Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0260/16.5BECBR 01139/17
Data do Acordão:10/14/2020
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:FRANCISCO ROTHES
Descritores:DOCUMENTOS
TRIBUNAL
ENVIO POR CORREIO ELECTRONICO
Sumário:I - Até à entrada em vigor da Portaria n.º 380/2017, de 13 de Dezembro (que estabeleceu como único modo de apresentação de peças processuais nos tribunais administrativos e fiscais o SITAF), era admissível a apresentação dessas peças processuais e documentos por correio electrónico, ao abrigo do art. 2.º da Portaria n.º 1417/2003, de 30 de Dezembro, desde que cumpridas as respectivas exigências legais, entre as quais ora relevam a assinatura digital avançada e a certificação por entidade certificadora [cfr. art. 2.º, alíneas c), o) e u) do Decreto-Lei n.º 290-D/99, de 2 de Agosto, na redacção do Decreto-Lei n.º 62/2003, de 3 de Abril de 2003].
II - Se a mensagem de correio electrónico por que alegadamente foi remetida a petição inicial a juízo não foi aí recebida, o incumprimento das referidas exigências obsta a que possa considerar-se que a mesma aí deu entrada.
Nº Convencional:JSTA000P26475
Nº do Documento:SA2202010140260/16
Data de Entrada:11/29/2019
Recorrente:A............ E OUTROS
Recorrido 1:AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Recurso jurisdicional de revista do acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo Norte no processo n.º 260/16.5BECBR

1. RELATÓRIO

1.1 Os acima identificados recorreram para este Supremo Tribunal Administrativo, ao abrigo do disposto no art. 150.º, n.º 1, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), do acórdão por que o Tribunal Central Administrativo Norte (cfr. fls. 120 a 127 do processo físico), negando provimento ao recurso jurisdicional por eles interposto, manteve o despacho proferido pela Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra, de indeferimento liminar da impugnação judicial por eles apresentada na sequência da decisão que indeferiu anterior reclamação graciosa, por ter sido «deduzida fora de prazo».

1.2 Os Recorrentes apresentaram alegações, com conclusões do seguinte teor:

«I. Vem o presente recurso interposto para o STA do acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo Norte nos autos em epígrafe que manteve a sentença proferida em 1.ª instância, sentença esta que, por sua vez, indeferiu (cfr. art. 590.º, n.º 1 e 577.º do NCPC, aplicáveis ex vi art. 2.º, al. e) do CPPT) a impugnação judicial apresentada pelos ora Recorrentes, por entender que a mesma foi apresentada fora de prazo.

II. Entendem os Recorrentes que a questão em apreço é de FUNDAMENTAL IMPORTÂNCIA, quer do ponto de vista da RELEVÂNCIA JURÍDICA quer da RELEVÂNCIA SOCIAL, bem como por ser NECESSÁRIA PARA UMA MELHOR APLICAÇÃO DO DIREITO.

III. A presente questão assume uma IMPORTÂNCIA FUNDAMENTAL DO PONTO DE VISTA JURÍDICO que consiste em determinar quais os aspectos específicos da apresentação de peças processuais e documentos por via electrónica e as consequências da falta de verificação de tais requisitos.

IV. A Portaria n.º 1417/2003, de 30 de Dezembro, concretiza a execução daquela norma, regulando o funcionamento do sistema informático dos tribunais administrativos e fiscais (SITAF), estabelecendo aspectos específicos da apresentação de peças processuais e documentos por via electrónica, que, no seu art. 2.º, define os requisitos para a apresentação de peças processuais por correio electrónico.

V. O conceito de “assinatura electrónica avançada” encontra-se definido na alínea c) do art. 2.º do Decreto-Lei n.º 290-D/99, de 2 de Agosto, na redacção do Decreto-Lei n.º 88/2009, de 9 de Abril.

VI. Considerou o acórdão recorrido que o art. 6.º do Decreto-Lei n.º 290-D/99, de 2 de Agosto, na redacção do Decreto-Lei n.º 88/2009, de 9 de Abril tinha aplicação no caso em apreço.

VII. Na óptica dos Recorrentes, não só tal norma não só não tem aplicação ao caso concreto, como, a ter, sempre estaria assegurada a hora e a data de expedição da peça processual e documentos enviados por correio electrónico pelo mandatário dos Recorrentes, bem como a sua validação cronológica.

VIII. Mas ainda que assim não fosse, e se considerasse que então, nesse caso, teria forçosamente de se aplicar o disposto no artigo 10.º da Portaria n.º 642/2004, de 16 de Junho, que refere o seguinte: “À apresentação de peças processuais por correio electrónico simples ou sem validação cronológica é aplicável, para todos os efeitos legais, o regime estabelecido para o envio através de telecópia”.

IX. Considera-se justificada a excepcional relevância jurídica da questão em apreço, porquanto a referida jurisprudência encontra-se em contradição com os normativos e com o entendimento supra descrito e, o entendimento adoptado, violou os princípios constitucionais e jus-administrativos da segurança e certeza jurídica, da tutela jurisdicional efectiva e da protecção e confiança, corolários do princípio do Estado de Direito Democrático, consagrados nos artigos 2.º, 20.º e 268.º n.º 4 da CRP, que, a nível infra constitucional se encontram plasmados nos 7.º e 7.º-A do CPTA, 9.º e n.º 3 do art. 11.º da LGT e no n.º 2 do art. 6.º do NCPC, bem como o disposto nos artigos 590.º, n.º 1 e 577.º do NCPC, aplicáveis ex vi art. 2.º, al. e) do CPPT, n.º 2 do artigo 102.º do CPPT.

X. Também a questão em análise assume IMPORTÂNCIA FUNDAMENTAL DO PONTO DE VISTA DA RELEVÂNCIA SOCIAL, uma vez que o interesse em causa ultrapassa em muito o interesse das próprias partes em litígio, na medida em que não podem os cidadãos correr o risco de, por falha informática, ver as suas questões não julgadas, pelo que existe a necessidade que a mesma seja esclarecida na perspectiva da optimização na resolução dos litígios, na previsibilidade das decisões e na melhoria do funcionamento da administração da justiça.

XI. Os argumentos aduzidos supra impõem, no entender dos Recorrentes, a admissão do presente recurso, para uma MELHOR APLICAÇÃO DO DIREITO, não só no caso concreto, mas também para evitar semelhantes situações futuras.

