Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0619/11
Data do Acordão:11/30/2011
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:FRANCISCO ROTHES
Descritores:JUROS COMPENSATÓRIOS
FUNDAMENTAÇÃO DA LIQUIDAÇÃO
NOTIFICAÇÃO INSUFICIENTE
FUNDAMENTAÇÃO A POSTERIORI
Sumário:I – O art. 22.º do CPT (a que hoje corresponde o art. 37.º do CPPT) concede ao contribuinte uma faculdade para os casos em que a comunicação do acto enferme de algumas deficiências; não lhe impõe um comportamento com vista a permitir à AT fundamentar a posteriori um acto que não esteja devidamente fundamentado.
II – A fundamentação de uma liquidação de juros compensatórios deve dar a conhecer, no plano factual, o montante de imposto sobre o qual incidem os juros, a taxa ou taxas aplicáveis e o período da sua contagem.
III – Se a declaração fundamentadora da liquidação de juros compensatórios não refere esses elementos, esse acto enferma do vício de forma por falta de fundamentação, a determinar a sua anulabilidade.
Nº Convencional:JSTA00067284
Nº do Documento:SA2201111300619
Data de Entrada:06/17/2011
Recorrente:A..., LDA
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TAF AVEIRO PROC3518/2004 PER SALTUM
Decisão:PROVIDO
Área Temática 1:DIR FISC - IRS
DIR FISC - JUROS
Legislação Nacional:ETAF02 ART6 N2 N6
DL 323/2001 DE 2001/12/17
LOFTJ99 ART24 N1
LOFTJ08 ART31 N1
L 13/2002 DE 2002/02/19 ART7
DL 433/99 DE 1999/10/26 ART4
L 15/2001 DE 2001/06/05 ART12
L 4-A/2003 DE 2003/02/19 ART2
CPA91 ART125 ART135 ART68
CONST92 ART268 N3
CPTRIB91 ART19 B ART21 N1 ART22 ART82 ART64 N1 ART83
CPPTRIB99 ART36 N1 ART37 ART39 N11
DL 267/85 DE 1985/07/16 ART31
LPTA85 ART30
CIRS88 ART83
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC1002/08 DE 2009/02/11; AC STA PROC578/10 DE 2010/12/16
Referência a Doutrina:JORGE DE SOUSA CÓDIGO DE PROCEDIMENTO E DE PROCESSO TRIBUTÁRIO ANOTADO E COMENTADO 6ED VI PAG349-351
Aditamento:
Texto Integral: 1. RELATÓRIO
1.1 A sociedade denominada “A………., Lda.” (adiante Contribuinte, Impugnante ou Recorrente) deduziu impugnação judicial, pedindo a anulação da liquidação dos juros compensatórios que lhe foi efectuada com referência a uma liquidação adicional de Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) com fundamento em vício de falta de fundamentação (A Impugnante invocou ainda outro fundamento, mas a sentença desatendeu-o e, nessa parte, transitou em julgado.).
1.2 O Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro julgou a impugnação judicial improcedente.
1.3 Inconformada com essa decisão, a Impugnante dela interpôs recurso para este Supremo Tribunal Administrativo, que foi admitido a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.
1.4 A Recorrente apresentou as alegações de recurso, que sintetizou em conclusões do seguinte teor:
«
1. A liquidação de juros compensatórios efectuada pela AT na quantia de 87.297$00 (€ 435,44) não se encontra fundamentada nos termos legalmente exigidos.
2. Por isso, a douta sentença recorrida devia ter julgado a impugnação totalmente procedente.
3. Ao decidir em contrário, a douta sentença recorrida violou, entre outros, o disposto nos arts. 268º, nº 3, da CRP, 19º, 21º, e 82º do CPT e 83º do Código do IRS.
Nestes termos,
Deve ser concedido provimento ao presente recurso e, em consequência, a douta sentença recorrida deve ser substituída por outra que julgue a impugnação totalmente procedente, com o que se fará inteira Justiça» (As partes entre aspas e com um tipo de letra diferente são transcrições, aqui como adiante.).
