Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 1ª SECÇÃO | ||
Relator: | GARCIA CALEJO | ||
Descritores: | GRAVAÇÃO DA PROVA NULIDADE PROCESSUAL ARGUIÇÃO DE NULIDADES ALEGAÇÕES DE RECURSO | ||
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Data do Acordão: | 04/29/2014 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | AGRAVO | ||
Decisão: | NEGADO PROVIMENTO | ||
Área Temática: | DIREITO PROCESSUAL CIVIL - PROCESSO / ACTOS PROCESSUAIS / NULIDADES DOS ACTOS. | ||
Legislação Nacional: | CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 153.º, N.º1, 201.º, N.º1, 205.º, N.º1. D.L. N.º 39/95, DE 15-02: - ARTIGOS 7.º, 9.º. | ||
Jurisprudência Nacional: | ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA: -DE 13-1-2009, EM WWW.DGSI.PT; -DE 2-2-2010, DE 23-10-2008 E DE 15-5-2008, TODOS ACESSÍVEIS EM WWW.DGSI.PT; -DE 22-02-2001 (REVISTA Nº 3678/00-7ª.), 24 -05-2001 (REVISTA Nº 1362/01.7ª.), 20-05-2003, 08-07-2003, 29-01-04, 13-01-2005, TODOS ACESSÍVEIS EM WWW.DGS.PT ; -DE 23-10-2001 (P.º Nº 3235/01-6ª), 12-03-2002 (P.º Nº 4057/01-1ª), 24-10-2002 (PUBLICADO EM WWW.DGSI.PTJ), 05-06-2003 (P.º Nº 1242/03-2ª), 20-06-2003 (P.º Nº 1583/03-2ª), DE 20-11-2003 (P.º Nº 3607/03-2ª) E DE 09-07-2002 (IN C.J./ACS. STJ - ANO X-TOMO II, P.P. 153 A 155) INDICADOS NO JÁ REFERIDO ACÓRDÃO DE 15-5-2008. | ||
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Sumário : | I - A deficiência da gravação constitui uma nulidade secundária, prevista no art. 201.º, n.º 1, do CPC, dado que (i) integra um acto previsto na lei (art. 7.º do DL n.º 39/95, de 15-02); (ii) e pode influir na decisão da causa por impedir, quer a impugnação da matéria de facto pelas partes com base na gravação, quer a reapreciação da matéria de facto pela Relação. II - Para que a parte possa e deva invocar a nulidade, será necessário que tenha conhecimento dela (cf. art. 205.º, n.º 1, do CPC e art. 9.º do DL n.º 39/95). III - Se a parte verificar, no momento das alegações de recurso, que a gravação da prova realizada é inaudível, poderá e deverá, nessa altura, arguir a nulidade, a não ser que se prove que teve conhecimento do vício mais de dez dias antes do termo do prazo para a apresentação de tal peça processual. | ||
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Decisão Texto Integral: |
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:
I- Relatório: 1-1- No Tribunal Judicial de Vila do Conde, AA e mulher BB instauraram acção declarativa de condenação, com forma de processo ordinário, contra CC e mulher DD. O processo seguiu os seus regulares termos posteriores, tendo-se proferido, em 1ª instância, sentença em que se julgou a acção improcedente, com a absolvição dos RR. do pedido. Não se conformando com esta decisão, dela interpuseram recurso de apelação os AA. para o Tribunal da Relação do Porto. No decurso do prazo para apresentação de alegações, os recorrentes arguiram a nulidade decorrente da deficiente gravação dos depoimentos prestados na audiência de julgamento. Por determinação do Mº Juiz, a secção prestou a seguinte informação: "(…) efectivamente, no "cd" da suposta gravação dos depoimentos prestados na primeira sessão de julgamento destes autos apenas se ouve música de uma estação de rádio; no "cd" relativo à segunda sessão de julgamento são audíveis os depoimentos das testemunhas, apesar do fundo musical e de publicidade de estação de rádio e no "cd" relativo à terceira sessão de julgamento e no que concerne à única testemunha ouvida nessa sessão, apesar da mesma constar na raiz do "cd" o mesmo não "arranca", não produzindo qualquer som". Os recorridos, por requerimento que fizeram chegar aos autos (após notificação do requerido pela parte contrária), sustentaram o indeferimento da arguida nulidade. Ordenada, pelo Mº Juiz, a audição das partes sobre a possibilidade de o recurso ser julgado deserto por não terem sido apresentadas alegações no prazo legal, os RR., recorridos, pronunciaram-se no sentido da deserção da apelação. Foi então proferido o seguinte despacho judicial: "Dispõe o artigo 698º, n.º 2 do Código de Processo Civil, que o recorrente alega por escrito no prazo de trinta dias a contar do despacho de recebimento do recurso. O recorrido pode responder no mesmo prazo, findo o qual será o recurso expedido, caso não deva considerar-se deserto. O artigo 291.