XII. Ao considerar que os documentos apresentados pelo mandatário dos Recorrentes respeita à emissão e certificação da assinatura digital e dos quais resultam que entre 08/10/2013 e 05/11/2013 aquela assinatura era válida, aplicando o disposto no art. 2.º da Portaria n.º 1417/2003, de 30 de Dezembro, deveria o Tribunal recorrido ter considerado que o e-mail que continha a peça petição inicial e os documentos foi efectivamente enviado no dia 08.10.2013.

XIII. Não é inócuo que as alterações introduzidas à Portaria n.º 1417/2003, de 30 de Dezembro, não tenham acrescentado ou alterado os requisitos contemplados no art. 2.º: os requisitos contemplados noutros diplomas encontram-se assegurados com o ficheiro de formato contemplado nos n.ºs 3 a 5 daquele normativo.

XIV. Com efeito, no dia 08.10.2013 os ficheiros foram todos eles enviados no ficheiro de formato portable document format (pdf) que é um tipo de formato não editável, significando isto que o ficheiro se manterá, sempre, inalterado.

XV. Bastaria consultar a propriedade dos documentos anexos ao e-mail enviado em 21.04.2016 pelo mandatário dos Recorrentes para verificar que os ficheiros respeitantes à impugnação judicial e aos documentos anexos foram criados em 08/10/2013 às 18h41m e 37s e às 16h31m e 20s, respectivamente.

XVI. O mandatário dos Recorrentes cumpriu todos os requisitos contemplados no art. 2.º da Portaria n.º 1417/2003, de 30 de Dezembro.

XVII. Ainda que se considerasse aplicável ao caso em apreço as exigências do Decreto-Lei n.º 290-D/99, de 2 de Agosto, com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n. 88/2009, de 9 de Abril, a conjugação de folhas 58 com folhas 61 a 63 dos autos atestam o envio de uma mensagem de correio electrónico no dia 08/10/2013, às 18h45m, com certificado digital que se encontrava válido de 08/10/2013 a 05/11/2013, certificado este emitido pela Multicert.

XVIII. O que significa que, mesmo que se exigisse a aplicação dos requisitos contemplados no Decreto-Lei n.º 290-D/99, de 2 de Agosto, com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 88/2009, de 9 de Abril, extrapolando a exigência preceituada na Portaria n.º 1417/2003, de 30 de Dezembro, sempre estariam verificados [os] requisitos legalmente exigidos.

XIX. Ora, caso se admita que a exigência para apresentação de peças processuais e documentos nos processos dos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal vai para além do disposto na Portaria n.º 1417/2003, de 30 de Dezembro, e é exigível a validação cronológica, então terá que se fazer uso do disposto naquele normativo da Portaria n.º 642/2004, de 16 de Junho, que prevê a cominação para o envio de peças processuais não validadas cronologicamente, referindo que lhes é aplicável o estabelecido para o envio através de telecópia.

XX. Considerando que tal regime está previsto no Decreto-Lei n.º 28/92, de 27 de Fevereiro, e nos termos do n.º 1 do artigo 4.º do referido diploma, sob a epígrafe “força probatória” As telecópias dos articulados, alegações, requerimentos e respostas, assinados pelo advogado ou solicitador, os respectivos duplicados e os demais documentos que o acompanhem, quando provenientes do aparelho com número constante da lista oficial, presumem-se verdadeiros e exactos, salvo prova em contrário – destaque nosso.

XXI. Aplicando tal norma ao caso em apreço, teria de se presumir como verdadeiro e exacto o envio do referido e-mail no dia 08.10.2013, o que é suportado, aliás, pelos documentos que constam a folhas 58 a 63 dos autos.

XXII. Nas circunstâncias do caso sub judice, ao abrigo da promoção do acesso à justiça (princípio pro actione – consagrado no art. 9.º e no n.º 3 do art. 11.º, ambos da LGT) e do direito à tutela jurisdicional efectiva, e em respeito pelo princípio da protecção da confiança e da segurança jurídica, impunha-se ao Tribunal Recorrido que ordenasse ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra que conhecesse do mérito da Impugnação Judicial apresentada pelos Recorrentes.

XXIII. O princípio pro actione postula que, ao nível dos pressupostos processuais, se privilegie a interpretação que se apresente como a mais favorável ao acesso ao direito e a uma tutela jurisdicional efectiva e que se pode traduzir na fórmula in dubio pro habilitate instantiae do n.º 4 do art. 268.º da CRP.

XXIV. É incompatível e desconforme com o princípio da boa-fé e com os princípios constitucionais da segurança e da certeza jurídica, bem como da tutela jurisdicional efectiva, a decisão do Tribunal Recorrido de indeferir liminarmente a Impugnação Judicial apresentada pelos Recorrentes, com base numa presunção de bom funcionamento dos meios electrónicos disponibilizados pelo IGFEJ e pela entidade certificadora Multicert.

XXV. Pelo que sempre deveria o Tribunal Recorrido ter ordenado a apreciação do mérito da Impugnação Judicial apresentada pelos Recorrentes.

XXVI. Mas, mesmo que assim não fosse, sempre deveria o Tribunal Recorrido ter lançado mão da prerrogativa que lhe é conferida pelo n.º 2 do art. 6.º do NCPC, aplicável ex vi a alínea e) do art. 2.º do CPPT, providenciando oficiosamente pelo suprimento da falta de pressupostos processuais susceptíveis de sanação, determinando a realização dos actos necessários à regularização da instância ou, quando a sanação dependa de acto que deva ser praticado pelas partes, convidando estas a praticá-lo.

XXVII. Como última norma infra-constitucional alude-se ao artigo 7.º do CPTA, aplicável por remissão da alínea c) do art. 2.º do CPPT, que dispõe que para a efectivação do direito de acesso à justiça, as normas processuais devem ser interpretadas no sentido de promover a emissão de pronúncias sobre o mérito das pretensões formuladas. Ora, articulando-o com o artigo 7º-A CPTA, depreende-se, portanto, que a Administração deve adoptar uma postura de imparcialidade tão próxima quanto possível da do juiz quando se imponham problemas e expectativas suscitadas no âmbito do procedimento.

XXVIII. Atentas as circunstâncias do caso concreto, a frustração do direito à apreciação do mérito da Impugnação Judicial apresentada pelos Recorrentes afigura-se contrária ao art. 20.º da CRP, por ser excessivamente onerosa, pelo que se justificava, em conformidade com o princípio da tutela judicial efectiva e com o princípio pro actione, que o Tribunal Recorrido tivesse apreciado o mérito da Impugnação Judicial interposto pelos Recorrentes, ou, pelo menos, que tivesse lançado mão do disposto no pelo n.º 2 do art. 6.º do NCPC, aplicável ex vi a alínea e) do art.2.º do CPPT.

