Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo | |
Processo: | 01350/15 |
Data do Acordão: | 01/20/2016 |
Tribunal: | 2 SECÇÃO |
Relator: | FRANCISCO ROTHES |
Descritores: | IMPOSTO MUNICIPAL SOBRE TRANSMISSÃO ONEROSA DE IMOVEIS INSOLVÊNCIA ISENÇÃO |
Sumário: | A isenção de IMT prevista pelo n.º 2 do art. 270.º do CIRE aplica-se, não apenas às vendas ou permutas de empresas ou estabelecimentos enquanto universalidade de bens, mas também às vendas e permutas de imóveis (enquanto elementos do seu activo), desde que enquadradas no âmbito de um plano de insolvência ou de pagamento, ou praticados no âmbito da liquidação da massa insolvente. |
Nº Convencional: | JSTA000P19958 |
Nº do Documento: | SA22016012001350 |
Data de Entrada: | 10/19/2015 |
Recorrente: | FAZENDA PÚBLICA |
Recorrido 1: | A............ |
Votação: | UNANIMIDADE |
Aditamento: | |
Texto Integral: | Recurso jurisdicional da sentença proferida no processo de impugnação judicial com o n.º 692/14.3BEPNF
1. RELATÓRIO 1.1 A Fazenda Pública (adiante Recorrente) recorreu para este Supremo Tribunal Administrativo da sentença por que o Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel, julgando procedente a impugnação judicial deduzida por A………… (a seguir Impugnante ou Recorrida), anulou a liquidação de Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (IMT) efectuada a este com referência à aquisição de um imóvel, ocorrida no âmbito de um processo de insolvência. 1.2 O recurso foi admitido, para subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo e a Recorrente apresentou as alegações, que sintetizou em conclusões do seguinte teor: «A. Aderindo ao entendimento vertido no douto Acórdão deste Tribunal de 30-05-2012, proferido no recurso n.º 949/2011, que transcreveu, a sentença de que se recorre arremata: “Sendo a situação destes autos idêntica à desse acórdão, este tribunal adere à fundamentação do Colendo Supremo Tribunal Administrativo e julga isenta de IMT a aquisição dum imóvel da massa insolvente. B. A interpretação que a Autoridade Tributária tem vindo a defender quanto ao real alcance do n.º 2 do art. 270.º do CIRE tem sido repudiada na generalidade, por este Supremo Tribunal; contudo têm sido pontualmente, focados alguns aspectos que a Fazenda Pública entende relevantes para a compreensão da posição que vem defendendo, e que é a de que a aplicação dos benefícios fiscais do art. 270.º do CIRE depende de os bens imóveis transmitidos se integrarem na universalidade da empresa ou estabelecimento vendidos permutados ou cedidos no âmbito de plano de insolvência ou de pagamentos ou da liquidação da empresa insolvente. C. Entendimento que, pensamos, reflecte o espírito da norma do art. 162.º do CIRE que preceitua que “A empresa compreendida na massa insolvente é alienada como um todo, a não ser que não haja proposta satisfatória ou se reconheça vantagem na liquidação ou na alienação separada de certas partes”. D. O douto acórdão deste Tribunal de 30-05-2012 no recurso 949/2011 considerou que a interpretação sustentada pela Administração Tributária em face do disposto no n.º 2 do art. 270.º do CIRE se afigura gramaticalmente como a mais correcta. E. Contudo, o Tribunal considera que a interpretação dada pela AT contraria o n.º 49 do preâmbulo do CIRE, onde se afirma que «mantêm-se no essencial os regimes existentes no CPEREF quanto à isenção de emolumentos e benefícios fiscais». F. Ora, quanto a este aspecto julgamos pertinente comparar a redacção do CPEREF com a redacção do CIRE: G. Assim, a alínea c) do 121.º do CPEREF previa “Estão ainda isentas de imposto municipal da sisa as transmissões de bens imóveis, integradas em qualquer das providências de recuperação da empresa, que decorram (...) c) Da autonomização jurídica de estabelecimentos comerciais ou industriais, da venda, permuta ou cessão de elementos do activo da empresa, bem como dos arrendamentos a longo prazo, previstos, respectivamente, nas alíneas e), f) e g) do n.º 1 do artigo 101.º”. H. O CIRE, na disposição símile (n.º 2 do art. 270.