º, n.º 2 estabelece que tal ocorre, designadamente, por falta das alegações do recorrente. Conforme ficou já expresso em anterior despacho, e é também nosso entendimento, a nulidade decorrente da deficiente gravação da audiência, muito embora possa ser arguida dentro do prazo da alegação de recurso (salvo se se demonstrar que o reclamante teve conhecimento do vício mais de dez dias antes do termo desse prazo) não tem a virtualidade de o suspender (o prazo para a apresentação das alegações em curso), desde logo porque em causa está um prazo processual, estabelecido por lei, sendo, por isso, contínuo. - (cfr. Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 17.04.2012, Processo n.º 1067/06.3TBMDL.P1, relatado pelo Sr. Desembargador Fernando Samões, disponível em www.dgsi.pt). Pelo exposto, considerando o teor do despacho proferido a fls. 184 e da notificação de fls. 185, não tendo, até ao presente momento, os recorrentes apresentado as alegações do recurso que interpuseram, julgo deserto o recurso, nos termos do disposto nos artigo 690.º, n.º 3 e 291.º, n.º 2, ambos do Código de Processo Civil (sublinhado nosso). Custas do incidente pelos recorrentes, que fixo no mínimo legal".
1-2- Não se conformando com esta decisão, dela recorreram os AA. (habilitados) de agravo para o Tribunal da Relação do Porto, tendo-se aí, por acórdão de 28-11-2013, julgado procedente o recurso revogando-se a decisão recorrida considerando-se “procedente a nulidade arguida pelos agravantes, anulando-se consequentemente o julgamento, no que respeita à prova produzida nas 1ª e 3ª sessões realizadas, a decisão sobre a matéria de facto, a sentença e o recurso dela interposto, devendo retomar-se a tramitação da acção nos termos acima referidos”.
1-3- Irresignados agora com este acórdão, dele recorreram os RR. para este Supremo Tribunal, recurso que foi admitido como agravo, com subida imediata nos próprios autos e com efeito suspensivo.
Os recorrentes alegaram, tendo das suas alegações retirado as seguintes conclusões: 1ª- Conforme já decidido no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 17-4-2012, processo nº 1067 /06.3TBMDL.P1, disponível em www.dgsi.pt (citado na decisão da 1ª Instância), o prazo para apresentação de Alegações de recurso de apelação é um prazo peremptório, cujo decurso extingue o direito de as apresentar. 2ª- A nulidade requerida pelos Recorridos não suspendeu o prazo para apresentação de Alegações. 3ª- Na verdade, o prazo processual, estabelecido por lei, é um prazo contínuo. É que, 4ª- A nulidade decorrente da deficiente gravação da audiência, muito embora possa ser arguida dentro do prazo de alegação de recurso, não tem a virtualidade de suspender o prazo das alegações de recurso. 5ª- Desde logo, porque em causa está em causa um prazo processual estabelecido por lei, sendo, por isso, continuo. 6ª- Pelo que, o recurso de Apelação deve ser julgado deserto, nos termos do art. 690º nº 3 e 291º nº 2 do C.P.C., por falta de Alegações. É que, 7ª- Dispõe o art. 698º nº 2 do C.P.C. que o Recorrente alegue por escrito no prazo de 30 dias a contar do Despacho de recebimento do recurso, o que os Recorrentes não fizeram. 8ª- Nos termos do art. 291º nº 2 do C.P.C. estabelece que deve considerar-se deserto por falta de Alegações. 9ª- Acresce que, nada impedia os Recorridos de alegarem e arguirem, em sede de alegações de recurso de Apelação a dita nulidade, por deficiência da gravação, inexistindo, por isso, justo impedimento e inexistem omissões de pronúncia. 10ª- Assim, o Acórdão em crise deve ser revogado, e substituído por outro que julgue deserto o recurso, conforme decidiu a 1ª Instância em 1-10-2012, nos termos do art. 690° nº 3 e 291º nº 2, ambos do C.P.C., na redacção anterior ao N.C.P.C., por falta de Alegações dos Recorridos. 11ª- Que o Acórdão recorrido violou, fundamentando-se o presente recurso, designadamente, no disposto no art. 755° nº 1, alínea b) do C.P.C., na redacção anterior ao N.C.P.C. Termos em que Deve ser concedido provimento ao presente recurso, revogando-se o Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto e substituindo-o por outro que julgue deserto o recurso de Apelação, por falta de Alegações do recurso que interpuseram os Recorridos, com as consequências processuais daí decorrentes.