1.5 A Fazenda Pública não contra alegou.
1.6 Recebidos os autos neste Supremo Tribunal Administrativo, foi dada vista ao Ministério Público e o Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer do seguinte teor:
«Na liquidação em causa constam os períodos a que os juros se referiam, o acto omitido que a originou – retenção não efectuada em sede de IRS – e o valor em dívida.
Crê-se, pois, que, quanto aos juros compensatórios, havia uma fundamentação ainda que mínima.
Relevante é ainda o que decorria do art. 22º do C.P.T., em termos de outros fundamentos poderem ainda ser obtidos junto da Repartição de Finanças competente, quando aquele dado não foi apurado, nomeadamente, quanto à taxa aplicável.
Parece ainda que no quadro legal aplicável à data daquela liquidação – 3/12/97 – bastava que a omissão do referido acto tivesse existido de acordo com imposição legal para que se possa entender que o facto é imputável ao sujeito passivo.
A jurisprudência firmada no sentido de ser de verificar ainda a existência de culpa e mesmo se o imposto era devido – assim, ac. do Pleno do S.T.A. de 29-9-93, proferido no recurso nº 15483, publicado no Ap. ao D.R. de 8-5-96, p. 3045, e ac. do S.T.A. de 27-11-96, proferido no rec. nº 20775 –, parece não ser de aplicar ao presente caso em que o recorrente apenas pôs em causa a falta de fundamentação. Assim, e pese embora mais se ter entendido não ser de aguardar pela apreciação da impugnação da dívida de imposto que se refere encontrar-se ainda pendente, parece não haver razão para a procedência do recurso e para a substituição do decidido, sem prejuízo de se reconhecer que no caso de naquela impugnação se vir a decidir favoravelmente ao ora recorrente se impor a alteração do decidido».
1.7 Foram colhidos os vistos dos Juízes Conselheiros adjuntos.
1.8 A questão a apreciar e decidir é a de saber se (a sentença fez correcto julgamento quando decidiu que) a liquidação de juros compensatórios impugnada está suficientemente fundamentada.
* * *
2. FUNDAMENTAÇÃO
2.1 DE FACTO
A sentença recorrida efectuou o julgamento da matéria de facto nos seguintes termos:
«Factos Provados:
A) A impugnante foi notificada da liquidação de juros compensatórios, relativa ao ano de 1993, no valor de 87.297$00, cfr. fls. 20 dos autos;
B) Nessa notificação extrai-se como motivo da liquidação: Juros compensatórios devidos pela falta de retenção na fonte e falta de entrega nos cofres do estado do IRS (Imposto de Capitais), no ano de 1993, no valor de 87.297$00, conforme a nota de apuramento junta, cfr. fls. 20 dos autos;
C) Dá-se por reproduzido, para todos os efeitos legais, o teor da Nota de Liquidação de fls. 20, da qual consta, para além dos elementos referidos em B), o seguinte:
“NOTA: Os juros compensatórios são contados desde o termo do prazo para entrega das retenções respectivas até à data da liquidação ou da entrega da declaração caso tenha natureza de imposto por conta”.
D) A liquidação impugnada foi paga a 20.11.1998, cfr. fls. 99;
E) A Liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS), na importância de 4.812.482$00 e de juros compensatórios, no valor de 2.836.802$00, relativamente ao ano de 1993, foram objecto de Impugnação por B………. e C………., estando a correr termos, neste tribunal, a acção judicial respectiva, sob o n.º TAF 3518/2004, cfr. fls. 110 a 126;
F) A Impugnação referida em D) [(É manifesto o lapso: escreveu-se D) onde se queria escrever E).)] encontra-se em fase de instrução, cfr. Informação de fls. 135.
*
Factos não Provados:
Inexistem factos não provados com relevância para a decisão da causa».
