Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0726/11
Data do Acordão:10/29/2014
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:FRANCISCO ROTHES
Descritores:CADUCIDADE DO DIREITO À LIQUIDAÇÃO
CADUCIDADE DO DIREITO DE IMPUGNAR
NOTIFICAÇÃO
Sumário:I - Enquanto para aferir da caducidade do direito de impugnar judicialmente é mister que a notificação assegure o efectivo conhecimento do acto pelo notificando (assim assegurando o cabal exercício de todos os direitos de reacção contra o mesmo, sendo que a exigência de notificação, porque tem subjacente ou está conexionada com o direito de impugnação de actos administrativos lesivos consagrada no n.º 4 do art. 268.º da CRP, surge aqui como garantia fundamental dos cidadãos), quando se trata de aferir da caducidade do direito à liquidação a notificação visa apenas garantir que o acto foi praticado dentro do prazo para o exercício desse direito.
II - O facto de, perante uma notificação irregular (a carta registada foi enviada e recebida, mas sem que obedeça ao formalismo legalmente imposto, designadamente o aviso de recepção), não se ter dado como provado o efectivo conhecimento do acto notificando pelo seu destinatário – o que determinou a revogação da sentença que considerou caducado o direito de impugnar o mesmo acto –, não impede que se considere a notificação suficiente para demonstrar a prática do acto dentro do prazo da caducidade do direito à liquidação (cfr. art. 45.º, n.º 6, da LGT), não podendo argumentar-se em sentido contrário com uma pretensa violação do caso julgado.
Nº Convencional:JSTA00068964
Nº do Documento:SA2201410290726
Data de Entrada:07/18/2011
Recorrente:FAZENDA PÚBLICA
Recorrido 1:A..., LDA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TAF LOULÉ
Decisão:PROVIDO
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - IMPUGN JUDICIAL
Legislação Nacional:CPPTRIB99 ART85 N1 N2 ART102 N1 ART37 ART38 N3 ART39 N1 N2.
CCIV66 ART341 N1 N3.
CPC13 ART621 ART628.
LGT98 ART45 N6.
CONST76 ART268 N3 N4.
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC0331/11 DE 2012/04/12.
Referência a Doutrina:LEITE DE CAMPOS, BENJAMIM RODRIGUES E JORGE DE SOUSA - LEI GERAL TRIBUTÁRIA ANOTADA E COMENTADA 4ED PÁG359-360.
CARVALHO FERNANDES - CADUCIDADE PÁG666-667.
Aditamento:
Texto Integral: Recurso jurisdicional da sentença proferida no processo de impugnação judicial com o n.º 674/07.1BELLE

1. RELATÓRIO

1.1 A sociedade denominada “A…………….., Lda.” (adiante Impugnante ou Recorrida) deduziu impugnação judicial contra as liquidações adicionais de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) que lhe foram efectuadas com referência a cada um dos trimestres do ano de 2002.

1.2 O Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé proferiu uma primeira sentença (de fls. 294 a 310) em que julgou caducado o direito de impugnar e, em consequência, absolveu a Fazenda Pública do pedido.

1.3 Dessa sentença recorreu a Impugnante para o Tribunal Central Administrativo Sul que, pelo acórdão de fls. 361 a 379, concedeu provimento ao recurso, revogou a sentença recorrida e ordenou que os autos regressassem à 1.ª instância para conhecimento do mérito da impugnação judicial.

1.4 Regressados os autos ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé, foi proferida nova sentença (de fls. 387 a 403) que, julgando procedente a impugnação judicial com fundamento na caducidade do direito à liquidação, anulou a liquidação impugnada.

1.5 Dessa sentença recorreu a Fazenda Pública para este Supremo Tribunal Administrativo e o recurso foi admitido, para subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.

