o seu - provar um pagamento. M. No entanto, de forma contrastante e por isso injusta, não permite o acórdão em crise que se deduzam todas as defesas juridicamente admissíveis perante a potencial prova do pagamento - no caso, a prescrição. N. Para mais, a remissão para liquidação decidida pelo Tribunal 2.ª instância, pressupõe a possibilidade de utilizar o incidente de liquidação para produzir prova de pagamentos, que foram dados como não provados pela 1ª instância e não impugnados em sede de recurso pela A. O. Aqui chegados, é insofismável que a remissão para incidente de liquidação não poderia ter sido decidida, nos termos em que foi, por três ordens de razão: a. A A. não deduziu qualquer pedido genérico, logo nada haverá a liquidar; b. A remissão, nos termos decididos pela 1ª e 2ª instâncias, para o incidente de liquidação, terá sempre por objetivo uma quantificação e nunca uma prova de pagamento de montantes alegadamente pagos. c. O objeto da causa não é diretamente a consequência de facto ilícito, como previsto no art. 556.º/1 a), do CPC, mas o direito de regresso pelo montante indemnizatório efetivamente satisfeito em consequência desse facto - logo, um montante líquido e quantificado. P. Se dúvidas houvesse, a forma como a A. articulou a sua causa de pedir indica, de forma clara, que a mesma sabia da importância de provar os pagamentos realizados aos respetivos credores. Por isso, a A. indicou montantes líquidos e datas específicas da realização desses mesmos pagamentos. Q. Sem essa alegação e prova pela A., não há prova de pagamento efetivo e, por isso, não há direito de regresso cuja invocação seja possível em juízo. R. Assim, apesar da A. não ter cumprido o ónus probatório que sobre si recaia, pois o cerne do seu pedido, a prova do pagamento, resultou em matéria não provada, o R. não foi absolvido – totalmente - do pedido, por improcedência da ação. S. Não cabe aos tribunais suprir, remetendo para uma instância de liquidação a dedução pela A. de um pedido líquido, cuja prova não conseguiu realizar. T. Sobre o exercício do direito de regresso por uma entidade seguradora respeita, o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, Proc. 644/10.2TBCBR-A.C1, proferiu-se o seguinte: “...o direito de regresso da seguradora se não confunde, de todo, com o direito de indemnização que contra ela foi feito valer pelos lesados: com a satisfação desta indemnização – e só com essa satisfação (sublinhado nosso) – surge na esfera jurídico-patrimonial da seguradora um direito de crédito verdadeiramente novo, embora consequente à extinção da relação creditícia de indemnização anterior. ...” U. Assente o incumprimento pela A do ónus de demonstrar o pagamento, é sobre essa matéria que deve recair a aplicação do direito, com uma de duas consequências: Absolvição por falta de prova dos factos constitutivos do direito que pretendia exercer - o direito de regresso; ou Absolvição por procedência da exceção de prescrição, por à data em que a A. alega ter pago, o crédito já ter o seu prazo de prescrição decorrido. V. Nesse preciso sentido, atente-se no Acórdão deste Supremo Tribunal, proferido no Proc. 05A331: “...VIII - Não pode haver direito de regresso quanto à parcela da indemnização que o Autor foi condenado a pagar em montante a liquidar em execução de sentença, mas que não chegou a ser liquidada e efectivamente paga por ele. (...) Independentemente da relevância que possa reconhecer-se à demolição - cuja necessidade ou razão de ser não está demonstrada nos autos - o certo é que não se vê qualquer fundamento jurídico para o direito de regresso quanto à indicada quantia a liquidar ulteriormente; e isto porque não se retira da matéria de facto que o autor tenha feito qualquer pagamento referente a despesas com um suposto arrendamento suportadas pelo lesado no período de realização das obras de reparação..." Por outro lado, W. No campo da prescrição, o Tribunal da Relação, entende que o ónus da prova da data da prescrição cabia ao R., impondo-lhe a prova impossível de provar um ato próprio de terceiro (o pagamento), praticado perante terceiros. X. Para o efeito socorre-se o Tribunal de um Acórdão (Processo nº 436/12.4TBMRA.E1) que versa sobre matéria distinta da dos autos, atente-se: "(...) o que relevava era a alegação e subsequente prova da data do cumprimento da obrigação pela A. Torna-se, assim, igualmente despiciendo analisar quando é que o decurso da prescrição foi ou não interrompido, quer pela citação operado no âmbito dos presentes autos, quer pela citação operada no âmbito do processo n.º 36/11.6TBMRA, que correu termos neste Tribunal, na medida em que, renova-se, inexistem quaisquer factos provados (ou alegados) relativos ao início do prazo prescricional aplicável aos presentes autos (sublinhado nosso). (...) Assim sendo, não tendo sido alegados factos que possibilitem ao Tribunal determinar o início do prazo prescricional que é aplicável aos autos nos termos do artigo 498.º, n.º 2 do Código Civil..." Y. Esta não é, contudo, a situação dos autos, uma vez que a A. alegou uma data de pagamento, que não logrou provar, e o R., fez-se prevalecer dessa alegação de pagamento da A. para invocar o decurso do prazo prescricional. Z. Assim, condenar o R. ao pagamento à A., de um montante de que a A. não foi capaz de fazer prova de ter pago, mas que peticiona como certo, líquido, e pago, e cuja prescrição o R. Rte. invocou, com sucesso face às datas indicadas pela A., redunda, não só numa incorreta aplicação das regras de procedência das causas, mas também num benefício/proteção à pretensão da A., não enquadrável em qualquer regra de repartição do ónus da prova. AA. A condenação de que se recorre resulta de duas ficções: A de que o pedido da causa não tem um montante líquido e de que a A. não invocou qualquer data em que terá realizado o pagamento cujo direito de regresso vem exercer. BB. São ficções, pois não resultam da posição assumida pela A. na causa, e porque redundam na bizarria de se retirar de um facto não provado uma condenação. CC. Veja-se o disposto no art. 609.º/2, do CPC, que estabelece que: “2 - Se não houver elementos para fixar o objeto ou a quantidade, o tribunal condena no que vier a ser liquidado, sem prejuízo de condenação imediata na parte que já seja líquida.” DD. Razões pelas quais, deverá proceder o presente Recurso, absolvendo-se o R. integralmente do pedido contra si deduzido, cujos factos não foram provados, nem são suscetíveis de comprovação de pagamento em incidente ulterior, designadamente de liquidação.” 11. Foram apresentadas contra-alegações, com as seguintes conclusões (transcrição): 1. Insurge-se o Recorrente contra a decisão proferida nos presentes autos, pugnando a final pela sua absolvição. 2. A decisão proferida encontra-se bem fundamentada quer de facto como de direito e explana com a maior clareza o raciocínio que levou à prolação da sentença ora posta em crise pelo Réu. 3. Não deverá ser atribuído ao Recurso efeito suspensivo por conter com a norma do artigo 676º, n.º 1 do CPC. 4. Quanto à dinâmica do acidente e às circunstâncias em que o mesmo ocorreu não restaram grandes dúvidas ao Tribunal que o mesmo ocorreu da forma descrita pela Autora na sua petição inicial. 5. Também não restaram dúvidas ao Tribunal que o mesmo provocou os danos descritos nos autos e que resultaram provados; 6. A Autora Recorrida provou os factos constitutivos do direito que se arroga, apenas restaram dúvidas ao tribunal quando à extensão dos pagamentos efetuados e as datas em que os mesmos foram realizados; 7. Não podia o Tribunal, pura e simplesmente, ignorar a prova feita nos autos relativamente aos elementos constitutivos do direito da Autora, absolvendo o Recorrente. 8. Nada obsta a que o Tribunal a quo, em face da insuficiência de elementos para determinar o montante efetivamente pago, profira sentença de condenação ilíquida, com a consequente remissão do apuramento dos valores para momento posterior, desde que – como acontece no caso dos autos, esse incidente não incida sobre a prova da existência e danos, mas, apenas e tão só, sobre o respetivo valor, pelo que improcede o recurso nesta parte. 9. Era ao réu que competia provar o momento em que a autora cumpriu as obrigações geradoras dos créditos sob pena de não ser possível proceder à contagem do prazo para efeitos de verificação da exceção de prescrição, não o tendo feito, improcede o recurso nesta parte. 10. Bem andou o Tribunal a quo ao proferir a decisão ora posta em crise que deverá ser mantida.” 12. O recurso foi admitido no tribunal recorrido com o seguinte despacho: “Por o acórdão datado de 10 de janeiro de 2023 (Ref.ª ...66) ser recorrível, estar em tempo e para tal ter legitimidade, admito o recurso dele interposto pelo réu, o qual é de revista, com subida imediata, nos próprios autos e efeito meramente devolutivo. Notifique e, após, remeta ao Supremo Tribunal de Justiça.” Cumpre analisar e decidir.
