Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
324/10.9TTALM.L1.S1
Nº Convencional: 4ª. SECÇÃO
Relator: ANA LUÍSA GERALDES
Descritores: IMPUGNAÇÃO DA DECISÃO DA MATÉRIA DE FACTO
ÓNUS A CARGO DO RECORRENTE
CONTEÚDO DAS CONCLUSÕES
Data do Acordão: 05/12/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA
Área Temática:
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - PROCESSO DE DECLARAÇÃO / RECURSOS / RECURSO DE REVISTA / IMPUGNAÇÃO DA DECISÃO SOBRE A MATÉRIA DE FACTO.
Doutrina:
- Alberto dos Reis, “Código de Processo Civil” Anotado”, Vol. V, 143.
- José Lebre de Freitas, Montalvão Machado e Rui Pinto, “Código de Processo Civil” Anotado”, Vol. 2º, Coimbra Editora, 645 e ss..
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (NCPC): - ARTIGO 640.º, N.ºS 1, ALS. A), B) E C) E 2, AL. A).
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

-DE 26/9/2012, PROC. N.º 174/08.2TTVFX.L1.S1, DISPONÍVEL EM WWW.DGSI.PT ;
-DE 19/2/2015, PROC. Nº 299/05, 2.ª SECÇÃO;
-DE 09/07/2015, PROC. 284040/11.OYIPRT.G1.S1, 7.ª SECÇÃO;
-DE 22/09/2015, PROC. N.º 29/12.6TBFAF.G1.S1, 6.ª SECÇÃO;
-DE 29/09/2015, PROC. N.º 233/09;
-DE 01/10/2015, PROC. N.º 824/11.3TTLRS.L1.S1, SECÇÃO SOCIAL;
-DE 11/02/2016, PROC. N.º 157/12.8 TUGMR.G1.S1, SECÇÃO SOCIAL .
Sumário :
I – No recurso de apelação em que seja impugnada a decisão da matéria de facto é exigido ao Recorrente que concretize os pontos de facto que considera incorrectamente julgados, especifique os concretos meios probatórios que imponham uma decisão diversa, relativamente a esses factos, e enuncie a decisão alternativa que propõe.

II – Servindo as conclusões para delimitar o objecto do recurso, devem nelas ser identificados com precisão os pontos de facto que são objecto de impugnação; quanto aos demais requisitos, basta que constem de forma explícita na motivação do recurso.

III – O ónus a cargo do Recorrente consagrado no art. 640º, do Novo CPC, não pode ser exponenciado a um nível tal que praticamente determine a reprodução, ainda que sintética, nas conclusões do recurso, de tudo quanto a esse respeito já tenha sido alegado.

Decisão Texto Integral:


ACORDAM NA SECÇÃO SOCIAL DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA


I – 1. AA

Instaurou a presente acção declarativa com processo comum contra a Ré:

BB, S.A. – Sucursal em Portugal

Com os fundamentos que os autos retratam, pedindo que seja declarada a ilicitude do seu despedimento e a Ré condenada a pagar-lhe uma indemnização pelo despedimento ilícito, continuando a contar para efeitos de antiguidade o tempo até ao trânsito em julgado da decisão judicial, bem como a condenação da Ré nas demais quantias que peticiona, a título de créditos salariais e por danos não patrimoniais.

2. Seguiram-se os demais articulados, tendo sido proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente e, em consequência:
a) Condenou a Ré a pagar à Autora a quantia de € 190,45, a título de subsídios de Natal, valor acrescido de juros, à taxa legal, desde a data da citação até integral pagamento;
b) E absolveu a Ré dos restantes pedidos.
      
3. Inconformada, apelou a Autora e impugnando a matéria de facto dada por provada pela 1ª instância pediu a revogação da sentença e a sua substituição por Acórdão que declare que o seu despedimento foi ilícito, com as respectivas consequências.