2.2 DE FACTO E DE DIREITO
2.2.1 NOTAS PRÉVIAS
2.2.1.1 Antes do mais, uma breve nota no sentido de justificar por que, apesar do valor do processo (Esc. 87.297$00, equivalente a € 435,44) não atingir a alçada dos tribunais tributários de 1.ª instância – que, nos termos do disposto no art. 280.º, n.º 4, do CPPT, e 6.º, n.º 2, do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF) aprovado pela Lei n.º 13/2002, de 19 de Fevereiro, é de ¼ das alçada dos tribunais judiciais de 1.ª instância e que foi sucessivamente de € 935,25 e de € 1.500,00 (A alçada dos tribunais judiciais de 1.ª instância foi fixada em Esc. 750.000$00 – quantia convertida em € 3.740,98 nos termos do Decreto-Lei n.º 323/2001, de 17 de Dezembro – pelo art. 24.º, n.º 1, da Lei da Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais, aprovada pela Lei n.º 3/99, de 13 de Janeiro, e em € 5.000,00 pelo art. 31.º, n.º 1, da Lei da Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais, aprovada pela Lei n.º 52/2008, de 28 de Agosto.) – se irá conhecer do recurso.
É que o processo, apesar de apenas ter sido remetido ao Tribunal Tributário de 1.ª instância de Aveiro e aí autuado em 20 de Fevereiro de 2003, deu entrada na Repartição de Finanças em 28 de Abril de 1998, devendo considerar-se instaurado nesta data, na qual os tribunais tributários ainda não tinham alçada, que apenas foi introduzida, exclusivamente para os processos de impugnação judicial e de execução fiscal, com a entrada em vigor do CPPT, em 1 de Janeiro de 2000, nos termos do disposto no art. 4.º do Decreto-Lei n.º 433/99, de 26 de Outubro, que o aprovou (Note-se, no entanto, que nos termos desse artigo, o CPPT só se aplicava aos processos instaurados a partir dessa data, sendo que só a partir de 5 de Julho de 2001, com a entrada em vigor da Lei n.º 15/2001, de 5 de Junho, e nos termos do respectivo art. 12.º, o CPPT passou a ser aplicado aos processos pendentes regulados pelo CPT.) e alargada a todos os restantes processos pelo ETAF, que entrou em vigor em 1 de Janeiro de 2004, nos termos do disposto no art. 7.º da referida Lei n.º 13/2002, na redacção que lhe foi dada pelo art. 2.º da Lei n.º 4-A/2003, de 19 de Fevereiro.
Já na data em que foi proferida a sentença – 24 de Janeiro de 2011 – o art. 6.º, n.º 6, do ETAF em vigor dispõe que «A admissibilidade dos recursos por efeito das alçadas é regulada pela lei em vigor ao tempo em que seja instaurada a acção».
Ora, porque, como ficou já dito, na data em que foi instaurada a impugnação judicial a lei não fixava alçadas para os tribunais tributários, há que conhecer do recurso independentemente do seu valor.
2.2.1.2 Outra breve nota apenas para referir que, apesar de ser jurisprudência assente que, liquidado adicionalmente imposto e juros compensatórios, a impugnação autónoma destes últimos só é possível se o contribuinte, aceitando a liquidação do imposto, pretende atacar a liquidação dos juros compensatórios com fundamento exclusivo em vício ou ilegalidade própria desta liquidação, designadamente a falta de verificação dos pressupostos legais de que a mesma depende, no caso o Tribunal a quo decidiu expressamente que nada obstava à impugnação judicial autónoma dos juros compensatórios – sendo que nessa parte a decisão transitou em julgado –, desde que nesta se não invocassem vícios próprios da liquidação do imposto. Por isso, entendeu conhecer apenas do vício de falta de fundamentação.
2.2.2 A QUESTÃO A APRECIAR E DECIDIR
Dito isto, a Impugnante pediu ao Juiz do Tribunal Tributário de 1.ª instância de Aveiro que anulasse a liquidação dos juros compensatórios respeitantes à liquidação adicional de IRS com fundamento em falta de fundamentação porque entende que a liquidação dos juros deveria indicar, pelo menos, o prazo da respectiva contagem e a taxa ou taxas aplicadas e que na notificação por que lhe foi comunicada a liquidação não é indicada «uma só razão de facto nem de direito».
