Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
60/08.6TBADV.2.E1.S1
Nº Convencional: 1.ª SECÇÃO
Relator: ISAÍAS PÁDUA
Descritores: OFENSA DO CASO JULGADO
CASO JULGADO MATERIAL
MATÉRIA DE FACTO
EXTENSÃO DO CASO JULGADO
AUTORIDADE DO CASO JULGADO
REQUISITOS
PODERES DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
ADMISSIBILIDADE DE RECURSO
RECURSO DE REVISTA
RESTRIÇÃO DO OBJETO DO RECURSO
Data do Acordão: 05/11/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Indicações Eventuais: TRANSITADO EM JULGADO
Sumário :
I - A admissão de um recurso de revista (normal) com base apenas num fundamento especial (vg. daqueles elencados no nº. 2 do artº. 629º do CPC), tem como consequência que o objeto do mesmo fique tão somente circunscrito à apreciação da questão que está na base da sua admissão, sem que possa alargar-se o seu conhecimento a outras questões suscitadas no recurso.

II - Fora do processo em que foram fixados, os factos, e a respetiva fundamentação que a eles conduziu, não gozam de autoridade e eficácia de caso julgado.

Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça


I - Relatório


1. Nos presentes autos de execução para entrega de coisa certa - fundada (como título executivo) em acórdão do Tribunal da Relação de Évora, proferido no processo de ação declarativa que correu termos sob o nº. 60/08.... -, em que são exequentes AA, BB, CC e DD, EE e FF e executados GG, HH e II, vieram aqueles requerer a conversão dessa execução para pagamento de quantia certa, visando o pagamento da indemnização correspondente ao valor das coisas que os últimos estão obrigadas a entregar, e do prejuízo resultante da falta da entrega, que liquidaram então pelo valor de € 989.324,59.

Para o efeito, e em síntese, alegaram que o estabelecimento comercial que naquela ação declarativa os ora executados foram condenados a entregarem-lhe (no estado em que o deles o haviam recebido), e cuja entrega visavam obter através da presente execução, encontra-se num estado de degradação tal – sendo que os bens que o compunham já não se encontram ali ou já não funcionam – que não se torna já possível obter essa entrega.

E daí o pedido da conversão da execução para pagamento de quantia certa que deduziram (à luz do artº. 867º do CPC).

2. Os executados opuseram-se a tal conversão, defendendo, em síntese, não se encontrarem verificados os respetivos pressupostos de facto e direito para o efeito.

Alegaram ainda, e em suma, que foram condenados a devolver as quotas desse estabelecimento que compraram aos exequentes, sendo que para tanto basta registar a decisão que lhes atribui esse direito.

Por outro lado, o estabelecimento/edifício quando foi entregue aos executados encontrava-se já velho e degradado, sendo certo ainda que o valor da sua liquidação indicado pelos exequentes é exagerado.

3. Instruídos probatoriamente os autos (nomeadamente com a realização de uma perícia), teve lugar a realização da audiência de julgamento, após o que veio a ser proferida sentença que no final decidiu nos seguintes termos:

«Pelo exposto o Tribunal:

A) Determina a conversão da presente execução para entrega de coisa certa em execução para pagamento de quantia certa;

B) Fixa à execução o valor de € 314.039,99 (trezentos e catorze mil e trinta e nove euros e noventa e nove cêntimos)

(…). »

4. Inconformado com tal sentença, dela apelou o executado II.


5. Conhecendo desse recurso, o Tribunal da Relação de … (doravante TR…) decidiu, sem voto de vencido, no final julgar o mesmo improcedente, e confirmar a sentença recorrida.


6. Novamente irresignado como tal acórdão (de 17/12/2020), aquele mesmo executado dele interpôs recurso de revista (normal e excecional) para este STJ.


7. Nas respetivas alegações que apresentou parta o efeito conclui as mesmas (numa segunda versão mais sintetizada das mesmas, e naquilo que para aqui releva) nos seguintes termos (respeitando-se a sua ortografia):

«(…) 6. Entende o recorrente que, nos termos do artigo 672º do CPC, conjugado com o art. 629º do CPC e o art. 671º do CPC, lhe assiste legitimidade para apresentar recurso de revista com base em:

a) O acórdão da Relação estar em contradição com outro, o acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Guimarães, processo 1369/19.9T8VCT.G1, de 28-11-2019, já transitado em julgado;

b) O Acórdão da Relação ofende parcialmente caso julgado dos próprios autos principais, quanto aos factos 48º a 53º, 75º, 77º e 107º julgados na contestação dos aí RR/aqui exequentes/recorridos e dados como não provados por sentença ali proferida e já transitada em julgada, com a recorrida decisão que dá como provado os mesmos factos contrariando os anteriormente dado como não provados, nomeadamente os 8., 9., 11., 12., 14 dos factos provados da decisão recorrida;

c) O acórdão da Relação está eivado de nulidades, já invocadas no seu requerimento de 11.01.2021;

7) Estão aqui em causa questões em cuja apreciação, pela sua relevância jurídica, é claramente necessário melhor aplicação do direito.» (negrito nossos)

I - Da Contradição do acórdão da Relação com outros acórdãos já proferidos noutros Tribunais da Relação e no próprio Tribunal da Relação de Évora, já transitados em julgado:

8) Dispõe o tribunal a quo no seu acórdão de que ora se recorre, no seu ponto j) que: “Pressupostos para a conversão da execução para entrega da coisa certa em ação executiva para pagamento de quantia certa. Dispõe o artigo 867º, nº 1, do CPC que “Quando não seja encontrada a coisa que o exequente devia receber, este pode, no mesmo processo, fazer liquidar o seu valor e o prejuízo resultante da falta de entrega, observando-se o disposto nos artigos 358º, 360º e 716º, com as necessárias adaptações”. A convolação da execução para entrega de coisa certa em execução para pagamento de quantia certa ocorre pela verificação de uma das três situações: impossibilidade física decorrente de a coisa a entregar não ser encontrada; impossibilidade absoluta em virtude da destruição da coisa; a impossibilidade jurídica na sequência da procedência de embargos de terceiro (cf. anot. Aos arts. 342º e 861º), de alienação do executado ou procedência da ação de reivindicação. No caso em apreço está em causa a entrega de um estabelecimento comercial. É consensual que o estabelecimento comercial se consubstancia num complexo de elementos heterogéneos, corpóreos e incorpóreos, integrados numa organização dinâmica destinada ao exercício de uma atividade económica comercial”……….Em face dos ensinamentos acima expostos e desta factualidade, afigura-se-nos que já não existe estabelecimento comercial para a entrega aos exequentes, pelo que se verifica o fundamento da impossibilidade para a convolação da execução para entrega de coisa certa em execução para pagamento de quantia certa.”

(…) “ Ponto 6 - Os executados não entregaram o estabelecimento comercial no estado em que tal se encontrava nem tal é possível. O recorrente considera que não existe qualquer fundamento testemunhal ou documental para que o tribunal a quo pudesse ter dado este facto como provado. Tendo em conta o auto de diligência de entrega, entende-se que é de manter a 1ª parte do ponto 6- “os executados não entregaram o estabelecimento comercial no estado em que tal se encontrava”. Já a afirmação “nem tal é possível” encerra um conceito normativo relacionado com a impossibilidade prevista no artigo 871º do CPC, e como tal não deve constar do elenco dos factos provados ou dos factos não provados.”

9) Entendeu o tribunal a quo que, não obstante ter-se dado como provado que o “estabelecimento comercial” existia, o facto de não se encontrar tal como estava há data da cessão de quotas (2007) (segundo o alegado pelos exequentes na diligência de auto de entrega e sem que o mesmo fosse notificado aos executados e, por consequência sem ser objecto de contraditório por estes), caí dentro do âmbito o juridico de “já não existir” o estabelecimento comercial, O que se rejeita em absoluto. Mais,

10) Dispõe o acórdão proferido pelo tribunal de Évora, processo 614/12.6TBPSR-A.E1, disponível em http://www.dgsi.pt/jtre.nsf/-/1EB3A236CF85E8A0802580FA0058D8BA, no seu sumário que “A conversão da execução, consagrada no artigo 867º, n.º 1, do Código de Processo Civil é uma norma excecional; como tal, não admite aplicação analógica, nomeadamente, aos casos em que a coisa objeto da “execução especifica” tenha sido apreendida e entregue ao exequente, ainda que “vandalizada, inutilizada e desvalorizada”.

11) A decisão do tribunal a quo, aqui recorrida, quanto à questão aqui em análise, choca em absoluto com o disposto no acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Guimarães, processo 1369/19.9T8VCT de 28-11-2019,disponível em http://www.dgsi.pt/jtrg.nsf/86c25a698e4e7cb7802579ec004d3832/c12edd8d5cf22554802584ce00367d57?OpenDocument, acórdão fundamento no presente recurso, que diz, no seu sumário, que:

“I - Na ação executiva para entrega de coisa certa, a impossibilidade de “execução específica” verifica-se quando a coisa tenha deixado de existir, a coisa não seja encontrada ou a coisa seja objeto de um direito incompatível com o do exequente.

II - A conversão da execução para entrega de coisa certa na liquidação do seu valor e do prejuízo resultante da falta de entrega consagrada no artigo 867º n.º 1, do Código de Processo Civil é uma norma excecional que não admite aplicação analógica, nomeadamente aos casos em que a coisa tenha sido apreendida e entregue ao exequente danificada ou deteriorada.

III - A conversão da execução só é, por isso, admissível quando a coisa, objeto da entrega, não seja encontrada e não também quando, tendo sido encontrada, apresente danos ou deterioração.

IV - O incidente de conversão da execução nunca poderá ser julgado totalmente improcedente quando esteja em causa o valor das coisas em falta pois que mesmo sendo impossível fixar o valor exato das coisas, tal impossibilidade não pode significar a eliminação do direito à indemnização pela perda da coisa, cabendo, então ao tribunal fixar o valor com recurso à equidade.”

“De facto, a possibilidade de conversão da execução para entrega de coisa certa em execução para pagamento de quantia certa prevista no referido artigo 867º n.º 1 contraria a regra geral de que não há execução sem prévio título, uma vez que é este que determina, nomeadamente, o seu fim. Estamos, por isso, perante uma norma excecional, a qual, conforme decorre do preceituado no artigo 11º do Código Civil não comporta uma aplicação analógica.

De salientar, de todo o modo, que no caso da entrega da coisa danificada ou deteriorada, e ao contrário do que ocorre quando esta não é encontrada, o fim da ação executiva para entrega de coisa certa não se frustra, pois que a coisa é efetivamente encontrada e entregue.

Neste caso, não há lugar à conversão da execução, não podendo o exequente receber por meio de incidente no próprio processo executivo uma indemnização decorrente dos danos causados na coisa entregue, pois que nem sequer estaria em causa uma indemnização “de perdas e danos pela falta de entrega da coisa”.

Se a coisa encontrada e entregue apresentar danos ou se encontrar deteriorada tal não equivale à sua falta de entrega, sem prejuízo do exequente poder intentar ação com vista a obter a indemnização a que se achar com o direito.”

12) Já no caso dos presentes autos, entendeu o tribunal a quo que os executados não entregaram o “estabelecimento comercial” (apesar de ter sido provado nos autos principais pelos aqui executados que juridicamente o mesmo nem sequer existia à data da cessão de quotas e as suas várias deteriorações, o que foi um dos muitos motivos que levou à anulação da cessão de quotas) no estado em que tal se encontrava, e não obstante a entrega ser possível no estado em que estava - conforme consta no auto de entrega em que refere exactamente que os exequentes se recusaram a receber a coisa apenas por entenderem que o mesmo estava deteriorado (mais uma vez, repita-se, sem que aquele auto fosse notificado aos executados e, por consequência, sem ser objecto de contraditório por estes) - fundamenta a convolação da execução de entrega de coisa certa em pagamento de quantia certa.

13) No caso dos autos, a coisa a entregar existe e os executados apenas se recusaram a recebê-la, como declararam no auto de diligência de entrega que o agente de execução deu entrada nos autos a 3.11.2017, com a referência ...19, elaborado em 23.02.2017, onde se pode ler “Os exequentes/recorridos …, recusam-se a receber o imóvel bem como bens móveis, veículos”.

14) Auto de diligência esse, e respectiva junção aos autos, de que os executados também nunca foram notificados, à semelhança da execução para entrega de coisa certa de que nunca foram citados, antes ou depois daquele auto de entrega, o que se invocou em devido tempo, nunca tendo sido levado em consideração ou sanado até ao momento, o que se reitera.

