Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo | |
Processo: | 01291/14 |
Data do Acordão: | 11/19/2014 |
Tribunal: | 2 SECÇÃO |
Relator: | FRANCISCO ROTHES |
Descritores: | CONTRA-ORDENAÇÃO IMPUGNAÇÃO JUDICIAL DECISÃO POR DESPACHO FALTA DE AUDIÇÃO DO ARGUIDO E DO MINISTÉRIO PÚBLICO |
Sumário: | I - Verifica-se a nulidade insanável prevista na alínea c) do art. 119.º, bem como a nulidade prevista na alínea d) do n.º 2 do art. 120.º, ambos do CPP, se o despacho por que o juiz decidiu o recurso da decisão administrativa de aplicação de coima não foi antecedido da notificação ao arguido e o Ministério Público para os efeitos previstos na segunda parte do n.º 2 do art. 64.º do RGCO, o que determina a invalidade dessa decisão, nos termos do disposto no n.º 1 do art. 122.º do mesmo CPP, sempre aplicável ex vi da alínea b) do art. 3.º do RGIT e do art. 41.º do RGCO. II - Porque essa decisão conheceu o recurso judicial sem a prévia concordância do arguido e do Ministério Público, o recurso jurisdicional dela interposto com esse fundamento deve ser provido, declarando-se nula a decisão e remetendo-se os autos ao tribunal a quo,a fim de assegurar a audição prévia do arguido e do Ministério Público. |
Nº Convencional: | JSTA000P18243 |
Nº do Documento: | SA22014111901291 |
Data de Entrada: | 11/04/2014 |
Recorrente: | MINISTÉRIO PÚBLICO |
Recorrido 1: | AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA |
Votação: | UNANIMIDADE |
Aditamento: | |
Texto Integral: | Recurso jurisdicional da decisão proferida no processo de contra-ordenação com o n.º 1992/13.5BELRS
1. RELATÓRIO 1.1 No recurso de aplicação da coima em processo de contra-ordenação tributária deduzido pela sociedade denominada “A…….., Lda.” (a seguir Arguida ou Recorrida), a Juíza do Tribunal Tributário de Lisboa, imediatamente após os autos lhe terem sido apresentados ao abrigo do disposto no art. 62.º do Regime Geral das Contra-Ordenações (RGCO), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro, aplicável ex vi da alínea b) do art. 3.º do Regime Geral das Infracções Tributárias (RGIT), admitiu o recurso e, do mesmo passo, proferiu decisão na qual anulou a decisão administrativa de fixação da coima e «os subsequentes termos do processo de contra-ordenação dependentes daquela decisão». 1.2 Inconformado com essa decisão, o Representante do Ministério Público (a seguir Recorrente) junto do Tribunal Tributário de Lisboa dela veio recorrer para este Supremo Tribunal Administrativo, apresentando a respectiva motivação, que resumiu em conclusões do seguinte teor (Permitimo-nos corrigir o lapso verificado na numeração, onde o n.º 2 estava repetido.): « 1- O recurso interposto por “A………., Lda.” foi em 29.10.2013 – cfr. fls. 128 – remetido pelo Ministério Público ao Juiz; 2- Tal acto, nos termos do n.º 1 do art. 62.º do RGCO, equivale à acusação. 3- Em 13.03.2014 o juiz decidiu o caso através de simples despacho. 4- Não foi concedido prazo ao MP nem ao arguido para, querendo, se pronunciarem, opondo-se caso assim o entendessem, a uma decisão por mero despacho, em conformidade com o disposto no n.º 2 do art. 64.º do RGCO. 5- De acordo do estipulado no n.º 2 do art. 64.º do Dec. Lei n.º 433/82, de 27.10, a possibilidade de decidir o recurso de impugnação judicial por simples despacho está absolutamente dependente da não oposição da arguida e do Ministério Público a essa forma de decidir. 6- A omissão dessa audição constitui a nulidade insanável prevista na alínea c) do artigo 119.º do Código de Processo Penal, aplicável “ex vi” art. 41.º Dec. Lei n.º 433/82, de 27.10 (RGCO). 7- A decisão por simples despacho implica, nos termos do art. 122.º, n.º 1 do CPPenal, a invalidade da decisão por simples despacho proferida nos autos. 8- A sentença recorrida viola o disposto no n.º 2 do art. 64.º do Dec. Lei n.º 433/82, de 27.10, pelo que deverá ser revogada e ordenado o prosseguimento dos autos». 1.3. Não foram apresentadas contra-alegações. 1.4 Dispensaram-se os vistos dos Juízes Conselheiros Adjuntos, dada a simplicidade da questão a dirimir e o facto de muito recentemente se ter decidido a mesma questão, suscitada no âmbito de um outro processo. 1.5 A questão que cumpre apreciar e decidir é apenas a de saber se o juiz pode decidir o recurso da decisão de aplicação de coima por despacho sem previamente notificar o arguido e o representante do Ministério Público nos termos e para os efeitos do n.º 2 do art. 64.º do RGCO. * * * 2. FUNDAMENTAÇÃO 2.1 DE FACTO A decisão recorrida efectuou o julgamento de facto nos seguintes termos: « Com relevância para a decisão, considera-se provada a seguinte factualidade constante dos autos: A) Em 1 de Maio de 2001 foi levantado auto de notícia contra a ora recorrente, imputando-lhe a infracção do disposto no nos artigos 27.º, n.º 1 e 41.º, n.º 1, alínea a), do Código do IVA – apresentação dentro prazo D.P. s/ meio de pagamento ou c/ pagamento insuficiente (M), com referência ao período 2011/02, punível pelos artigos 11.º, n.º 2 e 26.º, n.º 4, do RGIT – falta de entrega da prestação tributária dentro do prazo (cfr. fls. 4 dos autos); B) Com base no auto de notícia referido em A) que antecede, o Serviço de Finanças de Lisboa 2 instaurou, em 4 de Maio de 2011, contra a arguida, ora recorrente, o processo de contra-ordenação n.º 3247201106063373 (cfr. fls. 3 dos autos); C) Em 18 de Setembro de 2013, no âmbito do mencionado processo de contra-ordenação, o Chefe do Serviço de Finanças de Lisboa 2 proferiu o despacho objecto dos presentes autos, que aplicou à arguida coima no montante de € 23.391,93, acrescida de custas processuais, no montante de € 51,00 (cfr. fls. 84 e 85 dos autos); D) Do referido despacho consta o seguinte: «Descrição Sumária dos Factos