1.6 A Recorrente apresentou as alegações de recurso, que resumiu em conclusões do seguinte teor: «

a) As questões decidendas são: a impugnante foi validamente notificada do exercício do direito de audição e como tal poderia ser notificada da liquidação adicional de IVA através de carta registada, nos termos do art. 38.º n.º 3 do CPPT? E, caso assim se não entenda, se a formalidade da exigência de notificação por carta registada com aviso de recepção, se degradou em formalidade não essencial com a tomada de conhecimento da liquidação pela ora recorrida?

b) Do art. 77.º n.º 6 da LGT e art. 36.º do CPPT resulta que os actos tributários que afectem os direitos e interesses dos contribuintes só produzem efeitos quando lhes sejam validamente notificados (Vide art. 268.º n.º 3 da CRP);

c) O art. 60.º n.º 1 al. e) e n.º 4 da LGT conjugado com art. 60.º do RCPIT prevê que o direito de audição deve ser enviado em carta registada simples para o domicílio fiscal do contribuinte;

d) A carta registada enviada para a sede da sociedade impugnante, para efeitos do exercício do direito de audição relativamente ao projecto de relatório, foi devolvida com a indicação de “mudou-se”, mas por consulta aos dados do Sistema Informático da DGCI (Cadastro dos Contribuintes), verificou-se que naquela data a sua sede manteve-se inalterada;

e) Logo, qualquer posterior alteração da sua sede é ineficaz perante a Administração Tributária enquanto não lhe for comunicada, nos termos do disposto no art. 43.º n.º 2 do CPPT e art. 19.º n.º 3 da LGT;

f) Ora, tendo a sociedade mantido a sua sede, tal notificação tem de considerar-se validamente efectuada, já que a lei não exige para a mesma a notificação pessoal ou com aviso de recepção;

g) O n.º 3 do art. 38.º do CPPT (redacção dada pela Lei n.º 55-B/2004, de 30/12), estabelece que as notificações de liquidações de tributos que resultem de correcções à matéria tributável que tenha sido objecto de notificação para efeitos do direito de audição são efectuadas por carta [registada] simples, presumindo-se efectuadas no 3.º dia posterior ao do registo ou no 1.º dia útil seguinte quando aquele seja dia não útil, nos termos do n.º 1 do art. 39.º do CPPT;

h) Razão porque a Administração Tributária procedeu ao envio de carta registada simples para a sede da impugnante para concretizar, de forma válida, a notificação do acto de liquidação, a qual se deve considerar feita no 3.º dia posterior ao registo, tendo em conta que a mudança da sede, não comunicada à Administração, implica a inoponibilidade da falta do seu recebimento (Cfr. art. 38.º n.º 3 e art. 43.º n.º 2 ambos do CPPT);

i) Ou seja, a efectiva notificação para efeitos do exercício do direito de audição da correcção efectuada à matéria colectável torna suficiente o envio de carta registada simples para a perfeição da notificação do acto de liquidação, o que aqui ocorreu;

j) Se assim não se entender, o que só por mero dever de patrocínio se concede, sempre se dirá que, a formalidade da exigência de notificação por carta registada com aviso de recepção, degradou-se em formalidade não essencial com a tomada de conhecimento da liquidação pela impugnante, ora recorrida, senão veja-se:

k) As liquidações de IVA foram igualmente devolvidas com a indicação de “mudou-se”, mas do Sistema Informático da DGCI (Cadastro dos Contribuintes) não consta qualquer alteração da sede da sociedade, por isso, não tendo cumprido o dever de a actualizar, tal facto não pode ser oponível à Administração Tributária, nos termos do art. 43.º n.º 1 e 2 do CPPT e do art. 19.º n.º 3 da LGT, pelo que têm-se por validamente notificadas;

l) A teoria das formalidades não essenciais é uma decorrência do princípio do aproveitamento dos actos, defendendo que quando uma formalidade não é realizada mas o objectivo material foi atingido, essa formalidade transforma-se em formalidade não essencial, sendo o acto apenas irregular, assim

m) A prova que a notificação foi recebida pela impugnante sana a irregularidade procedimental (formalidade ad probationem);

n) Do probatório (prova documental - doc. 3 a 6 da contestação e prova testemunhal cassete n.º 236) retira-se com segurança que a impugnante teve conhecimento da liquidação de imposto, já que foi a sua conduta durante todo o procedimento inspectivo que obstaculizou qualquer notificação postal ou pessoal;