Não foram produzidas contra-alegações.
Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir:
II- Fundamentação: 2-1- Uma vez que o âmbito objectivo dos recursos é balizado pelas conclusões apresentadas pelo recorrente, apreciaremos apenas as questões que ali foram enunciadas (arts. 690º nº 1 e 684º nº 3 do C.P.Civil, na redacção anterior às alterações introduzidas no regime de recursos pelo Dec-Lei 303/2007 de 24/8). Nesta conformidade, será a seguinte a questão a apreciar e decidir: - Se o recurso de apelação deve ou não ser julgado deserto por falta de alegações.
2-2- Para a decisão, haverá que atender às circunstâncias de facto acima mencionadas.
Sobre a questão controvertida, o douto acórdão recorrido referiu de essencial: “No caso, foi arguida pelos autores/agravantes uma nulidade que consistiu na deficiente gravação dos depoimentos prestados na audiência de julgamento e que os impediu de dar cumprimento ao disposto no artº 690º-A do CPC. Essa irregularidade da gravação foi confirmada objectivamente por funcionário judicial que prestou no processo a informação acima reproduzida. Na decisão recorrida, porém, sem se questionar a tempestividade da arguição, acabou por não se conhecer da nulidade invocada, por se considerar que, entretanto havia decorrido o prazo para apresentação de alegações, julgando-se o recurso deserto. Esta sequência evidencia, parece-nos, a razão dos recorrentes. A deficiência de gravação – que respeita a toda a prova produzida na 1ª e 3ª sessões do julgamento – traduz omissão de acto que a lei prescreve (artºs 522º-B e 522º-C), sendo evidente que tal irregularidade é susceptível de influir no exame e decisão da causa, uma vez que impede – ou pelo menos limita gravemente – os recorrentes de impugnarem a decisão sobre a matéria de facto, por não poderem satisfazer integralmente os ónus então previstos no artº 690º-A. Essa irregularidade produz, por isso, uma nulidade processual, nos termos do artº 201º. E tem como efeito, como se prevê no nº 2 daquele preceito, não só a anulação do acto – os depoimentos prestados na audiência de julgamento que não são audíveis na gravação –, mas também dos termos subsequentes que dele dependam absolutamente, isto é, a decisão sobre a matéria de facto e da subsequente sentença. Por aí já se vê quão desajustada é a decisão de considerar deserto o recurso: é que a questão da nulidade situa-se a montante deste e é-lhe prejudicial, uma vez que, procedendo a arguição de nulidade, o mesmo fica sem objecto, por via da anulação da sentença… Assim, têm razão os agravantes ao invocarem a nulidade da decisão recorrida por omissão de pronúncia – artº 668º, nº 1, al. d) – uma vez que nesta não se apreciou a nulidade processual arguida pelos recorrentes. Esta nulidade, como acima se referiu, verifica-se no caso e abrange os depoimentos produzidos na audiência de julgamento que não são audíveis na respectiva gravação, tendo ainda como efeito a anulação da decisão proferida sobre a matéria de facto, da sentença e, obviamente também, do recurso interposto”. Por isso se decidiu pela necessidade da reabertura da audiência de julgamento para se proceder à repetição dos depoimentos inaudíveis, retomando-se a tramitação da acção a partir daí.
Esta posição é absolutamente certa pelo que aqui e agora se confirma. Segundo cremos e salvo o devido respeito pela opinião contrária, só por clara irreflexão é que a 1ª instância proferiu a supra-indicada decisão. É que sendo inaudível grande parte da gravação dos depoimentos prestados em audiência (como foi processualmente verificado) como poderia a parte recorrente, com coerência, impugnar a matéria de facto dada como assente, como pretendia? Portanto, consideramos absolutamente destituído de sentido o entendimento de que os recorrentes deveriam ter apresentado as alegações do decurso no prazo legal[1]. Os recorrentes invocaram a nulidade decorrente da deficiência das gravações efectuadas. Esta arguição e a respectiva apreciação, precede o conhecimento e decisão sobre qualquer temática relativa ao recurso. Como bem observa o douto acórdão recorrido “a questão da nulidade situa-se a montante” do recurso “e é-lhe prejudicial”. E os recorrentes invocaram a irregularidade tempestivamente.
