Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
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| Nº Convencional: | 6.ª SECÇÃO | ||
| Relator: | RICARDO COSTA | ||
| Descritores: | RECURSO DE REVISTA ADMISSIBILIDADE DE RECURSO DUPLA CONFORME FUNDAMENTAÇÃO ESSENCIALMENTE DIFERENTE DECISÃO INTERLOCUTÓRIA ARGUIÇÃO DE NULIDADES REVISTA EXCECIONAL | ||
| Data do Acordão: | 03/02/2021 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE COM * DEC VOT | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | REVISTA (COMÉRCIO) | ||
| Decisão: | NÃO SE CONHECE DO OBJECTO DA REVISTA NORMAL. REMETE À FORMAÇÃO PARA APRECIAÇÃO DOS PRESSUPOSTOS DA REVISTA EXCEPCIONAL. | ||
| Indicações Eventuais: | TRANSITADO EM JULGADO. | ||
| Sumário : | I - Existe dupla conformidade decisória, que obsta à admissibilidade do recurso de revista normal e ao conhecimento do seu objecto, nos termos do art. 671.º, n.º 3, do CPC, do acórdão da Relação que confirma, sem voto de vencido e sem fundamentação essencialmente diferente, a decisão proferida na 1.ª instância, se a Relação confirma os resultados decisórios alcançados sem desvio do caminho interpretativo-aplicativo da sentença recorrida, ainda que respondendo, com adição de fundamentos, ao acervo argumentativo do apelante, desde que tal pronúncia não se estribe em inovações que traduzam um enquadramento jurídico-normativo diverso daquele em que assentara a sentença proferida em 1.a instância. II - O art. 671.º, n.º 2, do CPC proporciona a revista de «acórdãos da Relação que apreciem decisões interlocutórias que recaiam unicamente sobre a relação processual», uma vez tendo sido proferidas essas decisões pela 1.a instância, nas previsões admitidas pelas als. a) e b) desse n.º 2. Tal implica que a fundamentação da impugnação recursiva em revista "continuada" que se estriba em "erro de julgamento", sem se fundar em qualquer das hipóteses legais, exclusivas e restritas, leva ao não conhecimento dessa pretensão recursiva. III - A apreciação das nulidades decisórias do acórdão recorrido da Relação, nos termos dos arts. 615.º, n.º 4, («As nulidades mencionadas nas alíneas b) a e) do n.º 1 só podem ser arguidas perante o tribunal que proferiu a sentença se esta não admitir recurso ordinário, podendo o recurso, no caso contrário, ter como fundamento qualquer dessas nulidades»), e 666.º, n.º 1, aplicáveis por força do art. 679.º, sempre do CPC, implica a admissibilidade da revista, uma vez que são fundamentos acessórios do objecto recursivo alegado. | ||
| Decisão Texto Integral: | Processo n.º 1035/10.0TYLSB-B.L1.S1 Revista: Tribunal recorrido – Relação ……, …...ª Secção Acordam em Conferência na 6.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça
I) RELATÓRIO 3. Foi realizada audiência final de discussão e julgamento em sessões de 31/5 e 12/9/2019.
4. Foi proferida sentença em 15/10/2019 pelo Juiz …. do Juízo de Comércio …. do Tribunal Judicial da Comarca …. (fls. 1273 e ss), decidindo:
a) Os equipamentos da insolvente tenham sido transmitidos sem recebimento de qualquer contrapartida. b) Após 30.07.2007, a insolvente tenha constituído garantias a favor de sociedades de que já não era sócia. c) Os Requeridos BB e CC se afastaram da gerência da insolvente em data anterior a 25.07.2008. d) Até 25.07.2008, o Requerido AA foi gerente não executivo. 7. Novamente sem se resignar, a Insolvente e o Requerido AA vieram interpor recurso de revista para STJ, invocando oposição de julgados com o acórdão proferido pela Relação de Coimbra em 22/5/2012, para os efeitos de aplicação dos arts. 14º do CIRE, 629º, 2, d), e 671º, 2, a), do CPC; a relevância jurídica e especial e interesse social das questões recursivas à luz do art. 672º, 1, a) e b), do CPC, para efeitos de interposição a título subsidiário de revista excepcional; nulidade do acórdão recorrido à luz do art. 615º, 1, c), do CPC; erro de julgamento na decisão de indeferimento da reclamação contra a selecção dos temas da prova e de indeferimento da decisão de admissão do rol de testemunhas; erro de julgamento na decisão de manutenção da sentença de 1.ª instância, tanto quanto à qualificação da insolvência como culposa, assim como quanto à afectação e inibição do gerente AA. Termos em que concluem: “(i) Deve ser admitido o presente recurso com fundamento em oposição de julgados ou, quando assim se não entenda, com fundamento na especial relevância jurídica da questão subjacente, ou ainda, por estarem em causa interesses de particular relevância social. ii) Deve ser dado provimento ao presente recurso e, em consequência, a. Ser declarada a nulidade do Acórdão recorrido, por violação do disposto no artigo 615º, nº 1, al. c) do CPC, aplicável ex vi do disposto no artigo 666º do mesmo diploma e do artigo 17º do CIRE, com todas as legais consequências. b. Ser revogado o Acórdão recorrido, na parte em que indeferiu o aditamento aos Temas da Prova de um tema denominado as reais causas da insolvência, abrangendo a matéria dos artigos 63º, 64º e 67º a 85º da Oposição, e substituído por outro que defira tal aditamento, de molde a que seja possível aos Recorrentes a produção de prova em sede de Audiência de Discussão e Julgamento sobre essa matéria, com todas as legais consequências; Caso assim se não entenda, sem conceder, c. Ser revogado o Acórdão recorrido, na parte em que manteve o despacho que admitiu o rol de testemunhas extemporaneamente apresentado pelas Requerentes, com todas as legais consequências. Caso assim se não entenda, sem conceder, d. Ser revogado o Acórdão recorrido, por violador do disposto nos artigos 186º, nº 1 e nº 2, al. h) e 189º, nº 2 do CIRE, na redacção anterior à Lei nº 16/2012, de 20 de Abril, e dos artigos 1º, 2º e 20º, n.os 1 e 4 da Constituição da República Portuguesa, e substituído por outro que julgue a insolvência fortuita, sem afectação do Recorrente AA ou, quando assim se não entenda, sem conceder, que reduza a inibição aplicada nos termos da alínea c) do número 2 do artigo 189º do CIRE ao mínimo legalmente admissível.” Os Recorrentes apresentaram nos autos a certidão, com nota de trânsito em julgado, do acórdão que fundamenta a oposição de julgados invocada no recurso (fls. 1488 e ss). As alegações do Ministério Público constam de fls. 1507 e ss dos autos, pugnando pela negação de provimento ao recurso. As Interessadas Credoras, já identificadas, apresentaram contra-alegações, que fazem fls. 1510 e ss, invocando a inadmissibilidade e impossibilidade de conhecimento do objecto do recurso e, se conhecido em parte, ser julgado improcedente.