o) Na mesma sede da sociedade existia uma outra empresa cujos sócios gerentes eram os mesmos desta sociedade impugnante, então como é que se pode dizer que a Administração Tributária não provou o efectivo conhecimento pela impugnante daquela notificação, se esta foi para aí enviada e entregue;

p) Assim sendo, provou-se que foi efectivada a notificação ao contribuinte pela forma legal, dentro do prazo de caducidade, pelo que não há dúvidas que tem-se por verificada a caducidade do direito à respectiva liquidação;

q) A douta sentença padece de erro de julgamento por violação do disposto nos arts. 38.º n.º 3 e 43.º n.º 2 ambos do CPPT e art. 19.º n.º 3 e 45.º n.º 1 da LGT.

Face ao exposto, deve ser dado provimento ao presente recurso e, consequentemente, revogada a sentença recorrida, só assim se fazendo JUSTIÇA» (Porque usamos o itálico nas transcrições, os excertos que estavam em itálico no original surgem aqui em tipo normal.).

1.7 A Impugnante contra alegou, resumindo a sua posição em conclusões do seguinte teor: «

I - O recurso interposto pela recorrente incide sobre sentença proferida, em 18.4.2011, pela 2.ª Unidade Orgânica, do Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé, a qual julgou procedente a falta de atempada e regular notificação da impugnante no prazo de caducidade do direito de liquidação.

II - A sentença sub judice foi emitida pelo douto Tribunal a quo na sequência e em cumprimento de anterior Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul (TCAS) proferido em 3.11.2010, no processo n.º 4270/10, o qual havia já transitado em julgado.

III - No âmbito do recurso já apreciado pelo TCAS “A questão decidenda traduz-se em saber se a impugnante deve considerar-se notificada da liquidação dentro do prazo de caducidade nos termos prescritos para a notificação por carta registada e, por conseguinte, se a presente impugnação foi tempestivamente apresentada”.

IV - Tendo-se [n]esse Tribunal de recurso decidido o seguinte: “Mas isso significará que, no presente caso, a formalidade consistente na exigência de notificação por carta registada com aviso de recepção, se degradou em formalidade não essencial com a tomada de conhecimento da liquidação pela impugnante?
A nosso ver a resposta terá que ser negativa pois que a irregularidade de falta de formalidades legais ocorridas na notificação de um acto só poderá obter sanação mediante a prova do conhecimento efectivo desse acto pelo destinatário, ónus a cargo da Fazenda Pública, sendo a dúvida contra ela resolvida.
Ora, não se provando nos autos o efectivo conhecimento e existindo fundada dúvida sobre se o destinatário teve tal conhecimento, sendo o ónus da Fazenda Pública, essa dúvida beneficiará a impugnante (cfr. art. 341.º n.ºs 1 a 3 do Código Civil)
Desta forma, há que concluir que assiste razão à recorrente, não tendo ocorrido a caducidade do direito de impugnar, procedendo o presente recurso.”

V - Uma vez que a sentença sub judice se adequou agora ao decidido – e já transitado em julgado – em sede de recurso, nenhuma crítica será de se lhe dirigir.

VI - Sob pena de, claro está, ocorrer uma violação de caso julgado.

VII - Atente-se que a sentença recorrida bem andou ao precisar que “a notificação irregular que impediu a caducidade do direito de acção, é precisamente a mesma que poderia impedir a caducidade do direito da administração fiscal proceder à liquidação do tributo.

VIII - Representando um absurdo ilogicismo judiciário a tese da recorrente, segundo a qual, uma e a mesma notificação poderá ser tida como válida, regular e operante quando em causa esteja a análise da caducidade do direito de liquidação e ser inválida, irregular e inoperante quando se esteja a analisar a caducidade do direito de impugnação.

IX - De salientar que o cotejo das notificações de imposto subjacentes aos autos com a doutrina da degradação de formalidades essenciais em formalidades não essenciais havia já sido levada a cabo pelo Acórdão do TCAS, tendo este decidido pela não degradação dessa formalidade.