A sentença considerou que na notificação se refere «a natureza dos juros exigidos, devidos a rendimentos de capitais, do ano de 1993, no valor de 87.297$00» e que «[o]s juros compensatórios são contados desde o termo do prazo para entrega das retenções respectivas até à data da liquidação ou da entrega da declaração caso tenha natureza de imposto por conta», motivo por que «a notificação revela-se em conformidade com as exigências plasmadas nas normas em vigor à data do facto tributário, tornando cognoscível à Impugnante a razão de ser da liquidação».
Mais considerou que, apesar da notificação não fazer referência à taxa ou taxas aplicadas, «essa omissão não é cominada como falta ou insuficiência de fundamentação», pois «a notificação não é um pressuposto de validade das liquidações, antes configurando um mero requisito da sua eficácia» e que, não tendo a Impugnante usado oportunamente do mecanismo previsto no art. 22.º do Código de Processo Tributário (CPT), aquela irregularidade da notificação se deve ter como sanada.
A Impugnante discorda da sentença e dela recorre com o fundamento de que foi feito errado julgamento quando se considerou que a liquidação estava suficientemente fundamentada, pois a fundamentação que foi externada não lhe permite ficar a conhecer os motivos por que a AT lhe imputa a culpa pelo atraso na liquidação do imposto, nem o período por que foram contados os juros, nem a taxa ou taxas que foram aplicadas na contagem dos mesmos.
Assim, a questão a apreciar e decidir, como deixámos dito em 1.8, é apenas a de saber se a liquidação de juros compensatórios impugnada está suficientemente fundamentada.
2.2.3 DA FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO
É inquestionável que a liquidação de juros compensatórios, como acto tributário que é, está sujeita a fundamentação. Na verdade, a fundamentação é um dos elementos constitutivos do acto administrativo tributário, acarretando a sua falta, obscuridade, contradição ou insuficiência a anulabilidade do acto (cfr. arts. 125.º e 135.º do Código de Procedimento Administrativo (CPA) (Note-se que, à data, ainda não tinha entrado em vigor a Lei Geral Tributária, aprovada pelo Decreto-Lei n.º 398/98, de 17 de Dezembro, e que passou a regulamentar a fundamentação dos actos tributários.). O dever de fundamentação mereceu mesmo consagração constitucional (art. 268.º, n.º 3, da Constituição da República Portuguesa (Na redacção da Lei Constitucional de 25 de Novembro de 1992, em vigor à data.) (CRP)) e era também imposto pelos arts. 19.º, alínea b), 21.º, n.º 1, e 82.º do CPT, em vigor à data.
Da argumentação aduzida na sentença resulta que esta lavrou num erro: confundiu a falta de fundamentação, que era o vício invocado pela Impugnante, com a falta de comunicação dos fundamentos. O vício que foi invocado pela Impugnante, como resulta inequivocamente do teor da petição inicial e a própria sentença reconheceu na identificação das questões a dirimir, foi a falta de fundamentação e, por isso, a única questão que realmente importa é a de saber se a liquidação estava ou não fundamentada e não a de saber se tal fundamentação foi ou não notificada à Contribuinte (Para maior desenvolvimento sobre a distinção entre acto de notificação e acto notificado, vide JORGE LOPES DE SOUSA, Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado, Áreas Editora, 6.ª edição, volume I, anotação 3 a) ao art. 37.º, págs. 349 a 351.), pois esta irregularidade da notificação, tal como a própria falta de notificação, como é sabido e constitui jurisprudência pacífica, não releva para efeitos da validade do acto, mas apenas para efeitos da sua eficácia (cfr. art. 64.º, n.º 1 do CPT, em vigor à data, que hoje tem correspondência no art. 36.º, n.º 1, do CPPT). Na verdade, o acto de notificação de um acto administrativo ou tributário é um acto exterior e posterior a este e os vícios que afectem a notificação, podendo determinar a ineficácia do acto notificado, são insusceptíveis de produzir a sua invalidade por não terem a ver com o próprio acto ou com os seus pressupostos.