(…) DESPACHO Assim, tendo em conta estes elementos para a graduação da coima e de acordo com o disposto no Art. 79.º do RGIT aplico ao arguido a coima de Eur. 23.391,93, cominada no(s) Art(s) 114.º n.º 2 e 26.º n.º 4, do RGIT, com respeito pelos limites do Art. 26.º do mesmo diploma, sendo ainda devidas custas (Eur 51,00) nos termos do n.º 2 do Dec.-Lei n.º 29/98 de 11 de Fevereiro. Notifique-se o arguido nos termos da presente decisão, juntando-se-lhe cópia, para efectuar o pagamento da coima com o benefício de redução no prazo de 20 dias, podendo neste último prazo recorrer judicialmente (79.º/2 RGIT), sob pena de cobrança coerciva, advertindo-o de que vigora o Princípio de Proibição da “Reformatio in Pejus” (em caso de recurso não é susceptível de agravamento, excepto se a situação económica e financeira do infractor tiver melhorado de forma sensível)» (cfr. fls. 84 e 85 dos autos); E) Em 19 de Setembro de 2013, o ora recorrente foi notificada para, no prazo de vinte dias, proceder ao pagamento da coima e das custas processuais referidas em C) e D) que antecedem, ou, no mesmo prazo, apresentar recurso judicial da decisão de aplicação da coima (cfr. fls. 86 e 87 dos autos); F) Em 9 de Outubro de 2013, a arguida apresentou recurso da decisão referida em C) e D) que antecedem (cfr. fls. 88 a 107 dos autos)». * 2.2 DE DIREITO 2.2.1 A QUESTÃO A APRECIAR E DECIDIR Ao abrigo do disposto no art. 62.º do RGCO, aplicável ex vi da alínea b) do art. 3.º do RGIT, o Representante do Ministério Público no Tribunal Tributário de Lisboa apresentou à Juíza daquele Tribunal o recurso judicial interposto pela sociedade ora Recorrida contra a decisão do Chefe do Serviço de Finanças de Lisboa 2 que lhe aplicou uma coima. A Juíza, de imediato, admitiu o recurso e decidiu-o, anulando a decisão administrativa de fixação da coima e «os subsequentes termos do processo de contra-ordenação dependentes daquela decisão» com o fundamento de aquela decisão enfermava da nulidade insuprível previsto no art. 63.º, n.º 1, alínea d), do RGIT, uma vez que não tinha cumprido adequadamente o requisito do n.º 1 do art. 79.º do mesmo diploma. A questão foi decidida recentemente por esta Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, no acórdão de 29 de Outubro de 2014, proferido no processo n.º 1024/14 (Ainda não publicado no jornal oficial, disponível em «1 - O juiz decidirá do caso mediante audiência de julgamento ou através de simples despacho. 2 - O juiz decide por despacho quando não considere necessária a audiência de julgamento e o arguido ou o Ministério Público não se oponham». São, portanto, dois os requisitos - cumulativos - para que o juiz possa decidir por despacho: (i) que não considere necessária a audiência de julgamento e (ii) que o arguido e o Ministério Público não se oponham. Face ao exposto, concedendo-se provimento ao recurso, declarar-se-á a nulidade do despacho recorrido e ordenar-se-á a baixa dos autos ao Tribunal a quo, a fim de aí prosseguirem com a notificação da Arguida e do Ministério Público, de harmonia e para efeitos do disposto no n.º 2 do art. 64.º do RGCO. 2.2.3 CONCLUSÕES Preparando a decisão, formulamos as seguintes conclusões: I - Verifica-se a nulidade insanável prevista na alínea c) do art. 119.º, bem como a nulidade prevista na alínea d) do n.º 2 do art. 120.º, ambos do CPP, se o despacho por que o juiz decidiu o recurso da decisão administrativa de aplicação de coima não foi antecedido da notificação ao arguido e o Ministério Público para os efeitos previstos na segunda parte do n.º 2 do art. 64.º do RGCO, o que determina a invalidade dessa decisão, nos termos do disposto no n.º 1 do art. 122.º do mesmo CPP, sempre aplicável ex vi da alínea b) do art. 3.º do RGIT e do art. 41.º do RGCO. II - Porque essa decisão conheceu o recurso judicial sem a prévia concordância do arguido e do Ministério Público, o recurso jurisdicional dela interposto com esse fundamento deve ser provido, declarando-se nula a decisão e remetendo-se os autos ao tribunal a quo, a fim de assegurar a audição prévia do arguido e do Ministério Público. * * * 3. DECISÃO Face ao exposto, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo acordam, em conferência, em conceder provimento ao recurso, declarar a nulidade do despacho recorrido e ordenar a baixa dos autos ao Tribunal a quo,a fim de aí prosseguirem com a notificação da Arguida e do Ministério Público, de harmonia e para efeitos do disposto no n.º 2 do art. 64.º do RGCO. Sem custas. * Lisboa, 19 de Novembro de 2014. - Francisco Rothes (relator) - Aragão Seia - Casimiro Gonçalves. |