XXIX. Ao aplicar ao caso concreto, num primeiro momento, o disposto no Decreto-Lei n.º 290-D/99, de 2 de Agosto, na redacção do Decreto-Lei n.º 88/2009, de 9 de Abril e não apenas o preceituado na Portaria n.º 1417/2003, de 30 de Dezembro, o Tribunal recorrido, exigindo mais requisitos do que aqueles que estão consagrados para a apresentação de peças processuais e documentos nos processos dos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal; e num segundo, não aplicando o disposto no art. 10.º da Portaria n.º 642/2004, de 16 de Junho, que prevê a cominação para o envio de peças processuais não validadas cronologicamente, o Tribunal recorrido violou os princípios constitucionais e jus-administrativos da segurança e certeza jurídica, da tutela jurisdicional efectiva e da protecção e confiança, corolários do princípio do Estado de Direito Democrático, consagrados nos arts. 2.º, 20.º e 268.º n.º 4 da CRP, que, a nível infra constitucional se encontram plasmados nos 7.º e 7.º-A do CPTA, 9.º e n.º 3 do art. 11.º da LGT e no n.º 2 do art.6.º do NCPC, bem como o disposto nos artigos 590.º, n .º 1 e 577.º do NCPC, aplicáveis ex vi art.2.º, al. e) do CPPT;

devendo a decisão recorrida ser revogada e substituída por outra que considere que a Impugnação Judicial apresentada pelos Recorrentes deu entrada no dia 08.10.2013 e, nessa medida, foi apresentada tempestivamente, ao abrigo do disposto no n.º 2 do artigo 102.º do CPPT, assim se fazendo JUSTIÇA!».

1.3 A Recorrida não contra-alegou.

1.4 Por acórdão de 28 de Novembro de 2018 desta Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, proferido pela formação a que alude o n.º 5 do art. 150.º do CPTA (fls. 170 a 179 do processo físico), a revista foi admitida (Acórdão disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/86005caca6126dae8025836600523506.), com a seguinte fundamentação: «[…]

No caso, a questão que os Recorrentes suscitam consiste «em determinar quais os aspectos específicos da apresentação de peças processuais e documentos por via electrónica e as consequências da falta de verificação de tais requisitos», questão cuja resolução consideram ser de fundamental importância – quer em termos de relevância jurídica, quer em termos de relevância social – e claramente necessária a admissão da revista para uma melhor aplicação do direito.
No fundo, a questão consiste em saber se o acórdão recorrido incorreu em erro ao julgar que tendo o advogado subscritor da petição inicial optado pela via de correio electrónico para o tempestivo envio dessa peça processual, utilizando o seu endereço electrónio profissional ……………… mas sem assinatura electrónica avançada e validação cronológica emitida pela entidade certificadora, o que gerou uma falha de recepção no endereço electrónico do tribunal, determina o indeferimento liminar da petição posteriormente remetida a tribunal já após o decurso do prazo de caducidade do direito de acção.
Advogam que o acórdão recorrido errou ao julgar aplicável o disposto no art. 6.º do DL 290-D/99, de 2.08, na redacção dada pelo DL 88/2009, de 9.04, não só porque tal norma não tem aplicação ao caso em apreço, como, a ter, sempre estaria assegurada a hora e data de expedição da peça processual enviada por correio electrónico, bem como a sua validação cronológica. E caso assim não fosse, haveria, então, que aplicar o disposto no art. 10.º da Portaria 642/2004, de 16.06, segundo o qual “À apresentação de peças processuais por correio electrónico simples ou sem validação cronológica é aplicável, para todos os efeitos legais, o regime estabelecido para o envio através de telecópia”; isto é, havia que aplicar o regime previsto no DL 28/92, de 27.02, segundo o qual “As telecópias dos articulados (...) e os demais documentos que o acompanhem, quando provenientes do aparelho com número constante da lista oficial, presumem-se verdadeiros e exactos, salvo prova em contrário” (art. 4.º n.º 1), havendo, por isso, que presumir como verdadeiro e exacto o envio do e-mail no dia 08.10.2013
Em suma, segundo os Recorrentes, ao aplicar, num primeiro momento, o disposto no DL 290-D/99, de 2.08, na redacção do DL 88/2009, de 9.04, e não apenas o preceituado na Portaria 1417/2003, de 30.12, o tribunal exigiu mais requisitos do que aqueles que estão consagrados para a apresentação de peças processuais e documentos nos processos dos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal; e, num segundo momento, não aplicando o disposto no art. 10.º da Portaria 642/2004, de 16.06, que prevê a cominação para o envio de peças processuais não validadas cronologicamente, o tribunal violou os princípios constitucionais e jus-administrativos da segurança e certeza jurídica, da tutela jurisdicional efectiva e da protecção e confiança, corolários do princípio do Estado de Direito Democrático, consagrados nos arts. 2.º, 20.º, e 268.º n.º 4 da CRP, que, a nível infra constitucional se encontram plasmados nos 7.º e 7.º-A do CPTA, 9.º e n.º 3 do art. 11.º da LGT e no n.º 2 do art. 6.º do CPC, bem como o disposto nos artigos 590.º, n.º 1 e 577.º do CPC, aplicáveis ex vi art. 2.º, al. e), do CPPT.
A nosso ver justifica-se admitir a revista.
Com efeito, estamos perante questão juridicamente melindrosa e, «in casu», objecto de solução duvidosa, não sendo, contudo, conhecida jurisprudência sobreponível à linha decisória adoptada no acórdão recorrido.
Por outro lado, trata-se de questão de interesse geral e susceptível de se colocar noutros casos – por ser evidente a potencialidade de expansão da controvérsia, transcendendo o seu interesse as particularidades do caso sujeito – havendo, assim, toda a utilidade na sua clarificação.
Tanto basta para admitir a revista com fundamento na relevância jurídica e comunitária da questão».

1.5 O Procurador-Geral Adjunto neste Supremo Tribunal Administrativo emitiu parecer no sentido de que seja negado provimento ao recurso.
Isto, após enunciar os termos do recurso, com a seguinte fundamentação:

«I- Quanto aos requisitos para a apresentação de peças processuais.