15) A questão da entrega jurídica também não se coloca, pois a anulação da cessão das quotas foi registada pelos executados, conforme certidão comercial junta aos autos pelo requerimento de 26-04-2017, com a referência ...63, sendo que, também por essa razão e via , também juridicamente a sociedade foi devolvida, com todo o complexo de elementos heterogéneos, corpóreos e incorpóreos, que isso implica, retornando aos seus anteriores titulares, conforme ordenava a sentença pretendida executar pelos exequentes (aos quais bastaria ter, também eles, registado a douta sentença ao invés de a executar) na decorrência da anulação da cessão de quotas pela mesma, o que também impede a conversão da presente execução em pagamento de coisa certa.

16) Os presentes autos não preencherem os elementos da convolação da execução de entrega de coisa certa em execução para pagamento de quantia certa, pelo que o acórdão ora recorrido vai contra os pressupostos estabelecidos na lei, face à total ausência de factos fundamentantes e ao contrário dos efectivamente existentes e melhor documentados nos autos, verificando-se claro erro de interpretação e de aplicação da norma que sustenta a convolação, nomeadamente o art. 867º do CPC.

17) Havendo clara contradição entre o acordão-fundamento proferido pelo Tribunal da Relação de Guimarães, processo 1369/19.9T8VCT.G1 de 28-11-2019, disponível em http://www.dgsi.pt/jtrg.nsf/86c25a698e4e7cb7802579ec004d3832/c12edd8d5cf22554802584c e 00367d57?OpenDocument já transitado em julgado e o acórdão de que ora se recorre, em sede da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito, contradição essa que é essencial dirimir, uniformizando jurisprudência no sentido de que, existindo e encontrando-se a coisa a entregar, independentemente do estado em que se encontra (estado a verificar em outra sede que não a da execução para entrega de coisa certa), não é possível realizar a convolação pois a ação executiva para entrega de coisa certa não se traduz na efetivação de direitos sobre o património do devedor pois, por ela, o credor faz valer, não a garantia patrimonial do seu crédito, mas sim a faculdade de execução específica, mediante a apreensão da coisa que o devedor está obrigado a prestar-lhe, o que se requer.

18) Devendo revogar-se assim o acórdão recorrido por lapso manifesto na aplicação do direito face à prova produzida, onde se comprova que a entrega não é impossível de realizar, como consta no auto de entrega, e no facto 6 dado como provado (com a alteração do mesmo por parte do tribunal a quo), e erro na aplicação do direito, revogando a convolação da execução para entrega de coisa certa em execução para pagamento de quantia certa, reconhecendo a entrega jurídica da coisa e declarando improcedente a presente execução para entrega de coisa certa pois a mesma já se encontra na posse jurídica assim como na disponibilidade física dos exequentes ou, caso assim não se entenda, subsidiariamente procedendo a nova diligência de entrega da coisa, o que se requer.

2. Da Ofensa do caso julgado pelo Acórdão a quo ora recorrido.

19) entendeu o tribunal a quo, no seu acordão, que: “Quanto à identidade das partes, entendemos que a mesma existe, porquanto do ponto de vista da sua qualidade jurídica, as partes nas duas ações (declarativa e executiva) são portadoras do mesmo interesse substancial. Vejamos agora os dois outros requisitos: identidade de causa de pedir e identidade de pedido. Resulta dos autos, terem os autores/ aqui recorrido, instaurado em 7.05.2008 ação declarativa de condenação com processo ordinário, pedindo que:

a) Seja declarado nulo o negócio de cessão de quotas identificado no artigo 3º, por impossibilidade legal do negócio, ou

b) Subsidiariamente declarado anulável, por erro sobre os motivos determinantes da vontade quanto ao objeto do negócio;

c) Sejam os RR. condenados a pagar aos AA., a título de compensação dos danos que sofreram, a quantia de €128.014,43.

Invocaram como causa de pedir a celebração da escritura de cessão e unificação de quotas, nomeação de gerente e alteração parcial do contrato de sociedade respeitante à sociedade J... Lda. e a sua nulidade por impossibilidade legal do objeto e por afrontar a ordem pública, a boa-fé e os bons costumes, por falta de avará e existência de dívidas. A título subsidiário, invocam a anulabilidade do negócio por erro sobre os motivos, já que os réus conheciam, nem podiam ignorar, a essencialidade, para os AA., da existência de alvará do estabelecimento industrial dos réus para laboral, bem como não da não existência de dívidas da empresa dos mesmos para a realização da cessão de quotas, e mesmo assim, induziram os autores em erro, prestando informações e declarando factos falsos sobre a alvará e dívidas da empresa.

Invocaram ainda, que em virtude da realização daquele negócio, sofreram danos patrimoniais e não patrimoniais. No requerimento de conversão para ação executiva para pagamento em quantia certa, os exequentes, ora recorridos, pedem o pagamento da indemnização correspondente ao valor das coisas que estão obrigados a entregar, e o do prejuízo resultante da falta da entrega, que liquidam, pelo valor de €989.324,56, pelo qual, deve prosseguir a execução, sendo a restante, liquidada na pendência da execução, e a que vai corresponder ao valor dos imóveis alienados, seguindo-se os demais termos até final. Invocam como fundamento o auto negativo de entrega e a impossibilidade de lhes ser entregue o estabelecimento. Em face desta materialidade e do acima referido, entendemos que que não se verificam os requisitos da identidade de causa de pedir e identidade do pedido.

Concluímos assim, pela não verificação da exceção de caso julgado.”

20) Grande parte dos factos que os exequentes/recorridos invocam no seu requerimento para a convolação da execução de entrega de coisa certa em pagamento de quantia certa foram já alegados pelos mesmos enquanto Réus em sede da acção declarativa que correu nos autos principais, na sua respectiva contestação para sustentar e fundamentar a aí pedida improcedência da anulação da escritura de cessão das quotas da empresa.

21) Os aqui exequentes/recorridos invocaram, nos autos principais em que foram Réus e de que os presentes são apenso, que os aqui recorrentes/executados e ali Autores tinham destruído as instalações, as paredes, a pintura, instalações sanitárias, abandonaram as viaturas, fecharam a empresa, conforme decorre dos artigos 48º a 53º, 75º, 77º e 107º, todos da contestação dos autos principais que foram em sede própria invocados pelo recorrente, e aqui se dão como reproduzidos. 22) O Tribunal analisou, produzindo-se prova a estes factos em fase declarativa (autos principais), e, na sequência dessa mesma análise e da prova aí produzida, no âmbito da linha defensiva usada pelos aí Réus e aqui exequentes/recorridos com aqueles factos, e decidiu a favor dos AA. – aqui executados/recorrentes - e anulou o negócio entre as partes ao invés de manter o mesmo e todas as obrigações que decorriam dele.

23) Os factos aí alegados pelos Réus (artigos 48º a 53º, 75º, 77º e 107º, todos da contestação) e aqui pelos exequentes – o estado do estabelecimento - foram alguns dos motivos que sustentaram a razão dos aí Autores, fundamentando a anulação o negócio e ordenando a devolução do estabelecimento por se considerar serem os mesmos da responsabilidade dos aí Réus e aqui exequentes.

24) Entre os factos 48º a 53º, 75º, 77º e 107º, todos da contestação dos autos principais dos aí Réus e aqui exequentes/recorridos, e os factos 8., 9., 11., 12., 14 da sentença recorrida no presente apenso (alínea e) do acórdão ora reclamado) invocados no pedido de reconversão dos aqui exequentes/recorridos e ali Réus, existe identidade das partes (independentemente da sua posição processual as partes são exactamente as mesmas), identidade de causa de pedir (o estado do estabelecimento - todo o complexo de elementos heterogéneos, corpóreos e incorpóreos, que isso implica) e identidade de pedido.

25) De facto, há identidade de causa de pedir e de pedido pois já na contestação os aí Réus, aqui exequentes/recorridos:

1. pretendiam nos autos principais que a culpa do estado deteriorado do estabelecimento aí descrito, e igual ao descrito no pedido de conversão, era dos Autores aqui executados/recorrentes, pelo que deveria ser-lhes dada razão e indeferida a acção

2. enquanto aqui também pretendem que a culpa do estado deteriorado do estabelecimento seja dos aqui executados/recorrentes ali Autores, devendo ser-lhes dada razão e com base nisso fazer a conversão da entrega da coisa certa (a mesma coisa sobre a qual foi anulado o negócio) em pagamento de coisa certa, subvertendo o título executivo e os fundamentos com base nos quais o mesmo estabelecimento e o seu estado deram vencimento aos aí Autores e aqui colocam os Executados /recorrentes numa situação completamente contraditória e aberrante.

26) Tem de apreciar-se a relação controvertida quer seja submetida a título principal, quer a título prejudicial, existindo identidade de pedidos sempre que ocorra coincidência nos efeitos jurídicos pretendidos do ponto de vista da tutela jurisdicional reclamada e do conteúdo e objecto do direito reclamado, sem que seja de exigir uma adequação integral das pretensões, atento mais quando emergem de facto jurídico genético do direito reclamado comum a ambas (art. 581º do CPC). Assim o acordão da relação do Porto no processo 174/16.9T8VLG-B.P1 inhttp://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/56a6e7121657f91e80257cda00381fdf/fce84e917169d5248025834c003b8b95?OpenDocument,

27) Pelo que não podemos concordar com o acordão ora recorrido quando conclui pela não verificação de caso julgado, como decorre do supra melhor alegado e fundamentado, jurisprudencialmente e doutrinalmente, porquanto esses factos, que os exequentes usam no seu requerimento de convolação, já usaram na fase declarativa em sede de contratação, já tendo sido produzida prova e emitida DECISÃO JUDICIAL quanto aos mesmos TRANSITADA EM JULGADO. 28) Não pode existir num mesmo processo, como é o caso, apenas em fases diversas - declarativo e o executivo, correndo este último como apenso do primeiro, e, portanto, com uma identidade quanto ao pedido e à própria causa de pedir, decisões diferentes quanto aos mesmos factos totalmente contraditórias.

29) O caso julgado verifica-se em relação às decisões que versam sobre o fundo da causa e portanto sobre os bens discutidos no processo; as que definem a relação ou situação jurídica deduzida em juízo, as que estatuem sobre a pretensão do Autor. O caso julgado material tem força obrigatória dentro do processo e fora dele e por isso não pode ser alterado em qualquer acção nova que porventura se proponha sobre o mesmo objecto, entre as mesmas partes e com fundamento na mesma causa de pedir.

30) Na jurisprudência do STJ, entende-se que não é apenas a conclusão ou dispositivo da sentença que tem força de caso julgado, aceitando-se como mais equilibrado um critério ecléctico, que, sem tornar extensiva a eficácia do caso julgado a todos os motivos objectivos da sentença, reconhece, todavia, essa autoridade à decisão daquelas questões preliminares que forem antecedente lógico indispensável à emissão da parte dispositiva do julgado, em homenagem à economia processual, ao prestígio das instituições judiciárias quanto à coerência das decisões que proferem e, finalmente, à estabilidade e certeza das relações jurídicas.

31) Pelo que existe clara violação de caso julgado, quanto aos factos 48º a 53º, 75º, 77º e 107º julgados na contestação dos aí RR/aqui exequentes/recorridos e dados como não provados por sentença ali proferida e já transitada em julgada, com a recorrida decisão que dá como provado os mesmos factos contrariando os anteriormente dado como não provados, nomeadamente os 8., 9., 11., 12., 14, violação essa que deve ser rectificada, aceitando-se a decisão proferida anteriormente quanto aos factos em questão e alterando-se o acordão recorrido em consonância, o que se requer.

3 - Das várias nulidades do acórdão da Relação da Évora proferido a 17-12-2020

33) Entende o recorrente que o acórdão da relação de Évora está eivado de várias nulidades, conforme invocou no seu requerimento de 11/01/2021, que aqui se dá como integralmente reproduzido, invocando:

- nulidade por falta de citação dos executados,

- nulidade da sentença com fundamento na alínea b) do n.º 1 do art. 615º do CPC,

- nulidade por violação do principio do caso julgado (alínea e) do acórdão ora reclamado) quanto aos factos 48º a 53º, 75º, 77º e 107º da contestação dos aí RR/aqui exequentes/recorridos dados como não provados por sentença proferida nos presentes autos principais, emanando nova decisão, contrária quanto aos factos provados 8., 9., 11., 12., 14 da sentença recorrida no presente apenso (alínea e) do acórdão ora reclamado),

- nulidade por violação do princípio da preclusão do direito nos termos do art. 573º e da harmonização do art. 729º g) e h) do CPC (alínea f) do acórdão ora reclamado),

- nulidade da diligência de entrega do auto de entrega,

- erro de julgamento da matéria de facto.

