Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0196/09.6BEBJA 0160/18
Data do Acordão:02/12/2020
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:FRANCISCO ROTHES
Descritores:IMPOSTO MUNICIPAL SOBRE IMÓVEIS
COOPERATIVA
BENEFÍCIOS FISCAIS
Sumário:O atraso na apresentação da declaração a que alude o art. 13.º, n.º 1, do CIMI não implica, por si só, a extinção do benefício concedido pelo art. 10.º da Lei n.º 85/98, de 16 de Dezembro.
Nº Convencional:JSTA000P25577
Nº do Documento:SA2202002120196/09
Data de Entrada:02/14/2018
Recorrente:AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:A............, CRL
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Recurso jurisdicional de sentença proferida no processo de impugnação judicial com o n.º 196/09.6BEBJA (160/18)

1. RELATÓRIO

1.1 O Representante da Fazenda Pública junto do Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja recorreu para o Supremo Tribunal Administrativo da sentença por que a Juíza daquele Tribunal, julgando procedente a impugnação judicial deduzida pela sociedade acima identificada, anulou as liquidações de Imposto Municipal sobre Imóveis (IMI) que lhe foram efectuadas com referência ao ano de 2008 e a diversas fracções de um prédio sob o regime de propriedade horizontal.

1.2 O recurso foi admitido, com subida imediata e nos próprios autos e a Recorrente apresentou a motivação do recurso, que resumiu em conclusões do seguinte teor:

«A) Com ressalva do muito respeito que nos merece o Tribunal recorrido, não pode a Fazenda Pública conformar-se com o decidido;

B) Não se questiona ser aplicável, no presente caso, o Estatuto Fiscal Cooperativo (EFC), aprovado pela Lei n. 85/98, de 16 de Dezembro, na redacção em vigor à data dos factos, como também decidiu o Tribunal recorrido;

C) Não obstante, ainda que, de igual modo, se entenda que estavam reunidos os requisitos estabelecidos no n.º 2 do art. 10.º do EFC, como o entendeu o Tribunal “a quo”, certo é que não se pode concordar com a afirmação que a apresentação fora de prazo da declaração de inscrição na matriz não constitua uma causa extintiva da isenção de IMI, de que a Impugnante beneficiava por força do disposto do EFC;

D) E, sempre sem quebra do devido respeito, não podemos concordar com a afirmação de que “(…) se como propugnou a própria Administração Tributário, a isenção concedida à impugnante por referência ao prédio inscrito na matriz sob o artigo 4240 cessou com a extinção deste mesmo prédio, não é possível equacionar a extinção daquele benefício por força da violação de quaisquer obrigações acessórias. In casu impunha-se a apreciação dos pressupostos de que depende o reconhecimento do benefício fiscal à luz do artigo 10.º, n.º 2 do EFC e por referência a cada um dos prédios”;

E) É inquestionável que a impugnante, por força do estabelecido nos arts. 4.º e 6.º do EFC estava obrigada ao cumprimento das obrigações acessórias;

F) Sendo certo que a Impugnante cumpriu a obrigação de entrega da declaração modelo de IMI em conformidade com o disposto na al. d) do n.º 1 do art. 13.º do Código do IMI, muito após o prazo legalmente previsto;

G) Ora, a afirmação do douto Tribunal recorrido de que se “(...) a isenção concedida à Impugnante por referência ao prédio inscrito na matriz sob o artigo 4240 cessou com a extinção deste mesmo prédio, não é possível equacionar a extinção daquele benefício por força da violação de quaisquer obrigações acessórias (…)”, salvo devido respeito não se afigura correcta;

H) Tal como a Exma. Senhora Procuradora da República, entendemos que com a extinção do prédio inscrito na matriz sob o artigo 4240, a anterior isenção de que a impugnante beneficiava não foi revogada, mas deixou de ter objecto, motivo porque não havia lugar à notificação prevista no art. 6.º n.º 1 do EFC;