4. A Exmª Relatora do Tribunal da Relação de Lisboa proferiu decisão sumária e julgou o recurso improcedente, confirmando a sentença recorrida.

5. Inconformada, a Autora reclamou para a Conferência, tendo o Tribunal da Relação de Lisboa, por Acórdão datado de 17 de Junho de 2015, desatendido a reclamação e confirmado, na íntegra, a decisão anterior, no sentido da improcedência do recurso.

6. Irresignada, veio a Autora interpor recurso de revista, para a Secção Social deste STJ, recurso que não foi admitido, por despacho da Exmª Desembargadora Relatora, com o fundamento de que, no caso concreto e à face do Novo CPC, não é admissível recurso, porquanto não existe fundamentação essencialmente diferente quanto à questão suscitada e o demais alegado, entre a decisão que foi proferida pela 1ª instância e o Acórdão exarado pelo Tribunal da Relação, existindo, assim, dupla conforme.

7. A Autora deduziu reclamação nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 641º nº 6 e 643º, ambos do CPC.
Reclamação que acabou por ser deferida, em conferência, por Acórdão, desta Secção do STJ, datado de 14/01/2016, com a seguinte fundamentação, no que aqui releva:

“2. No recurso de revista a Autora insurgiu-se contra o Acórdão da Relação com base nos seguintes fundamentos:

- Em primeiro lugar, porque a Relação não admitiu a junção de documentos que foram apresentados com as alegações de recurso e determinou o seu desentranhamento, de tal modo que o teor desses documentos não foi considerado pela Relação no juízo confirmatório da sentença da 1ª instância.

Alega a Autora que tais documentos apenas foram conhecidos depois de realizada a audiência de julgamento, estando justificada a sua junção posterior, a qual alegadamente também encontraria justificação pelo facto de a junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento da 1ª instância. (…)

- Em terceiro lugar, a A. argumenta que, embora não caiba recurso de revista do Acórdão da Relação que se pronuncia sobre a decisão da matéria de facto, nos termos do nº 4 do art. 662º do CPC, o certo é que, no caso concreto, a Relação não reapreciou a decisão da matéria de facto, pelo que deve ser admitido o recurso. (…)

É verdade que estabelecida a comparação entre o resultado final que foi declarado na sentença da 1ª instância com aquele que foi exarado no Acórdão da Relação, existe uma total identidade entre as decisões.

Porém, face à reclamação aduzida para a conferência, há que avaliar novamente as questões suscitadas.

(…)

4. Quanto aos fundamentos invocados em primeiro e em terceiro lugar – sobre a questão de não admissão da junção de documentos que foram apresentados com as alegações de recurso e que a Relação determinou o seu desentranhamento, bem como o facto de a Relação não ter reapreciado a impugnação da decisão relativa à matéria de facto, está em causa a alegada violação de lei adjectiva, com o incumprimento por parte da Relação do preceituado, nomeadamente, nos art. 674º, nº 1, alínea b) e 640º, ambos do Novo CPC.

Cotejados os autos constata-se que, no caso concreto, para além da não admissão dos referidos documentos, passível de integração no art. 674º, nº 1, alínea b), do NCPC, foi rejeitado pela Relação o conhecimento de uma parte da impugnação da decisão da matéria de facto, por alegado incumprimento do ónus previsto no art. 640º, com o argumento de que a Recorrente, relativamente a alguns pontos da impugnação, não enunciou nas conclusões os meios de prova justificativos da alteração pretendida, tal como não indicou no mesmo local das alegações as passagens da gravação desses meios de prova (fls. 114, Vº).

Refere, ainda, o Tribunal da Relação, que a Recorrente tão pouco fez nas conclusões qualquer remissão para o corpo das alegações que pudesse levar a afirmar que aqueles requisitos se encontravam implicitamente cumpridos. E com esses argumentos, em exclusivo, foi rejeitado parcialmente o recurso de apelação na parte em que o mesmo tem como efeito a impugnação da decisão da matéria de facto.