II. Fundamentação 13. De facto 13.1. Vieram provados os seguintes factos: «1. A autora dedica-se à atividade seguradora. 2. Por contrato de seguro, com início em 28 de março de 2015, titulado pela apólice n.º ...38, celebrado entre BB e a autora aquela transferiu para esta a responsabilidade civil decorrente da circulação do veículo de marca Hyundai, modelo GETZ, com a matrícula ..-..-XF (doravante XF). 3. No dia 12 de outubro de 2016, pelas 02:52, o veículo seguro circulava na Rua..., no sentido ... / ..., na localidade, freguesia e Município ..., e era conduzido pelo réu, filho da segurada. 4. O réu era acompanhado por CC. 5. Ao chegar próximo da interceção com o Caminho ... o réu, perdeu o controlo do veículo XF e despistou-se, invadindo a faixa de rodagem destinada ao trânsito em sentido contrário. 6. Atravessou essa faixa de rodagem em direção à berma. 7. Indo embater no veículo de marca SEAT, modelo 6J, com a matrícula ..- QB-.. (doravante QB). 8. O QB, na sequência do embate, foi projetado contra o veículo de marca FORD, modelo FIESTA, com a matrícula ..-PQ-.. (doravante PQ). 9. O PQ, na sequência do embate, foi projetado contra os veículos de marca RENAULT, modelo R, com a matrícula ..-RQ-.. (doravante RQ), e de marca RENAULT, modelo JZ, com a matrícula ..-RI-.. (doravante RI). 10. Os veículos QB, PQ, RQ e RI estavam estacionados em zona sinalizada para o efeito. 11. Os veículos ficaram imobilizados no local do embate, tudo conforme a Participação de Acidente de Viação elaborada pela Esquadra de Trânsito de ... da Polícia de Segurança Pública (PSP), cujos elementos compareceram no local. 12. O local onde ocorreu o sinistro é uma reta. 13. À data, havia boa iluminação e boa visibilidade. 14. À data do acidente, o piso encontrava-se seco e o tempo estava bom. 15. O sinistro foi participado à aqui autora por BB. 16. O sinistro também foi reclamado à aqui autora por A..., Lda., S..., Unipessoal, Lda. (conhecida pelo nome comercial de Av...) e N..., Unipessoal, Lda. 17. O referido acidente provocou avultados estragos nos veículos QB, PQ, RQ e RI. 18. O QB e PQ ficaram com a “frente e traseira destruídas”. 19. O RQ ficou com a “frente destruída e danos na traseira. 20. O RI ficou com “danos no para choques traseiro”. 21. O despiste do XF também provocou estragos num sinal de “stop”, num sinal de “sentido proibido”, numa placa toponímica da Rua..., num caixote de lixo e num poste de iluminação pública. 22. Posteriormente, os veículos foram removidos do local. 23. Os veículos derramaram líquidos viscosos e deixaram vários vestígios e peças de plástico e metal na via. 24. Atenta a violência do embate, o acidente provocou, ainda, lesões físicas no réu e no passageiro do XF, CC. 25. Ambos foram transportados ao Hospital ..., no .... 26. No local do acidente, não foi possível submeter o réu a teste de despiste da presença de álcool no sangue, por se encontrar com ferimentos. 27. Mas, no Hospital, procedeu-se à recolha de sangue para análise. 28. De seguida, o sangue recolhido foi remetido para análise do Instituto de Medicina Legal de Lisboa, tendo a amostra acusado a presença de uma taxa de álcool no sangue de 1,04 g/l (gramas por litro). 29. Depois das participações e após averiguação, a autora assumiu a responsabilidade pela regularização e reparação dos danos provenientes do acidente. 30. Após peritagem, o veículo QB foi considerado como perda total. 31. O salvado do QB foi avaliado em € 890,00 (oitocentos e noventa euros), valor esse que seria deduzido ao valor da indemnização devida ao proprietário. 32. Após peritagem, a reparação do RQ ficou avaliada em € 4.286,86 (quatro mil duzentos e oitenta e seis euros e oitenta e seis cêntimos). 33. Após peritagem, a reparação do PQ ficou avaliada em € 9.483,02 (nove mil, quatrocentos e oitenta e três euros e dois cêntimos). 34. Após peritagem, a reparação do RI ficou avaliada em € 392,74 (trezentos e noventa e dois euros e setenta e quatro cêntimos). 35. Por sua vez, a reparação dos danos causados na Rua..., ficou avaliada em € 2.040,00 (dois mil e quarenta euros). 36. A autora acordou com CC o ressarcimento dos danos, patrimoniais e não patrimoniais, sofridos por este, pelo montante de € 18.000,00 (dezoito mil euros), por ele recebido em 3 de março de 2017. 37. Sendo a autora a companhia de seguros do veículo XF, com seguro válido à data do sinistro, além do pagamento do montante mencionado no ponto anterior, procedeu a diversos pagamentos, designadamente a A... Lda., Município ..., Auto ..., CC, C... e Reparação Automóvel, Lda., M..., Lda., Farmácia ... e Serviço de Saúde da ..., E.P.E. 38. Após interpelação feita pela autora ao réu para pagamento dos montantes despendidos, o réu nada pagou. 39. O réu foi citado para a causa a 4 de agosto de 2020. 40. Após o sinistro o réu saiu pelo seu próprio pé do veículo. 41. E auxiliou o sinistrado CC nessa saída. 42. Em aditamento realizado sob o n.º 1 à Participação do Acidente, junta aos autos pela autora, foi relatado pela PSP que o sinistrado CC apresentava: “Em consequência da colisão acima mencionada, resultou ao CC, um corte na face lado esquerdo, uma ferida na grelha costal direita, e escoriações no braço esquerdo, ...”; 43. Por seu direito 43. Por seu turno, nesse aditamento dizia-se que o réu tinha como lesões: “... o AA, queixava-se de dores no pescoço, coluna e perna direito.”» 13.2. Factos não provados «a) O álcool ingerido pelo réu reduziu-lhe as capacidades de reação no espaço físico e da avaliação das distâncias e riscos; b) Causou-lhe lentidão na capacidade de reação; c) Perturbou-lhe os reflexos e a coordenação motora; d) A condução sob o efeito do álcool influenciou o comportamento do réu que não conseguiu controlar o veículo e repor a trajetória do mesmo de modo a evitar o embate com o veículo QB e os demais efeitos que se lhe seguiram; e) A autora procedeu aos seguintes pagamentos, às seguintes entidades: - A... Lda, dos montantes de € 77,25 (setenta e sete euros e vinte e cinco cêntimos) e € 185,40 (cento e oitenta e cinco euros e quarenta cêntimos), a título de imobilização dos veículos QB e RQ; - Município ..., do montante de € 1.854,88 (mil e oitocentos e cinquenta e quatro euros e oitenta e oito cêntimos), a título de danos materiais provocados na Rua...; - Auto ..., do montante de € 4.286,86 (quatro mil, duzentos e oitenta e seis euros e oitenta e seis cêntimos), a título de reparação do RQ; - Auto ..., do montante de € 1.089,35 (mil e oitenta e nove euros e trinta e cinco cêntimos), a título de reparação do QB; - CC, do montante de € 863,13 (oitocentos e sessenta e três euros e treze cêntimos), a título de despesas com transportes e medicamentos; - A..., Lda, dos montantes de € 10.710,00 (dez mil, setecentos e dez euros), a título de compensação pela perda total do QB; - CC, do montante de € 534,00 (quinhentos e trinta e quatro euros) a título de despesas com transportes; - CC, do montante de € 266,00 (duzentos e sessenta e seis euros) a título de transportes; - C... e Reparação Automóvel, Lda., do montante de € 392,74 (trezentos e noventa e dois euros e setenta e quatro cêntimos), a título de reparação do RI; - M..., Lda., do montante de € 9.483,02 (nove mil, quatrocentos e oitenta e três euros e dois cêntimos), a título de reparação do PQ; - Farmácia ..., do montante de € 16,11 (dezasseis euros e onze cêntimos) a título de medicamentos; - Serviço de Saúde da ..., E.P.E., do montante de € 620,92 (seiscentos e vinte euros e noventa e dois cêntimos), a título de despesas com hospital e exames complementares de diagnóstico; f) Os pagamentos realizados pela autora no âmbito do sinistro objeto dos autos ocorreram nas seguintes datas: a) 08-12-2016 - A..., Lda.; b) 16-12-2016 - Município ...; c) 16-01-2017 - Auto ...; d) 27-01-2017 - CC; e) 03-02-2017 - A..., Lda.; f) 15-02-2017 - CC; g) 21-02-2017 - CC; h) 15-03-2017 - CC; i) 15-03-2017 - C... e Reparação Automóvel, Lda.; j) 02-06-2017 - M..., Lda; k) 