I) No entanto, ainda que se entenda que “(...) as fracções autónomas, sejam afectas a habitação ou a serviços, se logram enquadrar no objecto da cooperativa, ora Impugnante, alíneas A) e F) do probatório (...)” como considerado pelo Tribunal “a quo”, não se pode afirmar que não seja possível “(…) equacionar extinção daquele benefício por força da violação de quaisquer obrigações acessórias (…)”:

J) Como efeito, como bem refere o Tribunal recorrido, resulta da lei, in casu do artigo 3.º do EFC, que a isenção prevista no artigo 10.º n.º 2 do EFC não carece de ser requerida e deve ser reconhecida oficiosamente;

K) Mas o EFC também cometia à Autoridade Tributária e Aduaneira (então Direcção-Geral dos Impostos) a fiscalização do cumprimento das obrigações acessórias impostas;

L) Assim, ainda que a isenção a que se referia o n.º 2 do art. 10.º do EFC, não fosse automática, mas sim de reconhecimento oficioso (ou automático), e não carecesse de ser requerida (art. 3.º, do EFC), competia à Autoridade Tributária a fiscalização dos pressupostos da mesma, atento o art. 5.º do EFC;

M) Para que a Administração Tributária pudesse apreciar da verificação dos pressupostos de que depende o reconhecimento do benefício fiscal à luz do artigo 10.º n.º 2 do EFC e por referência a cada um dos prédios correspondente a cada fracção autónoma, como referido na sentença ora sob recurso, seria necessário que a impugnante procedesse à entrega da modelo 1 IMI;

N) Declaração Modelo 1 de IMI que a Impugnante entregou muito após o termo do prazo estabelecido no art. 13.º do IMI, como se disse, atendendo à data de conclusão das obras como informado pela Câmara Municipal de Alcácer do Sal;

O) Em cumprimento dos deveres de fiscalização impostos pelo art. 5.º. do EFC, a Autoridade Tributária verificou, assim, que a impugnante havia incumprido as obrigações acessórias a que estava obrigada;

P) Motivo porque não poderia a Autoridade Tributária reconhecer à impugnante o direito de isenção de IMI para cada uma das fracções autónomas;

Q) E não se diga que não foi efectuada a notificação prevista no n.º 1 do Art. 6.º do EFC pois que, só com a apresentação tardia da Modelo 1 de IMI, tomou a Autoridade Tributária conhecimento do incumprimento, pelo que tal notificação, a ser efectuada, representaria um acto inútil (cfr. artigo 137.º do CPC vigente à data) e, como tal, proibido por lei, pois que a obrigação acessória já havia sido, tardiamente, repisa-se, cumprida;

R) Consequentemente, ao decidir como fez, o Tribunal “a quo” violou disposto nos arts. 4.º, n.º 1; 5.º e 6.º n.º 1, todos do EFC, aprovado pela Lei n.º 85/98, de 16 de Dezembro, incorrendo em erro de julgamento por errada aplicação do direito.

Nestes termos e nos mais de direito aplicáveis, com o douto suprimento judicial, requer-se a V.as Ex.as seja dado provimento ao presente recurso e seja revogada a sentença recorrida sendo substituída por douto acórdão que julgue a impugnação improcedente com as devidas e legais consequências».

1.3 A Impugnante apresentou contra-alegação, pugnando pela manutenção da sentença, com conclusões do seguinte teor:

«A. A Recorrente vem interpor recurso da douta sentença da Meritíssima Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja, proferida nos presentes autos, a 24.05.2017, que julgou procedente a impugnação judicial apresentada pela Recorrida contra o acto de liquidação adicional de Imposto Municipal sobre Imóveis (IMI) da primeira prestação do ano de 2008, respeitante ao prédio urbano situado na freguesia e concelho de ………, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 4633 (ex-4240), no valor total de € 51.494,86 (cinquenta e um mil quatrocentos e noventa e quatro euros e oitenta e seis cêntimos), por entender que «(...) ao decidir como fez, o Tribunal “a quo” violou disposto nas arts. 4.º, n.º 1; 5.º e 6.º, n.º 1 todos do EFC, aprovado pela Lei n.º 85/98, de 16 de Dezembro, incorrendo em erro de julgamento por errada aplicação do direito».