Ora, tendo sido alegado, em sede de recurso de revista, que a Relação não aplicou devidamente normas de direito adjectivo e de direito material relativamente à delimitação dos factos provados e não provados, a decisão a proferir sobre tal matéria repercute-se na decisão da causa.

Pelo que, reflectindo sobre a problemática suscitada, verifica-se que a interposição do recurso de revista constitui a única possibilidade de fazer reverter a situação a favor do Recorrente nos casos em que o Acórdão da Relação esteja porventura eivado de erro de aplicação da lei processual a respeito da prova produzida, nomeadamente quanto à alegada decisão da matéria de facto.

Em tais circunstâncias, não existe verdadeiramente uma situação de dupla conformidade, já que a Relação decidiu com base numa determinada interpretação do preceituado no art. 640º do CPC, matéria relativamente à qual não houve anteriormente qualquer pronúncia por parte do Tribunal de 1ª instância.
Destarte, a situação de dupla conformidade prevista no art. 671º, nº 3, do Novo CPC, encontra-se prejudicada pela alegada violação por parte da Relação de normas de direito adjectivo e de direito material relativamente à delimitação dos factos provados e não provados”. (…)

III – Decisão:
          - Termos em que se acorda, em conferência, em deferir a reclamação do despacho da ora Relatora e, em sua substituição, admitir o recurso de revista interposto pela Autora do acórdão da Relação.
          - Custas pela Ré.
          - Solicite a remessa do processo principal”.

8. Admitido o recurso, a Exmª Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer, datado de 10/03/2016, pronunciando-se no sentido de ser concedida a revista e, por consequência, determinar-se à Relação que proceda à reapreciação da impugnação da decisão sobre a matéria de facto nos termos do recurso de apelação interposto pela Autora.

9. Do seu conteúdo foram notificadas as partes, nada tendo sido aduzido.

10. Preparada a deliberação, cumpre conhecer e decidir as questões suscitadas nas conclusões da alegação da Recorrente, exceptuadas aquelas cuja decisão se mostre prejudicada pela solução entretanto dada a outras, nos termos preceituados nos arts. 608.º, n.º 2 e 679º, ambos do CPC.

Salienta-se, contudo, que não se confundem com tais questões todos os argumentos invocados pelas partes, aos quais o Tribunal não está obrigado a responder.[1]

II – QUESTÕES A DECIDIR:


- Está em causa, em sede recursória, saber se:

1. Deve ser admitida a junção de documentos com as alegações;

2. O Tribunal da Relação devia ter conhecido do recurso de apelação interposto quanto à impugnação da matéria de facto.

Analisando e Decidindo.

III – FUNDAMENTAÇÃO FÁCTICO-JURÍDICA:

1. Consigna-se que para a decisão do presente pleito são convocadas as normas do Novo CPC, na versão conferida pela Lei nº 41/2013, de 26 de Junho, porquanto o Acórdão recorrido mostra-se datado de 17/06/2015.

2. Verifica-se, in casu, que, conforme se decidiu na reclamação apensa aos autos, a Autora Recorrente suscitou “a questão de não admissão da junção de documentos” que foram apresentados com as alegações de recurso e que a Relação determinou o seu desentranhamento.

Para além da não admissão dos referidos documentos, passível de integração no art. 674º, nº 1, alínea b), do NCPC, foi também rejeitado pela Relação o conhecimento de uma parte da impugnação da decisão da matéria de facto, por alegado incumprimento do ónus previsto no art. 640º, com o argumento de que a Recorrente, relativamente a alguns pontos da impugnação, não enunciou nas conclusões os meios de prova justificativos da alteração pretendida, tal como não indicou no mesmo local das alegações as passagens da gravação desses meios de prova.