8. Foi proferido despacho no âmbito da previsão do art. 655º, 1, ex vi art. do CPC, vistas as circunstâncias processuais que poderiam obstar ao conhecimento do objecto do recurso de revista normal interposto a título principal, de acordo com os arts. 671º, 1 e 2, do CPC, depois de adequação processual, atento em particular o previsto no art. 671º, 3, do CPC. Responderam os Recorrentes, pugnando pela admissibilidade do recurso ao abrigo do art. 14º, 1, do CIRE e, se assim não se entendesse, a sua apreciação ao abrigo das alíneas a), b) e c) do disposto no art. 672º, 1, do CPC, para efeitos de revista excepcional (sendo o último dos fundamentos obtido por convolação do art. 14º, 1, do CIRE no art. 672º, 1, c), do CPC).
9. A finalizar as alegações do seu recurso, os Recorrentes apresentaram as seguintes Conclusões:
“(…) a) Da admissibilidade do presente recurso por contradição de julgados
2ª Invoca-se como fundamento do presente recurso, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 14º, nº 1, in fine do CIRE e nos artigos 629º, nº 2, alínea d) e 671º, nº 2, alínea a), do CPC, ex vi artigo 17º do CIRE, a oposição de julgados entre o Acórdão recorrido e o Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Coimbra em 22 de Maio de 2012, de que se junta cópia retirada de https://www.dgsi.pt como Documento nº 1 e dá por integralmente reproduzido, e de que foi já requerida passagem de certidão por requerimento que se junta como Documento nº 2 e dá por integralmente reproduzido, protestando juntar-se a certidão logo que a mesma seja entregue aos Recorrentes.
3ª Ambas as decisões foram proferidas no domínio da mesma legislação – o CIRE, na redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei nº 185/2009, de 12/08 – e versam sobre a mesma questão fundamental de direito: em particular, admissibilidade da ilisão da presunção contida na alínea h) do nº 2 do artigo 186º do CIRE, no sentido da demonstração de que a mesma não foi culposa, ou que não conduziu à criação ou agravamento da situação de insolvência, ou, pelo menos, a sua interpretação com particular exigência – e que foram proferidas no domínio da mesma legislação.
4ª O Acórdão-fundamento transitou já em julgado, não tendo sido proferida jurisprudência uniformizada por este Supremo Tribunal conforme com o Acórdão recorrido.
5ª No caso sub judice se discute a correcção ou incorrecção da inclusão de um determinado passivo não na coluna do passivo do balanço mas, ainda, no anexo à demonstração de resultados, que igualmente integra as contas; no Acórdão-fundamento, estava-se também perante a alegada prática pelo visado uma irregularidade contabilística, consistente, in casu, na ausência de registo contabilístico de um aumento de capital registado, que se reputou fictício e, como tal, relevante para a compreensão da situação da sociedade.
6ª No Acórdão a quo considerou-se, todavia, que essa irregularidade preenchia, inelutavelmente, a presunção da alínea h) do nº 2 do artigo 186º do CIRE e que, nesse cenário, estariam os Recorrentes absolutamente impedidos de qualquer demonstração no sentido de que essa irregularidade não tinha nem sido culposamente causada, nem contribuído, de todo, para a criação ou agravamento da situação de insolvência, não se admitindo, sequer, uma particular exigência na aferição dos pressupostos de preenchimento daquela alínea.
7ª Já no Acórdão-Fundamento, supra citado, sustentou-se que o caso da alínea h) do nº 2 do artigo 186º do CIRE, pela sua natureza e propósito, justificaria a possibilidade de ilisão dessa presunção, ou no mínimo, a ponderação especialmente gravosa dos respectivos pressupostos.
b) Subsidiariamente, da admissibilidade do presente recurso atentos a relevância jurídica e o especial interesse social da questão sub judice
8ª O Acórdão recorrido convoca (como convocava já a própria Sentença de Primeira Instância) um conjunto de questões complexas, interligadas entre si, e escassamente tratadas na jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, que têm, ademais, inequívoco relevo e interesse sociais.
9ª Prendem-se tais questões com a aplicação do disposto no artigo 186º, nº 2, em particular a qualificação da alínea h) do CIRE enquanto presunção inilidível, insusceptível de prova em contrário quer no que concerne à culpa dos visados, quer quanto às consequências de tal actuação na criação ou agravamento da situação de insolvência (questão a que se aludiu já no capítulo anterior, e que aqui se dá por integralmente reproduzida), 10ª E, bem assim, a da determinação da aplicação, ipso facto, das sanções previstas no artigo 189º, nº 2, designadamente sem permitir nelas reflectir a aludida ausência de culpa ou consequências da actuação.