B. Ora, não pode a Recorrida concordar e acompanhar a tese do Recorrente, por entender que a Mma. Juiz [do Tribunal] a quo andou bem, decidindo no sentido da procedência da impugnação judicial apresentada contra o acto de liquidação adicional de IMI, 1.ª prestação de 2008, sindicado, com fundamento na violação, dos actos em crise, «[d]o disposto no artigo 10.º n.º 2 do EFC, por não ter sido oficiosamente reconhecida a isenção de IMI veneficando-se, como se verificam os pressupostos objectivo e subjectivo aí previstos, ou seja trata-se de uma cooperativa de primeiro grau e destinarem-se os imóveis em apreço ao exercício das actividades do ramo da construção e habitação e serviços, prosseguidos pela impugnante», não tendo, por essa razão, a douta sentença recorrida claudicado na aplicação do direito, e não tendo, em consequência, cometido qualquer erro de julgamento, pelo que não é a mesma, do ponto de vista da Recorrida, objecto de qualquer crítica ou censura. Pois vejamos,

C. Nas suas alegações, a Recorrente manifesta o entendimento de que a sentença recorrida se encontra viciada, por um lado, por considerar que “não obstante, ainda que, de igual modo, se entenda que estavam reunidos os requisitos estabelecidos na n.º 2 do artigo 10.º do EFC, como entendeu o Tribunal “a quo”, certo é que não se pode concordar com a afirmação que a apresentação fora de prazo da declaração de inscrição na matriz não constituam causa extintiva da isenção de IMI, de que a Impugnante beneficiava por força do disposto na EFC» (Vide ponto C) das Conclusões das alegações apresentadas pela AT), e por outro, que: “(...) a afirmação do douto Tribunal recorrida de que se “a isenção concedida à impugnante por referência ao prédio inscrito na matriz sob o artigo 4240 cessou com a extinção deste mesmo prédio, não é possível equacionar a extinção daquele benefício par força da violação de quaisquer obrigações acessórias (...), salvo o devido respeito não se afigura correcta», pois, «[t]al como a Exma. Senhora Procuradora da República, entendemos que com a extinção do prédio inscrita na matriz sob o artigo 4240, a anterior isenção de que a Impugnante beneficiava não foi revogada, mas deixou de ter objecto, motivo porque não havia lugar à notificação prevista no art. 5.º, n.º 1 da EFC» (Vide pontos G) e H) das Conclusões das alegações apresentadas pela AT).

D. Ora, não pode a Recorrida concordar com os argumentos aduzidos pela Recorrente, por considerar, por um lado, que cumpriu as suas obrigações acessórias, nomeadamente, com a entrega da Declaração de IMI após a conclusão das obras e edificações que levaram à alteração da matriz, e que resultaram na atribuição de novo artigo matricial, e, por outro, que preenchendo os pressupostos para usufruir do benefício fiscal previsto no n.º 2 do artigo 10.º do EFC, e que sendo este um benefício automático, é manifesto que o mesmo não pode ser extinto, mormente porque os seus pressupostos nunca deixaram de se verificar. Pois,

E. … reportando-se o artigo matricial 4240 – sobre o qual incidia o benefício fiscal previsto no n.º 2 do artigo 10.º do EFC de que a Recorrida beneficiava, e sobre o qual a AT não levantou quaisquer problemas, tendo-o inclusive “reconhecido” – a um prédio em propriedade total com andares ou divisões susceptíveis de utilidade independente, o qual acabou por se “extinguir”, em virtude das edificações levadas a cabo pela Recorrida, e, consequente, constituição no regime de propriedade horizontal, por alteradas as suas características ou elementos matriciais, entende a Recorrida que tal não conduz ou determinou a eliminação do prédio em causa, dado que esta só ocorreria no caso de demolição do mesmo.