34) Quanto à nulidade por falta de citação: Entendeu o tribunal a quo, no acórdão ora recorrido, que “No caso presente, o título executivo é um acórdão deste tribunal, e tendo havido um “auto de entrega negativo”, não se impunha a citação dos executados. Não se verifica, pois, a nulidade arguida.” Quando constam do processo documentos, meios de prova plena, que implicam necessariamente decisão diversa: certidão do AUTO DE DILIGÊNCIA DE ENTREGA elaborado pela referida agente de execução em 23.02.2017, a fls….. (documento com forma pública) onde consta que a coisa e o respectivo recheio foi encontrada, descrita e fotografada e os exequentes/recorridos é que se recusaram a recebê-la, e comprovativos de registo comercial da sociedade em nome dos mesmos junto aos autos (documentos públicos e com força pública) que atestam a posse jurídica dos exequentes/recorridos.

35) Temos um auto positivo, com identificação e na presença dos bens na sua competente localização, pela agente de execução, bens esses que os exequentes é que não quiseram receber, o que é muito diferente de um auto negativo de entrega.

36) Sendo que essa entrega (escrita formalmente) nem sequer era necessária, atenta a entrega jurídica da posse da sociedade efetuada pelos executados aos exequentes por via da concretização do registo das respectivas quotas no nome daqueles, conforme e atento os comprovativos de registo comercial da sociedade em nome dos mesmos junto aos autos, e deixando fisicamente o acesso às instalações e bens fisicamente tal como lhes fora entregue a eles aquando do negócio.

37) Assim, como decorre de documentos incontestados dos autos e de plena prova, e ao contrário do que é afirmado pelo tribunal no acórdão proferido nos presentes autos ora reclamado, o douto acórdão ora reclamado limita-se a remeter apenas para um auto (um auto que, conforme supra, implica necessariamente decisão diversa), sem o analisar, sem atender ao seu conteúdo, e sem fundamentar de facto e de direito o porquê de a sua decisão (de três linhas, a este ponto) não atender nem ao teor daquele documento nem à prova toda invocada e argumentação sobre a mesma esgrimida pelo recorrente e fazer tábua rasa da documentação existente nos autos e do seu respectivo, o que implica claramente a nulidade do acórdão nesta parte, o que desde já se reitera para todos os devidos e legais efeitos.

38) Pelo que a falta de citação dos executados está eivada de nulidade, bem como todo o processado subsequente, devendo ser alterado o douto acórdão em conformidade com os documentos constantes dos autos que implicam necessariamente decisão diversa, o que se requer.

39) Quanto à nulidade da sentença, com fundamento na alínea b) do n.º 1 do art. 615º do CPC: o acórdão a quo é nulo por falta de fundamentação de facto e de direito pois:

- não faz uma analise que permita avaliar o porquê de ter sido decidido ter sido cumprido o art. 607º n.º 4 do CPC,

- não demonstra que foi analisada criticamente toda a prova que lhe diz respeito e que consta nos autos, não indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais nem especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção,

- omite qualquer referência a documentos, seu conteúdo, e factos que estão nos autos e que, ademais, levam a uma total incompatibilização da matéria de facto existente com a dada como provada,

- para além de tirar ilações e conclusões opostas ao que consta nos autos e deixa de se pronunciar sobre questão que deve conhecer e não pode invocar não conhecer.

40) Por exemplo, o tribunal dá como provado o valor da conversão de 314.039,99€, em que acaba por condenar o exponente, por, supostamente, corresponder ao valor líquido do património imobilizado corpóreo da sociedade, mas não apresenta qualquer justificação além de remeter para o relatório pericial, o qual por sua vez contém que património (património imobilizado corpóreo) é de apenas 246.361,73€, e que na altura da cessão de quotas em maio de 2007, de facto, o seu valor liquido real, é de apenas 4.998,38€.

41) O douto acórdão não fundamenta como dá provado um valor com base num documento que fixa um valor completamente diferente, tal como dá por assente o ponto 17 dos factos provados assentes este também com base mas ao arrepio de um balancete que diz que as viaturas tinham o valor de 0,00€,) e decide na pág. 40 alega que “ A prova feita indica – (…) que apesar de contabilisticamente terem um valor bruto de €246.361,73, tinham, na altura da cessão de quotas em maio de 2007, de facto, um valor líquido real de apenas €4.998,38” e depois confirma uma sentença que condena em 314.039,99€ – existe aqui clara ambiguidade de exposição, falta de adequada fundamentação, fundamento invocado cujo conteúdo é oposto ao que vai decidido e prova plena que implica necessariamente decisão diversa, tudo motivo de nulidade do acórdão, por falta de fundamentação de facto e de direito, o que se reitera.

42) Fundamenta dar como provado o ponto 8 – existência de viaturas - dos factos provados com um relatório cuja rubrica está contabilizada com o valor de 0,00€, sem qualquer outro fundamento de facto e de direito, o que redunda em clara ambiguidade de exposição, falta de adequada fundamentação, fundamento invocado cujo conteúdo é oposto ao que vai decidido e prova plena que implica necessariamente decisão diversa, tudo motivo de nulidade do acórdão, por falta de fundamentação de facto e de direito, o que se reitera.

43) O douto acórdão a quo, não fundamentando ele próprio o porquê da sua decisão ou da bondade da decisão anterior que confirmou (não reconhecendo a existência da nulidade invocada face não só à ausência de análise da prova existente mas acima de tudo à fundamentação que lhe era e é exigida por lei) , sem qualquer analise critica das provas, qualquer ilação tirada dos factos instrumentais e especificando os demais (ou quaisquer) fundamentos que foram decisivos para a sua convicção, qualquer consideração ou compatibilização da matéria de fato adquirida ou qualquer extracção de presunções impostas pela lei ou por regras da experiência dois factos apurados, está ele próprio a eivar no mesmo vício de nulidade .

44) nulidade por Violação do principio do caso julgado quanto aos factos 48º a 53º, 75º, 77º e 107º julgados na contestação dos aí RR/aqui exequentes/recorridos e dados como não provados por sentença proferida nos presentes autos principais emanando nova decisão, contrária, quanto aos factos provados 8., 9., 11., 12., 14 da sentença recorrida no presente apenso (alínea e) do acórdão ora reclamado) ao entender o tribunal no seu acórdão que “Em face desta materialidade e do acima referido, entendemos que que não se verificam os requisitos da identidade de causa de pedir e identidade do pedido. Concluímos assim, pela não verificação da exceção de caso julgado.”

45) Existe um claro erro de análise do que foi pedido no recurso, “condenando em objecto diverso do pedido” e deixando de pronunciar-se sobre a questão que deveria efectivamente apreciar: o recorrente invocou a violação do caso julgado do pedido e da causa de pedir não no seu todo, mas sim o caso julgado quanto aos factos 48º a 53º, 75º, 77º e 107º da contestação dos RR. nos autos principais (60/08....) e aqui exequentes/recorridos, e que após produção de prova e julgamento foram aí julgados como não provados – assim fls 73 a 77 das suas alegações de recurso - e que, apesar disso, foram novamente alegados e reproduzidos nos presentes autos pelos aqui exequentes/recorridos no pedido de conversão da execução de entrega de coisa certa para quantia certa pretendendo nova decisão quanto a estes factos

46) É sobre os factos invocados supra melhor discriminados, factos 48º a 53º, 75º, 77º e 107º da contestação dos RR. nos autos principais (60/08…), que se peticionou nos presentes autos apensos àquele o seu transito em julgado - não quanto ao pedido e à causa de pedir entre ambos os processos, mormente os autos principais e os do presente apenso - quanto aos factos provados 8., 9., 11., 12., 14 da sentença recorrida no presente apenso (alínea e) do acórdão ora reclamado).

47) Ao contrário do alegado pelo acórdão recorrido, os factos 48º a 53º, 75º, 77º e 107º, todos da contestação dos autos principais dos aí Réus e aqui exequentes/recorridos, e factos 8., 9., 11., 12., 14 da sentença recorrida no presente apenso (alínea e) do acórdão ora reclamado) invocados no pedido de reconversão dos aqui exequentes/recorridos e ali Réus, existe identidade das partes (independentemente da sua posição processual as partes são exactamente as mesmas), identidade de causa de pedir (o estado do estabelecimento - todo o complexo de elementos heterogéneos, corpóreos e incorpóreos, que isso implica) e identidade de pedido.

48) Porquanto, já na contestação os aí Réus, aqui exequentes/recorridos pretendiam nos autos principais que a culpa do estado deteriorado do estabelecimento aí descrito, e igual ao descrito no pedido de conversão, era dos Autores aqui executados/recorrentes, pelo que deveria ser-lhes dada razão e indeferida a acção; enquanto aqui também pretendem que a culpa do estado deteriorado do estabelecimento é dos aqui executados/recorrentes ali Autores, devendo ser-lhes dada razão e com base nisso fazer a conversão da entrega da coisa certa (a mesma coisa sobre a qual foi anulado o negócio) em pagamento de coisa certa, subvertendo o título executivo e os fundamentos com base nos quais o mesmo estabelecimento e o seu estado deram vencimento aos aí Autores e aqui colocam os Executados /recorrentes numa situação completamente contraditória e aberrante.

49) A relação controvertida quer seja submetida a título principal, quer a título prejudicial, coincide nos efeitos jurídicos pretendidos do ponto de vista da tutela jurisdicional reclamada e do conteúdo e objecto do direito reclamado, sem que seja de exigir uma adequação integral das pretensões, atento mais quando emergem de facto jurídico genético do direito reclamado comum a ambas - Assim o acordão da relação do Porto no processo 174/16.9T8VLG-B.P1 in 7http://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/56a6e7121657f91e80257cda00381fdf/fce84e917169d5248025834c003b8b95? OpenDocument que se invoca e dá por integralmente reproduzido.

50) Com todo o devido respeito, e como decorre do supra melhor alegado e fundamentado, jurisprudencialmente e doutrinalmente, entendemos que não assiste razão ao tribunal a quo, porquanto esses factos, que os exequentes usam no seu requerimento de convolação, já usaram na fase declarativa em sede de contratação, já tendo sido produzida prova e emitida DECISÃO JUDICIAL quanto aos mesmos TRANSITADA EM JULGADO, que se traduz, portanto, a impossibilidade de qualquer tribunal, incluindo o que proferiu a decisão, voltar a emitir pronúncia sobre a questão decidida - efeito negativo - e a vinculação do mesmo tribunal e eventualmente de outros, estando em causa o caso julgado material, à decisão proferida - efeito positivo do caso julgado.

51) Ainda, ocorrendo casos julgados contraditórios, a lei resolve apelando ao critério da anterioridade: vale a decisão contraditória sobre o mesmo objecto que tenha transitado em primeiro lugar (art.º 625.º n.º 1 do CPC), critério operativo ainda quando estejam em causa decisões que, dentro do mesmo processo, versem sobre a mesma questão concreta (vide n.º 2 do preceito), hipótese que valeria para o caso dos autos segundo a alegação da apelante.” – assim Acordão do Tribunal da Relação de Coimbra - apelação nº 231514/11.3YIPRT.C1 – de 20-10-2015 in https://www.trc.pt/index.php/jurisprudencia-do-trc/processo-civil/7267-transito-em-julgado casojulgado-formal-caso-julgado-material-alteracao-de-sentenca-pelo-juiz-admissibilidade

52) Na jurisprudência do STJ, entende-se que não é apenas a conclusão ou dispositivo da sentença que tem força de caso julgado, aceitando-se como mais equilibrado um critério ecléctico, que, sem tornar extensiva a eficácia do caso julgado a todos os motivos objectivos da sentença, reconhece, todavia, essa autoridade à decisão daquelas questões preliminares que forem antecedente lógico indispensável à emissão da parte dispositiva do julgado, em homenagem à economia processual, ao prestígio das instituições judiciárias quanto à coerência das decisões que proferem e, finalmente, à estabilidade e certeza das relações jurídicas.

53) O caso julgado, repita-se, verifica-se em relação às decisões que versam sobre o fundo da causa e portanto sobre os bens discutidos no processo, tem força obrigatória dentro do processo e fora dele e não pode ser alterado em qualquer acção/apenso nova que porventura se proponha sobre o mesmo objecto, entre as mesmas partes e com fundamento na mesma causa de pedir.