Por isso, mal se compreende que, tendo sido pedido ao Tribunal que sindicasse a legalidade da liquidação impugnada em face das exigências legais de fundamentação, a sentença tenha “resvalado” para a irregularidade da notificação e, designadamente, que se invoque o disposto no art. 22.º do CPT. É certo que, na falta ou insuficiência de fundamentação do acto a notificar, o acto de notificação terá necessariamente de reflectir essa deficiência; mas daí não resulta, como é óbvio, que o acto de notificação enferme de qualquer deficiência.
Ora, o art. 22.º do CPT (Nos termos do art. 22.º do CPT, que constituiu uma inovação deste código inspirada no art. 31.º do Decreto-Lei n.º 267/85, de 16 de Julho – Lei de Processo nos Tribunais Administrativos –, se a notificação do acto tributário não contiver a sua fundamentação legal ou omitir alguns dos seus requisitos, o contribuinte, nos trinta dias seguintes à notificação ou dentro do prazo para reclamação, recurso ou impugnação, se inferior, pode requerer a notificação da declaração fundamentadora ou a passagem de certidão que a contenha (cfr. n.º 1), sendo que, se usar dessa possibilidade, o início do prazo para reclamar ou impugnar judicialmente o acto se difere para a data da notificação ou da entrega da certidão requerida (cfr. n.º 2).) – a que hoje corresponde o art. 37.º do CPPT – visa permitir a sanação de deficiências dos actos de notificação (Mais concretamente, o artigo «reporta-se aos casos de falta de indicação, na notificação, da fundamentação do acto notificado, dos meios de reacção contra ele, do prazo para os utilizar e dos outros requisitos que estejam previstos especialmente nas leis tributárias, sem incluir os indicados no n.º 9 do art. 39.º» (JORGE LOPES DE SOUSA, ibidem), sendo que esta referência ao n.º 9, hoje n.º 11, do art. 39.º do CPPT deve, no caso sub judice, entender-se como resultante do art. 68.º do Código do Procedimento Administrativo (após a revogação do art. 30.º da Lei de Processo dos Tribunais Administrativos, aprovada pelo Decreto-Lei n.º 267/85, de 16 de Julho).) e não corrigir ou sanar deficiências do acto notificado, designadamente quanto à sua falta ou insuficiência de fundamentação; o art. 22.º do CPT não tem como escopo que a AT aduza nova fundamentação ou que complemente a que externou aquando da prática do acto.
Tendo isto presente, cumpre então verificar se o acto de liquidação dos juros compensatórios se pode considerar suficientemente fundamentado, sendo que a Impugnante, na petição inicial como nas alegações de recurso, sustenta que a declaração externada pela AT a título de fundamentação não lhe permite saber por que lhe foi imputada a culpa pelo atraso na liquidação do imposto a que se referem os juros compensatórios, nem qual foi o prazo considerado na contagem dos mesmos, nem a taxa ou taxas que foram utilizadas nessa contagem. Vejamos:
Antes do mais, recordemos as disposições legais que, à data da liquidação, regulavam os juros compensatórios em sede de IRS, ou seja, o art. 83.º, na redacção inicial e o art. 83.º do CPT, na redacção do Decreto-Lei n.º 7/1996, de 7 de Fevereiro:
Dizia o art. 83.º do CIRS, naquela redacção:
«1 - São devidos juros compensatórios quando, por facto imputável ao sujeito passivo, for retardada a liquidação de parte ou da totalidade do imposto devido, bem como quando for retardada a entrega do imposto retido ou do que o deveria ter sido no âmbito da substituição tributária ou do imposto que autonomamente deva ser liquidado e entregue nos cofres do Estado.
2 - Para efeitos do disposto no número anterior, considera-se também haver lugar a juros compensatórios quando, por facto imputável ao contribuinte, este aufira reembolso superior ao devido.
3 - Os juros compensatórios contam-se dia a dia desde o termo do prazo de apresentação da declaração ou o termo do prazo de entrega do imposto retido ou autonomamente liquidado ou do que o devia ter sido até ao suprimento ou correcção da falta que motivou o retardamento da liquidação.