31-10-2018 - Farmácia ...; l) 02-11-2018 - Serviço de Saúde da RAM, EPE; g) O réu, quando no dia 12 de outubro de 2016 iniciou a condução do veículo XF, encontrava-se plenamente apto para o efeito; h) Apesar do adiantado da hora em que ocorreu o sinistro o réu sentia-se desperto, alerta, e com capacidade de reação que o tornavam apto à condução de veículos; i) A presença de álcool no seu organismo, não se manifestava nas suas capacidades, pelo que, não obstante desconhecer que ao tempo era portador de uma taxa de álcool no sangue que o inibia legalmente de conduzir, o réu não se sentia fisicamente incapacitado quando iniciou a condução do veículo; j) O estado de conservação da via era, à data mediano, não se tratando de uma pavimentação nova, pelo que, já apresentava zonas com buracos ou lombos que provocavam a trepidação dos veículos; k) A visibilidade, não obstante a via ter uma iluminação adequada, era perturbada por sombras e reflexos de luzes nos vidros dos carros estacionados na via; l) CC, então amigo do réu, cortou relações com este, por causa do sinistro; m) CC, ao contrário do réu, não se encontrava com o cinto de segurança colocado; n) A diferença de tipo de lesões sofridas pelo réu e pelo passageiro do veículo deve-se à circunstância de aquele ter e este não ter o cinto de segurança colocado aquando do sinistro, o que o réu verificou quando o socorreu na saída do veículo.» De Direito 14. O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões do Recurso, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que sejam de conhecimento oficioso e devendo limitar-se a conhecer das questões e não das razões ou fundamentos que àquelas subjazam, conforme previsto no direito adjetivo civil - arts. 635º n.º 4 e 639º n.º 1, ex vi, art.º 679º, todos do Código de Processo Civil. Tendo em conta o exposto, a partir das conclusões do recurso, podemos identificar o seguinte objecto: 1. Saber se o tribunal julgou a acção procedente determinando o pagamento a liquidar em incidente de liquidação a partir de pagamentos não provados; 2. Saber se o incidente de liquidação pode ser usado para oferecer uma segunda oportunidade ao A. de provar o que não provou na acção ou se só pode ser usado quando o pedido deduzido na acção não for líquido; 3. Saber como se conta o prazo de prescrição atendendo a que a A. alegou que pagou indemnizações indicando datas certas para esse pagamento – e a quem incumbe provar a prescrição invocada quando o pagamento que gera o direito de regresso foi efectuado pela A. a terceiro.
15. Entrando na análise da primeira questão - saber se o tribunal julgou a acção procedente determinando o pagamento a liquidar em incidente de liquidação a partir de pagamentos não provados. Vista a formulação apresentada pelo recorrente podemos dizer que questão não se encontra devidamente equacionada face ao teor do acórdão recorrido e da sentença, na qual foram dados como provados os danos, ficando apenas por determinar qual o valor efectivamente pago pela A. (e a data em que os pagamentos ocorreram). É isso que resulta da análise dos factos provados e não provados – e não que se estivesse a decidir em contradição com os factos não provados conferindo à A. um direito que esta não tivesse logrado demonstrar assistir-lhe. Está aqui em causa a diferença entre demonstração de dano por via de pagamento da indemnização e respectivo direito de regresso e a demonstração de “quanto” importou esse dano.
Improcede a alegação.
16. Quanto à segunda questão - saber se o incidente de liquidação pode ser usado para oferecer uma segunda oportunidade ao A. de provar o que não provou na acção e se só pode ser usado quando o pedido deduzido na acção não for líquido. 16.1. O Tribunal disse: “O incidente de liquidação encontra-se previsto nos arts. 358.º a 361.º e, quando deduzido ao abrigo do disposto nos arts. 358.º, n.º 2, e 609.º n.º 2, visa tornar líquida a obrigação em cujo cumprimento o devedor já foi condenado por prévia decisão judicial. Dispõe o n.º 2 do art. 358.º que «o incidente de liquidação pode ser deduzido depois de proferida a sentença de condenação genérica, nos termos do n.º 2 do art. 609.º, e, caso seja admitido, a instância extinta considera-se renovada.» Por sua vez, estatui o n.º 2 do art.º 609.º que «se não houver elementos para fixar o objecto ou a quantidade, o tribunal condena no que vier a ser liquidado, sem prejuízo de condenação imediata na parte que já seja líquida.» O primeiro dos citados preceitos pressupõe, como nele consta clara e expressamente, uma «sentença de condenação genérica», o que significa que tal condenação já existe, é certa e está fora de discussão, faltando apenas a sua liquidação, por permanecer incerta unicamente a «quantidade» abrangida pela condenação33. Conforme referem ABRANTES GERALDES / PAULO PIMENTA / LUÍS SOUSA, «certo é que a liquidação de sentença não pode servir para reabrir a discussão sobre se existe ou não obrigação.»34. Também SALVADOR DA COSTA afirma que «(...) a liquidação da sentença só visa concretizar o objeto da condenação, com respeito pelo caso julgado decorrente da ação declarativa, ou seja, a determinação do objeto da causa, isto é, a existência do dano não é relegável para o referido incidente.»35. E, de acordo com o disposto no segundo dos citados preceitos, o n.º 2 do art. 609.º, «quando se relega para liquidação em execução de sentença o apuramento do valor a receber pelo credor, tal significa, desde logo, que o Tribunal reconheceu a existência de um direito de crédito, que só não foi quantificado, ou seja, liquidado em montante certo, por não haver elementos para determinar o respectivo “quantum”.»36. Em suma: - a condenação genérica só existe, porque falta apenas a sua liquidação, o que significa que os danos existem, estão apurados, faltando apenas determinar o montante dos mesmos; - a liquidação de uma sentença destina-se apenas e só à concretização do objeto da condenação, sempre com respeito pelo caso julgado formado por via sentença liquidanda, não sendo permitido às partes tomar uma posição diferente ou mais favorável do que a já assumida na ação declarativa37. Resulta do exposto que não é possível relegar para sede de incidente de liquidação, nos termos dos arts. 609.º, n.º 2, e 358.º, n.º 2, o conhecimento da exceção perentória consistente na prescrição do direito de regresso que a autora pretende fazer valer através desta ação. Era nesta ação e na sentença recorrida, que o tribunal a quo devia ter conhecido da prescrição invocada pelo réu. (…) Não tendo o tribunal a quo conhecido de tal questão, cabe a este tribunal da Relação fazê-lo, sem necessidade de cumprimento do disposto no art. 665.º, n.º 3, pois não constituirá para as partes uma decisão-surpresa, aquela que neste acórdão sobre ela vier a ser tomada, pois que recorrente e recorrida já produziram, neste recurso, e acerca dela, alegações e contra-alegações. 3.2.3 – Saber se, no caso concreto, está prescrito, total ou parcialmente, o direito de regresso que a autora pretende fazer valer através desta ação: Nos termos do art. 498.º, n.º 2 CC, prescreve no prazo de três anos, a contar do cumprimento, o direito de regresso entre os responsáveis. Como já se afirmou, era ao réu que competia provar o momento em que a autora cumpriu as obrigações geradoras dos créditos que dele agora dele vem reclamar por via da presente ação de regresso, sob pena de não ser possível proceder à contagem do prazo para efeitos de verificação do operar da prescrição. Neste conspecto apenas resultou provado que «a autora acordou com CC o ressarcimento dos danos, patrimoniais e não patrimoniais, sofridos por este, pelo montante de € 18.000,00 (dezoito mil euros), por ele recebido em 3 de março de 2017.» Por conseguinte, apenas em relação a esse “cumprimento” se pode discutir a questão da prescrição; ou seja, há que averiguar se aquela quantia, e só aquela, tem autonomia para fazer funcionar o prazo de prescrição.”