Sendo à data de 8-10-2013 a que se refere o ponto 4 da matéria de facto que são de reportar os ditos requisitos, dir-se-á que a apresentação em juízo de actos processuais e documentos por via electrónica nos tribunais administrativos e fiscais (T.A.F.´s) se encontrava regulada o art. 2.º da Portaria n.º 1417/2003, de 30/12, a aplicar em conjugação com o Dec.-Lei n.º 290-D/99, de 2/8, na redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 88/2009, de 9/4, conforme decidido foi no acórdão recorrido.
Na referida Portaria n.º 1417/2003 previa-se a apresentação por via electrónica na dependência das exigências previstas no seu art. 2.º, “utilização de assinatura electrónica qualificada do signatário”(n.º 2) e envio “em formato” e “ficheiro” próprios (n.ºs 3 a 5).
O DL n.º 290-D/99, na redacção dada pelo DL n.º 88/2009 veio a regular “a validade, eficácia e valor probatório dos documentos electrónicos, a assinatura electrónica e a actividade de certificação de entidades certificadoras em Portugal”, o que não se encontrava previsto no Dec.-Lei n.º 28/92, de 27/2, que tinha disciplinado “o regime do uso de telecópia na prática de actos processuais em tribunais”.
Não há dúvida que a assinatura electrónica avançada se encontrava prevista no art. 2.º al. c) do dito DL n.º 290-D/99, na redacção dada pelo DL n.º 88/2009, podendo assumir a “assinatura electrónica qualificada”.
E esta, segundo o previsto na seguinte al. g), constitui a “assinatura digital ou outra modalidade de assinatura electrónica avançada que satisfaça exigências de segurança idênticas às da assinatura digital baseadas num certificado qualificado e criadas através de um dispositivo seguro de criação de assinaturas”.
Quanto à comunicação de documentos, previu-se ainda no art. 6.º n.º 1 do acima referido DL que, ocorrendo tal por “um meio de comunicações”, se considera “enviado e recebido pelo destinatário se for transmitido para o endereço electrónico e neste for recebido” (n.º 1), bem como que entre as partes é oponível a “validação cronológica emitida por uma entidade certificadora em que seja aposta a assinatura electrónica qualificada” (n.º 2), bem como se equiparou a mesma à remessa por correio registada ou mesmo com aviso de recepção “por meio que assegure a efectiva comunicação” (n.º 3).
Assim, é válido supor a aplicação do dito Dec.-Lei n.º 290-D/99, na redacção dada pelo DL 88/2009, aos casos de apresentação de actos processuais em tribunais, nos termos previstos no art. 9.º n.º 1 do Código Civil, por ser o que contempla os casos de assinatura electrónica qualificada em complemento do previsto na referida Portaria 1417/2003.

II- Quanto à cominação para o envio de peças processuais não validadas cronologicamente.

Quanto à peça datada de 8-10-2013, ainda que inserida em endereço electrónico do mandatário, a consequência a aplicar, de acordo com o previsto no art. 6.º do já referido Dec.-Lei, é “os dados e documentos considera(re)m-se em poder do remetente até à recepção pelo destinatário”(n.º 4) e não poder a instância ser considerada iniciada, de acordo ainda com o previsto no art. 259.º do C.P.C., aplicável, nos termos do art. 2.º do C.P.P.T..
O previsto no art. 10.º da Portaria n.º 624/2004, de 16/6, era referido ao art. 150.º do anterior C.P.C., o qual foi alterado com a redacção dada pela Lei n.º 41/2013, de 26/6, que aprovou o novo CPC que passou a vigorar a partir de 1-9-2013. A partir desta data, a apresentação de peças processuais nos tribunais judiciais por mandatários judiciais apenas passou a ser possível via electrónica mediante o sistema CITIUS, nos termos do previsto nos arts. 144.º n.º 1 do C.P.C. e 5.º e da Portaria n.º 280/2013, de 26/8.
Os invocados princípios constitucionais e jus-administrativos não resultam violados no entendimento, nem tal ocorre quanto às referidas disposições dos arts. 590.º e 577.º do C.P.C., porquanto o caso se situa ainda antes do início da instância, relativamente ao que a doutrina opina ser de admitir a disponibilidade das partes, de que há que distinguir a possibilidade de tutela judicial e de conformação da instância – nesse sentido, José Lebre de Freitas em Introdução ao Processo Civil, 4.ª d. Gestlegal, pág. 159, citando João de Castro Mendes».

1.6 Cumpre apreciar e decidir a questão, tal como definida pelo acórdão proferido pela formação a que alude o n.º 5 do art. 150.º do CPTA, ou seja, cumpre verificar,
- primeiro, se as instâncias exigiram «mais requisitos do que aqueles que estão consagrados para a apresentação de peças processuais e documentos nos processos dos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal» e,
- depois, se a interpretação por elas adoptada «violou os princípios constitucionais e jus-administrativos da segurança e certeza jurídica, da tutela jurisdicional efectiva e da protecção e confiança, corolários do princípio do Estado de Direito Democrático».


* * *

2. FUNDAMENTAÇÃO

2.1 DE FACTO

O acórdão recorrido deu como provados os seguintes factos:

«1. Em 17.09.2013 a Chefe do Serviço de Finanças de Coimbra-1 proferiu despacho de indeferimento de reclamação graciosa resultante da convolação da Declaração Modelo 3 de IRS de substituição do ano de 2011 apresentada pelos ora Impugnantes (cfr. documento junto pelos Impugnantes, a fls. 58 e segs. dos autos);

2. O despacho referido no ponto anterior foi notificado ao mandatário dos Impugnantes por ofício daquele Serviço de Finanças de 18.09.2013 (cfr. ofício n.º 5426/2013, junto pelos Impugnantes, a fls. 57 verso dos autos);

3. Em 08.10.2013 foi realizado um pagamento ao Estado, no valor de € 183,60, por referência a DUC emitido no dia anterior para pagamento de custas pela Tabela I-A do Regulamento das Custas Processuais – acções de valor entre € 2.000,01 a € 8.000,00 16.10.2013, indicando-se na operação bancária realizada por ebanking “P DR A…………..” (cfr. documentos a fls. 34/35 dos autos);

4. Em data não possível apurar foi impressa uma folha referente a mensagem de correio electrónico da qual consta o envio do endereço …………….. para o endereço correio@coimbra.taf.mj.pt, no dia 8 de Outubro de 2013, pelas 18:45, com o assunto “RE.· Impugnação Judicial, documentos, procuração e taxa de justiça” e anexos com os nomes “A……….. - DOCUMENTOS.Pdf”, “Impugnação Judicial A………… doc.pdf”, com o seguinte teor:
«Exmºs Senhores
Na impossibilidade de enviar pelo Sitaf segue em anexo impugnação judicial, bem como 15 documentos, taxa de justiça e procuração forense em que são impugnantes A…………… e impugnando o Serviço de Finanças 1.
Com os melhores cumprimentos
O Advogado
…………» (cfr. documento a fls. 8 dos autos);