11ª Tais questões contendem fundamentalmente com um dos pilares do direito insolvencial, tal como configurado pelo Legislador – o da prevenção e sancionamento de actuações que contribuam para a insolvência, responsabilizando os respectivos agentes, por via da qualificação da insolvência, tendo natureza manifestamente complexa, considerando, em particular, a conciliação das aludidas presunções com o principio da culpa e o direito ao contraditório.
12ª As respectivas sanções aplicáveis não são, de todo, de somenos, podendo (à luz do direito anterior à Lei nº 16/2012, de 20/04, aplicável ao caso sub judice [Actualmente ainda mais gravoso, em virtude da possibilidade de responsabilização integral do património dos visados pelas dívidas da Insolvente.]) redundar na absoluta exclusão dos visados do comércio por um período até 10 anos.
13ª A análise e aplicação casuística de tais questões contende com todas as fases processuais do incidente de qualificação, reflectindo-se não só na apreciação jurisdicional do mérito contida na Sentença, como também no próprio momento de saneamento dos autos, v.g., materializando-se na exclusão, ou não, logo em sede de fixação dos Temas da Prova, da possibilidade de levar factos alegados a julgamento, com a inerente limitação dos respectivos direitos de defesa.
14ª É da maior relevância delimitar com segurança e precisão o conteúdo dos normativos em apreço, que têm abrangente e diária aplicação, com extensão a um sem-número de casos no comércio, quer a titulo repressivo (enquanto guia que deve reger a actuação empresarial, sob pena das consequências), quer a título punitivo (já em sede da conduta processual a envidar no decurso de um processo de insolvência).
15ª Tendo tais normas, em rigor, foros de universalidade, atenta a sua evidente extensão a todos os operadores económicos; em suma, a toda a tessitura empresarial, apresentando, pois, um interesse marcadamente comunitário, que não meramente individual ou casuístico.
16ª O objecto deste Recurso preenche o requisito vertido na alínea a) do artigo 672º, nº 1 do CPC, assumindo-se a apreciação pelo Supremo Tribunal de Justiça das questões que aqui lhe são submetidas, pela manifesta relevância jurídica que revestem, e pelo seu inequívoco interesse social, como absolutamente essencial a uma melhor compreensão e aplicação do Direito e devendo, pois, ser admitida por Vossas Excelências, Senhores Juízes Conselheiros, a presente Revista Excepcional, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 672º do CPC, aplicável ex vi do disposto no artigo 17º do CIRE.
c) Da nulidade do Acórdão recorrido por contradição entre a fundamentação e a decisão 17ª Embora no corpo do Acórdão a quo (pontos 3 e 4) resulte clara a decisão proferida pelo Tribunal recorrido no sentido da procedência do recurso interposto pelos Recorrentes a respeito do aditamento à matéria assente de dois novos factos (16-A e 16-B), a final, concluiu o Tribunal da Relação ….. pela integral improcedência “dos recursos de apelação interpostos mantendo-se os despachos e sentença recorridos”.
18ª Tal dispositivo, manifestamente incongruente com os segmentos decisórios parcelares ínsitos nos aludidos pontos 3 e 4 do Acórdão, encerra evidente contradição, preenchendo, assim, o disposto no artigo 615º, nº 1, al. c) do CPC, ex vi do disposto no artigo 666º, nº 1 do mesmo diploma, que comina com nulidade tal contradição.
19ª Requer-se em consequência a Vossas Excelências, Senhores Juízes Conselheiros, se dignem conhecer e declarar a identificada nulidade, nos termos do disposto no artigo 615º, nº 1, al. c), ex vi do artigo 666º, nº 1 do CPC, e no artigo 684º, nº 1 do mesmo diploma, suprindo-a, declarando em que sentido a decisão deve considerar-se modificada e conhecendo dos demais fundamentos do presente recurso.
d) Do erro de julgamento na decisão de indeferimento da reclamação contra a selecção da matéria assente e temas da prova
20ª Deveria o Tribunal a quo ter aditado ao elenco dos Temas da Prova um novo Tema, contendo os factos alegados pela Insolvente nos artigos 63º a 85º da sua Oposição (salvo o teor nos artigos 65º e 66º, caso viesse a proceder a reclamação a respeito da matéria assente), que integrava a impugnação motivada deduzida contra o Requerimento Inicial, e a sua prova, que os aqui Recorrentes tinham, e têm, direito a realizar, relevando para a demonstração de quais foram as efectivas circunstâncias que conduziram à insolvência, que não as alegadas pelas Requerentes.
21ª O actual artigo 596º do CPC mantém ínsita a exigência constante do artigo 511º, nº 1 do anterior CPC, que impõe que os Temas da Prova sejam seleccionados de acordo com as várias soluções plausíveis da causa, permitindo a amplitude na produção da prova, e não consignando, apenas, o eventual pré-juízo que o Tribunal tenha da configuração do litígio.
22ª No caso vertente, não era lícito cercear a prova daquela factualidade, que se afigurava relevante para integrar e contextualizar a conduta da Insolvente e dos seus gerentes no que diz respeito à actividade da sociedade a partir dos anos de 2005 e 2006, para determinar a possível interferência de causas prévias que tenham conduzido à insolvência naqueles anos e, em qualquer caso, e sem conceder, para determinar a medida da culpa do Gerente afectado pela qualificação.
23ª Ao decidir diversamente, fez o Tribunal a quo errada interpretação e aplicação do disposto no artigo 596º do CPC, devendo ser por Vossas Excelências revogado nesta parte o Acórdão a quo e substituído por outro que admita o aditamento aos Temas da Prova de um tema denominado as reais causas da insolvência, que abranja a matéria dos artigos 63º, 64º e 67º a 85º da sua Oposição, de molde a que seja possível aos Recorrentes a produção de prova em sede de Audiência de Discussão e Julgamento sobre essa matéria, com todas as legais consequências.
e) Do erro de julgamento na decisão de admissão do rol de testemunhas constante da resposta à oposição
24ª Com assento no entendimento de que o momento próprio para indicação da prova pelos Requerentes da qualificação não seria o do requerimento que dá início ao incidente, mas o da resposta que aqueles entenderam oferecer à Oposição, julgou ainda o Venerando Tribunal a quo, em apreciação do recurso autónomo interposto da decisão que admitiu a alteração ao rol de testemunhas indicado pelas Requerentes do incidente em sede de resposta à Oposição, improcederem os argumentos dos Recorrentes no sentido da inadmissibilidade dessa alteração.