Depois o tribunal analisa a questão relativa ao modo de contagem do prazo de prescrição e opta por uma solução: “o prazo começa a contar-se da data do último pagamento (ou seja, no caso de haver diversos pagamentos ao lesado, tendo todos a mesma função, o momento decisivo será o do último pagamento com esse objetivo) e que, havendo vários lesados, o mesmo prazo tem início de contagem com o último pagamento efetuado.”
Mas também admitiu que os pagamentos parcelares fossem agrupados por núcleos que dessem origem a prazos diversos – e aqui citou a jurisprudência do STJ: “No Ac. do S.T.J. de 07.02.2017, Proc. nº 3115/13.1TBLL.E1.S1 (FONSECA RAMOS), in www.dgsi.pt, escreveu-se que «(...) a ideia base da unidade da “obrigação de indemnizar” poderá ser temperada pela possível autonomização das indemnizações que correspondam ao ressarcimento de tipos de danos normativamente diferenciados, consoante esteja em causa, nomeadamente: - A indemnização de danos patrimoniais e não patrimoniais, sendo estes ressarcidos fundamentalmente através de um juízo de equidade, e não da aplicação da referida teoria da diferença.»
E foi por essa justificação que entendeu que os pagamentos efectuados a CC estavam prescritos: “Retornando ao caso concreto, tendo resultado provado que «a autora acordou com CC o ressarcimento dos danos, patrimoniais e não patrimoniais, sofridos por este, pelo montante de € 18.000,00 (dezoito mil euros), por ele recebido em 3 de março de 2017», afigura-se-nos, à luz dos considerandos expostos que essa quantia tem, efetivamente, autonomia para fazer funcionar o prazo de prescrição.”
16.2. O recorrente entende que a decisão adoptada está errada, devendo o Tribunal julgar a acção improcedente por não terem sido provados os factos de que depende o reconhecimento do direito de regresso, cuja prova o A. não logrou fazer, não podendo em liquidação ter uma segunda oportunidade de provar o que não provou nesta acção até porque fez um pedido líquido – e não genérico – não havendo qualquer necessidade de liquidar.
16.3. Já houve oportunidade de esclarecer que a posição do recorrente não está certa, face aos factos e decisão adoptada, porquanto há prova do dano – pressuposto essencial da acção do A. contra o R, provado pelo facto 37, ainda que não se saiba concretamente o valor do dano. Isso significa que a liquidação não é uma segunda oportunidade de prova do dano, que está já efectuada. Em segundo lugar, como o tribunal recorrido deixou claro, a lei faculta a liquidação a partir da condenação não líquida, independentemente do pedido ser concreto ou genérico, justificação que encontra arrimo na lei – citada – apoio doutrinal e jurisprudencial – citado – e que deve ser mantida. Prescreve o nº2 do artigo 609º do CPC que se não houver elementos para fixar o objeto ou a quantidade, o tribunal condena no que vier a ser liquidado, sem prejuízo de condenação imediata na parte que já seja líquida (cfr. artigo 661º, nº2). O incidente de liquidação pode ser deduzido depois de proferida sentença de condenação genérica, nos termos do nº2 do artigo 609º, e, caso seja admitido, a instância extinta considera-se renovada (cfr. artigo 378º do CPC) e a ulterior liquidação visa somente concretizar o que na acção não foi possível fixar.
Em apoio da solução indicada pode ser apontada a jurisprudência deste STJ, nomeadamente a que se encontra exposta no Ac. STJ de 10/1/2023, Processo n.º 9434/06.6TBMTS.P2.S1, onde se lê: “É frequente, nas acções de indemnização, relegar para liquidação a quantificação de danos futuros, previsíveis mas não determináveis (n.º 2 do artigo 564.º do Código Civil) no momento da sentença (cfr. o disposto no artigo 611.º, correspondente ao artigo 663.º, vigente à data da sentença proferida na acção principal).” (…) “Deve entender-se por danos futuros (por referência ao momento do encerramento da discussão) previsíveis, para o efeito de poderem ser objecto de liquidação, nas palavras de Vaz Serra, Obrigação de Indemnização (Colocação, Fontes, Dano, Nexo Causal. Extensão, Espécies de Indemnização), sep. do BMJ, Lisboa, 1959, pág.251 e segs., os danos que sejam previsíveis “com segurança bastante, pois, se o não for, não pode o juiz condenar o responsável a reparar um dano que não se sabe se se produzirá. Se o dano não for seguro, só pode ser exigida a sua reparação quando surgir (…). A certeza de um dano futuro pode resultar do facto de ser o desenvolvimento seguro de um dano actual, mesmo que o montante dele seja incerto (…)”. Na nota (523) a pág. 252, escreve “A segurança do dano pode resultar de probabilidades” – seguramente, diríamos, mais ou menos consistentes, mas com um alto grau de consistência. Explica ainda Vaz Serra, a propósito da “contradição aparente entre as disposições dos artigos 564.º, n.º 2, e 566.º, n.º 3, do Código Civil”, que “o recurso a uma fixação segundo critérios de equidade só é admissível quando o tribunal não puder determinar o exacto montante do dano” (Revista de Legislação e de Jurisprudência, ano 113.º, anotação ao acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 22 de Janeiro de 1980, págs.326 e segs.), como sucedeu no presente caso. O juízo sobre a previsibilidade dos danos futuros é feito na decisão condenatória, tal como aqui sucedeu: a sua ocorrência e as correspondentes despesas foram consideradas previsíveis e susceptíveis de integrarem a obrigação de indemnizar, como bem resulta do trecho atrás transcrito.” “Desde a entrada em vigor do n.º 3 do artigo 21.º do Decreto-Lei n.º 8/2003, de 8 de Março, na redação que lhe foi dada pelo artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 199/2003, de 10 de Setembro, a liquidação de uma indemnização arbitrada numa condenação genérica, por não ter sido possível fixar o respectivo montante, faz-se em incidente de liquidação (cfr. artigo 569.º do Código Civil e artigos 556.º, n.º 1, b)e n.º 2 e 609.º, n.º 2, do actual Código de Processo Civil, aplicável por força do disposto no n.º 1 do artigo 5.º da Lei n.º 41/2013), tal como sucedeu no presente caso. A liquidação destina-se, pois, a fixar o objecto ou a quantidade da condenação proferida em termos genéricos, o que desde logo tem como consequência que essa condenação fixa os limites possíveis da sentença de liquidação: esta sentença não pode alterar o que ficou definido na condenação, o que naturalmente implica interpretar a condenação genérica e observar, na liquidação, o respectivo âmbito. A sentença proferida no incidente de liquidação é como que um complemento da sentença de condenação genérica e tem como função fixar o alcance específico da condenação genérica e, sendo caso disso, da execução que vier a ser instaurada (cfr., a título de exemplo, os acórdãos deste Supremo Tribunal de 4 de Julho de 2009, www.dgsi.pt, proc. n.º 12.4TBVNG.P1.S1, de 22 de Novembro de 2018, www.dgsi.pt, proc. n.º 199/17.7T8TCS.C1.S1, de 7 de Novembro de 2019, www.dgsi.pt, proc. n.º 94/14.1T8VRS.E1.S1 ou de 21 de Junho de 2022, www.dgsi.pt, proc. n.º 158/04.0TMPRT-G.P1.S1), não a podendo alterar (cfr. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10 de Maio de 2021, www.dgsi.pt, proc. n.º 35505/12.1YIPRT.P1.S1).” (…) “Com efeito, a liquidação tanto pode destinar-se a quantificar a indemnização por danos já verificados, faltando todavia elementos para o efeito, como ter por finalidade – como sucede no caso presente – quantificar a indemnização por danos futuros, desde que previsíveis, mas não determináveis no momento da condenação genérica (artigo 564.º, n.º 2, do Código Civil).” (sublinhado nosso) Improcede a alegação do R, pelo que acompanhamos a solução do acórdão recorrido.