5. A mensagem de correio electrónico aludida no ponto anterior não possui qualquer assinatura digital, decorrendo tal falta por erro no certificado utilizado para a assinar, designadamente “o certificado utilizado para criar esta assinatura já não é válido” (cfr. documentos juntos pelos Impugnantes a fls. 49 verso e ss. dos autos);

6. Possuindo instalado no computador um certificado de assinatura digital válido de 08.10.2013 às 12:10:08 até 05.11.2014 às 01:00:00 (cfr. documentos juntos pelos Impugnantes a fls. 52 verso e 53 dos autos);

7. A mensagem de correio electrónico aludida em 4. não possui validação cronológica emitida por entidade certificadora (nenhuma prova foi apresentada nesse sentido, pese embora a notificação expressa para o efeito);

8. A mensagem de correio electrónico aludida em 4. não foi recepcionada no endereço correio@coimbra.taf.mj.pt (cfr. se depreende do Parecer n.º 1/2016 do Senhor Secretário deste Tribunal a fls. 43 verso dos autos, não constando igualmente do SITAF qualquer outra Impugnação distribuída dos ora Impugnantes, para além dos presentes autos);

9. No dia 08.10.2013 recepcionaram-se directamente na plataforma SITAF diversos requerimentos e articulados, inclusivamente petições iniciais, entre as 10:07 horas e as 23:22 horas (cfr. facto que se tem conhecimento em virtude do exercício das nossas funções - cfr. art. 412.º, n.º 2 do NCPC - cfr. documento que se anexa à presente decisão);

10. Em 16.03.2016 o IGEFJ prestou informação ao Senhor Presidente deste Tribunal relativamente a mensagens de correio electrónico não entregues na caixa de correio correio@coimbra.taf.mj.pt provenientes da caixa de correio …………. nos dias 23 e 24 de Novembro de 2015 e 26 de Janeiro de 2016, classificadas pelo servidor de correio electrónico como “Invalid from”, nada informando sobre o email aludido em 4. (cfr. ofício do IGFEJ junto pelos Impugnantes, a fls. 42 verso/43 dos autos);

11. Em 18.04.2016 o Senhor Presidente deste Tribunal proferiu despacho aposto em Parecer n.º 1/2016 do Senhor Secretário deste Tribunal, para que este informasse o Sr. Dr. ………. para, querendo, apresentar as três impugnações que não deram entrada em 23.07.2013, 08.10.2013 (a referente aos presentes autos) e 29.12.2014, «sem prejuízo da decisão judicial que cabe exclusivamente aos Srs. Juízes a quem sejam distribuídas» (cfr. despacho manuscrito aposto no visado Parecer, a fls. 43 verso dos autos);

12. Em 21.04.2016 foi enviada ao presente Tribunal e aqui recepcionada na mesma data, por mensagem de correio electrónica proveniente de …………, a p.i. que deu origem aos presentes autos (cfr. fls. 3 e ss. dos autos)».


*

2.2 DE FACTO E DE DIREITO

2.2.1 A QUESTÃO A APRECIAR E DECIDIR

2.2.1.1 Os ora Recorrentes, que foram notificados da decisão proferida em 17 de Setembro de 2013, de indeferimento da reclamação graciosa, por ofício de 18 de Setembro de 2013 do Serviço de Finanças de Coimbra 1, alegaram, em síntese e com vista a justificar a entrada da petição inicial de impugnação judicial no Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra em 21 de Abril de 2016, ou seja, bem para além do termos do prazo fixado pelo art. 102.º, n.º 1, alínea b), do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) (Ou seja, de três meses, após a redacção dada à norma pelo art. 222.º da Lei n.º 66-B/20212, de 31 de Dezembro (Orçamento do Estado para 2013), sendo, antes dessa data, de noventa dias.): i) que enviaram a petição inicial de impugnação judicial ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra em 8 de Outubro de 2013 por e-mail, «[n]a impossibilidade de enviar pelo Sitaf»; ii) que essa remessa foi efectuada a partir do endereço electrónico do seu Mandatário judicial, para o endereço electrónico do Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra e com a assinatura digital; iii) o referido e-mail não foi recebido no Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra por razões que o Mandatário judicial e o Instituto de Gestão Financeira e de Equipamentos da Justiça, I.P. (IGFEJ) desconhecem; iv) que se deve considerar a petição inicial apresentada em 3 de Outubro de 2013 por a sua não recepção no Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra não poder imputar-se aos Recorrentes, que cumpriram todos os requisitos legais respeitantes à remessa daquela peça processual a juízo.