º) preceituou “Estão igualmente isentos de imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis os actos de venda, permuta ou cessão da empresa, ou de estabelecimentos desta, integrados no âmbito de plano de insolvência ou de pagamentos ou praticados no âmbito da liquidação da massa insolvente”. I. É entendimento da Fazenda Pública que o legislador não quis abarcar exactamente as mesmas realidades, daí ter utilizado no preâmbulo do CIRE a expressão “…no essencial…”, e não simplesmente a expressão “mantêm-se”. J. No CPEREF previa-se a isenção na venda, permuta ou cessão de elementos do activo da empresa, o que significava, sem qualquer margem para dúvida, que ficavam abrangidos pela isenção qualquer venda, permuta ou cessão de um bem individualmente considerado, desde que fizesse integrado [sic] no património de empresa em recuperação. K. O CIRE, em nosso entendimento, não abrange a mesma realidade jurídica e económica: no CIRE os actos de permuta, venda ou cessão reportam-se à empresa ou estabelecimento vendido. L. Com a redacção do CIRE cremos que ocorreu uma modificação do alcance da isenção concedida. M. Comparando com o imposto de selo, repare-se que o CIRE manteve a redacção do CPEREF que referia expressamente que ficavam isentos “a venda, permuta ou cessão de elementos do activo da empresa”. N. Caso o legislador quisesse manter, no CIRE, igual isenção para IMT, como configurada no CPEREF, teria decerto mantido a redacção utilizada no CPEREF tal como procedeu no imposto de selo. O. Porquê alterar a redacção do IMT quando manteve a redacção do IS, se não quisesse provocar uma alteração nas realidades que beneficiam de isenção? P. A decisão deste STA no recurso 0949/11, aponta ainda como impedimento à aceitação da posição da Autoridade Tributária, a disposição da alínea c) do n.º 3 do art. 9.º da Lei n.º 39/2003 de 22 de Agosto, “Fica finalmente o Governo autorizado a isentar de imposto municipal de sisa as seguintes transmissões de bens imóveis, integradas em qualquer plano de insolvência ou de pagamentos ou realizadas no âmbito da liquidação da massa insolvente. (...) c) as que decorram da cedência a terceiros ou da alienação de participações representativas do capital da sociedade, da dação em cumprimento de bens da empresa e da cessão de bens aos credores, da venda, permuta ou cessão da empresa, estabelecimentos ou elementos dos seus activos, bem como dos arrendamentos a longo prazo”. Q. Refere o douto acórdão que, se a decisão do legislador fosse a de suprimir a concessão de isenção de IMT nos casos de venda, permuta ou cessão de elementos de seus activos, concedendo-a apenas nos casos de venda permuta ou cessão de empresa ou seu estabelecimento, estaria a actuar com desrespeito da credencial parlamentar que lhe foi concedida e que, R. “… entre dois sentidos da 1ei, ambos com apoio – pelo menos mínimo – na respectiva letra, deve o intérprete optar por aquele que o compatibilize com o texto constitucional (interpretação conforme à Constituição), em detrimento da interpretação que o vício de inconstitucionalidade (…)”. S. Da leitura da decisão do STA supra referida afigura-se que a interpretação que a AT vem fazendo é recusada pelo STA principalmente porque, a ser acolhida como certa, implicaria considerar inconstitucional o n.º 2 do art. 270.º do CIRE por ficar aquém da autorização legislativa da Assembleia da República. T. Contudo, ressalvado o devido respeito por diverso entendimento, entendemos não advir daí, a inconstitucionalidade daquela norma. U. Assim, como pode ler-se no acórdão 231/92, o Tribunal Constitucional, decidiu não declarar a inconstitucionalidade do artigo 45.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais, partindo da ideia de que não é constitucionalmente censurável o Governo, na utilização de uma autorização legislativa, ficar aquém da respectiva previsão, concluiu não merecer censura constitucional o referido artigo 45.º, o qual, ao prever o englobamento para efeitos de IRS de 50% dos rendimentos da propriedade intelectual, quando auferidos por pintores, escultores ou escritores, “não dispensou um tratamento especial, em IRS, a todos os rendimentos decorrentes do trabalho criativo no domínio artístico e literário, como previa a correspondente autorização legislativa (...)”. V. O que se verificou no caso sub judice foi a venda de um único imóvel pertencente à insolvente, pelo que é posição da AT, no seguimento do que supra alegado, que não terão aplicabilidade os benefícios previstos no n.º 2 do artigo 270.º do CIRE. W. Pelo que a douta sentença proferida pelo Tribunal recorrido fez, a nosso ver, uma incorrecta interpretação das normas legais e do ratio legis que a fundamentam, mormente o artigo 270.º n.