17. Quanto à questão de saber como se conta o prazo de prescrição atendendo a que a A. alegou que pagou indemnizações indicando datas certas para esse pagamento – e a quem incumbe provar a prescrição invocada quando o pagamento que gera o direito de regresso foi efectuado pela A. a terceiro. 17.1. Disse o Tribunal o seguinte: “E na parte dispositiva da sentença, o senhor juiz a quo relegou, efetivamente, para sede de incidente de liquidação, o conhecimento da prescrição.” (…) “ Assim, constituindo a prescrição invocada pelo réu uma exceção perentória extintiva do direito invocado pela autora (art. arts. 571.º, n.º 2 e 576.º, n.º 3), era sobre ele que recaía o ónus de alegação e prova dos factos que a produzem (art. 342.º, n.º 2 CC32), ou seja, era a ele que competia provar o momento em que a autora cumpriu as obrigações geradoras dos créditos que dele agora dele vem reclamar por via da presente ação de regresso, sob pena de não ser possível proceder à contagem do prazo para efeitos de verificação do operar da prescrição.” 17.2. O Réu discorda da solução, quer porque entende que fica privado do direito de fazer valer a prescrição na liquidação, quer por não ter condições de provar a prescrição do direito do A. na situação específica dos autos, em que os pagamentos foram feitos a terceiros, sem possibilidade do R. demonstrar a data exacta desses pagamentos. 17.3. Vejamos. Em primeiro lugar, na presente acção, tendo sido alegada que os pagamentos ocorrerem em certa data, e tendo o R. invocado a prescrição do direito invocado, não cremos que assista razão ao Tribunal quando considera que não foi feita a prova dos factos constitutivos necessários ao conhecimento da prescrição, tomando por referência as datas invocadas para o indicado pagamento, a data da propositura da acção e a data da citação, mesmo não constando dos factos provados as datas dos pagamentos, pois remeteu-se para liquidação de sentença o apuramento dos valores efectivamente pagos – e com esse apuramento a data pode surgir – mas não poderá deixar de tomar por referência a data indicada pelo A. até porque o raciocínio do Tribunal no sentido de incumbir ao R. a prova da prescrição tem de ser mitigado com o facto de o pagamento ter sido feito a terceiro com quem o R. não tem qualquer relação ou possibilidade real de obter informação diversa do pagamento efectivamente recebido. Isto significa que o juiz terá de trabalhar com os elementos existentes, entre os factos alegados e os provados, para apreciar a questão da prescrição, abarcando nessa análise não só a situação do pagamento de 18.000 feitos a HI como também os demais pagamentos alegados nos autos, o que deverá fazer tendo igualmente em linha de conta o seguinte: - o recorrente não podia impugnar a parte da decisão judicial que lhe foi favorável – e considerou prescrito o crédito de 18.000 da A.; - a A. não recorreu da decisão judicial que lhe foi desfavorável e declarou esse crédito prescrito, independentemente da questão de saber se o podia fazer e a que título; - a questão da prescrição na acção de regresso em causa terá de ver decidida à luz da lei, tal como tem sido interpretada pela doutrina e jurisprudência – convocando aqui a questão de saber se cada pagamento realizado pela A. tem autonomia prescritiva ou se os vários pagamentos são englobados (e de que forma) para se aferir da prescrição. 18. Considerando o exposto no ponto anterior, atentemos agora na solução que resultaria da consideração desta ultima questão – também suscitada no acórdão recorrido e aí decidida: vejamos então se o direito que a A. alega, nos termos em que o fez, pode ser já considerado prescrito, sabendo que a citação para a presente acção ocorreu a 4/8/2020, resposta que dependerá de saber se a prescrição se conta a partir de cada pagamento efectuado pela A. ou a partir do último. 18.1. E as soluções são as seguintes: A – se o prazo se contar a partir de cada pagamento: 1. A... Lda, dos montantes de € 77,25 (setenta e sete euros e vinte e cinco cêntimos) e € 185,40 (cento e oitenta e cinco euros e quarenta cêntimos), a título de imobilização dos veículos QB e RQ; - A..., Lda, dos montantes de € 10.710,00 (dez mil, setecentos e dez euros), a título de compensação pela perda total do QB; -08-12-2016 e 03-02-2017– decorreram mais de 3 anos sobre a data do alegado pagamento – o crédito alegado estaria prescrito; 2. Município ..., do montante de € 1.854,88 (mil e oitocentos e cinquenta e quatro euros e oitenta e oito cêntimos), a título de danos materiais provocados na Rua...; - 16-12-2016– decorreram mais de 3 anos sobre a data do alegado pagamento – o crédito alegado estaria prescrito; 3. Auto ..., do montante de € 4.286,86 (quatro mil, duzentos e oitenta e seis euros e oitenta e seis cêntimos), a título de reparação do RQ; - Auto ..., do montante de € 1.089,35 (mil e oitenta e nove euros e trinta e cinco cêntimos), a título de reparação do QB; - - 16-01-2017 - decorreram mais de 3 anos sobre a data do alegado pagamento – o crédito alegado estaria prescrito; 4. CC, do montante de € 863,13 (oitocentos e sessenta e três euros e treze cêntimos), a título de despesas com transportes e medicamentos; - CC, do montante de € 534,00 (quinhentos e trinta e quatro euros) a título de despesas com transportes; - CC, do montante de € 266,00 (duzentos e sessenta e seis euros) a título de transportes; 27-01-2017, 15-02-2017, 21-02-2017 e 15-03-2017 - decorreram mais de 3 anos sobre a data do alegado pagamento – o crédito alegado estaria prescrito; 5. C... e Reparação Automóvel, Lda., do montante de € 392,74 (trezentos e noventa e dois euros e setenta e quatro cêntimos), a título de reparação do RI - ..-..-2017 - decorreram mais de 3 anos sobre a data do alegado pagamento – o crédito alegado estaria prescrito; 6. M..., Lda., do montante de € 9.483,02 (nove mil, quatrocentos e oitenta e três euros e dois cêntimos), a título de reparação do PQ; 02-06-2017 - decorreram mais de 3 anos sobre a data do alegado pagamento – o crédito alegado estaria prescrito; 7. Farmácia ..., do montante de € 16,11 (dezasseis euros e onze cêntimos) a título de medicamentos; 31-10-2018 – decorreram menos de 2 anos – o crédito alegado não estaria prescrito; 8. Serviço de Saúde da ..., E.P.E., do montante de € 620,92 (seiscentos e vinte euros e noventa e dois cêntimos), a título de despesas com hospital e exames complementares de diagnóstico 02-11-2018– decorreram menos de 2 anos – o crédito alegado não estaria prescrito B – se o prazo se contar a partir do último pagamento: Tendo este último pagamento ocorrido a 2/11/2018 (alegadamente) ao Serviço de Saúde da ..., E.P.E. – e como já se disse – tendo a acção entrado a 15 de Julho, com citação a 4 de Agosto de 2020, não decorreu o prazo de prescrição do direito de regresso, por não ter sido exercido o direito para além do prazo máximo legalmente previsto. Nessa situação nenhum dos créditos alegados (excluindo-se o crédito relativo ao pagamento a HI porque não incluído no objecto do recurso) estaria prescrito, porque se integrariam num bloco único, com o prazo de prescrição a contar da data do último pagamento. 18.2. Considerando que as soluções aventadas são muito diversas entre si e colidem com a posição do R., importa tomar posição sobre qual das respostas é a mais adequada – à luz da lei – para resolver a situação concreta dos presentes autos - e que desde já se antecipa ser a solução indicada em B). Neste sentido tem sido a orientação do STJ, conforme as seguintes decisões: -Ac. STJ, de 03/07/2018, proc. 2445/16.5T8LRA-A.C1.S1 (consultado em http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/8c874902c76321fd802582c00046541a?OpenDocument), com o seguinte sumário: I. O direito exercido pela seguradora nos termos do nº 4 do art. 31º da Lei 100/97, de 13/9, não constitui um verdadeiro direito de regresso, mas de sub-rogação legal nos direitos do sinistrado contra o causador do acidente, na medida em que tiver pago a indemnização. II. Nessa situação, o prazo de prescrição deve ser contado a partir do cumprimento, por aplicação analógica do art. 498º, nº 2, do CC. III. Esse prazo é o de três anos aí estabelecido, sem o alargamento previsto no nº 3 do art. 498º: o direito de sub-rogação mais não é que um direito de reembolso das quantias pagas, com uma natureza diferente da do direito do lesado e com um conteúdo delimitado essencialmente pelo crédito satisfeito. IV. No caso de fraccionamento do pagamento da indemnização, deve atender-se, por regra, ao último pagamento efectuado, sendo porém de admitir que essa regra possa ser temperada nos casos em que seja possível a "autonomização da indemnização que corresponda a danos normativamente diferenciados". V. Esta autonomização de núcleos da indemnização, para este efeito de contagem do prazo de prescrição, será admissível apenas em relação a danos autónomos e consolidados, de natureza claramente diferenciada e inteiramente ressarcidos. E a