X - Sem conceder, e por mera cautela imposta pelo dever de patrocínio, mais se diga que nos parece que nenhuma outra questão pertinente é legitimamente trazida a recurso, pois da análise das alegações e conclusões da recorrente parece que esta disconcorda, primordialmente, com a matéria de facto fixada em primeira instância.

XI - Contudo, o presente recurso elege como Tribunal ad quem o Supremo Tribunal Administrativo, o que pressupõe e implica a renúncia, por banda da recorrente, a que seja revista a matéria de facto fixada em 1.ª instância, uma vez que o âmbito do presente recurso se verá exclusivamente limitado a matéria de direito nos termos do artigo 280.º, n.º 1, do CPPT.

XII - O erro de julgamento que à luz do artigo 38.º, n.º 3, do CPPT, a recorrente imputa ao tribunal a quo não tem qualquer razão de ser uma vez que decorre do próprio probatório da sentença sub judice que a impugnante não foi efectivamente notificada para o exercício de direito de audição prévio à liquidação de imposto.

XIII - Aliás, é notório que em 1.ª instância não conseguiu a ora recorrente exercer o ónus que sobre si incumbia, demonstrando e comprovando aí o efectivo recebimento por banda da impugnante das notificações que lhe foram dirigidas.

XIV - Tentando agora contornar essa questão – dando a recorrente de barato essa demonstração – pressupondo-a onde o tribunal de 1.ª instância teve o cuidado de analisar e avaliar, decidindo-se este, e bem, pela sua não verificação.

XV - Decisão que se deverá manter pois não é de acompanhar a recorrente na sua interpretação do artigo 43.º, n.º 2, do CPPT.

XVI - No qual a RFP vislumbra uma presunção inilídivel de efectivo recebimento, nos termos da qual bastará provar-se que uma dada notificação foi enviada para o domicílio constante de registo da administração fiscal para que possamos daí extrair o seu efectivo recebimento por banda do destinatário.

XVII - Presunção essa que a recorrente convida o Supremo Tribunal Administrativo a sancionar, ainda que para tal não subsista qualquer base ou fundamento legal.

XVIII - Pois a norma do artigo 43.º, n.º 2, do CPPT, não prevê semelhante presunção.

XIX - Dispondo apenas que não serão oponíveis à Administração Fiscal as faltas de recebimento de avisos e comunicações, “sem prejuízo do que a lei dispõe quanto à obrigatoriedade da citação e da notificação e dos termos por que devem ser efectuadas.” (sublinhado da recorrida).

XX - De modo que a mera alegação do artigo 43.º, n.º 2, do CPPT, não terá a virtuosidade de sanar comprovadas irregularidades de uma notificação de liquidação adicional de imposto, quer respeite à sua obrigatoriedade ou diga respeito aos termos legais que a mesma deveria ter observado.

XXI - Em suma, as alegações e conclusões da recorrente não contém qualquer prova, facto, circunstância ou alegação que nos permita concluir pela efectiva notificação da impugnante, seja da notificação de projecto de relatório de inspecção, seja da notificação de liquidações adicionais de imposto.

XXII - Pelo que nenhuma censura nos merece o decidido pelo Tribunal a quo em face dos artigo 38.º, n.º 3 e artigo 43.º, n.º 2, do CPPT, devendo-se manter-se o decidido em primeira instância.

Nestes termos e nos mais de direito que V. Exas. doutamente suprirão, deverá ser negado provimento ao presente recurso e, em consequência, manter-se plenamente válida na ordem jurídica a sentença recorrida, assim fazendo V. Exas. a costumada Justiça».

1.8 Recebidos os autos neste Supremo Tribunal Administrativo, foi dada vista ao Ministério Público, que se absteve de emitir parecer.