2.2.1.2 A Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra proferiu decisão de indeferimento liminar (Apesar de ter denominado a decisão de despacho liminar, a verdade é que a mesma foi proferida depois de produzida prova documental que foi utilizada e foi determinante para o sentido decisório.) da petição inicial, por ter considerado que a mesma foi apresentada em 21 de Abril de 2016, muito para além do termo final do prazo que a alínea b) do n.º 1 do art. 102.º do CPPT estabelece para o efeito.
Quanto à alegação aduzida pelos Recorrentes em ordem a que fosse considerada como data de entrada da petição inicial o dia 8 de Outubro de 2013, a Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra não a aceitou; em síntese, após enunciar o regime legal de apresentação das peças processuais em juízo, com a seguinte argumentação:
a) a apresentação de peças processuais nos tribunais administrativos e fiscais por correio electrónico era permitida, ao abrigo do disposto no n.º 1 do art. 2.º da Portaria n.º 1417/2003, de 30 de Dezembro ( ELI: https://data.dre.pt/eli/port/1417/2003/12/30/p/dre/pt/html) - ( «A apresentação de peças processuais e documentos por via electrónica é efectuada por correio electrónico ou por transmissão electrónica de dados através do endereço http://www.taf.mj.pt » (sublinhado nosso).), desde que, no que ora interessa, fossem cumpridas duas exigências legais decorrentes, respectivamente, do art. 2.º, alínea c) e alíneas o) e u) do Decreto-Lei n.º 290-D/99, de 2 de Agosto (ELI: https://data.dre.pt/eli/dec-lei/290-d/1999/08/02/p/dre/pt/html.), na redacção do Decreto-Lei n.º 62/2003, de 3 de Abril de 2003 (ELI: https://data.dre.pt/eli/dec-lei/62/2003/04/03/p/dre/pt/html.): primeira, uso pelo signatário de assinatura electrónica avançada e, segunda, que o documento seja objecto de validação cronológica por uma entidade certificadora;
b) a primeira daquelas exigências, «porque apenas essa assinatura identifica de forma unívoca o titular como autor do documento, que a sua aposição ao documento dependeu apenas da vontade do titular, que foi criada com meios que o titular pôde manter sob seu controlo exclusivo e em que a sua conexão com o documento permite detectar toda e qualquer alteração superveniente do conteúdo deste (cfr. art. 2.º, al. c) do Dec.-Lei n.º 290-D/99 de 02.08)»; a segunda, «porque consiste numa declaração de uma entidade independente que atesta a data e hora da criação, expedição ou recepção de um documento electrónico (cfr. art. 2.º, als. o) e u) do Dec.-Lei n.º 290-D/99 de 02.08)»;
c) é aplicável ao caso o disposto no referido Decreto-Lei n.º 290-D/99, de 2 de Agosto, de cujo art. 6.º decorre, designadamente, que, porque a comunicação em causa não foi recebida no Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra não pode sequer ponderar-se a sanação da falta de aposição da assinatura electrónica avançada do signatário, ou seja, do Mandatário judicial dos Impugnantes, ora Recorrentes (n.º 3) e, ademais, nunca poderia ultrapassar-se a falta de validação cronológica da mensagem por uma entidade certificadora (n.ºs 2 e 4);
d) contrariamente ao que alegam os Impugnantes, o IGFEJ nada informou sobre mensagens de correio electrónico provenientes da caixa de correio ………………. para a caixa de correio correio@coimbra.taf.mj.pt no dia 8 de Outubro de 2013 (mas apenas noutras datas);
e) o não cumprimento dos requisitos legais para a remessa de correio electrónico faz com que a não recepção da mensagem não possa considerar-se imputável ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra e, por isso, que a petição inicial não possa considerar-se entrada em juízo senão em 21 de Abril de 2016;
f) finalmente, porque estamos numa «jurisdição em que as peças processuais podem ser apresentadas presencialmente, por correio postal, por fax, na plataforma SITAF ou por correio electrónico, sem qualquer limitação» e «sendo a distribuição dos processos pública (e publicitada no SITAF), sempre deveriam os Impugnantes verificar das razões pelas quais, nos dias mais próximos do alegado envio da p.i., esta não era distribuída», sendo que, se «não foram notificados de qualquer acto realizado pelo Tribunal durante mais de 2 anos e meio, é absolutamente desconcertante que apenas passado todo este tempo tenham indagado do “estado dos autos”».

2.2.1.3 Os Recorrente interpuseram recurso dessa decisão para o Tribunal Central Administrativo Sul, considerando que se deve ter como provado o envio da petição inicial ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra por correio electrónico em 8 de Outubro de 2013, apesar de aquela peça processual aí não ter sido recebida.
Em síntese, consideraram, por um lado, que, contrariamente ao que entendeu o Tribunal a quo, foi aposta assinatura digital do seu Mandatário judicial na correspondência remetida por e-mail ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra em 8 de Outubro de 2013, assim se cumprindo o requisito previsto no Decreto-Lei n.º 290-D/99, de 2 de Agosto, com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 62/2003, de 3 de Abril e, por outro lado, que a expedição electrónica dos documentos remetidos nessa data está certificada pela Multicert, pelo que deve considerar-se que a mensagem em causa possui validação cronológica emitida por entidade certificadora.
Para além de invocarem o erro de julgamento na matéria de facto quanto à verificação desses requisitos da apresentação de peças processuais nos tribunais administrativos e fiscais por correio electrónico, que o Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra considerou incumpridos, argumentam também que se impunha que esse Tribunal tivesse conhecido do mérito da impugnação judicial «ao abrigo do princípio da promoção do acesso à justiça (princípio pro actione – consagrado no art. 9.º e no n.º 3 do art. 11.º, ambos da LGT) e do direito à tutela jurisdicional efectiva, e em respeito pelo princípio da protecção da confiança e da segurança jurídica», que «[é] incompatível e desconforme com o princípio da boa-fé e com os princípios constitucionais da segurança e da certeza jurídica, bem como da tutela jurisdicional efectiva, a decisão do Tribunal Recorrido de indeferir liminarmente a Impugnação Judicial» e que, ainda que houvesse erro imputável aos Recorrentes, o que não concedem, «sempre deveria o Tribunal Recorrido ter lançado mão da prerrogativa que lhe é conferida pelo n.º 2 do art. 6.º do NCPC, aplicável ex vi a alínea e) do art. 2.º do CPPT, providenciando oficiosamente pelo suprimento da falta», que também «o artigo 7.º do CPTA, aplicável por remissão da alínea c) do art. 2.º do CPPT, que dispõe que para a efectivação do direito de acesso à justiça, as normas processuais devem ser interpretadas no sentido de promover a emissão de pronúncias sobre o mérito das pretensões formuladas» e, assim, que o Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra, ao decidir «em sentido contrário ao que se defende […] violou os princípios constitucionais e jus-administrativos da segurança e certeza jurídica, da tutela jurisdicional efectiva e da protecção e confiança, corolários do princípio do Estado de Direito Democrático, consagrados nos arts. 2.º, 20.º e 268.º n.º 4 da CRP, que, a nível infra constitucional se encontram plasmados nos 7.º e 7.º-A do CPTA, 9.º e n.º 3 do art. 11.º da LGT e no n.º 2 do art. 6.º do NCPC, bem como o disposto nos artigos 590.º, n.º 1 e 577.º do NCPC, aplicáveis ex vi art. 2.º, al. e) do CPPT, n.º 2 do artigo 102.º do CPPT e os artigos n.ºs 2 e 4 do art. 6.º e n.º 1 do art. 7.º do Decreto-Lei n.º 290-D/99, de 2 de Agosto, com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 62/2003, de 3 de Abril, sendo, nessa medida, ilegal» a decisão proferida, de indeferimento liminar.