54) Pelo que existe clara violação de caso julgado, quanto aos factos 48º a 53º, 75º, 77º e 107º julgados na contestação dos aí RR/aqui exequentes/recorridos e dados como não provados por sentença ali proferida e já transitada em julgada, com a recorrida decisão que dá como provado os mesmos factos contrariando os anteriormente dado como não provados, nomeadamente os 8., 9., 11., 12., 14, violação essa que deve ser rectificada, aceitando-se a decisão proferida anteriormente quanto aos factos em questão e alterando-se o acordão recorrido em consonância, o que se requer.

55) nulidade do acordão recorrido por Violação do priníipio da preclusão do direito nos termos do art. 573º e da harmonização do art. 729º g) e h) do CPC (alínea f) do acordão ora reclamado), quando entende que “conforme dispõe o art. 867º, nº 1 do CPC “quando não seja encontrada a coisa que o exequente devia receber, este pode no mesmo processo liquidar o seu valor e o prejuízo resultante da falta de entrega, observando-se o disposto nos artigos 358º, 360º e 716º, com as necessárias adaptações”. “Na liquidação deve fazer-se uma valorização atualizada do bem e o prejuízo deve ser discriminadamente alegado e justificado pelo exequente no articulado de liquidação, não podendo ser simples juros de mora.” “No plano substantivo assiste-se, assim, à execução de créditos sucedâneos do crédito originário. No plano processual dá-se uma convolação da execução para entrega de coisa, em execução para pagamento”. Em face destes ensinamentos, entendemos que a dedução dos créditos no requerimento de conversão, não violou do principio da preclusão.”

56) Ora, precisamente porque o art. 867º dispõe como dispõe, e atendendo aos documentos constantes dos autos, mormente toda a prova dos autos principais (dentre ela a que considerou não provados os factos 48º a 53º, 75º, 77º e 107º da contestação dos RR. nos autos principais (60/08....) cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido), e a prova dos presentes autos de execução, mormente a certidão do AUTO DE DILIGÊNCIA DE ENTREGA elaborado pela referida agente de execução em 23.02.2017 junto aos autos pela Sra Agente de Execução de 03.11.2017, entre outros, verificou-se que a coisa existe e foi encontrada, fotografada, objecto de peritagem, simplesmente o exequente não a quis receber (como declararam no auto de diligência de entrega ), pelo que não se pode no mesmo processo liquidar o seu valor e o prejuízo resultante da falta de entrega.

57) No plano substantivo não se pode assistir à execução de créditos sucedâneos do crédito originário pois que, existindo a coisa objecto do crédito originário o exequente não se pode recusar a recebê-la pois o seu crédito não era nem é alternativo, e, por outro lado, no plano processual não pode dar-se, atendendo à existência do bem, uma convolação da execução para entrega de coisa em execução para pagamento pois é uma situação excepcional, sem aplicação analógica e para situações muito concretas.

58) Por outro lado, também juridicamente a sociedade foi devolvida, com todo o complexo de elementos heterogéneos, corpóreos e incorpóreos, que isso implica, por via do registo pelos executados da anulação da cessão das quotas, conforme certidão comercial junta aos autos pelo requerimento de 26-04-2017, com a referência ...63, retornando aos seus anteriores titulares, conforme ordenava a sentença pretendida executar pelos exequentes, o que impedia e impede a conversão da presente execução em pagamento de coisa certa, o que se invoca.

59) Pelo que, exactamente ao contrário do aduzido no douto acordão, a prova indica que a dedução dos créditos no requerimento de conversão viola o princípio da preclusão, verificando-se existir lapso manifesto grosseiro na análise e assunção da prova produzida nos autos, constando do processo documentos e meios de prova plena que implicam decisão diversa, bem como erro crasso de interpretação e de aplicação da norma que sustenta a convolação, nomeadamente o art. 867º do CPC, por não estarem preenchidos os elementos da convolação da execução de entrega de coisa certa em execução para pagamento de quantia certa, o que corresponde  a nulidade do acordão recorrido.

60) Devendo revogar-se assim o acordão recorrido por lapso manifesto na interpretação da prova produzida e mais concretamente do auto de entrega e erro na aplicação do direito, revogando a convolação da execução para entrega de coisa certa em execução para pagamento de quantia certa, reconhecendo a entrega jurídica da coisa e declarando improcedente a presente execução para entrega de coisa certa pois a mesma já se encontra na posse jurídica assim como na disponibilidade fisica dos exequentes ou, caso assim não se entenda, subsidiariamente procedendo a nova diligência de entrega da coisa, o que se requer.

61) Quanto à nulidade da diligência de entrega do auto de entrega, entendeu também o tribunal a quo,no seu acordão, (alinea h) do acordão a quo) que, “Ora, no caso em apreço, não consta que as nulidades agora arguidas o foram também na 1ª instância, pelo que estamos perante uma questão nova, que a este Tribunal está vedado conhecer.”.

62) Ora, as nulidades só podem ser arguidas após o respectivo conhecimento do facto que lhe está na origem, decorrendo dos autos que o referido auto de entrega nunca foi notificado aos recorrentes anteriormente, tal como o proprio auto de entrega e seu conteudo é totalmente omitido na sentença do tribunal de 1ª instância – sendo a omissão de notificação da responsabilidade do Tribunal de 1ª instância e completamente fora do âmbito do controle dos recorrentes.

63) O acordão recorrido deixou portanto de conhecer de situação que devia conhecer, errando na análise aos autos e na interpretação e aplicação do direito, denegando o direito a um julgamento justo, verdadeiro, leal entre parte, com violação de princípios processuais e constitucionais dos executados (principio de defesa, do contraditório, de acesso a um julgamento justo, de imparcialidade) – sendo nulo.

64) Quanto aos pressuspostos para a conversão da execução para entrega de coisa certa em acção executiva para pagamento de quantia certa, refere o acordão recorrido “Em face dos ensinamentos acima expostos e desta factualidade, afigura-se-nos que já não existe estabelecimento comercial para entrega aos exequentes, pelo que se verifica o fundamento da impossibilidade para a convolação da execução para entrega de coisa certa em execução para pagamento de quantia certa.”

65) Todavia, a anulação da escritura de cessão de quotas não existe de per si, antes se deveu a factos, com prova plena nos autos, que são da responsabilidade dos exequentes/recorridos, ali RR e não dos aqui recorrentes/executados, ali AA.

66) O Tribunal da Relação não pode apenas considerar a conclusão ou dispositivo da sentença que tem força de caso julgado, atenta a necessária autoridade nessa decisão daquelas questões preliminares que foram antecedente lógico indispensável à emissão da parte dispositiva do julgado, em homenagem à economia processual, ao prestígio das instituições judiciárias quanto à coerência das decisões que proferem e, finalmente, à estabilidade e certeza das relações jurídicas.

67) Não podendo agora o Tribunal inverter os factos provados, ir contra toda a prova plena produzida desde os autos principais, convertendo a execução para pagamento de quantia certa por causa de um bem cujas condições que lhe servem de suporte são aquelas que suportaram a razão dos executados para anular a cessão de quotas, assacando agora a responsabilidade desses mesmos factos aos executados quando foi por caussa de eles serem da responsabilidade dos exequentes que os mesmos perderam a acção: o que foi anulado foi a cessão de quotas, sim, mas foi-o porque não existia estabelecimento comercial, mormente existirem as instalações físicas, como não existia em 2007, nem nunca existiu, como ficou demonstrado por toda a prova produzida nos autos principais pelos aqui executados/recorrentes ali autores como sendo da responsabilidade dos ali Réus e aqui exequentes/recorridos.

68) Aliás, foi uma das razões que levou a essa anulação, uma vez que foi de facto da responsabilidade dos aqui exequentes e ali RR. e que motivou até o comentário no acordão proferido na altura pelo STJ de que os vendedores (exequentes nos presentes autos) enganaram os compradores (aqui executados) - essa é a verdade com prova plena em toda a documentação dos autos e respectiva prova documental.

69) Assim, existe claramente uma decisão contrária aos documentos constantes dos autos bem como incoerência e inexatidão do tribunal no seu acordão que faz com que erroneamente considere que podia haver a conversão da entrega de coisa certa em execução para quantia certa, o que implica nulidade nesta parte, pelos fundamentos expostos, o que se invocou e reitera para todos os devidos e legais efeitos.

70) Quanto ao erro de julgamento da matéria de facto, o douto Tribunal, por omissão, retira de contexto os factos sujeitos a escrutínio, faz uma análise pontual e desprovida da conjugação de todos os factos, da analise critica de todas as provas, tirando ilações pontuais de factos instrumentais e sem os conjugar com os demais factos/provas/posições processuais, criando (quaisquer) fundamentos que foram aparentemente decisivos para a sua convicção mas que não têm qualquer consideração ou compatibilização da matéria de facto adquirida ou qualquer extracção de presunções impostas pela lei ou por regras da experiência dos factos apurados, o que resulta em conclusões erroneas e em oposição com a prova, que correspondem a vício de nulidade, quanto ao ponto 6,7, 8, 12, 9, 10, 12, 17 . Porquanto:

71) diz o acordão recorrido:“ Ponto 6- Os executados não entregaram o estabelecimento comercial no estado em que tal se encontrava nem tal é possível. O recorrente considera que não existe qualquer fundamento testemunhal ou documental para que o tribunal a quo pudesse ter dado este facto como provado. Tendo em conta o auto de diligência de entrega, entende-se que é manter a 1ª parte do ponto 6 - “os executados não entregaram o estabelecimento comercial no estado em que tal se encontrava”.”

72) Decorre da certidão do auto da diligência de entrega que o mesmo se encontrava no local previsto, foi amplamente fotografado e se encontrava acessível aos exequentes, bem como que os exequentes entenderam que o estabelecimento não estava no estado em que se encontrava e que, por isso, se recusaram a recebê-lo, o que é muito diferente de os executados não o entregarem ou de ser verdade que ele não se encontrava no estado alegado – fundamentos estão em oposição com a decisão.

73) Por outro lado, conjugado com o invocado antes no mesmo acordão, nomeadamente “as declarações prestadas pelas partes reproduziram no essencial as posições já vertidas nos requerimentos. As testemunhas JJ e KK, antigos funcionários do estabelecimento, aludiram ao equipamento de que dispunha o estabelecimento, aos funcionários que ali trabalhavam, a actividade desenvolvida e o decréscimo da mesma desde a efectivação do negócio celebrado entre as partes. A testemunha LL referiu ter-se deslocado ao estabelecimento elaborar um orçamento para a realização de obras, cujo valor rondava os € 250.000,00, descrevendo a degradação do imóvel. A testemunha MM referiu que actualmente o estabelecimento se encontra degradado, sendo certo que anteriormente chegou a frequentá-lo quando se encontrava em laboração. A testemunha NN efectuou uma visita técnica ao estabelecimento e descreveu as condições que ali encontrou, assinalando as irregularidades que lá foram detectadas. As testemunhas OO e PP circunstanciaram as dificuldades sentidas pelo embargados na exploração do estabelecimento, adiantando as razões que os levaram a encerrá-lo….”, bem como com os factos provados e não provados dos autos principais que levaram à anulação do negócio, mormente com base no estado degradado do estabelecimento e na falta de alvará para laborar com culpa dos aqui exequentes /recorridos – também aqui se verifica que os fundamentos estão em oposição com a decisão, cuja ambiguidade e obscuridade, perante o contexto concreto dos autos é crassa e advém necessariamente de lapso manifesto e grosseiro resultante de clara omissão de análise dos meios de prova plena dos autos e compreensão do objecto da causa de pedir e do pedido no âmbito das suas concretas circunstâncias, os quais implicam necessariamente decisão diversa, o que se invoca.

74) Diz o tribunal que a testemunha JJ e KK, antigos funcionários aludiram ao equipamento que existia no estabelecimento - contudo tal não é verdade, nada consta do seu depoimento gravado quanto à confirmação de todos os bens corporeos que a sociedade disponha à altura da cessão, e muito menos confirmaram os bens dados como provados no ponto 7.

75) Pelo que, face ao alegado pelo recorrente, em que impugna e requer a alteração deste ponto 7 de provado para não provado face à ausência de prova, tinha que necessariamente o tribunal no seu acordão, dizer onde é que tal está dito, bem como extrair os excertos dos seus depoimentos em que tal o digam, pelo que existe um claro erro material na análise, ou falta dela, da prova relativamente a este ponto.