F. Na verdade, nestas circunstâncias, o artigo matricial originário acaba por ser alterado, sendo atribuído um novo, quando não se trate de meras actualizações, no entanto, o prédio físico e jurídico (na acepção do CIMI) mantém-se. Ora, sem embargo, de estas realidades civilísticas serem díspares – propriedade horizontal vs vertical – a verdade é que tal disparidade não colide com o facto de tanto uma como outra se destinarem ao escopo social da cooperativa, preenchendo, deste modo, os pressupostos do benefício fiscal previsto no n.º 2 do artigo 10.º do EFC, andando, por esta razão bem a sentença recorrida, ao determinar que «(...) a isenção concedida à Impugnante por referência ao prédio inscrito na matriz sob o artigo 4240 cessou com a extinção deste mesmo prédio, não [sendo por isso], possível equacionar a extinção daquele benefício por força da violação de quaisquer obrigações acessórias, In casu, impunha-se a apreciação dos pressupostos de que depende o reconhecimento do benefício fiscal à luz do artigo 10.º n.º 2 do EFC e por referência a cada um dos prédios».

G. No que toca ao cumprimento das obrigações acessórias, entende a Recorrida que as cumpriu cabalmente, para que a AT pudesse desempenhar o seu dever de fiscalização – argumento alegado pela Recorrente – e, consequentemente aferir da verificação dos pressupostos do benefício em causa.

H. Com efeito, se estes não se verificassem, aí, sim, seria legítimo à AT proceder e notificar à cooperativa o acto de liquidação de IMI aqui em apreço, isto, sublinhe-se, se os pressupostos do n.º 2 do artigo 10.º do EFC não se verificassem ou se se tivessem deixado de verificar – o que nunca aconteceu!

I. Tendo a Recorrida preenchido desde sempre quer o elemento subjectivo – por ser uma cooperativa de primeiro grau – e o objectivo – o prédio em causa (mesmo sofrendo uma alteração, dada a constituição do mesmo no regime de propriedade horizontal), sempre se destinou e continuou a destinar à sede e ao exercício das actividades que constituem o seu objecto social – pelo que esteve sempre em condições de lhe ser concedido e “reconhecido” o do benefício fiscal previsto no n.º 2 do artigo 10.º do EFC, por ser o mesmo automático, i.e, de aplicação imediata e por depender directamente da lei, sem necessidade de qualquer reconhecimento por parte da AT.

J. Resulta, assim, do supra exposto, que as liquidações controvertidas se encontram feridas de legalidade por não terem tido em consideração o preenchimento dos pressupostos do benefício fiscal (automático) de que a Recorrida beneficiava ao abrigo do n.º 2 do artigo 10.º do EFC, nos termos expostos na douta sentença recorrida, pelo que, deve improceder o recurso e respectivas alegações apresentadas pela Recorrente e, consequentemente, manter-se a decisão recorrida nos seus exactos termos, assim se fazendo a acostumada justiça».

1.4 Recebidos os autos neste Supremo Tribunal Administrativo, foi dada vista ao Ministério Público e o Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de que seja negado provimento ao recurso e mantida a sentença, com a seguinte fundamentação: «[…]