justificação foi assim dada: “Problema diferente e que tem sido discutido é o do início da contagem do referido prazo de três anos, designadamente em situações, frequentes, em que, para ressarcir os danos resultantes de um mesmo acidente, ocorre uma sucessão de actos de pagamento efectuados pela Seguradora. A recorrente defende que o legislador não pretendeu referir-se ao pagamento da totalidade dos montantes indemnizatórios que compõem a indemnização global liquidada ao lesado, mas sim a cada um dos actos de pagamento realizados ao longo do tempo. No acórdão recorrido, pelo contrário, concluiu-se que, mesmo a entender-se aplicável o prazo de três anos, a solução deve ser diferente: "Com efeito, tem-se entendido que devido ao carácter uno da obrigação de indemnizar e salvo os casos em que ocorra a autonomização das indemnizações, o prazo de prescrição conta-se desde o último pagamento. Havendo lugar a certa autonomização das indemnizações, por se reportarem a danos diferenciados, ao réu compete, como facto extintivo, o ónus da alegação dos factos constitutivos da excepção, devendo invocar a autonomia e cindibilidade de cada pagamento ou grupo de pagamentos, sendo que «cabendo à ré, arguente da prescrição, o ónus de, em relação a cada uma dos créditos autonomizáveis, alegar e provar a ocorrência da prescrição, deve a excepção peremptória improceder se a mesma se limitou a alegar, genericamente, tal facto extintivo relativamente a todos os valores peticionados pela autora, já que se trata de omissão que é impassível de ser judicialmente suprida» (Ac STJ de 7/2/2017 (proc. nº 3115/13), em www dgsi.pt). No mesmo sentido, Ac RC de 27/6/2017 (proc. nº 466/13), em www dgsi.pt). Neste contexto, como a Ré se limitou a arguir genericamente a prescrição (sem a referida autonomização), também por esta via teria que improceder". Concorda-se que, nestes casos de fraccionamento do pagamento da indemnização, se deva atender, por regra, ao último pagamento efectuado. Este critério foi, aliás, já expressamente consagrado no citado art. 54º, nº 6, do DL 291/2007, em relação ao Fundo de Garantia Automóvel, havendo quem defenda que o mesmo deve ser estendido a situações semelhantes[12]. Admite-se, contudo, que, se ocorrer uma objectiva autonomização das indemnizações, relativas a danos claramente diferenciados, se possa temperar a referida regra, tendo em conta alguns inconvenientes que lhe têm sido associados. Já temos alguma dificuldade em aceitar inteiramente o funcionamento da regra do ónus da prova, nos termos genéricos em que vem enunciada no acórdão recorrido, como adiante se explicitará. Esta questão do funcionamento da prescrição, no caso de fraccionamento do pagamento da indemnização, foi doutamente apreciada no Acórdão do STJ de 07.04.2011, aí se chegando a um critério que tem merecido significativa adesão da jurisprudência do Supremo[13]. Ponderando cada uma das aludidas soluções, escreveu-se nesse Acórdão: "Não sendo a letra da lei - ao reportar-se apenas ao «cumprimento», como momento inicial do curso da prescrição – suficiente para resolver, em termos cabais, esta questão jurídica, será indispensável proceder a um balanceamento ou ponderação dos interesses envolvidos: assim, importa reconhecer que a opção pela tese que, de um ponto de vista parcelar e atomístico, autonomiza, para efeitos de prescrição, cada um dos pagamentos parcelares efectuados ao longo do tempo pela seguradora acaba por reportar o funcionamento da prescrição, não propriamente à «obrigação de indemnizar», tal como está prevista e regulada na lei civil (arts. 562º e segs.) mas a cada recibo ou factura apresentada pela seguradora no âmbito da acção de regresso, conduzindo a um – dificilmente compreensível – desdobramento, pulverização e proliferação das acções de regresso, no caso de pagamentos parcelares faseados ao longo de períodos temporais significativamente alongados. Pelo contrário, a opção pela tese oposta – conduzindo a que apenas se inicie a prescrição do direito de regresso quando tudo estiver pago ao lesado - poderá consentir num excessivo retardamento no exercício da acção de regresso pela seguradora, manifestamente inconveniente para os interesses do demandado, que poderá ver-se obrigado a discutir as causas do acidente, de modo a apurar se o estado de alcoolemia verificado contribuiu ou não para o sinistro, muito tempo para além do prazo-regra dos 3 anos a que alude o nº1 do art. 498º do CC. Afirmou-se depois, aludindo-se ao Acórdão do STJ de 04.11.2010 – que adoptou a solução do último pagamento, apenas ressalvando o caso em que a indemnização seja arbitrada sob a forma de renda –, que não será este o único caso em que o aludido critério conduz a "um desproporcionado alargamento do prazo de prescrição do direito de regresso". É o que pode suceder quando a indemnização abranja danos futuros, que se desenvolvam por um longo período de tempo, "não se vendo, neste caso, razão bastante para que a seguradora não deva exercitar a acção de regresso, referentemente à indemnização que satisfez e que cobre integralmente os danos actuais, causados pelo sinistro e perfeitamente consolidados e ressarcidos, de modo a deixar assente nessa acção, exercitada em prazo ainda próximo da data do acidente, toda a sua dinâmica e causalidade". Por outro lado, acrescenta-se, "a ideia base da unidade da «obrigação de indemnizar» poderá ser temperada pela possível autonomização das indemnizações que correspondam ao ressarcimento de tipos de danos normativamente diferenciados, consoante esteja em causa, nomeadamente: - a indemnização de danos patrimoniais e não patrimoniais, sendo estes ressarcidos fundamentalmente através de um juízo de equidade, e não da aplicação da referida teoria da diferença; - a indemnização de danos que correspondam à lesão de bens ou direitos claramente diferenciados ou cindíveis de um ponto de vista normativo, desde logo os que correspondam à lesão da integridade física ou de bens da personalidade e os que decorram da lesão do direito de propriedade sobre coisas. E tal autonomização ou diferenciação, operada funcionalmente em razão da natureza dos bens lesados, poderá tornar razoável uma consequencial autonomização do início dos prazos de prescrição do direito de regresso: assim, por exemplo, não vemos razão bastante para que, - tendo a seguradora assumido inteiramente perante o lesado o ressarcimento de todos os danos decorrentes da destruição e privação do uso da viatura sinistrada – possa diferir o exercício do direito de regresso quanto a essa parcela autonomizável e integralmente satisfeita da indemnização apenas pela circunstância de, tendo o acidente provocado também lesões físicas determinantes de graves sequelas, ainda não inteiramente avaliadas e consolidadas, estar pendente o apuramento e a liquidação da indemnização pelos danos exclusivamente ligados à violação de bens da personalidade do lesado. Concluiu-se, então, no aludido Acórdão: Em suma: se não parece aceitável a autonomização do início de prazos prescricionais, aplicáveis ao direito de regresso da seguradora, em função de circunstâncias puramente aleatórias, ligadas apenas ao momento em que foi adiantada determinada verba pela seguradora, já poderá ser justificável tal autonomização quando ela tenha subjacente um critério funcional, ligado à natureza da indemnização e ao tipo de bens jurídicos lesados, com o consequente ónus de a seguradora exercitar o direito de regresso referentemente a cada núcleo indemnizatório autónomo e juridicamente diferenciado, de modo a não diferir excessivamente o contraditório com o demandado, relativamente à causalidade e dinâmica do acidente, em função da pendência do apuramento e liquidação de outros núcleos indemnizatórios, claramente cindíveis do primeiro. E, nesta perspectiva, incumbirá ao R. que suscita a prescrição o ónus de alegar e demonstrar que o conjunto de recibos ou facturas pagas pela seguradora até ao limite do período temporal de 3 anos que precederam a citação na acção de regresso corresponderam a um núcleo indemnizatório, autónomo e bem diferenciado, relativamente aos restantes valores indemnizatórios peticionados na causa – não lhe bastando, consequentemente, alegar, como fundamento da prescrição que invoca, a data constante desses documentos. No mesmo sentido: Ac. do STJ de 23 Jan. 2020, Processo nº 5486.17.1T8SNT.L1.S1, com o seguinte sumário (acedido em https://jurisprudencia.csm.org.pt/ecli/ECLI:PT:STJ:2020:5486.17.1T8SNT.L1.S1): I. O direito de regresso consagrado no art. 31.º, n.º 4, da Lei n.º 100/97, de 13 de Setembro, é um direito de sub-rogação. II. O prazo de prescrição do direito de sub-rogação consagrado no art. 31.º, n.º 4, da Lei n.º 100/97 é de três anos, devendo aplicar-se, por analogia, o art. 498.º, n.ºs 1 e 2, do Código Civil. III. O prazo de três anos decorrente da aplicação, por analogia, do art. 498.º, n.ºs 1 e 2, do Código Civil deve contar-se a partir da data do último pagamento.