76) A testemunha NN, ao contrario do que parece querer-se transmitir no acordão, refere que o estabelecimento tinha irregularidades, no caso graves, o que é verdade, mas também refere, essa testemunha, como foi alegado pelo recorrente, que essa visita técnica foi logo após a cessão de quotas e que a testemunha também disse que os problemas que existiam, irregularidades, eram de há muitos anos, antes mesmo da gerência dos executados, que advinham, sem sombra de duvidas, da anterior gerencia, e que inclusivé os executados ainda tentaram fazer obras para que a empresa não fosse fechada, pelo que existe um claro erro material na analise, ou falta dela, da prova relativamente a este ponto .

77) As testemunhas OO e PP, aludiram a dificuldades que existiam já na sociedade quando foi adquirida, uma vez que não cumpria com a exigências legais, por não ter alvara, pelo facto de o equipamente estar todo obsoleto, as poucas viaturas existentes estarem velhas, ilegais e avariadas, e que tal situação já advinha da anterior gerencia, pelo que existe um claro erro material na analise, ou falta dela, da prova relativamente a este ponto.

78) Ilação absolutamente erronea, e desprovida de qualquer tipo de prova concreta, documental ou de outra ordem, que demonstre tal realidade.

79) Ao ponto 7, mantém o acordão a decisão de manter a factualidade porque “Do relatório pericial consta que existe correspondência entre a descrição dos bens identificados nos artigos 1 a 3 do requerimento de conversão dos exequentes e as subcontas em que os mesmos foram lançados contabilisticamente. E nos esclarecimentos de fls. 197 e ss. consta que “nos artigos 1 a 3 do requerimento de conversão dos exequentes, o equipamento identificado, corresponde ao imobilizado do balancete referido…” dando validade a um documento contabilistico com uma lista de bens de valor quase nulo (não há uma relação de bens concreta realizada pelas partes ou realizada por pessoa idónea, nem sequer inventário da contabilidade como ficou a constar da peritagem) e já não escrutina a demais prova, precisamente elencada pelo recorrente, designadamente a ausência de suporte documental, quer pelo facto de os depoimentos das testemunhas ou as fotografias juntas pelos exequentes não comprovarem a existência dos bens da sociedade.

80) As fotografias que o Tribunal “levou em consideração”, não foram confirmadas em sede de julgamento por qualquer uma das testemunhas, e são bem posteriores à cessão de quotas – também aqui se verifica que os fundamentos estão em oposição com a decisão, cuja ambiguidade e obscuridade, perante o contexto concreto dos autos é grassa e advém necessariamente de lapso manifesto e grosseiro resultante de clara omissão de análise dos meios de prova plena dos autos e compreensão do objecto da causa de pedir e do pedido no âmbito das suas concretas circunstâncias, os quais implicam necessariamente decisão diversa.

81) Assim, existe um claro erro material na análise, ou falta dela, da prova relativamente a este ponto pelo que está eivada de nulidade, por falta de fundamentação, e prova, o que se invocou e se reitera.

82) E o mesmo se diga quanto ao ponto 8, 12, 9, 10, 12, 17 dos factos dados como provados e mantido no douto acordão, pelas mesmas razões.

83) De facto, o tribunal a quo, valida mais uma vez a descrição contabilistica e a descrição do relatório pericial que é uma cópia do mesmo mas já não valida para o mesmo efeito os mesmos documentos quanto ao valor que os mesmos teriam se existissem à data da cessão de quotas ou quanto ao facto de já não existirem em 2007, além de não usar a demais prova plena nos autos - também aqui se verifica que os fundamentos estão em oposição com a decisão, cuja ambiguidade e obscuridade, perante o contexto concreto dos autos é grassa e advém necessariamente de lapso manifesto e grosseiro resultante de clara omissão de análise dos meios de prova plena dos autos e compreensão do objecto da causa de pedir e do pedido no âmbito das suas concretas circunstâncias, os quais implicam necessariamente decisão diversa, e que implica a que a ilação daí resultantes estejam eivada de nulidade por falta de fundamentação, e prova, o que se invocou e se reitera.

84) Quanto ao ponto 12 não podemos deixar de dizer que um qualquer orçamento que diga que se orça uma obra seja de 257.000,00€ seja de 20.000€ não significa que tal é o valor para se colocar o pavilhão em questão nas mesmas condições que se encontrava, pelo que existe um erro claro e grave na analise da prova, para além do que este acordão parece querer enterrar toda a prova produzida nos autos principais, em que esta questão foi amplamente debatida, provada, nomeadamente aquela onde se concluiu que os aqui exequentes venderam gato por lebre, enganaram os executados (palavras do STJ nos autos principais), com a cessão de quotas de uma sociedade que não tinha quaisquer condições para laborar, sem alvara, instalações deterioradas, e carregada de dividas.

85) Valoriza um orçamento fabricado para a conversão e à vontade dos exequentes e desvaloriza e nem sequer arrola toda a demais prova plena nos autos, dentre ela o caso julgado dos factos e respectiva prova fundamentante que as condições de deficiência do estabelecimento, do edifício, das condições de laboração e a falta do alvará são bastante anteriores à data da cessão de quotas aos executados, e encontram-se provadas amplamente nos autos principais e demais apensos, sendo da responsabilidade dos próprios exequentes - também aqui se verifica que os fundamentos estão em oposição com a decisão, cuja ambiguidade e obscuridade, perante o contexto concreto dos autos é crassa e advém necessariamente de lapso manifesto e grosseiro resultante de clara omissão de análise dos meios de prova plena dos autos e compreensão do objecto da causa de pedir e do pedido no âmbito das suas concretas circunstâncias, os quais implicam necessariamente decisão diversa.

86) O acordão parece querer apagar a realidade, já transitada em julgado e que motivou a anulação da cessão por culpa única e exclusiva dos exequentes que ao protelarem cerca de 10 anos, só recentemente ficou decidido a entrega do que tinham cedido nas condições em que se encontravam por culpa daqueles (no caso encerrado pelas autoridades competentes atento a falta de alvará que também levou à anulação da cessão de quotas).

87) E querer afastar toda a prova produzida nos autos principais, que foi invocada neste, e que são essenciais na convolação e das consequências dessa mesma convolação, bem como saber se são os exequentes os responsáveis pelo estado que o local onde se produzia o pão atento o estado em que estava à altura dos factos que foram provados nos autos principais e que apesar de todo não foi tido em conta neste apenso, apesar de invocado pelos executados na sua defesa, pelo que é o acordão claramente nulo, o que se invoca, nesta parte na medida em que viola o direito a uma defesa justa, o direito ao contraditório de forma arbitraria, injustificada e sem fundamento.

88) Acresce que dizer que os exequentes já estão na posse do “estabelecimento”, que na verdade nem sequer existe ( apesar do acordão insistir nesse termo juridico sem dizer o porquê de assim o considerar – nem o conseguiria atento à ausência de todos os elementos juridicos para tal, em especial a falta de alvará como é pacificamente aceite pela jurisprudência), quando ficou provado nos autos que os mesmos têm pleno acesso ao local da produção do pão onde entraram com a sra. solicitadora de execução como consta no auto de entrega (apesar de se recusarem a recebe-lo), voltaram depois lá novamente para fazerem e pedirem um orçamento de obras gerais naquele local, tem já as quotas em nome deles, sendo já os titulares de direito e de facto da sociedade, bem como tem plena capacidade juridica para tomarem decisões juridicas sobre todo o imobiliário – terrenos – da sociedade, que, como consta na contabilidade são os únicos bens com valor efectivo, não são afirmações genéricas mas sim factos.

89) Tudo numa sequência e encadeamento que vai permeando perniciosamente toda a decisão, qual efeito bola de neve, até que não existe nada que se aproveite ou que se possa ler que faça sentido à luz da prova efectivamente feita ou das concretas circunstâncias que deram origem ao título executivo propriamente dito.

90) São crassos os vícios de nulidade do acordão reclamado, o que se invocou e se reitera, cujo reconhecimento se requer.

91) Não querer considerar esses mesmos factos é que é denegar a justiça que deveria ser assegurada pelos tribunais, de forma grosseira, o que é claramente uma nulidade do acordão, nessa parte também, o que desde já se invoca para todos os devidos e legais efeitos. (...)»


8. Os Exequentes/Recorridos não contra-alegaram.


9. Subidos os autos a este Supremo Tribunal, e dado que o recorrente interpôs recurso de revista normal e excecional, remetidos os autos à Formação (nº. 3 do artº. 672º do CPC), veio esta a proferir acórdão (de 12/01/2022), no qual não admitiu o recurso de revista excecional (por entender não se mostrarem verificados/preenchidos os invocados fundamentos previstos nas als. a) e c) do nº. 1 daquele normativo legal), tendo no final determinado que, oportunamente, fossem conclusos ao Relator a quem os autos foram distribuídos aquando da sua remessa a este Tribunal.

9.1 Na sequência desse acórdão, e considerando, por um lado, estarmos perante uma situação de dupla conforme (artº. 671º, nº. 3, do CPC) e, por outro, perante a invocação da ofensa de caso julgado (pelo acórdão recorrido) aduzida pelo recorrente, por despacho do Relator (e à luz disposto no artº. 629º, nº 2 al. a) – fine – ex vi 1ª. parte do nº. 3 do citado artº. 671º e 1ª parte do artº. 854º, todos do CPC) foi admitido liminarmente o recurso de revista normal com base (e tão só) nesse fundamento específico.


10. Cumpre-nos, assim, e agora, apreciar e decidir.


***

II - Fundamentação



A) De facto.

Os factos dados como provados pelo acórdão recorrido (que correspondem àqueles dados como provados pela 1ª. instância - com a ligeira alteração adiante indicada -, respeitando-se, a ortografia, a ordem e a numeração que ali constam da sua descrição):

1. Correu termos no então Tribunal Judicial da Comarca ... a ação de processo ordinário n.º 60/08...., em que assumiam a posição de autores os executados e a de réus os exequentes;

2. Em 07.07.2014 foi proferida sentença que julgou improcedente a ação e absolveu os ali réus de todos os pedidos contra si formulados;

3. Em 28.05.2015 foi proferido Acórdão pelo Tribunal da Relação de Évora cujo dispositivo é o seguinte: “Pelo exposto acordam os juízes da secção cível deste Tribunal da Relação em julgar parcialmente procedente a apelação e em consequência declaram a anulabilidade do contrato celebrado em 11.05.2007 entre AA. e RR. por escritura de cessão e unificação de quotas, nomeação de gerente e alteração parcial do contrato de sociedade, da sociedade comercial por quotas “J... Lda.” condenando-se os réus a restituir aos autores as quantias por estes entregues, a título de preço, acrescida de juros de mora à taxa legal, desde a data da citação e até integral cumprimento, e os autores a abrir mão do aludido estabelecimento comercial, entregando-o aos referidos réus, no estado em que o receberam, confirmando quanto ao demais a sentença recorrida”;

4. Em 26.04.2016 foi proferido acórdão pelo Supremo Tribunal de Justiça que confirmou a decisão do Tribunal da Relação de Évora;

5. Na referida ação declarativa resultou provado que:

1. - Em 11.05.2007 entre AA. e RR. foi outorgada escritura de “cessão e unificação de quotas, nomeação de gerente e alteração parcial do contrato de sociedade”, da sociedade comercial por quotas “J... Lda.” conforme documento de fls. 36 a 42 dos autos e que aqui se dá por integralmente reproduzido (A dos factos assentes).

2. - Na escritura referida em A) estiveram presentes os AA. e os RR., bem como um representante da Caixa de Crédito Agrícola; na escritura referida em A), entre outras coisas, foram cedidas as quotas de que os RR. eram titulares na sociedade aos AA (B dos factos assentes).

3. - Na escritura referida em A), os 1º RR. cederam ao 1º A. marido, pelo preço de 91.668,00€, a quota de 1.667,00€ de que o 1º R. marido era titular (C dos factos assentes).

4. - Os 2º RR. cederam ao 2º A., pelo preço de 91.668,00€, a quota de 1.667,00€ de que o 2º R. marido era titular (D dos factos assentes).

5. - Os 3º RR. cederam ao 1º A. marido, pelo preço de 45.834,00€, a quota de 883,00€ de que o 3º R. marido era titular (E dos factos assentes).

6. - Os 3º RR. cederam ao 2º A., pelo preço de 45.834,00€, a quota de 883,00€ de que o 3º R. marido era titular (F dos factos assentes).

7. - Foi apresentada no ato da escritura pública de cessão de quotas referida em A), pelos RR., certidão emitida pelo ..., da qual constava que a sociedade tinha a sua situação contributiva regularizada, conforme cópia da certidão junta na escritura e junta aos autos a fls. 42 (G dos factos assentes).