Vejamos melhor: A deficiência da gravação constitui, uma nulidade secundária, prevista no art. 201º nº 1 do C.P.Civil, dado que tal deficiência integra um acto previsto na lei, designadamente no art. 7º do Dec-Lei 39/95 de 15/2, sendo também certo que a falha pode patentemente influir na decisão da causa por impedir, quer à impugnação da matéria de facto pelas partes com base na gravação, quer à reapreciação da matéria de facto pela Relação. De harmonia com o disposto no art. 205º nº 1 daquele Código deve ser arguida pela parte interessada, no prazo de 10 dias (art. 153º nº 1), a contar do dia em que a parte interveio no processo ou foi notificada para qualquer termo dele, mas neste último caso só quando deve presumir-se que então tomou conhecimento da nulidade ou dela pudesse tomar conhecimento, agindo com a necessária diligência. Evidentemente que para que a parte possa e deva invocar a nulidade, será necessário que tenha conhecimento dela. Não faria qualquer sentido que a parte fosse obrigada a arguir nulidades que não conhecesse ou não tivesse obrigação de conhecer (neste sentido se tem desenvolvido a jurisprudência deste Supremo, como se vê, por exemplo, do Acórdão de 13-1-2009 (relator Conselheiro Silva Salazar) inserido em www.dgsi.pt/jstj.nsf). No mesmo sentido estipula o art. 9º do dito Dec-Lei 39/95 que se em qualquer momento se verificar que foi omitida qualquer prova ou se esta se encontra imperceptível (sublinhado nosso), proceder-se-á à sua repetição sempre que for essencial ao apuramento da verdade. No caso, não discute a importância da percepção da gravação para o apuramento da verdade, dada a pretensão de impugnação da matéria de facto assente, pela parte recorrente. A reapreciação da matéria de facto pressupõe, obviamente, que os depoimentos prestados em audiência tenham sido gravados de forma perfeitamente audível. Claro que se a parte verificar que a gravação da prova realizada é inaudível, no momento das alegações, poderá e deverá nessa altura levantar a irregularidade (a não ser que a não ser que se prove que o reclamante teve conhecimento do vício mais de dez dias antes do termo do prazo para a apresentação de tais alegações, o que não se alegou ou demonstrou no caso vertente). Por isso se deverá concluir que a nulidade foi, pelos recorrentes, tempestivamente arguida. É esta aliás a jurisprudência dominante[2] deste Supremo Tribunal. Neste sentido decidiu o acórdão acima referenciado e também os acórdãos de 2-2-2010 (relator Conselheiro Sebastião Póvoas), de 23-10-2008 e de 15-5-2008 (relator Conselheiro Pereira da Silva – todos acessíveis no mesmo site -)[3], arestos que expressamente decidiram estar em tempo a arguição operada nas alegações de recurso de apelação. “E compreende-se que assim seja pois é da normalidade da vida forense que as partes não vão pedir a audição de todo o material áudio para verificar da perfeição técnica da gravação, a não ser no momento da elaboração da sua alegação para dela fazerem constar os concretos meios probatórios em que fundam a sua discordância, já que só, então, tem de identificar (ou transcrever) os pontos controvertidos” (in acórdão referido de 2-2-2010). É precisamente no decurso do prazo para a feitura das alegações que surge para a parte a necessidade de uma análise mais cuidada do conteúdo das gravações e, consequentemente, o conhecimento de eventuais vícios delas, pelo que é adequado que a anomalia seja invocada na própria alegação de recurso. Nesta conformidade, o douto acórdão recorrido ao declarar a nulidade (processual) decorrente da deficiência da gravação dos depoimentos efectuada, agiu correctamente[4], pelo que o agravo é (patentemente) improcedente. Assim, foi certa a revogação da decisão de 1ª instância que julgou deserta a apelação por falta de alegações.
III- Decisão: Por tudo o exposto nega-se provimento ao agravo, confirmando-se o douto acórdão recorrido. Custas pelos recorrentes.
Lisboa, 29 de Abril de 2014
Garcia Calejo (Relator) Helder Roque Gregório da Silva Jesus __________________ |