4 - Entende-se haver sempre retardamento da liquidação do imposto quando as declarações de rendimentos a que se refere o artigo 57.º sejam apresentadas fora dos prazos estabelecidos.
5 - A taxa de juros compensatórios corresponde à taxa básica de desconto do Banco de Portugal em vigor na data em que se tiver iniciado o retardamento da liquidação, da entrega do imposto retido ou do que o deveria ter sido ou da entrega do imposto que autonomamente deva ser liquidado e entregue nos cofres do Estado, acrescida de cinco pontos percentuais.
6 - Os juros compensatórios devidos serão liquidados conjuntamente com:
a) O imposto devido, sempre que a liquidação ou o apuramento deste devam ser efectuados pela Direcção-Geral das Contribuições e Impostos;
b) O imposto retido ou que o deveria ter sido, bem como o imposto que autonomamente deva ser liquidado e entregue nos cofres do Estado, sempre que as entidades devedoras cumpram as obrigações de entrega fora dos prazos legalmente estabelecidos».
Por seu turno, o art. 83.º do CPT, na referida redacção, dispunha:
«1 - Em caso de atraso na liquidação por motivo imputável ao contribuinte, são devidos juros compensatórios.
2 - Os juros compensatórios contam-se dia a dia desde o termo do prazo de apresentação da declaração, da entrega do imposto retido ou do que o devia ter sido ou do cumprimento da obrigação, até ao suprimento ou correcção da falta que motivou o retardamento da liquidação.
3 - Os juros compensatórios não serão devidos, em caso de erro do contribuinte evidenciado na declaração, a partir dos 180 dias posteriores à apresentação desta ou, em caso de falta apurada em acção de fiscalização, a partir dos 90 dias posteriores à sua conclusão.
4 - A taxa de juros compensatórios corresponde à taxa básica de desconto do Banco de Portugal em vigor no momento do início do retardamento depois da liquidação do imposto, acrescida de cinco pontos percentuais».
Como é sabido, as exigências de fundamentação variam conforme as circunstâncias concretas, designadamente o tipo de acto, a não participação do interessado no procedimento anterior ao acto ou, no caso da participação, a extensão desta. No que respeita aos juros compensatórios, admitimos que as exigências de fundamentação sejam reduzidas ao mínimo. Eventualmente, ainda que com algumas reservas, admitimos que nem sequer se exija a referência à norma legal ao abrigo do qual os juros foram liquidados, pois é do conhecimento geral que se o atraso na liquidação do imposto devido for imputável ao contribuinte há lugar à liquidação de juros compensatórios.
Admitimos ainda que se considere que a fundamentação do “atraso na liquidação por motivo imputável ao contribuinte” se baste com a mera referência ao acto omitido que o originou, ou seja, com a referência – que a sentença na alínea B) dos factos que deu como provados considerou poder extrair-se da notificação, sendo que nessa parte não vem posta em causa – de que os juros compensatórios são «devidos pela falta de retenção na fonte e falta de entrega nos cofres do estado do IRS (Imposto de Capitais), no ano de 1993».
Também no que se refere à culpa, aceitamos que a fundamentação se baste com a descrição da conduta quando, como no caso, esta assuma a natureza de ilícito. Na verdade, a doutrina e a jurisprudência têm vindo a defender a tese de que quando uma determinada conduta constitui um facto qualificado por lei como ilícito se deve fazer decorrer dessa conduta – por ilação lógica – a existência de culpa (não porque a culpa se presuma, mas por ser algo que, em regra, se liga ao carácter ilícito-típico do facto praticado) e que, por essa via, se deve partir do pressuposto de que existe culpa sempre que a actuação do contribuinte integra a hipótese de qualquer infracção tributária (A este propósito, vide o acórdão desta Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo de 16 de Dezembro de 2010, proferido no processo com o n.º 578/10, publicado no Apêndice ao Diário da República de 26 de Maio de 2011 (http://www.dre.pt/pdfgratisac/2010/32240.pdf), págs. 1931 a 1936, também disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/d00ec90cb602b52e8025780f0051a7b4?OpenDocument.).