II. DOS ERROS DE JULGAMENTO DE DIREITO
II.1. A título liminar, o Ministério Público avança que, no seu modesto entendimento, o presente recurso jurisdicional não merece provimento.
Assim, perscrutadas as alegações, constata-se que o pomo da discórdia reside no apuramento das consequências desencadeadas pela apresentação, fora do prazo legal, da declaração modelo 1 de IMI, imposta pela alínea d) do n.º 1 do artigo 13.º do Código do IMI, respeitante ao prédio urbano em regime de propriedade horizontal, com as fracções A, AA a AZ, B, BA a BZ, C, CA a CZ, D, DA a DR, E, F, G, H, I, J, L, M, N, O, P, Q, R, S, T, U, V, X e Z sito na freguesia de ………., Concelho de Alcácer do Sal, inscrito na matriz da referida freguesia, sob o artigo 4633 (prédio a que alude a alínea H do probatório, ínsita a fls. 438 do p. f.)
Destarte, importará aqui dilucidar se a extemporaneidade do cumprimento dessa disposição legal materializa a violação das obrigações acessórias a que a Recorrida se encontrava sujeita, por força do preceituado no artigo 4.º do EFC e, como decorrência, se essa inobservância comporta – ou não – a extinção automática da isenção de IMI prevista no artigo 10.º do Estatuto Fiscal Cooperativo, relativamente aos prédios destinados à sede e ao exercício da actividade estatutária desenvolvida pela Cooperativa.
Assim, a norma do n.º 1 do artigo 4.º do EFC estabelecia que “As cooperativas, ainda que isentas, total ou parcialmente, de imposto, encontram-se obrigadas ao cumprimento de todas as obrigações acessórias estabelecidas na legislação fiscal a que respeitem os benefícios usufruídos”.
E, por sua vez, o artigo 6.º do mesmo diploma estipulava, no seu n.º 1, que “Os benefícios extinguem-se pela inobservância das obrigações impostas no artigo 4.º e desde que a situação de incumprimento não seja sanada no prazo de 90 dias contados a partir da notificação que, para o efeito seja realizado”.
Ora, na versão da Recorrente AT, com a extinção do prédio inscrito na matriz predial urbana da aludida freguesia, sob o artigo 4240, para dar origem ao prédio em regime de propriedade horizontal inscrito, na mesma matriz, sob o artigo 4633 (v. a alínea H do probatório), a isenção do IMI de que a Impugnante era beneficiária não foi revogada, mas teria cessado por carência de objecto (cfr. a conclusão H, ínsita a fls. 477 do p.f)
A ser assim, como observou, argutamente, a julgadora do TAF a quo, se, na óptica da AT, a isenção já teria cessado anteriormente, por falta de objecto, é paradoxal a asserção de que tal isenção teria posteriormente expirado por violação das obrigações acessórias alegadamente incumpridas.
Trata-se aqui de uma contradictio in adiecto no raciocínio explanado pela AT, que destrói ou, pelo menos, fragiliza a posição doutrinária da ora Recorrente.

II. 2. Como quer que seja, atenta a factualidade adquirida pelo TAF a quo, impõe-se concluir pela verificação in casu dos dois requisitos cumulativos, subjectivo e objectivo, a que o citado artigo 10.º subordina a concessão automática da isenção, facto que a Recorrente nem sequer impugnou nesta sede recursiva.
Nesta conformidade, impunha-se à AT que concedesse oficiosamente a isenção de IMI à Recorrida […], face à natureza meramente declarativa do acto a proferir, de harmonia com o disposto no artigo 12.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais, segundo o qual “o direito aos benefícios fiscais deve reportar-se à data da verificação dos respectivos pressupostos, ainda que esteja dependente de reconhecimento declarativo pela administração fiscal ou de acordo entre esta e a pessoa beneficiada, salvo quando a lei dispuser de outro modo».
De todo o modo, mesmo que assim não se entenda, deveria a AT, em alternativa, previamente à liquidação impugnada, emitir despacho a declarar extinto o benefício, nos termos e para os efeitos do n.º 1 do artigo 6.º do EFC, e só então efectuar a liquidação, o que não fez, cerceando, assim, os legítimos direitos e interesses da ora Impugnante.
Acresce que, a pretender usar da prerrogativa concedida pelo artigo 6.º do EFC, competia à AT, para tanto, proceder à notificação da Impugnante/Recorrida, já não para sanar a situação de incumprimento, anterior e voluntariamente suprida, mas sim, ao invés, com vista a aquilatar das razões da conduta omissiva da aqui Impugnante, mormente, do incumprimento do prazo legal de apresentação da declaração modelo 1 de IMI, a fim de apurar se ocorrera grosseira negligência ou culpa grave, justificativas da extinção da isenção prevista no supracitado artigo 10.º do EFC, o que, igualmente, não fez».