Com a seguinte fundamentação: “ 17. O Supremo Tribunal de Justiça tem-se pronunciado, consistentemente, que no sentido de que o prazo deve contar-se da data do último pagamento [5]. O acórdão de 2 de Abril de 2019, proferido no processo n.º 2142/16.1T8PTM-A.E1.S1, é só um dos últimos um elo de uma cadeia relativamente extensa em que se sustenta que [e]stando em causa pagamentos parcelares, a contagem do prazo de prescrição do direito de reembolso inicia-se na data do cumprimento integral da obrigação (i.e., na data do último pagamento parcelar), a não ser quando seja possível a autonomização de um ou mais dos pagamentos, por dizerem respeito a ‘danos normativamente diferenciados’”. 18. Entre as razões por que o prazo deve contar-se da data do último pagamento estão sobretudo duas: Em primeiro lugar, a sub-rogação tem como pressuposto o cumprimento da obrigação e, como a obrigação de indemnizar cada lesado é una e única, a sub-rogação reportar-se-á, ou deverá reportar-se, ao cumprimento integral — terá, ou deverá ter, como pressuposto o cumprimento integral [6]. Em segundo lugar, a sub-rogação parcial, contada de cada pagamento parcial, teria como resultado uma pluralidade de acções, de todo em todo desrazoável. 19. O acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 4 de Novembro de 2010, proferido no processo n.º 2564/08.1TBCB.A.C1.S1, explicava que “… há que ponderar os efeitos práticos daquela posição de cisão das datas dos pagamentos para os efeitos que vimos abordando. Por cada pagamento ou grupo de pagamentos, a seguradora poderia ter de intentar uma acção e vir sucessivamente com acções relativamente a cada pagamento ou grupo de pagamentos posteriores, o que só complicaria a apreciação judicial do caso, correndo-se mesmo o risco de, numa das acções, se condenar o lesado e noutra ou noutras se absolver (de acordo, por exemplo, com a prova ou não da relação de causalidade entre o grau de alcoolémia e a verificação do acidente). As regras de elasticidade do processo civil (nomeadamente quanto a apensação de processos) já constituiriam um mero remendar do que, à partida, com outro entendimento, corresponderia a uma tramitação linear”. 20. O raciocínio é retomado, designadamente, pelo acórdão de 21 de Setembro de 2017, proferido no processo n.º 900/13.8TBSLV.E1.S1: “seria pouco, senão mesmo nada, razoável que o exercício do direito de regresso tivesse lugar a cada pagamento parcelar. Sendo vantajoso o exercício do direito de regresso de uma só vez, designadamente por razões de segurança jurídica, será a partir do último pagamento da indemnização, coincidente com o momento do cumprimento da obrigação de indemnizar, que se conta o prazo da prescrição do direito de regresso” [7]. 21. Os dois argumentos deduzidos são hoje confirmados pelo art. 54.º, n.º 6, do Decreto-Lei n.º 291/2007, de 21 de Agosto: “Aos direitos do Fundo de Garantia Automóvel previstos nos números anteriores é aplicável o n.º 2 do art. 498.º do Código Civil, sendo relevante para o efeito, em caso de pagamentos fraccionados por lesado ou a mais do que um lesado, a data do último pagamento efectuado pelo Fundo de Garantia Automóvel”. O art. 54.º, n.º 6, deverá considerar-se aplicável, por analogia, a situações semelhantes [8]. 22. O alcance do princípio de que o prazo de prescrição começa a contar-se da data do último pagamento é restringido pela autonomização de núcleos indemnizatórios [9] ou de parcelas indemnizatórias [10] correspondentes a danos normativamente diferenciados [11]. Entre os casos em que os danos seriam normativamente diferenciados encontrar-se-iam aqueles em que estivesse em causa, p. ex., a indemnização de danos patrimoniais e de danos não patrimonais, ou a “indemnização de danos que correspondam à lesão de bens ou direitos claramente diferenciados ou cindíveis de um ponto de vista normativo, desde logo os que correspondam à lesão da integridade física ou de bens da personalidade e os que decorram da lesão do direito de propriedade sobre coisas”: “… tal autonomização ou diferenciação, operada funcionalmente em razão da natureza dos bens lesados, poderá tornar razoável uma consequencial autonomização do início dos prazos de prescrição do direito de regresso: assim, por exemplo, não vemos razão bastante para que, - tendo a seguradora assumido inteiramente perante o lesado o ressarcimento de todos os danos decorrentes da destruição e privação do uso da viatura sinistrada – possa diferir o exercício do direito de regresso quanto a essa parcela autonomizável e integralmente satisfeita da indemnização apenas pela circunstância de, tendo o acidente provocado também lesões físicas determinantes de graves sequelas, ainda não inteiramente avaliadas e consolidadas, estar pendente o apuramento e a liquidação da indemnização pelos danos exclusivamente ligados à violação de bens da personalidade do lesado” [12]. 23. Em todo o caso, o devedor — em toda a regra, o réu — terá o ónus de alegar e de provar que havia núcleos indemnizatórios ou parcelas indemnizatórias correspondentes a danos normativamente diferenciados. O acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 7 de Abril de 2011, di-lo de forma explícita: “… incumbirá ao R. que suscita a prescrição o ónus de alegar e demonstrar que o conjunto de recibos ou facturas pagas pela seguradora até ao limite do período temporal de 3 anos que precederam a citação na acção de regresso corresponderam a um núcleo indemnizatório, autónomo e bem diferenciado, relativamente aos restantes valores indemnizatórios peticionados na causa — não lhe bastando, consequentemente, alegar, como fundamento da prescrição que invoca, a data constante desses documentos”. 24. O critério enunciado tem como consequência que “[a] excepção peremptória [de prescrição deve] improceder se [a Ré] se limitou a alegar, genericamente, tal facto extintivo relativamente a todos os valores peticionados pela Autora, já que se trata de omissão que é impassível de ser judicialmente suprida” [13]. Ora a Ré, agora Recorrente, Liberty Seguros, S.A., não alegou e não provou que houvesse nucleos indemnizatórios ou parcelas indemnizatórias autónomas e não provou, em relação a cada um dos núcleos indemnizatórios, ou a cada uma das parcelas indemnizatórias, que estavam preenchidos os pressupostos da prescrição.” Justificação esta que é aplicável à situação dos autos (na parte respeitante à data do último pagamento e ainda à possibilidade de organização de núcleos indemnizatórios), mesmos não se tratando se uma situação de sub-rogação, como a decidida no primeiro aresto, ou não sendo tratado um caso do Fundo de Garantia Automóvel, como no segundo, por a identidade da questão impor idêntica solução no modo de contagem dos prazos de prescrição direito de regresso, sujeito ao mesmo art.º 498.º do CC.. 19. Aplicando a solução indicada ao caso concreto – e atendendo a que o R. invocou a prescrição na contestação (não em bloco) mas de forma especificada – o que implica não haver total identidade com a situação do último acórdão citado – vejamos. 19.1. No caso dos autos, olhando para a contestação, o que vemos aí invocada é a prescrição por núcleos indemnizatórios organizados pelo recorrente segundo a seguinte lógica: - Existem dois grandes núcleos indemnizatórios, um respeitante ao ressarcimento de danos não patrimoniais, e outro aos danos patrimoniais (n.º11 da Contestação); - No núcleo indemnizatório respeitante aos danos não patrimoniais, temos o pagamento realizado a CC, visando ressarcir danos morais e danos biológicos, no valor global de € 18.000,00, realizado a 15 de Março de 2017 (n.