1.9 Colheram-se os vistos dos Juízes Conselheiros adjuntos.

1.10 A questão que cumpre apreciar e decidir é a de saber se a sentença recorrida fez correcto julgamento ao considerar verificada a caducidade do direito à liquidação no que se refere às liquidações impugnadas, o que, como procuraremos demonstrar, passa por indagar se a notificação que não tenha sido considerada válida para efeitos de marcar o termo inicial do prazo para o exercício do direito de impugnação judicial das liquidações notificandas pode servir para considerar interrompido o prazo da caducidade do direito à liquidação referente aos mesmos actos.


* * *

2. FUNDAMENTAÇÃO

2.1 DE FACTO

A sentença recorrida efectuou o julgamento da matéria de facto nos seguintes termos: «

A) A impugnante é uma sociedade por quotas, enquadrada, para efeitos de IVA, no regime normal de periodicidade trimestral, cuja actividade foi iniciada em Julho de 1990 com o CAE 52.444 – Comércio a Retalho de Outros Artigos Para o Lar, cfr. fls. 38.

B) Cessou a sua actividade em 31/12/2005 para fins de IVA, cfr. fls. 38.

C) Em cumprimento da ordem de serviço n.º 200602795, datada de 02/05/2006, a Impugnante foi alvo de procedimento inspectivo externo parcial com incidência em IVA e IRC relativo ao exercício de 2002, cfr. fls. 36.

D) Pelo ofício n.º 74372, de 18/09/2006, os Serviços de Inspecção enviaram à Impugnante – para a Av………, ………..., …………., Lj. ………., 1000-……….. LISBOA –, sob registo postal CTT “R061 1575466PT”, a notificação prévia para procedimento de inspecção, cfr. fls. 140.

E) A carta a que se refere a alínea anterior foi devolvida com a anotação “dizem-me ser desconhecido nesta morada”, cfr. fls. 142.

F) Em 26/09/2006 foi enviada à Impugnante a notificação n.º 77294 para exibição da escrita, cfr. fls. 143 e 144.

G) A notificação a que se refere a alínea anterior foi enviada para a impugnante na morada Av. ………., ………. ………………, Lj. …………, cfr. fls. 145.

H) Em 26/09/2006 foi enviado ao sócio gerente da Impugnante a notificação n.º 77295 para exibição da escrita, cfr. fls. 146 e 147.

I) A carta a que se refere a alínea anterior – expedida para a Rua ……..., n.º ………, 2775-……….. Carcavelos – veio devolvida com a anotação de “não reclamado”, cfr. fls. 149.

J) Em 26/09/2006 foi enviado ao sócio gerente da Impugnante a notificação n.º 77296 para exibição da escrita, cfr. fls. 151 e 152.

K) A carta a que se refere a alínea anterior – expedida para a Rua ………., n.º ……, 2775-…….. Carcavelos – veio devolvida com a anotação de “não reclamado”, cfr. fls. 153.

L) Em 26/09/2006 foi enviado à sócia-gerente da Impugnante B…………., a notificação n.º 77297 para exibição da escrita, cfr. fls. 154 e 155.

M) A carta a que se refere a alínea anterior – expedida para a Rua ……….., n.º ……….., 2775-………. Carcavelos – veio devolvida com a anotação de “não reclamado”, cfr. fls. 156.

N) Em 26/09/2006 foi enviado ao TOC da Impugnante C…………….., a notificação n.º 77296 para exibição da escrita, cfr. fls. 158 a 160.

O) Em 25/10/2006 a Administração Fiscal enviou à Impugnante o “Projecto de Relatório da Inspecção Tributária” para a morada Av. ………, ………., ……………., Lj. ……….., através do registo CTT “RO 1932 12745PT”, cfr. fls. 161 a 163.

P) A notificação a que se refere a alínea anterior veio devolvida com a anotação “mudou-se”,

Q) Em 21/11/2006, AF enviou o relatório de inspecção tributária – of. 095518 – à impugnante, para Av. …………, ……….. …………, Lj. …………, cfr. fls. 168 a 171.

R) A notificação a que se refere a alínea anterior veio devolvida com a anotação “mudou-se”.