1.5 Cumpre apreciar e decidir.


* * *

2. FUNDAMENTAÇÃO

2.1 DE FACTO

A sentença recorrida deu como assentes os seguintes factos:

«A) Em 20/10/1994, foi constituída, por escritura pública, uma cooperativa de primeiro grau, no ramo da construção e habitação, do sector cooperativo, com a denominação de “A…………, COOPERATIVA DE RESPONSABILIDADE LIMITADA” e que, de acordo com o documento complementar se dedica ao ramo de habitação e construção, sendo o objecto da cooperativa a construção, para os seus membros de fogos situados em zonas rurais e podendo, ainda, desenvolver outros ramos do sector cooperativo, nomeadamente agrícola e de serviços (cfr. documento n.º 1 junto com a Petição Inicial – P.I. e fls. 20 a 23 do PAT);

B) Em 22/03/1996, foi outorgada a escritura pública de compra e venda entre B………… e a Impugnante, da qual resulta a aquisição por esta do prédio misto denominado “………”, sito na freguesia de ………, descrito na Conservatória do Registo Predial de Alcácer do Sal sob o número 806/221296 - ........., inscrito na matriz sob os artigos 333, 334, 335, 336 e 337, estando a parte rústica omissa na matriz (cfr. fls. 88 a 365 do PAT);

C) Em 27/12/2001, a Impugnante requereu a isenção do pagamento da contribuição autárquica, em função da alteração da classificação do prédio até ao final de 2003 nos termos do artigo 10.º n.º 1, alínea d) do Código da Contribuição Autárquica (cfr. fls. 88 a 365 do PAT);

D) Em 30/09/2002, o Chefe de Finanças de Alcácer do Sal proferiu despacho com o seguinte teor «...a requerente demonstrar reunir os condicionalismos previstos no DL 455/80 de 9 de Outubro, averbe-se a isenção da Cont. Aut.» (cfr. fls. 88 a 365 do PAT);

E) Em 27/02/2006, foi emitida a liquidação de IMI com o n.º 016449003, referente ao ano de 2005, do qual resulta o imposto devido no total de € 150,45, a pagar em Abril de 2006, referente aos seguintes prédios:


(cfr. documento n.º 4 junto com a PI)

F) Em 02/10/2006, por escritura pública, foram alterados os estatutos da Impugnante a qual passou a englobar no seu objecto os ramos de habitação e construção, agrícola e serviços e alterou-se a sua sede para a ………, Km ………, ………, Alcácer do Sal (cfr. documento n.º 1 junto com a P.I. e fls. 36 a 48 do PAT);

G) Em 10/03/2007, foi emitida a liquidação de IMI com o n.º 2733331103, referente ao ano de 2006, do qual resulta o imposto devido no total de € 152,05, a pagar em Setembro de 2006, referente aos seguintes prédios:

(cfr. documento n.º 3 com a PI);

H) O prédio referido na alínea 8) supra inscrito na matriz sob o artigo 4240 deu origem ao prédio urbano inscrito na matriz sob o artigo 4633, da freguesia de ………, Concelho de Alcácer do Sal, com as fracções A, AA a AZ, 8, BA a BZ, C, CA a CZ, D, DA a DR, E, F, G, H, I, J, L, M, N, O, P, Q, R, S, T, U, V, X e Z (cfr. fls. 88 a 365 dos autos e fls. 3 a 9 do PAT);

I) Em 26/06/2007 o Chefe de Finanças proferiu despacho nos termos do qual reconheceu oficiosamente, nos termos do artigo 10.º do Estatuto Fiscal Cooperativo a isenção do imóvel destinado à sede da Cooperativa (cfr. fls. 88 a 365 dos autos);

J) Em 08/03/2008, foi emitida a liquidação de IMI com o n. 279856503, referente ao ano de 2007, do qual resulta o imposto devido no total de € 145,19, a pagar em Abril de 2008, referente aos seguintes prédios:

(cfr. documento n.º 5 junto com a PI);

K) Em 08/03/2008, foi emitida a liquidação de IMI com o n.º 279856703, referente ao ano de 2007, do qual resulta o imposto devido no total de € 145,18, a pagar em Setembro de 2008, referente aos seguintes prédios:

(cfr. documento n.º 5-A junto com a PI);

L) Em 30/06/2008, a Câmara Municipal de Alcácer do Sal informou o de finanças sobre a data de conclusão das obras das diversas fracções autónomas que compõem o prédio inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 4633 (cfr. fls. 10 a 13 do PAT);

M) Em 19/08/2008, o Chefe de Finanças de Alcácer do Sal proferiu despacho com o seguinte teor:
«À data da conclusão das obras tem efeitos relevantes para determinar o ano de início da sujeição dos prédios a IMI, considerando-se estes concluídos na primeira das datas referidas no n.º 1 do art. 10.º do Código do IMI.
A conclusão das obras das diversas fracções que constituem o art. 4633 da freguesia de ……… ocorreram em datas diferentes da indicada na dec. mod. 1 de IMI apresentada nestes serviços em 2007/05/03 conforme se constata pelo mapa anexo que acompanhou o ofício n.º 1054 de 2008/06/19 da Câmara Municipal de Alcácer do Sal. Verificando-se tal facto e atento ao disposto no n.º 2 do art. 10.º do Código do IMI, fixo como data da conclusão das obras a data indicada no citado mapa para cada uma das frações autónomas que constituem o dito prédio» (cfr. fls. 16 do PAT);

N) Em 21/08/2008, foi remetido à Impugnante o oficio n.º 1972, com o assunto «NOTIFICAÇÃO - N.º 2 DO ART 10.º DO CIMI», pelo qual se comunicou o ofício da Câmara Municipal de Alcácer do Sal e o despacho do Chefe de Finanças (cfr. fls. 14 e 15 do PAT);

O) Em 08/03/2009, foi emitida a liquidação de IMI com o n. 289306103, referente à primeira prestação do ano de 2008, da qual resulta o imposto devido no total de €51.819,53, correspondente às seguintes fracções:

(cfr. documento n.º 1 junto com a PI);

P) Em 08/04/2009, foi emitida a demonstração de revisão oficiosa de liquidação de IMI com o n.º 391552905, referente à primeira prestação do ano de 2008 do qual resulta o imposto devido no total de € 51.494,87, correspondente às seguintes fracções:

(cfr. documento n.º 6 junto com a PI);

Q) Em 20/05/2009, foi emitido o alvará de utilização n.º 82/2009 em nome de A…………, CRL, que titula a autorização de utilização do Aldeamento Turístico sido na ………, em Alcácer do Sal (cfr. fls. 379 dos autos);

R) Em 25/05/2009, a Impugnante remeteu, por correio registado, a petição inicial da presente impugnação (cfr. fls. 1 a 26 dos autos);

S) Em 04/12/2009, foi publicado no Diário da República, 2.ª Série, n.º 235, o despacho n.º 26416/2009, de 06/11/2009, do Secretário de Estado do Turismo, que atribuiu a utilidade turística a título definitivo ao Aldeamento Turístico ……… (cfr. fls. 380 dos autos);

T) Foi reconhecida a isenção de IMI no período de 2009 a 2015 ao abrigo do artigo 43.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais às fracções A, AA, AB, AC, AD, AF, AG, AH, AI, AJ, AM, AN, AO, AP, AQ, AR, AS, AT, AU, AV, AX, AZ, 8, BA, BB, BC, BD, BE, BF, BG, BH, BI, BJ, BL, BM, BN, BO, BP, BQ, BR, BS, BT, BU, BV, BX, BZ, C, CA e DP do prédio inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 4633 (cfr. fls. 88 a 365 dos autos);

U) Em 02/12/2009, a Impugnante deu início a procedimento para reconhecimento de benefício fiscal, por afectação à actividade de turismo, com estatuto de utilidade turística (cfr. fls. 88 a 365 dos autos);

V) Em 16/12/2009, o Chefe de Finanças reconheceu a isenção nos termos do artigo 47.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais para as fracções autónomas designadas pelas letras A a Z, AA a AZ, BA a BZ, CA a CZ e DA a DR do prédio urbano construído em regime de propriedade horizontal e inscrito na matriz predial urbana da freguesia de ………, concelho de Alcácer do Sal, sob o artigo 4633 (cfr. fls. 88 a 365 dos autos)».