3. Reportando-nos à questão da não admissão dos documentos, constatamos que a sentença da 1ª instância foi proferida em 31 de Outubro de 2014, e que os documentos aqui em causa, juntos com as alegações da Autora, de 30 de Novembro de 2014, só chegaram ao conhecimento desta nessa data – facto que a Recorrente expressamente invoca no art. 30º das alegações da apelação.

E porque tais documentos, conforme a Autora alega e o MP corrobora no seu parecer, relevam para a prova de vários dos factos alegados na p.i. e para contextualizar o seu despedimento, deveriam os mesmos ter sido admitidos e apreciados pela Relação, em sede de reexame da matéria de facto impugnada.

Neste sentido cf., entre outros, o Acórdão do STJ, desta Secção, datado de 26/9/2012, proferido no âmbito do processo nº 174/08.2TTVFX.L1.S1, Relatado por Gonçalves Rocha, disponível em www.dgsi.pt, e igualmente referido nos autos a fls. 1152.  

4. Quanto à impugnação da matéria de facto, o Acórdão recorrido fundamentou a rejeição parcial do recurso nesta matéria com base no que considerou ser omissão, nas conclusões do recurso, da indicação dos meios de prova que justificavam a alteração da decisão, bem como na não indicação pela Recorrente das passagens da gravação desses meios de prova, a que se reportam, concretamente, as conclusões 2) a 12), 15) e 16) do recurso.

Ora, sobre a presente matéria este Supremo Tribunal, e Secção, já se pronunciaram diversas vezes, concluindo, em situações similares, no sentido de não ser de rejeitar o recurso, sempre que a Recorrente já tenha identificado no corpo alegatório os concretos meios de prova que impunham uma decisão sobre a matéria de facto em sentido diverso, não tendo que fazê-lo de novo nas conclusões do recurso, conquanto identifique os concretos pontos de matéria de facto que impugna.

Sendo a jurisprudência uniforme nesse sentido, conforme se pode extrair, nomeadamente dos Acórdãos cujos sumários se transcrevem, pela sua importância para a decisão dos presentes autos:

- Ac. STJ de 01.10.2015, Proc. 824/11.3TTLRS.L1.S1, desta Secção Social [2]:

“I – No recurso de apelação em que seja impugnada a decisão da matéria de facto é exigido ao Recorrente que concretize os pontos de facto que considera incorrectamente julgados, especifique os concretos meios probatórios que imponham uma decisão diversa, relativamente a esses factos, e enuncie a decisão alternativa que propõe.
II – Servindo as conclusões para delimitar o objecto do recurso, devem nelas ser identificados com precisão os pontos de facto que são objecto de impugnação; quanto aos demais requisitos, basta que constem de forma explícita na motivação do recurso.
III – Não existe fundamento legal para rejeitar o recurso de apelação, na parte da impugnação da decisão da matéria de facto, numa situação em que, tendo sido identificados nas conclusões os pontos de facto impugnados, assim como as respostas alternativas propostas pelo Recorrente, não foram, contudo, enunciados os fundamentos da impugnação nem indicados os meios probatórios que sustentam uma decisão diferente da que foi proferida pela 1.ª instância, requisitos estes que foram devidamente expostos na motivação.
IV – Com efeito, o ónus a cargo do Recorrente consagrado no art. 640.º do Novo CPC, não exige que as especificações referidas no seu nº 1 constem todas das conclusões do recurso, mostrando-se cumprido desde que nas conclusões sejam identificados com precisão os pontos de facto que são objecto de impugnação”.

- Ac. STJ de 11.02.2016, P. n.º 157/12.8 TUGMR.G1.S1, desta Secção Social (Relator: Mário Belo Morgado):

“I. Tendo a Recorrente identificado no corpo alegatório os concretos meios de prova que impunham uma decisão de facto em sentido diverso, não tem que fazê‑lo nas conclusões do recurso, desde que identifique os concretos pontos da matéria de facto que impugna.
II. Se, para além disso, se retira das conclusões, inequivocamente, o sentido que a Recorrente entende dever retirar-se das provas invocadas e analisadas no corpo alegatório, não há fundamento para rejeição do recurso por parte da Relação”.