º 2 do CIRE, incorrendo assim em erro de julgamento, devendo, por esse motivo, ser revogado, com as legais consequências». 1.3 O Recorrido não apresentou contra alegações. 1.4 Remetidos os autos a este Supremo Tribunal Administrativo e dada vista ao Ministério Público, o Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de que seja negado provimento ao recurso, nos seguintes termos: «Recorre a Fazenda Pública da sentença do TAF de Penafiel de 12.06.2015 que, julgando procedente a impugnação deduzida por A…………, anulou decisão de indeferimento da reclamação graciosa e a liquidação de IMT impugnada. 1.5 Colheram-se os vistos dos Juízes Conselheiros adjuntos. 1.6 A questão que cumpre apreciar e decidir é a de saber se (a sentença recorrida fez correcto julgamento ao considerar que) a aquisição em causa estava isenta de IMT ao abrigo do disposto no art. 270.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 53/2004, de 18 de Março, o que, como procuraremos demonstrar, passa por indagar se a referida isenção opera apenas relativamente às vendas, permutas ou cessão de empresas ou estabelecimentos enquanto universalidade de bens, como defende a Recorrente, ou também relativamente a vendas, permutas ou cessão de imóveis (enquanto elementos do seu activo), desde que enquadradas no âmbito de um plano de insolvência ou de pagamento, ou praticados no âmbito da liquidação da massa insolvente, como sustentou a sentença recorrida. * * * 2. FUNDAMENTAÇÃO 2.1 DE FACTO O Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel efectuou o julgamento da matéria de facto nos seguintes termos: «A) Por escritura pública de compra e venda outorgada em 14/02/2014, de fls. 26 a 30 dos autos, cujo teor aqui se dá por reproduzido, o impugnante comprou, pelo preço de € 1.467.950,00, o prédio urbano composto por edifício de rés-do-chão, destinado a indústria e armazém, com logradouro, sito na Rua de ………, n.º ……, freguesia da ………, concelho da Maia, descrito na 2.º Conservatória do Registo Predial da Maia sob o n.º 2410-………, inscrito na matriz predial urbana da freguesia da ……… sob o artigo 3526, com o valor patrimonial tributário de € 785.820,00, no âmbito do processo de insolvência n.º 1492/12.0TBPRD, do 2.º Juízo Cível do Tribunal Judicial da Comarca de Paredes (fls. 26 a 30). B) O prédio fazia parte do activo da cooperativa de responsabilidade limitada denominada B…………, CRI, pessoa colectiva n.º ………, com sede na Avenida ………, ………, ………, Paredes, que foi declarada insolvente no referido processo (fls. 26 a 30). C) O impugnante apresentou a declaração prevista no art. 19.º do Código do Imposto Municipal Sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (CIMT), tendo sido liquidado em 14/02/2014 o IMT devido pela referida aquisição, no valor de € 95.416,75, que foi pago nesse mesmo dia (fls. 21 e 22). D) Em 16/06/2014 a impugnante reclamou graciosamente dessa liquidação (fls. 1 e seguintes do PRG). E) A reclamação graciosa foi indeferida por decisão de 08/09/2014 de fls. 21 e verso e 28 do PRG, cujo teor aqui se dá por reproduzido. F) Em 11/08/2014 o impugnante foi notificado da decisão de indeferimento da reclamação graciosa (fls. 29 a 31 do PRG). G) Em 26/08/2014 a impugnante apresentou impugnação judicial dessa decisão (fls. 5)». 2.2 DE FACTO E DE DIREITO 2.2.1 A QUESTÃO A APRECIAR E DECIDIR O ora Recorrido adquiriu um prédio destinado a indústria e armazém no âmbito de um processo de insolvência de uma pessoa colectiva, prédio que fazia parte do activo da insolvente. 2.2.2 DA ISENÇÃO DE IS RESPEITANTE ÀS AQUISIÇÕES DE BENS EM PROCESSO DE INSOLVÊNCIA A questão não é nova e tem vindo a ser tratada reiterada e uniformemente neste Tribunal (Sem a preocupação de sermos exaustivos, vide os seguintes acórdãos: 2.2.3 CONCLUSÕES Preparando a decisão, formulamos a seguinte conclusão: A isenção de IMT prevista pelo n.º 2 do art. 270.º do CIRE aplica-se, não apenas às vendas ou permutas de empresas ou estabelecimentos enquanto universalidade de bens, mas também às vendas e permutas de imóveis (enquanto elementos do seu activo), desde que enquadradas no âmbito de um plano de insolvência ou de pagamento, ou praticados no âmbito da liquidação da massa insolvente. * * * 3. DECISÃO Face ao exposto, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo acordam, em conferência, em negar provimento ao recurso. Custas pela Recorrente. * Lisboa, 20 de Janeiro de 2016. – Francisco Rothes (relator) – Aragão Seia – Casimiro Gonçalves. |