25ª Ainda que se admita a apresentação de rol de testemunhas na resposta à Oposição de um interessado que não tenha apresentado o Requerimento Inicial de qualificação da insolvência, porquanto esse é o primeiro momento de intervenção que tem nos autos, tal não deverá já suceder quando a resposta é apresentada pelo Requerente desse mesmo incidente, que nessa peça processual teve inteira oportunidade de alegar os factos que entendeu relevantes – e que balizam o incidente deduzido –, e indicar os pertinentes meios de prova.
26ª O sentido do disposto no artigo 25º, nº 2 do CIRE (e, por inerência, nos artigos 188º, nº 8 e 134º, nº 1 do mesmo diploma) não é, manifestamente, o de permitir a uma das partes usufruir de dois momentos para indicar prova, mas antes de um único momento, contemporâneo com o da respectiva alegação.
27ª Ao decidir diversamente fez o Tribunal a quo incorrecta aplicação do disposto no artigo 25º, nº 2 do CIRE e, bem assim, dos artigos 188º, nº 8 e 134º, nº 1 do CIRE, que para o mesmo remetem, impondo-se a revogação, por Vossas Excelências, Venerandos Desembargadores, da decisão recorrida nesta parte, substituindo-a por outra que revogue o despacho que admitiu o rol de testemunhas extemporaneamente apresentado pelas Requerentes e, em consequência, determine igualmente a revogação da Sentença de Primeira Instância e a baixa dos autos ao Tribunal de Comércio de ….., com todas as legais consequências.
Caso assim se não entenda, sem conceder,
f) Do erro de julgamento na decisão de manutenção da sentença a quo
28ª Não se encontram verificados os requisitos que determinariam o preenchimento in casu da hipótese normativa constante do artigo 186º, nº 2, al. h) do CIRE, que fundou exclusivamente a qualificação da insolvência como culposa, e que pressupõem um duplo e cumulativo critério: (i) a prática pelo gerente visado de um acto qualificado como irregularidade (contabilística); e que (ii) essa irregularidade prejudique, de forma relevante, a compreensão da situação patrimonial e financeira do devedor.
29ª Apesar da Sentença proferida pelo Tribunal …. em 2008 (cfr. facto provado 16 da Sentença), a Plataformas de Madrid, devedora originária, encontrava-se ainda em 2008 e 2009, tal como em 2007, a negociar o pagamento da dívida garantida pela Insolvente.
30ª A Sentença do Tribunal …. apenas recebeu o competente exequatur (através da emissão do Título Executivo Europeu) em 18 de Março de 2009, pelo que apenas foi reconhecida na nossa ordem jurídica, enquanto realidade susceptível de produzir efeitos patrimoniais na esfera da Insolvente - e, como tal, de ter relevo para efeitos de determinar a existência segura de um seu passivo - após a emissão do aludido título.
31ª A Insolvente foi citada para os termos da execução proposta com base nesse mesmo título executivo europeu somente no final de Março de 2010, data em que foi interpelada para pagar em 20 dias ou opor-se à Execução, e tomou conhecimento do reconhecimento daquela Sentença.
32ª O título executivo europeu não é uma mera facilidade com relevo único para efeitos de mais célere execução, como parece ter considerado o Venerando Tribunal a quo, mas uma verdadeira substituição do procedimento de exequatur, essencial ao reconhecimento de Sentença estrangeira na nossa ordem jurídica.
33ª Atentos os dados existentes à época que vêm de se enunciar, foi contemporaneamente ajuizado nessa elaboração, pelo Técnico Oficial de Contas respectivo, que não deveria haver alteração do critério até então praticado, designadamente nas contas de 2007, auditadas pela Deloitte (que nenhuma questão levantou a esse respeito), de reflectir essas responsabilidades no Anexo às demonstrações financeiras, não configurando tal opção qualquer irregularidade.
34ª Quando em 2010 a Insolvente foi citada para os termos da acção executiva em análise, reflectiu então tal realidade no passivo contingente, passando essas responsabilidades a figurar entre os passivos da sociedade.
35ª Ainda que se entendesse que a mera prolação da Sentença pelo Tribunal ...... (sem citação para qualquer acção executiva) era susceptível de determinar a alteração do critério de reconhecimento das responsabilidades, no que se não concede, não poderia em qualquer caso admitir-se que a mesma produzisse qualquer efeito em Portugal antes da emissão do título executivo europeu, que determinou o seu reconhecimento na ordem jurídica portuguesa, pelo que apenas nas contas relativas ao ano de 2009 haveria que proceder a esse reconhecimento.
36ª Não se aceita a qualificação como irregularidade da conduta assacada à Devedora, para efeitos de preenchimento do pressuposto da alínea h) do nº 2 do artigo 186º do CIRE, na medida em que essa conduta consubstancia uma opção, com assento na discricionariedade técnica exercida por quem elabora as contas (o TOC), na forma de aplicação de uma norma contabilística, e não qualquer desaplicação do regime legal aplicável ou ocultação de responsabilidades. 37ª Mesmo que o Recorrente AA, enquanto Gerente, tivesse dúvidas sobre a bondade do critério adoptado a respeito do reconhecimento da responsabilidade em causa, não se crê que lhe fosse exigível sindicar – e contrariar! – tecnicamente o juízo da entidade competente para a elaboração das demonstrações contabilísticas da sociedade, pelo que nunca lhe poderia ser assacada a prática da aludida irregularidade, ainda que existente (no que se não concede).