- Ac. STJ, datado de 19/2/2015, P. nº 299/05, 2ª Secção (Relator: Tomé Gomes):
(…)
“8. Tendo o recorrente, nas conclusões recursórias, especificado os concretos pontos de facto que impugna, com referência às respostas dadas aos artigos da base instrutória, indicando também aí a decisão que, no seu entender, deve sobre eles ser proferida, enquanto que só no corpo das alegações especifica os meios de prova convocados e indica as passagens das gravações dos depoimentos em foco, têm-se por preenchidos os requisitos formais do ónus de impugnação exigidos pelo art. 640.º, n.º 1 e 2, alínea a), do CPC.
9. A insuficiência ou mediocridade da fundamentação probatória exposta pelo recorrente é matéria a apreciar em sede do mérito da decisão impugnada.
10. A decisão de facto integra-se no plano da fundamentação da sentença, como decorre do disposto no n.º 4 do artigo 604.º, correspondente ao anterior art. 659.º do CPC, pelo que sobre ela não opera, de forma autónoma, o alcance do caso julgado material.
11. Mas daí não resulta que não possa ficar precludida a apreciação da matéria de facto feita em recurso anterior, o que deve ser aferido em função do que tiver sido decidido em sede de anulação do julgamento, mormente nos termos previstos no artigo 662.º, n.º 2, alínea c), e n.º 3, alíneas b) e c), do CPC”.

- Ac. STJ de 09/07/2015, P. 284040/11.OYIPRT.G1.S1, 7ª Secção (Relatora: Maria dos Prazeres Pizarro Beleza[3]):

(…)
“IV – Tendo o apelante, nas suas alegações de recurso, (i) identificado os pontos de facto que considerava mal julgados, por referência aos quesitos da base instrutória, (ii) indicado o depoimento das testemunhas, que entendeu mal valorados, (iii) fornecido a indicação da sessão na qual foram prestados e do início e termo dos mesmos, apresentado a sua transcrição, (iv) bem como referido qual o resultado probatório que nos seu entender deveria ter tido lugar, relativamente a cada quesito e meio de prova, tanto bastava para que a Relação tivesse procedido à reapreciação da matéria de facto, ao invés de a rejeitar”.

- Ac. STJ de 22.09.2015, P. 29/12.6TBFAF.G1.S1, 6ª Secção (Relator: Pinto de Almeida):
(…)
“II – Na impugnação da decisão de facto, recai sobre o Recorrente “um especial ónus de alegação”, quer quanto à delimitação do objecto do recurso, quer no que respeita à respectiva fundamentação.
III – Na delimitação do objecto do recurso, deve especificar os pontos de facto impugnados; na fundamentação, deve especificar os concretos meios probatórios que, na sua perspectiva, impunham decisão diversa da recorrida (art. 640.º, n.º 1, do NCPC) e, sendo caso disso (prova gravada), indicando com exactidão as passagens da gravação em que se funda (art. 640.º, n.º 2, al. a), do NCPC).
IV – A inobservância do referido em III é sancionada com a rejeição imediata do recurso na parte afectada.
V – Se essa cominação se afigura indiscutível relativamente aos requisitos previstos no n.º 1, dada a sua indispensabilidade, já quanto ao requisito previsto no n.º 2, al. a), justifica-se alguma maleabilidade, em função das especificidades do caso, da maior ou menor dificuldade que ofereça, com relevo, designadamente, para a extensão dos depoimentos e das matérias em discussão.
VI – Se a falta de indicação exacta das passagens da gravação não dificulta, de forma substancial e relevante, o exercício do contraditório, nem o exame pelo tribunal, a rejeição do recurso, com este fundamento, afigura-se uma solução excessivamente formal, rigorosa e sem justificação razoável“ – (sublinhado nosso).