No entanto, há ainda uma declaração mínima que se nos afigura indispensável para que se cumpram as exigências legais de fundamentação que visam, afinal, que o contribuinte possa optar conscientemente entre o conformar-se com o acto, aceitando a sua legalidade, ou contra ele reagir administrativa ou contenciosamente. Nesse conteúdo mínimo da declaração fundamentadora deverá conter-se a referência ao montante de imposto sobre o qual foram liquidados os juros compensatórios, à taxa ou taxas aplicáveis e ao período de tempo em que tais juros são exigíveis (Neste sentido, o acórdão desta Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo de 11 de Fevereiro de 2009, proferido no processo com o n.º 1002/08, publicado no Apêndice ao Diário da República de 30 de Abril de 2009 (http://www.dre.pt/pdfgratisac/2009/32210.pdf), págs. 241 a 244, também disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/afda64de2d8db9438025755f0041b823?OpenDocument.).
Só perante esses elementos o contribuinte poderá verificar se a liquidação foi ou não efectuada de acordo com a lei e o tribunal, se tal lhe for solicitado, poderá desempenhar a sua tarefa de sindicância dessa legalidade. Ora, no caso sub judice não há indicação de qualquer desses elementos: não há qualquer indicação do montante do imposto sobre o qual foram liquidados os juros compensatórios; não há referência à taxa ou taxas aplicadas na liquidação dos juros; não há qualquer menção das datas que terão sido consideradas como sendo as do início e do termo do prazo de contagem desses juros, sendo que a inscrição que, a este respeito, consta da nota de liquidação e que ficou transcrita na alínea C) dos factos que a sentença deu como provados é de todo inócua, pois se limita a reproduzir o texto da lei, sem nada concretizar sobre as datas que foram efectivamente consideradas, que era o que se exigia da declaração fundamentadora.
Como deixámos já dito, é de afastar a possibilidade de sanação dessas deficiências da fundamentação ao abrigo do art. 22.º do CPT, que se destina apenas a sanar as deficiências da notificação.
Nem se diga que estamos perante mera operação aritmética e que, por isso, não se requeria maior detalhe na sua fundamentação, pois, antes da aplicação da taxa ao montante de imposto, essa sim mera operação aritmética, haverá que determinar qual o imposto sobre o qual devem ser liquidados os juros, qual a taxa ou taxas aplicáveis e qual o período sobre o qual devem ser contados.
No caso, a AT, na declaração de motivos que externou, não faz qualquer referência a esses elementos e, assim, não podemos ter a fundamentação como suficiente.
A sentença recorrida, porque decidiu em sentido diverso, será revogada nessa parte.
2.2.4 CONCLUSÕES
Preparando a decisão, formulamos seguintes conclusões:
I - O art. 22.º do CPT (a que hoje corresponde o art. 37.º do CPPT) concede ao contribuinte uma faculdade para os casos em que a comunicação do acto enferme de algumas deficiências; não lhe impõe um comportamento com vista a permitir à AT fundamentar a posteriori um acto que não esteja devidamente fundamentado.
II - A fundamentação de uma liquidação de juros compensatórios deve dar a conhecer, no plano factual, o montante de imposto sobre o qual incidem os juros, a taxa ou taxas aplicáveis e o período da sua contagem.
III - Se a declaração fundamentadora da liquidação de juros compensatórios não refere esses elementos, esse acto enferma do vício de forma por falta de fundamentação, a determinar a sua anulabilidade.
* * *
3. DECISÃO
Face ao exposto, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo acordam, em conferência, em conceder provimento ao recurso e, em consequência, revogar a sentença na parte recorrida, julgar a impugnação judicial procedente e anular a liquidação de juros compensatórios impugnada.
*
Sem custas.
*
Lisboa, 30 de Novembro de 2011. – Francisco Rothes (relator) – Pedro Delgado - Dulce Neto.