38ª O conceito de prática subjacente à norma contida na alínea h) do nº 2 do artigo 186º do CIRE implica uma interferência consciente por um determinado sujeito na realidade contabilística expressada ou a expressar, no sentido de a modificar em sentido antijurídico, por contrário às normas contabilísticas aplicáveis.
39ª Se é verdade que, quanto à obrigação de manter contabilidade organizada, ou de não manter contabilidade fictícia ou dupla contabilidade, essa actuação será certamente imputável a um administrador ou gerente da sociedade, e se é verdade também que, quanto às irregularidades, será de responsabilizar o órgão de administração, caso as mesmas decorram de omissão de informação relevante, ou prestação de informação incorrecta, a quem elaborou as contas, num caso como o vertente, em que não há ocultação de qualquer das responsabilidades por garantias prestadas e a suposta irregularidade decorre de uma interpretação eminentemente técnica das normas que regem a elaboração de demonstrações contabilísticas sobre o ponto das contas em que devem ser incluídas, o administrador ou gerente não pode, nem deve, sobrepor-se ao juízo do especialista na matéria, a quem essa elaboração está cometida.
40ª A assim não ser, entendendo-se que ao gerente, por ser responsável pela apresentação das contas, lhe é, necessária e independentemente de prova, ou culpa, imputável toda e qualquer irregularidade, mesmo aquelas que não tem o poder de conhecer ou evitar, sem atender às circunstâncias concretas para aferir se, no caso, a prática da irregularidade lhe é atribuível, sempre estaríamos perante uma interpretação manifestamente inconstitucional do disposto no artigo 186º, nº 2, al. h) do CIRE, por violadora do princípio da culpa, da segurança jurídica e do direito à tutela jurisdicional efectiva, constantes dos artigos 1º, 2º e 20º, nos 1 e 4 da Constituição da República Portuguesa, inconstitucionalidade que aqui expressamente se argui, requerendo-se, em consequência, a desaplicação ao caso sub judice do disposto no artigo 186º, nº 2, al. h) do CIRE, na interpretação violadora da nossa Lei Fundamental.
41ª Não corresponde à realidade que a pretensa irregularidade tenha causado prejuízo relevante para qualquer compreensão da situação da empresa.
42ª Primeiramente, por inexistirem os supostos destinatários dessa compreensão (aqueles com quem a Devedora lidaria na sua actividade) uma vez que, como provado nos autos – cfr. facto provado nº 25), a Devedora não estava no comércio desde 2005.
43ª Por outro lado, a situação contabilística da sociedade não foi a causa da sua insolvência, querendo com isto dizer que a Devedora não foi declarada insolvente por ter um passivo superior ao activo – que não tinha, nem passaria a ter caso não tivesse sido cometida a suposta irregularidade, como aliás o Tribunal a quo assinala –, mas com base no critério do cash flow, i.e., por não conseguir cumprir com a totalidade das suas obrigações vencidas.
44ª O critério da relevância deve ser aferido, de forma restrita e rigorosa, em função da criação, ou não, de uma real lacuna de compreensão geradora de alterações nos comportamentos previsíveis daqueles que interagiam com a sociedade, no sentido da convicção quanto à sua solvência. O que, no caso, não sucedeu.
45ª O preenchimento das alíneas do número 2 do artigo 186º do CIRE deve, necessariamente, ser conciliado com o disposto no número 1, i.e., cumprindo aferir se a prática dos factos enunciados nas alíneas daquele primeiro número conduziu, efectivamente, ou não, ao agravamento ou criação da insolvência, e tomando em conta a ocorrência de causas alternativas, ou até efectivas, da situação de insolvência – as reais causas da insolvência.
46ª As reais causas da insolvência no caso vertente, tal como bem assinaladas pela Unidade Técnica da Polícia Judiciária na perícia realizada às contas da Insolvente 2006-2009, “radicam na dimensão e persistência dos prejuízos sofridos a partir do ano de 2006, em consequência da redução do volume de negócios a valores insignificantes verificando-se uma quase paragem da sua actividade em 2006, ano em que o volume de negócios se quedou em cerca de cem mil euros, contrastando com os mais de dez milhões do ano anterior. […] A insolvência da sociedade “Capitalrent – Comércio e Aluguer de Equipamentos, Lda. tem como causas remotas as dificuldades financeiras sofridas em anos anteriores a 2006 e, como causas próximas e determinantes, a redução e posterior cessação total da actividade verificada a partir do final do ano de 2005 ou início de 2006.”
47ª Não foi a alegada irregularidade contabilística que agravou ou criou a situação de insolvência, ou que ocultou quaisquer condutas praticadas nesse período – 2008 e 2009 – que o pudessem ter feito, pelo que, interferindo uma causalidade própria e adequada – anterior – para a situação de insolvência, para mais fora do período relevante de 3 anos previsto no artigo 186º, nº 1 do CIRE, não se pode fazer derivar da mera verificação do pressuposto fáctico da alínea h) do nº 2 do artigo 186º (no que se não concede) a automática qualificação da insolvência como culposa.
48ª Mesmo quando se entende que a alínea h) do artigo 186º, nº 2 do CIRE consigna uma verdadeira presunção inilidível ou ficção legal, têm sido exigidos critérios particularmente apertados para a respectiva verificação, atento, exactamente, o carácter profundamente gravoso para os visados que o inerente automatismo gera, ou mesmo, em alternativa, defendendo a possibilidade de ilisão da presunção.
49ª No caso sub judice, a presunção inilidível ou a ficção legal prevista no artigo 186º, nº 2, al. h) do CIRE está impossibilitada de operar em virtude da relevância, nos termos do disposto no artigo 624º do CPC, aplicável ex vi do disposto no artigo 17º do CIRE, da decisão penal absolutória corporizada no despacho de arquivamento proferido no âmbito do inquérito criminal às causas da presente insolvência, que faz, com justificado assento em prova relevante um juízo inequívoco de não verificação dos factos alegados no Requerimento Inicial de qualificação, nos Pareceres do Administrador da Insolvência e no Relatório elaborado pela Er........