8. - Mais foi declarado, na referida escritura, pelos RR., que a sociedade não tinha qualquer passivo naquela data, conforme consta de fls. 39 dos autos e que aqui se dá por integralmente reproduzido (H dos factos assentes).

9. - Foi estabelecido, na referida escritura, que o modo de pagamento das cessões seria efetuado da seguinte forma: - Um mês após a data da escritura, o 1º A. marido entregaria 25.000,00€ aos 1º RR e 12.500,00€ aos 3º RR (I dos factos assentes).

10. - No mesmo prazo, o 2º A. entregaria 25.000,00€ aos 2º RR e 12.500,00€ aos 3º RR; seis meses após a data da escritura, o 1º A. marido entregaria 33.334,00€ aos 1º RR. e 16.667,00€ aos 3º RR (J dos factos assentes).

11. - No mesmo prazo, o 2º A. entregaria €33.334,00€ aos 2º RR. e 16.667,00€ aos 3º RR (K dos factos assentes).

12. - Um ano após a presente data, o 1º A. marido entregaria €33.3344,00 aos 1º RR. e €16.667,00 aos 3º RR (L dos factos assentes).

13. - Na mesma data, o 2º A. entregaria 33.3344,00€ aos 2º RR. e 16.667,00€ aos 3º RR (M dos factos assentes).

14. - A cessão de quotas foi efetuada com reserva de propriedade (N dos factos assentes).

15. - Os RR. maridos renunciaram à gerência e foram os AA. varões nomeados gerentes (O dos factos assentes).

16. - Os AA. unificaram as quotas que adquiriram aos RR, nos valores de 1.667,00€ e de 833,50€, numa única quota de 2.500,50€ (P dos factos assentes).

17. - Foi entregue, pelos AA, na data constante da escritura a quantia de 124.083,99€ ao representante da Caixa de Crédito Agrícola presente, conforme documento de fls. 44, para levantamento da hipoteca que a mesma detinha sobre os bens da empresa e desonerando os RR. da posição de fiadores da mesma (Q dos factos assentes).

18. - A Caixa de Crédito Agrícola no dia referido em Q)) entregou declaração em que deu quitação do recebimento do crédito hipotecário e autorizou o cancelamento à hipoteca existente, para garantia da dívida que a empresa referida em A) tinha para com esta, conforme documento de fls. 45 e que aqui se dá por integralmente reproduzido (R dos factos assentes).

19. - Para garantia do pagamento acima discriminado devido pelos AA. aos RR., foi constituída uma hipoteca voluntária a favor destes sobre cinco prédios rústicos propriedade de QQ e RR, avós do 2º A., conforme documento de fls. 47 a 51 e que aqui se dá por integralmente reproduzido (S dos factos assentes).

20. - Os AA. registaram a aquisição das suas quotas, conforme documento de fls. 52 a 58 e que aqui se dá por integralmente reproduzido (T dos factos assentes).

21. - Em 12 de Julho de 2007, a empresa referida em A) sofreu uma inspeção da Direção ..., conforme doc. 24 que se junta onde consta que “As condições de laboração estão completamente degradadas em todas as suas vertentes (higiénico-sanitárias, segurança, ambientais e sobretudo

22. técnico-funcionais). Não foi iniciado a implementação do HACCP.” (U dos factos assentes).

23. - Os AA. despenderam, para a realização da escritura de cessão de quotas referida em A), a quantia de 1.000,94€, no Cartório Notarial ..., conforme documento de fls. 85 e que aqui se dá por integralmente reproduzido (V dos factos assentes).

24. - Os AA pagaram, igualmente, a escritura relativa à constituição de hipoteca referida no art.º 46º, no montante global de 1.818,49€, conforme documento de fls. 86 e que aqui se dá por integralmente reproduzido (W dos factos assentes).

25. - Os AA. despenderam cerca 1.100,00€ na Conservatória de Registo Civil/Predial/Comercial de ... para registarem a aquisição das suas quotas (X dos factos assentes).

26. - Os AA despenderam 95,00€ na certidão predial dos prédios constantes na escritura referida em A) conforme doc. de fls. 87 e que aqui se dá por integralmente reproduzido (Y dos factos assentes).

(…)

6. Os executados não entregaram o estabelecimento comercial no estado em que se encontrava (foi a expurgado pelo tribunal a quo, e por considerar que tal encerrava um conceito normativo, a seguinte expressão que constava da sentença da 1ª. instância: “nem tal é possível”);

7. À data da escritura de cessão de quotas o estabelecimento era composto por: MAQUINA CALCULAR 12-90 VENTAXIAS MOD. JANELA, SECADOR DE MAOS ... 03-92,2 SECRETARIAS 10.92, 2 CADEIRAS 10-92, SOPAS PARA ESCRÍTORIO 10-92, SECRETARIA Cl CANTO 8/97, CADEIRAS 8/97, ARMÁRIO8/97..../ FOTOCOPIADOR 8/97, ... VITRINE 5/98 RECTRO BALCZO Cl BANCADA E BANCADA A€O INOX Cl PIO TULHA, MESAS E CADEIRAS 5/98, REGISTADORA CASIO ..., MAQUINA ..., BALANÇA LIBRA TAX. ..., TORRADEIRA ... SIMPLES 5/98, MAQUINA LAVAR LOUCA ... 5/98, MATA MOSCAS ... 5/98,BANCADA ...,ARM. BELICHES E Colchas 6/01, FAX ...,4,MAQUINA DE LAVAR ROUPA 11 Kgs, ... 12-92, COPIADOR ...,LAVADOR 03.93 FORN/...,TELECOPIADOR 2.94, TELEFONES ... 6-94,COMPRESSOR MONOFÁSICO 3/96, ENFARDADEIRA ... 5/96, COMPRESSOR 2/97, COMPUTADOR ...,IMPRESSORA ..., ACUMULADOR ..., SOFTWARE GESTÃO INT.8/97,FOTOCOPIADOR ... 8/97, TIMEPOINT E SOFTAWARE 6/98, PROGRAMA DE COMPUTADOR 1/01, FOTOCOPIADORA POINT, 402,TELEMOVEL ..., COMPUTADOR 10/05,EXAUSTOR ...,TERMOACUMULADOR 12/06. FORNO COM LAMINADOS, FORNO DE PASTELARIA,TENDEDEIRA 3*3, BATEDOR DE 40 LTS,BATEDOR DE MASSA,PESADOR DE PAO EM MASSA, FOGAO A GAS, FRITADEIRA ELECTRICA,GERADOR ...,MOINHO DE RALAR PAO, BALANÇA ..., GRUPO CARROS SUPORTE 1.20, CARROS DE REDE P/PAO COZIDO, CARRO COM TABULEIROS, GRUPO ESTANCADORES INOX, CAIXA CONT.C/60 -40 -40, RACHADORRTLC/CARDON 02.91, LAVADORAA.P...., MAQUINA AMASSADEIRA 09-91, REFRIGERADOR DE AGUA 05-92, DIVISORA/PESADORA 05.92,BALANCA AUTOMÁTICA 12-92, FRIGORIFICO 07.94, QUEIMADORES A GAS 4/97, TENDEDEIRA TRIPLA 9/97, FORNO ANELAR 9/97, QUEIMADOR PI FORNO 9/97TENDEDEIRA 10/97, HB SILOS SISTEMA COMPLETO, DIVISÓRIA ... S/A R/14, CORTADORA C/ SUP. E DIVISÓRIA, MICRO ONDAS ..., MAQUINA CORTAR PAO7/05, REPARAÇAO DE SÍLOS11/06,MERCADO INTRACOMUNITARlO, MAQ. EMPAQUETADORA08*94, MAQ.EMPAQUETADOR ..., EQUIPAMENTO DE TRANSPORTE,MERCADO NACIONAL, ...-AC-... 6/5, FERRAMENTAS EUTENSÍLIOSMERCADO NACIONAL, GRUPO CESTO E FORMAS, GRUPO DE CESTOS R-35 GRUPO CESTOS TABULEIROS CHAPA,GRUPO CESTOS PLÁSTICOS GRUPO TABULEIROS PERSIANA, FACA ELECTRICA, GRUPO ARMAÇÕES BOLO DE NOIVA, GRUPO FORMAS P/BOLOS,GRUPO FORMAS METALICAS,GRUPO CESTOS CHAPA 75*45*20, GRUPO CESTOS PLÁSTICOS R-522, TABOLEIROS 75*45*20, CESTOS 6-522, BALANÇA DE PAREDE, ROUPEIRO EM CHAPA, MAQUINA DE EMBALAR. ELECTROCUTOR MOD-ITALY, RECUPERADOR DE CALOR MONTA CARGAS, SALVA VIDAS, SALVA VIDAS,SALVA VIDAS, MOTOR ELECTRICO TRIFASICO, 250CX.CANASTRADOMPLEX 11-90,539CX.DOMPLEX 08-91, MOTOSERRA 0492, CAIXAS PLASTICAS DOMPLEX 12-92, ASPIRADOR 02-93, CARRO DUPLO NYLON C/PRENSA2,93, 500CX.DOMPLEX 03-94, VESTUÁRIO DIVERSO 11/97, EQUIPAMETO ADMINISTRATIVO, MERCADO NACIONAL, GRUPO ESTANTES METALICAS, VITRINE EXPOSITORA COM FRIO, ARCA CONGELADORA, VITRINE PARA BOLOS, BALCAO INOX, ARMARIO COM CACIFES, ESTORES MOSQUETEIROS .... MATA MOSCAS, SALVA VIDAS, RELOGIO DE PONTO ARMARIOS DE 3 PORTAS, MAQUINA CALCULADORA ...:

8. Existiam ainda as seguintes viaturas: ... SP-...-..., ... OL-...-.... ... NG-...-..., ... UX-...-..., ... XD-...-..., ... ...-...-AP-...-..., ... ...-...-CS...-..., ... ...-...-DI 06.94, VIAT. ... ...-...-FV.../95, VIAT.... MATR....-...-GP. VIAT, ... MAT....-...-SG...-..., VIAT ... MAT-...-...-SG...-..., ..., ... MAT ...-AC-...;

9. Tais viaturas têm que ser substituídas por veículos novos, no valor de 140,400,00€;

10. As viaturas têm que ser equipadas para a panificação, sendo necessário mais 1.500,00€ por viatura num total de 9.000,00€;

11. Será necessário realizar obras para reparação dos edifícios pois foram demolidas paredes, partidas divisórias, sendo necessário rebocar pintar, e restabelecer a instalação elétrica que se encontra danificada;

12. Tais intervenções encontram-se orçamentadas em 257.000€;

13. 0 valor do equipamento mínimo do estabelecimento de padaria novo é de 461,225,04€;

14. A empresa foi encerrada em abril de 2009;

15. O inspetor que levou a cabo a inspeção comunicou aos oponentes que a empresa não era titular de qualquer licença para produção de pão, pelo menos desde 2001;

16. O referido inspetor informou os oponentes que a empresa não possuía qualquer tipo de alvará válido que permitisse o estabelecimento industrial da mesma laborar;

17. Em maio de 2007 o valor do imobilizado identificado em 8 e 11 era de €11.506,79;

18. Nessa data o valor líquido do património imobilizado corpóreo da sociedade era de €314.039,99.


***


B) Do direito.

1. Do objeto do recurso e do seu conhecimento.

1.1 Como é sabido, e constitui hoje entendimento pacífico, é, em regra, pelas conclusões das alegações dos recorrentes que se afere, fixa e delimita o objeto dos recursos, não podendo o tribunal de recurso conhecer de matérias ou questões nelas não incluídas, a não ser que sejam de conhecimento oficioso (cfr. artºs. 635º, nº. 4, 639º, nº. 1, 608º, nº. 2, ex vi artº. 679º do CPC).

Porém, o caso em apreço reveste-se, no que a tal a diz respeito, de certa especificidade e que se traduz no seguinte:

Como ressalta de tudo aquilo que supra se deixou exarado nos pontos 9. e 9.1 do Relatório, depois do recurso interposto pelo recorrente não ter sido admitido (pela Formação) como revista excecional, e considerando, por um lado, estarmos perante uma situação de dupla conforme (artº. 671º, nº. 3, do CPC) e, por outro, perante a invocação da ofensa de caso julgado – parcial - (pelo acórdão recorrido) aduzida pelo recorrente, por despacho do Relator (e à luz disposto no artº. 629º, nº. 2 al. a) – fine – ex vi 1ª. parte do nº. 3 do citado artº. 671º e 1ª. parte do artº. 854º, todos do CPC) veio depois a ser admitido (liminarmente) pelo Relator como recurso de revista normal com base (e tão só com base) nesse fundamento específico.