*

2.2 DE DIREITO

2.2.1 A QUESTÃO A APRECIAR E DECIDIR

A AT insurge-se contra a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja que, julgando procedente a impugnação judicial de liquidações de IMI, relativas ao ano de 2008 e a diversos prédios, anulou esses actos.
Sustenta a Recorrente que a liquidação impugnada não padece do vício que determinou a anulação da liquidação decretada naquela, a saber: a violação do art. 10.º, n.º 2, do Estatuto Fiscal Cooperativo (EFC) então em vigor, aprovado pela Lei n.º 85/98, de 16 de Dezembro. Isto, no seu entendimento, porque o sujeito passivo já não beneficiava da isenção prevista nesse dispositivo legal, porque o benefício fiscal correspondente se extingue pelo incumprimento das obrigações acessórias previstas da legislação fiscal e porque o sujeito passivo não deu cumprimento à obrigação acessória de apresentação da declaração de inscrição na matriz no prazo legal previsto no art. 13.º, n.º 1, do CIMI.
Assim, a questão a apreciar e decidir é a de saber se o art. 6.º, n.º 1, da Lei n.º 85/98, de 16 de Dezembro, deve ser interpretado no sentido de que a falta de apresentação da declaração de inscrição na matriz importa a extinção do benefício fiscal a que aludia o n.º 2 do art. 10.º do mesmo diploma.

2.2.2 DA (I)LEGALIDADE DAS LIQUIDAÇÕES

A questão que cumpre apreciar e decidir foi já apreciada por este Supremo Tribunal Administrativo – em recursos em tudo idênticos, pois as partes são as mesmas e as alegações e contra-alegações do recurso são em tudo idênticas às dos presentes autos – e decidida uniformemente pelos acórdãos de 20 de Março de 2019, proferido no processo com o n.º 8/09.0BEBJA (156/18) (Disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/b787f7050a54977d802583c5005429c7;), e de 16 de Janeiro de 2020, proferido no processo com o n.º 332/09.2BEBJA (157/18) (Disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/864194ca59ba54d5802584f6004a3c89.).
Quer em obediência ao disposto no n.º 3 do art. 8.º do Código Civil, quer porque concordamos integralmente com o que ali ficou decidido e respectivos fundamentos, usando da faculdade concedida no n.º 5 do art. 663.º do Código de Processo Civil (CPC), aplicável ex vi da alínea e) do art. 2.º do CPPT, remetemos para a fundamentação adoptada no mais recente dos referidos acórdãos.

2.2.3 CONCLUSÃO

Consequentemente, o recurso não será provido, formulando-se a seguinte conclusão:

O atraso na apresentação da declaração a que alude o art. 13.º, n.º 1, do CIMI não implica, por si só, a extinção do benefício concedido pelo art. 10.º da Lei n.º 85/98, de 16 de Dezembro.


* * *

3. DECISÃO

Em face do exposto, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo acordam, em conferência, em negar provimento ao recurso.


*

Custas pela Recorrente, que ficou vencida [cf. art. 527.º, n.ºs 1 e 2, do CPC, aplicável ex vi da alínea e) do art. 2.º do CPPT].

*

Dispensamos a junção do acórdão para que remetemos, uma vez que se encontra disponível no sítio indicado e dele foram notificadas a Recorrente e a Recorrida.

*

*


Lisboa, 12 de Fevereiro de 2020. – Francisco Rothes (relator) – Aragão Seia – Aníbal Ferraz.