50ª Não se encontra justificada a medida de inibição do Recorrente AA para o exercício do comércio, bem como para ocupação de qualquer cargo de titular de órgão de sociedade comercial ou civil, associação ou fundação privada de actividade económica, empresa pública ou cooperativa, pelo período de três anos a contar do trânsito em julgado da Sentença recorrida [O Recorrente foi ainda condenado na perda de quaisquer créditos reclamados ou a reclamar sobre a Insolvente; tal condenação, porém, não tem qualquer substrato, na medida em que o Recorrente não procedeu, nem procederá, a tal reclamação.], não fazendo tal decisão a menor consideração das circunstâncias concretas do caso, e da infracção pela qual se pretende fazer responder o visado, mormente atendendo à gravidade do comportamento da pessoa a inibir e à relevância desse comportamento na verificação/agravamento da situação de insolvência.
51ª É manifestamente inadmissível que, na justificação da medida de inibição, tenha o Tribunal a quo convocado realidades integralmente desconsideradas pelo Tribunal de Primeira Instância, fazendo ilegitimamente intervir na definição da medida da sanção circunstâncias que não determinaram a respectiva aplicação, e que, o que é mais, não correspondem à realidade.
52ª Considerando o carácter técnico da suposta irregularidade praticada e a (não) intervenção do Recorrente AA na sua apreciação e determinação, é manifesto que a este não pode ser imputada qualquer conduta, quanto mais culpa, nessa irregularidade.
53ª Ainda que praticada a referida irregularidade, o seu relevo sempre seria inexistente, considerando a completa ausência de giro comercial da Insolvente a essa data, e o facto de a mesma não produzir efeito no carácter positivo ou negativo das contas, não tendo causado qualquer prejuízo para a compreensão da respectiva situação financeira e contabilística.
54ª Mesmo numa moldura que presume uma insolvência culposa pela mera prova do facto, sem necessidade de demonstração – como o não foi! – de efectiva culpa do agente, não poderia, como é evidente, o douto Tribunal ter deixado de apreciar a alegada conduta deste último, e as consequências daí advenientes, concluindo que, sendo impossível, no actual quadro normativo, não aplicar a sanção, ou aplicá-la em valor inferior ao mínimo, deveria pelo menos reduzi-la ao limiar inferior dos dois anos. Em todo o caso,
55ª O disposto no artigo 189º, nº 2 do CIRE, na redacção aplicável ao caso dos autos [E na actual, que no que aqui releva é idêntica.], padece de um grave vicio de inconstitucionalidade material, ao estabelecer, não só a obrigatoriedade, em caso de verificação da insolvência culposa, da aplicação de todas as sanções das alíneas subsequentes, sem deixar ao aplicador o devido espaço de ponderação da conduta do agente e das concretas necessidades do caso, mas também por criar molduras para essas sanções (em particular para a inibição do exercício de cargos sociais) cujo limite mínimo é, de per si, marcadamente elevado, não permitindo, igualmente, ao julgador movimentar-se num espaço em que, consideradas as circunstâncias acima referidas, entendesse que um período de meses, ou até de 1 ano – correspondente, v.g., a um exercício societário – seria suficiente.
56ª As citadas disposições violam, primacialmente, o princípio da culpa, da segurança jurídica e do direito à tutela jurisdicional efectiva, constantes dos artigos 1º, 2º e 20º, nos 1 e 4 da Constituição da República Portuguesa, porquanto, não se ignorando que se se determinou que a insolvência é culposa, alguma culpa (real ou presumida…) se apurou, a medida efectiva dessa culpa (ou a sua efectiva inexistência, no caso), têm de ser tomadas em conta na medida da pena [À semelhança da distinção que em sede de direito penal, na tese propugnada pelo Professor Doutor Figueiredo Dias, se faz entre o dolo do tipo, da concreta actuação, e o dolo da culpa, atinente às circunstâncias psicológicas do agente, de contrariedade ou indiferença face às proibições jurídicas, que determinaram a respectiva vontade.], e, não havendo culpa, deverá ser admitido não aplicar qualquer pena, ou não as aplicar in totum, sob pena de degenerar o automatismo judiciário num insustentável gravame para o visado, que a nossa Lei Fundamental não consente, como sucedeu no caso concreto.
57ª Deveria, pois, no incidente sub judice ter sido concretamente desaplicada pelo Venerando Tribunal a quo a norma constante do artigo 189º, nº 2 do CIRE, não se impondo ao Recorrente AA a sanção de inibição para o exercício do comércio, bem como para ocupação de qualquer cargo de titular de órgão de sociedade comercial ou civil, associação ou fundação privada de actividade económica, empresa pública ou cooperativa, ou, quando muito, impondo a sua redução para um período inferior aos dois anos legalmente fixados.
58ª Assim e em suma, ao decidir diversamente no Acórdão recorrido, fez o Tribunal da Relação …. errada interpretação e aplicação ao caso vertente do disposto nos artigos 186º, nº 1, nº 2, al. h) e 189º, nº 2 do CIRE, na redacção anterior à Lei nº 16/2012, de 20 de Abril, violando ainda os artigos 1º, 2º e 20º, nos 1 e 4 da Constituição da República Portuguesa.”
Foram colhidos os vistos legais.
Cumpre apreciar e decidir em conferência.