Ora, constitui jurisprudência consolidada neste mais alto tribunal, que a admissão de um recurso (de revista) com base apenas num fundamento especial/específico (vg. daqueles elencados no nº. 2 do artº. 629º do CPC), tem como consequência que o objeto do mesmo fique tão somente circunscrito à apreciação da questão que está na base da sua admissão, sem que possa alargar-se a outras questões. E faz todo, o sentido, porque se assim não fosse – isto é, se pudesse alargar-se o conhecimento também a outras questões, que nada têm a ver com aquela que excecionalmente permitiu o acesso ao Supremo para dela conhecer – “iria entrar pela janela” aquilo que o legislador (ao introduzir fatores de restrição da revista) não quis que “entrasse pela porta.” (Neste sentido, vide, por todos, Acs. do STJ de 06/07/2021, proc. nº. 6537/18.8T8ALM.L1.S1, de 04/07/2019, proc. nº. 1332/07.2TBMTJ.L2.S1, de 04/12/2018, proc. nº. 190/16.0T8BCL.G1.S1, de 22/11/2018, proc. nº. 408/16.0T8CTB.C1.S1, de 18/10/2018, proc. nº. 3468/16.0T9CBR.C1.S1, e de 28/06/2018, proc. nº. 4175/12.8TBVFR.P1.S1, disponíveis em ww.dgsi.pt).

Sendo assim, este tribunal apenas irá conhecer, no âmbito deste recurso, da invocada questão da ofensa do caso julgado (parcial) pelo acórdão recorrido, pois que foi ela que (excecionalmente), in casu, permitiu, com base nesse fundamento (especial), o acesso ao Supremo pelo executado/recorrente.

1.1.2 Apreciemos, pois, tal questão.

Como ressalta da leitura das conclusões do recurso (cfr nºs. 23, 24 e ss. e 55) - que acima se deixámos transcritas, as quais estão, aliás, em sintonia com as alegações que as precedem -, o recorrente sustenta/fundamenta, na sua essência (e tanto quanto se retira das suas prolixas e extensas alegações/conclusões de recurso) essa invocada ofensa/violação de caso julgado com base na consideração de que a decisão da sentença da 1ª. instância (proferida nos presentes autos de execução), e que depois o acórdão recorrido reproduziu, apresenta-se em contradição, ao dar como provados os factos ali descritos sob os pontos 8., 9., 11., 12. e 14., com a decisão da sentença, já transitada, da 1ª. instância proferida na ação declarativa (nº. 60/08...., que serve de base, como título executivo, à presente execução), que deu como não provados os factos alegados pelos ora exequentes/aí RR. sob os pontos/artigos 48º a 53º, 75º, 77º e 107º da sua contestação.

Está, assim, em causa no presente recurso (como questão decidenda) o saber se o acórdão recorrido (que confirmou a sentença da 1ª. instância) ofendeu, ou não, o caso julgado (material) formado pela sentença proferida na sobredita ação declarativa.

Como é sabido, o instituto do caso julgado – sobre o qual muito se tem escrito na doutrina e na jurisprudência, dada a controvérsia que com que se apresenta na sua conceptualização – apresenta-se no nosso ordenamento jurídico-processual, como uma exceção dilatória, revelando-se numa dimensão negativa (na vertente/função da exceção) e numa dimensão positiva (na vertente/função de autoridade de caso julgado), que, em regra, conduzirá à absolvição da instância do réu – cfr. artºs. 576º, nºs. 1 e 2, 577º al. i), 578º, 580º, 581º, 619º, nº. 1, 621º, e 278º do CPC.

Porém, dado que o caso em apreço, e salvo o devido respeito, não o exige (para a sua solução) - como adiante veremos e pelas razões que irão aí então ser expressas -, não nos iremos alongar/“perder” nessa controvérsia doutrinária que a conceptualização dessa figura processual tem vindo a suscitar quanto a alguns aspetos das suas vertentes.

Limitar-nos-emos, por isso (por agora), de forma sumária e em jeito de síntese, a tecer umas breves considerações introdutórias (para solução da questão colocada), que reúnem, podemos dizê-lo, consenso alargado (na nossa doutrina e jurisprudência) quanto ao referido.

Pode dizer-se que a expressão “caso julgado” é uma forma sincopada de dizer “caso que foi julgado”, ou seja, caso que foi objeto de um pronunciamento judicativo, pelo que, em sentido jurídico, tanto é caso julgado a sentença que reconheça um direito, como a que o nega, tanto constitui caso julgado a sentença que condena como aquela que absolve.

O instituto do caso julgado exerce - como já atrás já deixámos referido - duas funções: uma função positiva e uma função negativa. A primeira manifesta-se através de autoridade do caso julgado, visando impor os efeitos de uma primeira decisão, já transitada (fazendo valer a sua força e autoridade), enquanto que a segunda se manifesta através de exceção de caso julgado, visando impedir que uma causa já julgada, e transitada, seja novamente apreciada por outro tribunal, por forma a evitar a contradição ou a repetição de decisões, assumindo-se, assim, ambos como efeitos diversos da mesma realidade jurídica.

Enquanto na exceção de caso julgado se exige a identidade dos sujeitos, do pedido e da causa de pedir em ambas as ações em confronto, já na autoridade do caso julgado a coexistência dessa tríade de identidades não constitui pressuposto absolutamente necessário da sua atuação.

Há identidade de sujeitos quando as partes são as mesmas sob o ponto de vista da sua qualidade jurídica; há identidade do pedido quando numa e noutra causa se pretende obter o mesmo efeito jurídico e há identidade da causa de pedir quando a pretensão deduzida nas duas ações procede do mesmo facto jurídico.

Para que haja identidade de sujeitos as partes não têm que coincidir do ponto de vista físico, sendo mesmo indiferente a posição processual que elas assumam em ambos os processos, podendo ser autores numa ação e réus na outra, devendo, pois, essa identidade ser aferida em função da qualidade jurídica e do interesse substantivo que as partes representam ou são portadoras

Por sua vez, a identidade de pedidos pressupõe que em ambas as ações se pretende obter o reconhecimento do mesmo direito subjetivo, independentemente da sua expressão quantitativa e da forma de processo utilizada, não sendo de exigir, porém, uma rigorosa identidade formal entre os pedidos.

Sendo a causa de pedir um facto jurídico concreto, simples ou complexo, do qual emerge a pretensão deduzida, haverá procurá-la na questão fundamental levantada nas ações em confronto.

No nosso ordenamento jurídico-processual, o caso julgado implícito só pode ser admitido em relação a questões suscitadas no processo e que devam considerar-se abrangidas, embora de forma não expressa, nos termos e limites precisos em que julga.

A autoridade de caso julgado de uma sentença só existe na exata correspondência com o seu conteúdo e daí que ela não possa impedir que em novo processo se discuta e dirima aquilo que ela mesmo não definiu.

Sobre a temática, e apontando, na essencialidade, no sentido que se deixou exposto, vide, entre outros, os profs. Anselmo de Castro, (in Processo Civil Declaratório, Vol. II, pág. 242”), Antunes Varela (in “Manual de Processo Civil, 2ª ed., pág. 307”), Manuel de Andrade (in “Noções Elementares de Processo Civil, 1993, págs. 305/306”), Alberto dos Reis, (in “CPC Anotado, vol. III, págs. 93/94”, Lebre de Freitas (in “Código de Processo Civil Anotado, vol. 2º, Coimbra Editora, 2001, pág. 319”), Castro Mendes (in “Limites Objectivos do Caso Julgado em Processo em Processo Civil, 1968”) e Miguel Teixeira de Sousa (in “Sobre o Problema dos Limites Objectivos do Caso Julgado, em Rev. Dir. Est. Sociais, XXIV, 1997, págs. 309  a 316”), Mariana Gouveia (in “A Causa de Pedir na Acção Declarativa, 2004, págs. 493 e 509”), e Acs. do STJ de 16/09/2015, proc. nº. 1918/11, in “Sumários, 2015, pág. 485”, de 22/06/2017, proc. nº. 2226/14.0TBSTB.E1.S1, de 13/12/2007, proc. nº. 07A3739, de 04/06/2015, proc. nº. 177/04.6TBRMZ.E1.S1, de 11/11/2020, proc. nº. 214/17.4T8MNC.G1.S1, de 06/06/2019, proc. 276/13.3T2VGS.P1.S2, de 16/12/2021, proc. nº. 5837/19.4T8GMR.G1.S1, de 22/02/2018, proc. 3747/13.8T2SNT.L1.S1, de 02/12/2020, proc. 3077/15.T8PBL.C1-A.S1, e de 26/04/2012, proc. 289/10.7TBPTB.G1.S1, disponíveis em www.dgsi.pt).

Posto isto, e respondendo, agora, de forma mais incisiva, à questão acima colocada (objeto do presente recurso), diremos:

O que está em causa no caso sub júdice, dada a forma como a questão foi colocada pelo recorrente, é o caso julgado na sua função positiva, ou seja, de autoridade de caso julgado material (e mais concretamente ainda na sua vertente de extensão de caso julgado).

Na verdade, e na sua essência, o recorrente sustenta a sua pretensão recursiva (da invocada ofensa do caso julgado) aduzindo para efeito que o acórdão ora recorrido não respeitou na sua integralidade a decisão de facto proferida na sobredita ação declarativa (já então transitada em julgado), pois que deu como assentes/provados factos (que que acima deixámos referidos) que contradizem (quanto aos pontos que supra se deixaram igualmente descriminados), pela sua identidade, os factos que nessa ação foram dados como não provados.

No fundo, está o recorrente a dizer/defender que a decisão de facto proferida pela sentença/acórdão proferida naquela ação declarativa se impõe, pela autoridade do caso julgado, sobre a decisão de facto proferida (no que concerne aos aludidos pontos de facto) pelo acórdão ora recorrido (que nessa parte confirmou também a sentença da 1ª. instância proferida nos presentes autos de execução).

Porém, e salvo sempre o devido respeito, fá-lo sem qualquer razão, isto é, sem qualquer consistência jurídica, e isto independentemente sequer de cuidar de entrar na indagação se o alegado pelo recorrente, quanto à invocada contradição de facto corresponde, ou não, à rigorosa realidade.

Com efeito, como constitui entendimento claramente prevalecente, o caso julgado incide sobre a decisão (de mérito) e não abrange os seus fundamentos de facto.

Neste sentido, elucida o prof. Antunes Varela (inOb. cit., pág. 716”) “Os factos considerados como provados nos fundamentos da sentença não podem considerar-se isoladamente cobertos pela eficácia do caso julgado, para o efeito de extrair deles outras consequências, além das contidas na decisão final.”

Mo mesmo sentido, aponta igualmente o prof. Teixeira de Sousa (in “Estudos sobre o Novo Processo Civil, pág. 577”), quando afirma que “os fundamentos de facto não adquirem, quando autonomizados da decisão de que são pressuposto, valor de caso julgado.”

No âmbito jurisprudencial, pode referir-se, por ex., o Ac. do STJ de 02/03/2010, (proc. nº. 690/09), disponível em www.dgsi.pt/, onde se afirma, a dado passo, que “(…) a problemática do respeito pelo caso julgado coloca-se sobretudo ao nível da decisão, da sentença propriamente dita, e, quando muito, dos fundamentos que a determinaram, quando acoplados àquela. Os fundamentos de facto, nunca por nunca, formam, por si só, caso julgado, de molde a poderem impor-se extraprocessualmente.”

No mesmo sentido, referira-se o Ac. do STJ de 05/05/2005 (proc. nº. 05B691), disponível em www.dgsi.pt, ao decidir que “Não pode é confundir-se o valor extraprocessual das provas produzidas (que podem ser sempre objecto de apreciação noutro processo) com os factos que no primeiro foram tidos como assentes, já que estes fundamentos de facto não adquirem valor de caso julgado quando são autonomizados da respectiva decisão judicial. Transpor os factos provados numa acção para a outra constituiria, pura e simplesmente, conferir à decisão acerca da matéria de facto um valor de caso julgado que não tem, ou conceder ao princípio da eficácia extraprocessual das provas uma amplitude que manifestamente não possui.”

Refira-se, por último, o Ac. do STJ. 30/11/2021, desta mesma secção, (proc. de revista nº. 557/17.7T8PTL.G1.S2) onde se defendeu que a autoridade de caso julgado de uma decisão não abrange os seus fundamentos de facto, não gozando os mesmo dessa eficácia extraprocessualmente. Em idêntico sentido vide ainda o Ac. do STJ de 23/11/2019 (proc. nº. 841713.9TjVNF.G2.S1), disponível em www.dgsi.pt.