º12 da Contestação); - Em sede de danos patrimoniais, verificam-se dois sub-núcleos, o das indemnizações para ressarcimento de danos materiais, causados em propriedade privada, e na via pública, e o do ressarcimento de despesas com tratamentos médicos, ou com estas conexas a que foi submetido CC. (n.º13 da Contestação); - (n.º14 da Contestação) - no sub-núcleo respeitante às indemnizações de danos em propriedade privada ou na via pública, contam-se as reparações de veículos e do pavimento da estrada e sinais de trânsito, e a perda total de uma viatura, cujos ressarcimentos, segundo a A., ocorreram da seguinte forma: a) 08-12-2016 - A..., Lda. - pagamento de € 77,25 e € 185,40 - a título de imobilização e veículos; b) 16-12-2016 - Município ... - pagamento de € 1854,88 - a título de danos na vai pública; c) 16-01-2017 - Auto ... - pagamento das quantias de € 4.286,86, e de € 1.089,35, a título de reparação de veículos; d) 03-02-2017 - A..., Lda. - pagamento de € 10.710,00, a título de indemnização pela perda total de veículo; e) 15-03-2017 - C... e Reparação Automóvel, Lda. - pagamento de € 392,74, a título de reparação de veículo; f) 02-06-2017 - M..., Lda. - pagamento de € 9483,02, a título de reparação de veículo. - (n.º15 da Contestação) - No núcleo indemnizatório respeitante a despesas inerentes a CC, designadamente, as respeitantes a medicamentos adquiridos ou fornecidos a este, tratamentos hospitalares prestados a este, e de transporte por este utilizado, verificam-se os seguintes pagamentos: a) 27-01-2017 - CC, pagamento de € 863,13, a título de despesas com transportes e medicamentos; b) 15-02-2017 - CC, pagamento de € 534,00, a título de despesas com transportes; c) 21-02-2017 - CC, pagamento de € 266,00, a título de despesas com transportes; d) 31-10-2018 - Farmácia ..., pagamento € 16,11, respeitante a medicamentos. e) 02-11-2018 - Serviço de Saúde da RAM, EPE, pagamento de € 620,92, a título de despesas com o hospital e exames complementares de diagnóstico. - (n.º16 da Contestação) - Neste último sub-núcleo indemnizatório, há ainda a reconhecer uma diferenciação entre o lesado a que o ressarcimento é efetuado, distinguindo os pagamentos realizados a CC, dos realizados à Farmácia ... e ao Serviço de Saúde da ..., E.P.E.. Que o R/recorrente justificou da seguinte forma: “18. Os núcleos indemnizatórios acima descritos encontram-se devidamente autonomizados por um critério funcional ligado à natureza da indemnização e ao tipo de bens jurídicos lesados. 19. Um critério temporal, que diferencia os momentos em que, no seio de cada núcleo foram realizados os pagamentos, bem como ao tempo em que cada um desses danos foi ressarcido. 20. E um critério subjetivo no que respeita aos lesado, a quem o dano é ressarcido. 21. Sendo possível identificar quanto a cada um daqueles núcleos e/ou sub- núcleos, a data do último pagamento realizado. 22. Assim, encontram-se prescritos a 15 de Março de 2020, o direito de regresso relativo à indemnização paga a CC no valor de € 18.000,00, a título de danos morais e danos biológicos. 23. A 02 de Junho de 2020, verificou-se a prescrição do direito de regresso relativo aos seguintes montantes: a) 08-12-2016 - A..., Lda. - pagamento de € 77,25 e € 185,40 - a título de imobilização e veículos; b) 16-12-2016 - Município ... - pagamento de € 1.854,88 – a título de danos na vai pública; c) 16-01-2017 - Auto ... - pagamento das quantias de € 4.286,86, e de € 1.089,35, a título de reparação de veículos; d) 03-02-2017 - A..., Lda. - pagamento de € 10.710,00, a título de indemnização pela perda total de veículo; e) 15-03-2017 - C... e Reparação Automóvel, Lda. - pagamento de € 392,74, a título de reparação de veículo; f) 02-06-2017 - M..., Lda. - pagamento de € 9.483,02, a título de reparação de veículo. 24. Que consubstanciam um valor global cuja prescrição se invoca de € 26.901,15, respeitante ao núcleo de indemnizações de danos patrimoniais, respeitante a danos na propriedade privada e via pública. 25. A 21 de Fevereiro de 2020, prescreveu o direito de regresso sobre o R. quanto aos seguintes montantes respeitantes ao núcleo autónomo de danos patrimoniais, relativos a medicamentos adquiridos ou fornecidos, tratamentos hospitalares prestados, e de transporte utilizado, pagos ao lesado CC: a) 27-01-2017 - CC, pagamento de € 863,13, a título de despesas com transportes e medicamentos; b) 15-02-2017 - CC, pagamento de € 534,00, a título de despesas com transportes; c) 21-02-2017 - CC, pagamento de € 266,00, a título de despesas com transportes. 26. Pelo exposto, ao tempo da citação do R. para a presente causa, ocorrida a 04 de Agosto de 2020, encontrava-se prescrito o direito de regresso sobre o montante de € 47.742,63.” 19.2. Com esta alegação a Ré pretendia invocar a prescrição dos créditos invocados apenas excluindo os relativos: 1 - À Farmácia ..., do montante de € 16,11 (dezasseis euros e onze cêntimos) a título de medicamentos, alegadamente realizado em 31-10-2018; 2 - Ao Serviço de Saúde da ..., E.P.E., do montante de € 620,92 (seiscentos e vinte euros e noventa e dois cêntimos), a título de despesas com hospital e exames complementares de diagnóstico, alegadamente realizado em 02-11-2018. Com esta alegação a Ré pretende chegar a um mesmo resultado que se obteria se não se organizassem núcleos indemnizatórios, pois como se explicitou anteriormente, a consideração da data da prescrição por cada pagamento individual conduziria ao mesmo resultado (cf. supra). 19.3. Não podemos aceitar o caminho proposto pelo recorrente, por envolver um forma de desvio ao principio da prescrição segundo o último pagamento, com a lógica que a suporta, por significar que a A. teria de se preocupar com a invocação dos seus direitos num tempo e por uma categorização que não se encontra suportada na lógica do equilíbrio entre o seu direito de acção e a segurança do demandado em não estar muito tempo sem saber quais as suas responsabilidades, nomeadamente quando os últimos pagamentos foram realizados ao Serviço de Saúde da RAM, EPE (com funcionamento menos eficiente na cobrança dos seus créditos, conforme resulta de factos notórios) e os anteriores, na sua maioria entidades privadas do tipo sociedades comerciais (exceptuando o Município ...) e, ainda, quando se trata de uma mesma categoria de danos – todos patrimoniais – em que a A. podia contar com a sua integração no respetivo núcleo dos patrimoniais não fora a categorização proposta pelo R., sendo o núcleo dos danos patrimoniais mais evidente e razoável por mais seguro (e não havendo aqui de tratar da prescrição quanto aos pagamentos feitos a CC, por não estar compreendido no objecto do recurso). A categorização aceitável é a que distingue os danos patrimoniais dos não patrimoniais. Estando, no recurso, apenas em causa os danos patrimoniais, independentemente de serem por danos na via pública ou por reembolso de despesas (ou outros), estaremos perante uma mesma categoria para efeito de consideração do prazo de prescrição, em relação ao qual se deve seguir o critério da data do último pagamento – e com o facto alegado de que esse pagamento foi efectuado em 2/11/2018, não teria ocorrido a prescrição dos direitos da A., provados, mas sem determinação exacta do valor do seu crédito – relegada para a liquidação, como foi decidido pelo Tribunal recorrido.
III. Decisão Pelos fundamentos indicados, é negada a revista e confirmado o acórdão recorrido, ainda que com fundamentação diversa.
Custa do recurso pelo recorrente.
Lisboa, 27 de Abril de 2023
Fátima Gomes (Relatora)
Oliveira Abreu
Nuno Pinto Oliveira |