II) APRECIAÇÃO DO RECURSO E FUNDAMENTAÇÃO
1. Da admissibilidade do recurso de revista normal interposta a título principal
1.1. Ao presente apenso de qualificação da insolvência aplicam-se as regras gerais sobre recursos, ex vi art. 17º do CIRE, o que se concluiu a contrario do art. 14º, 1, do CIRE, conforme é jurisprudência consensual desta 6.ª Secção do STJ[1]. Nesta medida, não se aplica o regime especial e atípico da revista admitida e estribada em conflito jurisprudencial pelo referido preceito do CIRE, invocado em primeira linha pelos Recorrentes – Conclusões 2.ª. a 7.ª, reiterado na Resposta ao despacho proferido e descrito sob 8. –, o que, consequencialmente, afasta a aplicação, por não ter associação ou complementação adjectivo-processual, da hipótese de recurso extraordinário do (também invocado) art. 629º, 2, d).
1.2. O afastamento desse regime do CIRE implica a submissão da impugnação recursiva para o STJ aos termos gerais, aplicando-se, para tanto, as regras do processo civil em sede de recursos, de acordo com a remissão operada pelo art. 17º do CIRE. O que dita a aplicação da disciplina da revista normal, a título principal, para a qual os Recorrentes concorrem com fundamentação – Conclusões 28.ª a 58.ª; 20.ª a 27.ª –, que justifica o aproveitamento processual adequado desses blocos de impugnação no interesse do Recorrente: arts. 6º, 2, 193º, 3, 547º, CPC; com referência aos arts. 671º, 1, 674º, 1, a), CPC, e 671º, 2 (este limitado, nas suas alíneas, quanto aos fundamentos recursivos na revista “continuada” de acórdãos da Relação que apreciam decisões interlocutórias processuais de 1.ª instância).
1.3. O art. 671º, 3, do CPC (aplicável por força do art. 17º, 1, do CIRE) determina a existência de “dupla conformidade decisória” entre a Relação e a 1.ª instância como obstáculo ao conhecimento do objecto do recurso de revista normal junto do STJ, em relação a todos os segmentos decisórios em que se verifica identidade de julgados sem voto de vencido com fundamentação (e enquadramento normativos) essencialmente coincidentes, tanto para as decisões recorríveis no âmbito do art. 671º, 1 (decisões da Relação sobre o mérito da causa ou que colocam termo ao processo), como, se for o caso, no âmbito do art. 671º, 2 (decisões da Relação sobre decisões interlocutórias com incidência processual tomadas pela 1.ª instância), do CPC[2]; ficam salvaguardadas, no entanto, por efeito da 1.ª parte do art. 671º, 3, as hipóteses extraordinárias em que o recurso é sempre admissível (art. 629º, 2, CPC). 1.4. Quanto às decisões do acórdão recorrido correspondentes aos despachos interlocutórios proferidos em 8/5/2019, delimitando-se a impugnação do Recorrente nas Conclusões 20.ª a 27.ª, verifica-se que: – quanto à improcedência da apelação respeitante à arguição de nulidade do despacho de admissão de rol de testemunhas, a fundamentação do acórdão recorrido abrange um conjunto de ponderações jurídico-normativas diferenciadas, em especial à luz do CIRE (cfr. ponto 2. do cap. III, “Fundamentos de Direito”), que tornam a sua fundamentação substancialmente diferente em relação à fundamentação do despacho de 1.ª instância – sem “dupla conformidade” decisória nos termos do art. 671º, 3, do CPC; 1.7. Para o juízo de preenchimento do art. 671º, 3, 2.ª parte, do CPC antes afirmado, é mister assinalar que este obstáculo ao conhecimento do recurso de revista, relativamente a cada um dos segmentos decisórios submetidos no âmbito do objecto recursivo, não se preclude sempre que o acórdão recorrido acrescenta fundamentação, na linha da sentença recorrida, provocada pela argumentação trazida pelo Recorrente à apreciação do 2.º grau de jurisdição, desde que tal não implique um desvio no caminho interpretativo-aplicativo da sentença recorrida – relativo ao fundamento da qualificação da insolvência como culposa, nos termos do art. 186º, 2, h), do CIRE, e à densificação da consequência inibitória para o gerente afectado. E quando assim é, ou seja, quando subsiste adição de fundamentos em segunda instância justificada pela necessidade de pronúncia ao acervo argumentativo do apelante, não existe diversidade essencial da fundamentação que obste à aplicação do art. 671º, 3, do CPC. Por outras palavras, para se implicar a intervenção do STJ “é necessário, para o efeito, uma modificação qualificada, essencial, da fundamentação jurídica que aos olhos das partes exiba a ideia de que as águas em que cada instância navegou são tão diferentes, que só mesmo as decisões são coincidentes”[3]. Isso significa que o obstáculo recursório da “dupla conforme” não se preenche com “qualquer alteração, inovação ou modificação dos fundamentos jurídicos do acórdão recorrido relativamente aos seguidos na sentença apelada, qualquer nuance na argumentação jurídica assumida pela Relação para manter a decisão já tomada em 1ª instância”; “é necessário, na verdade, que estejamos confrontados com uma modificação qualificada ou essencial da fundamentação jurídica em que assenta, afinal, a manutenção do estrito segmento decisório – só aquela se revelando idónea e adequada para tornar admissível a revista normal”, só se podendo considerar existente essa fundamentação essencialmente diferente se “a solução jurídica do pleito prevalecente na Relação tenha assentado, de modo radicalmente ou profundamente inovatório, em normas, interpretações normativas ou institutos jurídicos perfeitamente diversos e autónomos dos que haviam justificado e fundamentado a decisão proferida na sentença apelada – ou seja, quando tal acórdão se estribe decisivamente no inovatório apelo a um enquadramento jurídico perfeitamente diverso e radicalmente diferenciado daquele em que assentara a sentença proferida em 1ª instância”[4]. Em suma, para se activar o recurso de revista é imperativo que a essencialidade da diferença do fundamento que confirma a decisão determine uma sucumbência qualitativa da parte prejudicada[5]. 2. Da revista excepcional interposta a título subsidiário
Não obstante, o Recorrente interpôs recurso de revista excepcional, a título subsidiário e de acordo com a alegação dos fundamentos recursivos do art. 672º, 1, a) e b), do CPC (Conclusões 8.ª a 16.ª) – o que é de aceitar se a inadmissibilidade do recurso de revista normal se fundar no impedimento da “dupla conforme” e quanto aos segmentos decisórios impugnados que revelem essa coincidência entre as instâncias[7]. Em sede de resposta ao despacho proferido em aplicação do art. 655º, 1, do CPC, vieram ainda os Recorrentes, invocando o disposto no art. 193º, 3, do CPC, invocar a convolação do expendido ao abrigo do disposto no art. 14º, 1, do CIRE, enquanto contradição jurisprudencial – como fundamento contemplado pelo art. 672º, 1, c), e 2, c), do CPC – o que é de deferir para os devidos efeitos (em acrescento: arts. 6º, 2, e 547º do CPC), em referência às Conclusões 2.ª a 7.ª dos Recorrentes. Requereram, a final, que “sendo rejeitado o Recurso de Revista ao abrigo do disposto no artigo 14º, nº 1 do CIRE, e transitando os autos para apreciação dos fundamentos de Revista Excepcional, aí se considere o mesmo interposto ao abrigo das alíneas a), b) e c) do disposto no artigo 672º, nº 1 do CPC”. Razão pela qual há que remeter os autos à Formação de Juízes do STJ a que se refere o art. 672º, 3, do CPC, para apreciação e decisão sobre esses fundamentos específicos de admissibilidade (interesse jurídico, relevo social e contradição jurisprudencial), nos segmentos decisórios em que se julgou existir “dupla conformidade decisória” (nos termos vistos: supra, pontos 1.5. a 1.7).