A sua eficácia de caso julgado, e consequentemente a sua ofensa, reporta-se, como princípio ou regra, à parte dispositiva da sentença, ou seja, à sua decisão final, e em determinadas circunstâncias às questões preliminares que constituem antecedente lógico indispensável ou necessário à emissão dessa decisão, mas não aos fundamentos de facto que a tal conduziram.

Extrai-se, assim, do exposto, que fora do processo em que foram fixados os factos não gozam de autoridade de caso julgado.

O que sucede no caso em a apreço.

Na verdade, a presente execução muito embora tenha com título executivo a sentença proferida na sobredita ação declarativa, não se confunde, todavia, com ela, gozando de autonomia e individualidades próprias.

Estamos perante processo distintos, cada um deles com finalidades específicas, de tal modo que nestes autos de execução o que se discute (e foi isso que motivou a decisão recorrida e o presente recurso) - em incidente próprio gerado/enxertado dentro da própria execução e que se encontra previsto no artº. 867º do CPC - é se se mostram ou não verificados os pressupostos de facto e de direito para converter a inicial execução instaurada para entrega de coisa certa em execução para pagamento de quantia certa, e que tem a ver, grosso modo, com o apreciar e o decidir se o estabelecimento comercial que na referida ação declarativa foi determinado, por decisão transitada em julgado, que fosse entregue aos ora exequentes/ali RR. ainda existe ou não, ou seja, e por outras palavras, está ou não em condições de ser entregue aos últimos.

E para apurar tal controvertida questão discutida entre as partes - e que não se encontra definida no conteúdo da decisão da ação declarativa (e mesmo que o estivesse sido poderá ter acontecido que, entre o tempo de decorrido entre essa decisão e o tempo em que se pretendeu executar a mesma, se tenham alterado as circunstâncias relacionadas com a existência do dito estabelecimento) – os autos prosseguiram uma tramitação própria/específica, com a necessidade de terem de ser instruídos probatoriamente, o que levou à realização da audiência de julgamento e à prolação de sentença final, que motivou depois, por via de recurso do também aqui recorrente, o acórdão de que se recorre.

Logo, estando em causa decisões de facto, aquela decisão (de facto) proferida na referida ação declarativa não está coberta de autoridade de caso julgado material, ao contrário do que defende o recorrente.

Mas também noutra perspetiva, e mesmo que porventura se perfilhe de entendimento contrário, sempre a pretensão recursiva do recorrente estaria condenada a naufragar e pelo seguinte:

Como vimos, a ofensa de (autoridade) caso julgado material invocada pelo recorrente situa-se ao nível das decisões de facto, ou seja, e mais concretamente, por o acórdão ora recorrido (proferido nestes autos de execução) não ter respeitado na sua integralidade a decisão de facto proferida na sobredita ação declarativa (já então transitado em julgado), pois que, na sua tese, deu como assentes/provados factos (que acima deixámos referenciados) que contradizem (quanto aos pontos que supra se deixaram igualmente descriminados), pela sua identidade, os factos que nessa ação foram dados como não provados.

Importa, a esse respeito, começar por referir que os autos da ação declarativa foram instaurados em 2008, tendo o despacho saneador, a seleção da matéria de facto (com a elaboração da então denominada base instrutória), o julgamento dessa matéria de facto e a prolação da sentença sido elaborados/proferidos à luz do pretérito CPC de 61, na redação então introduzida pela Reforma de 95/96 e vigente à data de entrada em vigor do nCPC. (cfr. artºs. 510º, 511º, 653º e 659º).

Como é sabido, e ao contrário do que sucede no nCPC (cfr. artº. 607º), o julgamento de facto (decisão de facto) e o julgamento de direito (sentença) feitos à luz do aludido CPC61 ocorriam em fases e peças processuais distintas, como decorre daqueles citados normativos legais, sendo que na sentença não se encontravam discriminados os factos dados como não provados, mas apenas os dados como provados.

Sem entrar na “velha” discussão de saber se a decisão ou acórdão que decidiram ou julgaram de facto se integravam ou não na sentença/acórdão final que julgou o mérito das causa, decidindo de direito, vinha então constituindo entendimento, claramente prevalecente, que a resposta negativa a um quesito (dando como não provado o facto nele inserto) não significava a prova ou a demonstração do facto contrário, tudo se devendo passar (nomeadamente ao nível da sentença) como se aquele facto não tivesse sido articulado/alegado. (Nesse sentido, Acs. do STJ de 04/06/1974, de 23/10/1973 e de 05/06/1973, in BMJ, respetivamente, nºs. 238-211, 228-239 e 228-195, e o prof. Lebre de Freitas , in “Ob. cit., pág. 630”).

Posto isto, reportando-se a invocada ofensa de autoridade de caso julgado a uma decisão (proferida, in casu, na tal ação declarativa) que deu como não provados determinados factos (alegados/articulados) - que o recorrente refere – e não importando tal a prova ou demonstração dos factos contrários, tudo se devendo, como vimos, em consequência, passar (em termos de realidade jurídica) como se não tivessem sido articulados/alegados, como é que então se pode defender, como o faz o recorrente, que os factos (que o mesmo refere) dados como provados no acórdão ora recorrido (e que já o haviam sido pela sentença proferida nestes autos de execução) estão em oposição/contradição com (aqueles) factos que (juridicamente) não existem?

É assim patente, para nós, que não se verifica, a invocada ofensa de caso julgado (material).

E mesmo que assim continuasse porventura a não se entender, sempre ainda a pretensão recursiva em análise continuava, a nosso ver, a ter de naufragar e pelas razões que (agora conhecendo mais de fundo, embora mais singelamente pelas antecedentes conclusões a que chegámos quanto à resolução da questão decidenda):

Na referida ação declarativa instaurada pelos autores, que aqui foram demandados como executados, contra os aqui exequentes, que nela figuravam como réus, aqueles peticionaram que:

a) Fosse declarado nulo o negócio de cessão de quotas identificado no artigo 3º da petição inicial por impossibilidade legal do negócio, ou

b) Subsidiariamente que fosse declarado anulável, por erro sobre os motivos determinantes da vontade quanto ao objeto do negócio;

c) E que fossem os RR. condenados a pagar aos AA., a título de compensação dos danos que sofreram, a quantia de €128.014,43.

Para tanto, e em estrita síntese, alegaram:

A celebração da escritura de cessão e unificação de quotas, de nomeação de gerente e alteração parcial do contrato de sociedade respeitante à sociedade J... Lda. (e que, no fundo, era detentora, explorando-o, do estabelecimento comercial de que acima falámos), e a sua nulidade por impossibilidade legal do objeto e por afrontar a ordem pública, a boa fé e os bons costumes, por falta de alvará e existência de dívidas.

A título subsidiário, invocaram ainda a anulabilidade do negócio por erro sobre os motivos, já que os réus conheciam, nem podiam ignorar, a essencialidade, para os AA. da existência de alvará do estabelecimento industrial dos réus para laborar, bem como da não existência de dívidas da empresa, para a realização da cessão de quotas, e mesmo assim induziram os autores em erro, prestando informações e declarando factos falsos sobre o alvará e as dívidas da empresa.

E ainda que, em virtude da realização desse negócio, sofreram danos de natureza patrimonial não patrimonial.

Por acórdão, transitado em julgado, foi nessa ação decidido : « (…) declaram a anulabilidade do contrato celebrado em 11.05.2007 entre AA. e RR. por escritura de cessão e unificação de quotas, nomeação de gerente e alteração parcial do contrato de sociedade, da sociedade comercial por quotas “J... Lda.” condenando-se os réus a restituir aos autores as quantias por estes entregues, a título de preço, acrescida de juros de mora à taxa legal, desde a data da citação e até integral cumprimento, e os autores a abrir mão do aludido estabelecimento comercial, entregando-o aos referidos réus, no estado em que o receberam, confirmando quanto ao demais a sentença recorrida. » (sublinhado nosso)

Executando essa sentença, na parte que lhes foi favorável, vieram os exequentes (RR. naquela ação) instaurar contra os executados (AA. naquela ação) execução para entrega de coisa certa, visando obter a entregar do referido estabelecimento, e que depois pediram a sua conversão (à luz do artº. 867º do CPC) para execução para pagamento de quantia certa, com o fundamento, em síntese, de não ser já possível a entrega do aludido estabelecimento dado o estado de profunda degradação em que se encontra e bem como devido ao facto de os bens que o compunham já nele não se encontrarem ou já não funcionarem, tendo para tal feito a prévia liquidação do seu valor.

Conversão essa que, como vimos, veio a ser decretada, após a produção de prova para o efeito no incidente gerado por tal pedido, por sentença da 1ª. instância e que foi depois confirmada pelo acórdão de que ora se recorre.

Do confronto da referida materialidade, e aplicando-lhe as acima deixadas notas conceptuais sobre o instituto/figura do caso julgado (na sua função positiva), é patente, salvo o devido respeito, que, no que no concerne à sobredita tríade de elementos/pressupostos que o compõem, apenas se verifica identidade quanto aos sujeitos, mas já não quanto ao pedido e à causa pedir.

Por outro lado, é também patente para nós, que aquilo que discutiu nestes autos de conversão de execução não foi definido (em termos do seu conteúdo) pela sobredita decisão proferida naquela ação declarativa, sendo certo que aquilo que veio a ser decidido a esse respeito pelo acórdão ora recorrido (que confirmou a sentença da 1ª. instância) em nada contrariou (pondo em causa a sua autoridade) aquilo que antes fora decidido naquela ação.

Concluindo:

Perante tudo aquilo que se deixou exposto, não ocorre invocada a ofensa de caso julgado (material) invocada pelo recorrente, e daí que o recurso tenha de improceder.


***


1.1.3 Pelas razões que acima se deixaram aduzidas, o conhecimento do objeto do recurso ficou circunscrito à questão da invocada ofensa do caso julgado (e às consequências daí resultantes caso essa exceção fosse julgada procedente o que, como se viu, não aconteceu).

O recorrente invocou ainda uma panóplia de nulidades, umas de cariz ou natureza processual, outras que terão a ver com o julgamento da matéria de facto, e outras que que têm a ver com a natureza intrínseca do acórdão de que se recorre.

Dado a circunscrição/limitação referida do objeto do recurso, quando muito este Supremo Tribunal poderia ainda e tão só conhecer do último tipo de nulidades, ou seja, daquelas que terão a ver com alegados vícios intrínsecos de que padece o acórdão recorrido (cfr. nº 4 do artº. 615º ex vi artº 679º do CPC).

Vícios que, como é sabido, são aqueles que se encontram taxativamente previstos nas als. b) a e) do nº. 1 do artº. 615º, e que têm a ver com vícios estruturais ou intrínsecos da sentença/acórdão, também conhecidos por erros de atividade ou de construção da própria sentença/acórdão, e que não se confundem com eventual erro de julgamento de facto e/ou de direito.

Porém, calcorreando acórdão de que se recorre não detetamos nele qualquer um dos vícios, ou seja, não vislumbramos que o mesmo enferme de alguns dos vícios previstos em tais alíneas, nomeadamente que padeça de falta de fundamentação - de facto e/ou de direito - (a qual, como constitui hoje entendimento pacífico, tem que ser, para consubstanciar o aludido vício, absoluta, não bastando que seja meramente deficiente), que a mesma se apresente em oposição com a decisão final ou que esta se apresente ininteligível ou sequer que tenha havido omissão ou excesso de pronúncia, e muito menos qualquer condenação em objeto diverso ou que fosse além do pedido.

Termos, pois, em que, perante o que se deixou exposto, se decide negar provimento ao recurso do executado/recorrente.


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III - Decisão



Assim, em face do exposto, acorda-se em julgar improcedente o recurso de revista do executado/recorrente, confirmando-se o acórdão recorrido.

Custas pelo recorrente (artº. 527º, nºs. 1 e 2, do CPC).


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Sumário:

I - A admissão de um recurso de revista (normal) com base apenas num fundamento especial (vg. daqueles elencados no nº. 2 do artº. 629º do CPC), tem como consequência que o objeto do mesmo fique tão somente circunscrito à apreciação da questão que está na base da sua admissão, sem que possa alargar-se o seu conhecimento a outras questões suscitadas no recurso.

II - Fora do processo em que foram fixados, os factos, e a respetiva fundamentação que a eles conduziu, não gozam de autoridade e eficácia de caso julgado.


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Lisboa, 2022/05/11


Relator: cons. Isaías Pádua

Adjuntos:

Cons. Freitas Neto

Cons. Manuel Aguiar Pereira