2.2.1.4 O Tribunal Central Administrativo Norte negou provimento ao recurso e manteve a decisão da 1.ª instância.
Começou aquele Tribunal por julgar improcedente a pretensão dos Recorrentes, de que fosse dado como assente que a mensagem de correio electrónico a que se alude no ponto 4 dos factos provados foi assinada digitalmente e tem validação cronológica; após cuidada reapreciação da prova, manteve inalterados os pontos 5 e 7 da matéria de facto fixado pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra.
Depois, considerou que, não resultando provado que na referida mensagem, que não foi recebida no Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra, tenha sido aposta assinatura digital avançada e que a mesma tenha mensagem tenha sido objecto de validação cronológica por entidade certificadora, bem andou Juíza daquele Tribunal ao considerar que não podia considerar-se a petição inicial apresentada noutra data senão em 21 de Abril de 2016, atento o disposto no art. 6.º do Decreto-Lei n.º 290-D/99, de 2 de Agosto, na redacção do Decreto-Lei n.º 88/2009, de 9 de Abril.
Finalmente, também não atendeu a argumentação de que a decisão recorrida, ao não conhecer do mérito da impugnação judicial, «violou princípios como o do acesso à justiça, boa-fé e direito à tutela jurisdicional efectiva [arts. 2.º, 20.º e 268.º da CRP]», uma vez que «[o] direito ao acesso aos tribunais compreende os prazos de acção ou de recurso sejam estabelecidos de modo razoável e o modo como podem concretizá-los», os Recorrentes não concretizaram «em que medida tais princípios ou direitos foram postergados», que os Recorrentes tinham ao seu dispor múltiplos meios para apresentar a petição inicial no Tribunal, mesmo que o SITAF estivesse inoperacional, e que «não é possível admitir a tempestividade de uma impugnação quando não se faz prova de que foi expedida para o endereço na data relevante, não cabe ao tribunal criar condições para que tal aconteça sem que estejam salvaguardadas as regras da segurança, objectividade e imparcialidade».

2.2.1.5 Inconformados com a decisão do Tribunal Central Administrativo Norte, os Recorrentes dela recorreram, ao abrigo do disposto no art. 150.º do CPTA, para o Supremo Tribunal Administrativo, que, por acórdão da formação a que alude o n.º 5 do art. 150.º do CPTA, admitiu a revista com a fundamentação que deixámos transcrita em 1.5.

2.2.1.6 Cumpre, pois, apreciar a questão, com os contornos definidos por esse acórdão de admissão.

2.2.2 DO ENVIO A JUÍZO DE PEÇAS PROCESSUAIS POR CORREIO ELECTRÓNICO

Como bem salientaram as instâncias e o Procurador-Geral-Adjunto neste Supremo Tribunal, à data a que se referem os factos controvertidos (E até à entrada em vigor, em 4 de Janeiro de 2018, da Portaria n.º 380/2017, de 13 de Dezembro (ELI: https://data.dre.pt/eli/port/380/2017/12/19/p/dre/pt/html), que estabeleceu como único modo de apresentação de peças processuais nos tribunais administrativos e fiscais o sistema informático de suporte à actividade dos tribunais administrativos e fiscais (SITAF).), a apresentação de peças processuais nos tribunais administrativos e fiscais por correio electrónico era permitida, ao abrigo do disposto no n.º 1 do art. 2.º da Portaria n.º 1417/2003, de 30 de Dezembro, contanto que, no que ora releva, fossem cumpridas duas exigências legais, quais sejam o uso pelo signatário de assinatura digital avançada e a validação cronológica por entidade certificadora, decorrentes, respectivamente, do art. 2.º, alínea c) e alíneas o) e u) do Decreto-Lei n.º 290-D/99, de 2 de Agosto, na redacção do Decreto-Lei n.º 62/2003, de 3 de Abril de 2003. A primeira é uma assinatura electrónica que preenche os seguintes requisitos «i) Identifica de forma unívoca o titular como autor do documento; ii) A sua aposição ao documento depende apenas da vontade do titular; iii) É criada com meios que o titular pode manter sob seu controlo exclusivo; iv) A sua conexão com o documento permite detectar toda e qualquer alteração superveniente do conteúdo deste»; a segunda é a «declaração de entidade certificadora que atesta a data e hora da criação, expedição ou recepção de um documento electrónico», sendo que entidade certificadora é «a entidade ou pessoa singular ou colectiva que cria ou fornece meios para a criação e verificação das assinaturas, emite os certificados, assegura a respectiva publicidade e presta outros serviços relativos a assinaturas electrónicas».
No caso, nenhuma das duas condições se mostra observada. Na verdade, os esforços desenvolvidos pelos Recorrentes no sentido de convencerem o Tribunal Central Administrativo Norte a alterar a matéria de facto que o Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra deu como provada revelaram-se infrutíferos, devendo, pois, dar-se como assente – sem possibilidade de sindicância por este Supremo Tribunal (A apreciação da matéria de facto fixada pelas instâncias, bem como o juízo que sobre os factos estas formularam, estão subtraídos do âmbito da revista, por expressa disposição legal (cfr. o n.º 4 do art. 150.º do CPTA e o n.º 4 do art. 285.º do CPPT).) – que à mensagem de correio electrónico a que alude o n.º 4 dos factos provados não foi aposta assinatura digital avançada nem a mesma foi objecto de certificação por entidade certificadora (cfr. factos provados sob os n.ºs 4, 5 e 7).
Aliás, nem sequer foi dado como provado que tenha sido feita tentativa de remessa dessa mensagem ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra. Seguro é que a mesma nunca aí foi recebida (cfr. facto provado sob o n.º 8). Ora, em face do incumprimento daqueles requisitos legais a que deveria obedecer a remessa por correio electrónico de peças processuais a juízo, nunca poderia entender-se que a petição inicial foi apresentada no Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra em 8 de Outubro de 2013, como pretendem os Recorrentes.
É certo que os Recorrentes sustentam que o art. 6.º do Decreto-Lei n.º 290-D/99, de 2 de Agosto, na redacção do Decreto-Lei n.º 88/2009, de 9 de Abril, não tem aplicação no caso em apreço e que, ainda que a tivesse, «sempre estaria assegurada a hora e a data de expedição da peça processual e documentos enviados por correio electrónico pelo mandatário dos Recorrentes, bem como a sua validação cronológica», bem como que «ainda que assim não fosse […] teria forçosamente de se aplicar o disposto no artigo 10.º da Portaria n.º 642/2004, de 16 de Junho, que refere o seguinte: “À apresentação de peças processuais por correio electrónico simples ou sem validação cronológica é aplicável, para todos os efeitos legais, o regime estabelecido para o envio através de telecópia».
Salvo o devido respeito, não vislumbramos como pode sustentar-se a tese dos Recorrentes. Antes do mais, há sempre que ter presente que o documento não foi recebido no Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra e que a factualidade que as instâncias fixaram definitivamente nem sequer permite concluir que foi efectuada tentativa de envio do mesmo em 8 de Outubro de 2013. Assim, em face do julgamento de facto efectuado pelas instâncias e que ora nos cumpre acatar, não vemos como possa dispensar-se o requisito da validação cronológica do documento por entidade certificadora ou sequer como aplicar o regime da telecópia, como pretendido pelos Recorrentes, uma vez que, reiteramos, o documento não foi recebido no Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra.
Assim, sempre salvo o devido respeito por entendimento diverso, não merece censura alguma o que foi decidido pelas instâncias.
Uma nota final para justificar a inaplicabilidade ao presente caso da solução a que chegou este Supremo Tribunal no acórdão de 20 de Abril de 2020, proferido no processo com o n.º 261/16.3BECBR ( Disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/5a16673fb92d91ca80258558004eeac6.), de que os Recorrentes apresentaram cópia, que pediram fosse juntada aos autos, e que entenderam ser relativa «à mesma questão discutida nestes autos» e revelar-se «importante para a boa decisão da causa» (cfr. requerimento de fls. 307 do processo electrónico). É que no referido processo ficou provado que «o mandatário da ora recorrente procedeu a 29-12-2014, à aposição de assinatura digital com certificado MULTICERT, pelas 16:02:55, em mensagem, datada do mesmo dia, pelas 15:03, com anexos de impugnação judicial, documentos, procuração e taxa de justiça, todas em formato “pdf”, em que consta ainda a identificação do endereço do dito mandatário e “para” ”correiocoimbra.taf.mj.pt”», ou seja, ficou provado que no documento em causa, apesar de não ter sido recebido no Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra, foi aposta assinatura digital com certificado emitido por entidade certificadora e, por isso, não se conhecendo as razões por que o mesmo não foi recepcionado em juízo, a parte não podia ser prejudicada, sendo de considerar como data de entrada em juízo a da remessa do correio electrónico.
É esta diferença substancial quanto à matéria de facto que foi dada como provada que leva a que, apesar de aqui se sustentar idêntica interpretação da lei, não possa decidir-se o presente caso no mesmo sentido: apesar de em ambos os processos se debater questão relacionada com a não recepção pelo tribunal de correio electrónico da parte, enquanto naquele processo 261/16.3BECBR, como nele ficou expressamente referido, «[d]o probatório, resulta que o mandatário da ora recorrente procedeu a 29-12-2014, à aposição de assinatura digital com certificado MULTICERT, pelas 16:02:55, em mensagem, datada do mesmo dia, pelas 15:03, com anexos de impugnação judicial, documentos, procuração e taxa de justiça, todas em formato “pdf”, em que consta ainda a identificação do endereço do dito mandatário e “para” ”correiocoimbra.taf.mj.pt”», nos presentes autos a mensagem a que se refere o n.º 4 dos factos provados não tem aposta assinatura digital do seu signatário e não possui validação cronológica emitida por entidade certificadora (cfr., respectivamente, os n.ºs 8, 5 e 6 dos factos provados).
Concluindo, o recurso não merece provimento.