III) DECISÃO Nesta conformidade, acorda-se em:
1) não tomar conhecimento do objecto do recurso de revista normal interposta a título principal; 2) ordenar a remessa dos autos à Formação Especial deste STJ, a que alude o art. 672º, 3, do CPC, para o efeito de julgamento dos fundamentos específicos da revista excepcional interposta a título subsidiário, após o trânsito da decisão proferida quanto à revista normal.
Custas pelos Recorrentes.
Ricardo Costa (Relator)
Nos termos do art. 15º-A do DL 10-A/2020, de 13 de Março, aditado pelo art. 3º do DL 20/2020, de 1 de Maio, e para os efeitos do disposto pelo art. 153º, 1, do CPC, declaro que o presente acórdão, não obstante a falta de assinatura, tem o voto de conformidade do Senhor Juiz Conselheiro que é 1.º Adjunto neste Colectivo. António Barateiro Martins Ana Paula Boularot (Com declaração de voto em anexo)
SUMÁRIO DO RELATOR (arts. 663º, 7, 679º, CPC).
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PROC 1035/10.0TYLSB.L1.S1 6ª SECÇÃO
DECLARAÇÃO DE VOTO
Voto a decisão, no que tange à remessa dos autos à Formação para apreciação dos requisitos atinentes à Revista excepcional encetada, por ser a competente nos termos do artigo 672º, nº3 do CPCivil.
Contudo, no que respeita à fundamentação quanto às razões da inadmissibilidade da Revista normal, não posso, de todo em todo, acompanhá-la.
A tese, que faz maioria, parece entender que o recurso interposto de um Acórdão da Relação que incide sobre questões processuais e substantivas, pondo fim ao processo, se poderá dividir em duas Revistas diferentes: uma incidente sobre as decisões apelidadas de interlocutórias, que têm por alvo as intercorrências formais, recorríveis nos termos do nº 2 do artigo 671º; uma outra cujo objecto será a decisão de mérito produzida.
Na minha opinião, a Revista aqui interposta, visando, como visa, questões processuais e a questão de mérito, é una e indivisível, tendo sido interposta, como poderia tê-lo sido, nos termos do disposto no artigo 671º, nº 1 do CPCivil de harmonia com o preceituado no artigo 674º, nº 1, alíneas a) e b), já que ali se prevê que para além das questões substantivas, a errada aplicação da lei de processo poderá ser posta em causa, para além, como é óbvio, da concomitante arguição de nulidades, nos termos da alínea c), as quais aqui não estão em equação.
Os especiais requisitos formais que a Lei de processo exige para as decisões interlocutórias, nos termos do normativo inserto no nº 2, alíneas a) e b) do CPCivil, implicam que apenas essas e só essas decisões estejam em causa na impugnação e não já que conjuntamente a parte ponha em causa a decisão de mérito, porque se assim se não entender, a conclusão a retirar é que o legislador, nestas circunstâncias, impõe a interposição de duas Revistas autónomas, o que não resulta, nem da letra, nem do espírito dos segmentos normativos em análise, sempre se acrescentando que as questões igualmente foram suscitadas de forma conjugada e unitária, na Apelação interposta de harmonia com o preceituado no artigo 644º, nº 3 do CPCivil.
Assim, as razões de remessa dos autos à Formação, na minha opinião, baseiam-se na dupla conformidade decisória «tout court» do Acórdão produzido, terem sido invocados os fundamentos aludidos nas alíneas a), b) e C) do artigo 672º, nº 1 do CPCivil, verificando-se as demais condições gerais de recorribilidade.
(Ana Paula Boularot)
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[2] V., na doutrina, RUI PINTO, Notas ao Código de Processo Civil, Volume II, Artigos 546.º a 1085.º, 2.ª ed., Coimbra Editora, Coimbra, 2015, sub art. 671º, pág. 176, ID., “Repensando os requisitos da dupla conforme (artigo 671.º, n.º 3, do CPC)”, Julgar, Novembro de 2019, pág. 6 (“É nesse quadro que são prolatadas duas decisões sucessivas sobre a mesma questão”); na jurisprudência recente do STJ, v. o Ac. de 29/9/2020, processo n.º 731/16.3T8STR.E1.S1, Rel. RICARDO COSTA, in www.dgsi.pt. |