- Ac. STJ, datado de 29/09/2015, P. nº 233/09 (Relator: Lopes do Rego):

“1. Face aos regimes processuais que têm vigorado quanto aos pressupostos do exercício do duplo grau de jurisdição sobre a matéria de facto, é possível distinguir um ónus primário ou fundamental de delimitação do objecto e de fundamentação concludente da impugnação – que tem subsistido sem alterações relevantes e consta actualmente do nº 1 do art. 640º do CPC; e um ónus secundário – tendente, não propriamente a fundamentar e delimitar o recurso, mas a possibilitar um acesso mais ou menos facilitado pela Relação aos meios de prova gravados relevantes, que tem oscilado, no seu conteúdo prático, ao longo dos anos e das várias reformas – indo desde a transcrição obrigatória dos depoimentos até uma mera indicação e localização exacta das passagens da gravação relevantes (e que consta actualmente do art. 640º, nº2, al. a) do CPC).
2. Este ónus de indicação exacta das passagens relevantes dos depoimentos gravados deve ser interpretado em termos funcionalmente adequados e em conformidade com o princípio da proporcionalidade, não sendo justificada a imediata e liminar rejeição do recurso quando – apesar de a indicação do recorrente não ser, porventura, totalmente exacta e precisa, não exista dificuldade relevante na localização pelo Tribunal dos excertos da gravação em que a parte se haja fundado para demonstrar o invocado erro de julgamento – como ocorre nos casos em que, para além de o apelante referenciar, em função do conteúdo da acta, os momentos temporais em que foi prestado o depoimento, tal indicação é complementada com uma extensa transcrição, em escrito dactilografado, dos depoimentos relevantes para o julgamento do objecto do recurso – (sublinhado nosso).

5. Posto isto, e porque não se suscitam dúvidas sobre o entendimento do Supremo Tribunal de Justiça sobre a presente matéria, concluímos, em face do exposto, que a Recorrente cumpriu o ónus de impugnação previsto no art. 640.º, n.ºs 1, als. a), b) e c) e 2, al. a), do NCPC.

Assim sendo, a rejeição pelo Tribunal da Relação de Lisboa do recurso interposto pela Ré quanto à reapreciação do julgamento da matéria de facto não pode ser sufragada.

6. Nesta medida se concede a presente revista.

IV – DECISÃO:

- Termos em que se acorda em conceder a revista, revogando-se o Acórdão recorrido na parte em que não admitiu a junção dos documentos apresentados com as alegações de recurso e determinou o seu desentranhamento, bem como no segmento em que não reapreciou a impugnação da decisão relativa à matéria de facto.

E, por consequência, determina-se a remessa dos autos ao Tribunal da Relação de Lisboa, a fim de se conhecer do recurso de apelação, na parte relativa à admissão dos documentos juntos pela Autora com as alegações, e proceder à reapreciação da decisão sobre a matéria de facto oportunamente impugnada, com o posterior conhecimento das questões jurídicas suscitadas no âmbito desse recurso.

- Custas da revista a cargo da parte vencida a final.



- Anexa-se o sumário do acórdão.


Lisboa, 12 de Maio e 2016.



Ana Luísa (Relatora)

Ribeiro Cardoso

Pinto Hespanhol

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[1] Cf. neste sentido, por todos, José Lebre de Freitas, Montalvão Machado e Rui Pinto, in “Código de Processo Civil Anotado”, Vol. 2º, Coimbra Editora, págs. 645 e segts., reiterando a posição anteriormente expressa por Alberto dos Reis, in “CPC Anotado”, Vol. V, pág. 143, e que se mantém perfeitamente actual nesta parte, em face dos preceitos correspondentes e que integram o Novo CPC.

[2] Acórdão relatado pela aqui também Relatora, cuja fundamentação se reitera.

[3] Acórdão igualmente citado nos autos.