2.2.3 DA VIOLAÇÃO DOS PRINCÍPIOS PROCESSUAIS E DOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS

Os Recorrentes sustentam também que a interpretação adoptada pelas instâncias, e cuja validade ora confirmamos no presente acórdão, viola diversos princípios processuais e constitucionais, designadamente os do acesso ao direito e da promoção das decisões de mérito, da tutela jurisdicional efectiva, do pro actione e da confiança.
Se bem alcançamos o teor das alegações de recurso, os Recorrentes parecem entender que essa violação decorre do facto de o tribunal não ter apreciado o mérito da impugnação judicial e, a entender que havia obstáculos ao conhecimento do mérito, do facto de os não ter notificado para sanarem as eventuais irregularidades obstativas desse conhecimento.
Salvo o devido respeito, os Recorrentes laboram em erro. Na verdade, tendo o Tribunal concluído pela caducidade do direito à impugnação, estava-lhe vedado o conhecimento de qualquer questão respeitante ao mérito. Também não havia lugar a qualquer convite para suprir insuficiências ou irregularidades detectadas na petição inicial, convite esse que não tem a amplitude nem a virtualidade que os Recorrentes lhe pretendem conceder, designadamente nunca poderia servir para ultrapassar a preclusão do direito de impugnar por excesso do prazo legal para o efeito.
Por outro lado, a menos que o regime de remessa das peças processuais a juízo por via electrónica se revelasse desproporcionado do ponto de vista material – o que se nos afigura não ser o caso e os Recorrentes também nada alegaram nesse sentido –, não vislumbramos motivo para questionar a legitimidade constitucional desse regime, que se não apresenta como uma restrição do direito à tutela jurisdicional efectiva, mas tão-só como uma sua regulamentação ou condicionamento.
O recurso também não pode ser provido com este fundamento.

2.2.4 CONCLUSÕES

Preparando a decisão, formulamos as seguintes conclusões:

I - Até à entrada em vigor da Portaria n.º 380/2017, de 13 de Dezembro (que estabeleceu como único modo de apresentação de peças processuais nos tribunais administrativos e fiscais o SITAF), era admissível a apresentação dessas peças processuais e documentos por correio electrónico, ao abrigo do art. 2.º da Portaria n.º 1417/2003, de 30 de Dezembro, desde que cumpridas as respectivas exigências legais, entre as quais ora relevam a assinatura digital avançada e a certificação por entidade certificadora [cfr. art. 2.º, alíneas c), o) e u) do Decreto-Lei n.º 290-D/99, de 2 de Agosto, na redacção do Decreto-Lei n.º 62/2003, de 3 de Abril de 2003].

II - Se a mensagem de correio electrónico por que alegadamente foi remetida a petição inicial a juízo não foi aí recebida, o incumprimento das referidas exigências obsta a que possa considerar-se que a mesma aí deu entrada.


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3. DECISÃO

Em face do exposto, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo acordam, em conferência, em negar provimento ao recurso.

Custas pelos Recorrentes [cf. art. 527.º, n.ºs 1 e 2, do CPC, aplicável ex vi da alínea e) do art. 2.º do CPPT].


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Lisboa, 14 de Outubro de 2020. - Francisco Rothes - (Relator) - Joaquim Condesso - Gustavo Lopes Courinha.