S) Em 21/11/2006 a AF enviou o relatório de inspecção tributária – of. 095517 – ao administrador da impugnante, D………………, com a morada Rua ………., n.º ………, 2715-……….. Carcavelos, através do registo CTT “R0610904948PT”, cfr. fls. 165 a 167.

T) A notificação a que se refere a alínea anterior veio devolvida com a anotação “mudou-se”.

U) Em 04/12/2006, a AF enviou 2.ª notificação do relatório de inspecção tributária – of. 100350 – à impugnante, para Av. ………., ………. …………., Lj. …………, cfr. fls. 172 a 174.

V) A notificação a que se refere a alínea anterior veio devolvida com a anotação “mudou-se”.

X) Em 13/01/2007, a AF elaborou as liquidações adicionais de IVA referentes aos períodos 02012T, 0209T, 0206T e 0203T, cfr. fls. 175.

Z) O prazo de pagamento terminou em 31/03/2007, cfr. fls. 175.

AA) As liquidações a que se refere a alínea Z) foram todas notificadas em 05/02/2007, cfr. fls. 176 a 187, 266 a 269.

AB) Em 25/08/2007 a impugnante solicitou a emissão de uma certidão, ao abrigo do art. 37.º do Código Procedimento e Processo Tributário, cfr. fls. 17.

AC) A impugnante apresentou novo requerimento ao abrigo do art. 37.º do CPPT, cfr. alegado pela Impugnante e não contrariado pela Fazenda Pública.

AD) A Certidão foi entregue em 03/10/2007, cfr. fls. 29.

AE) A petição foi apresentada em 19/12/2007, cfr. fls. 119.

AF) A Impugnante tem o seu domicílio fiscal na Av. ……………., n.º …………, ……………, Lj. ……….., cfr. relatório de inspecção a fls. 37».

2.2 DE DIREITO

2.2.1 AS QUESTÕES A APRECIAR E DECIDIR

Numa impugnação judicial instaurada pela sociedade ora Recorrente contra as liquidações de IVA que lhe foram efectuadas com referência ao ano de 2002 na sequência de uma inspecção que levou a que a AT lhe fixasse a matéria colectável e o imposto em falta com recurso a métodos indirectos, o Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé, na primeira sentença proferida nestes autos, julgou caducado o direito de impugnar e, em consequência, absolveu a Fazenda Pública do pedido.
Note-se que o prazo de 90 dias para deduzir impugnação judicial se conta, em regra, do termo do prazo para o pagamento voluntário [cfr. art. 102.º, n.º 1, alínea a), do CPPT («1. A impugnação será apresentada no prazo de 90 dias contados a partir dos factos seguintes:
a) Termo do prazo para pagamento voluntário das prestações tributárias legalmente notificadas ao contribuinte; […]».)] e que este, por sua vez, a menos que se encontre regulado expressamente pelas leis tributárias, é de 30 dias após a notificação para o efeito [cfr. art. 85.º, n.ºs 1 e 2, do CPPT («1. Os prazos de pagamento voluntário dos tributos são regulados nas leis tributárias.
2. Nos casos em que as leis tributárias não estabeleçam prazo de pagamento, este será de 30 dias após a notificação para o pagamento efectuada pelos serviços competentes.
[…]».)].
Na referida sentença, o Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé considerou, em síntese, que na data em que foi apresentada a petição inicial há muito se tinha esgotado o prazo deduzir a impugnação judicial e que, sendo certo que a Impugnante pediu uma certidão ao abrigo do art. 37.º do CPPT (Nos termos do art. 37.º do CPPT, «[s]e e a comunicação da decisão em matéria tributária não contiver a fundamentação legalmente exigida, a indicação dos meios de reacção contra o acto notificado ou outros requisitos exigidos pelas leis tributárias, pode o interessado, dentro de 30 dias ou dentro do prazo para reclamação, recurso ou impugnação ou outro meio judicial que desta decisão caiba, se inferior, requerer a notificação dos requisitos que tenham sido omitidos ou a passagem de certidão que os contenha, isenta de qualquer pagamento» (n.º 1) e «[s]e o interessado usar da faculdade concedida no número anterior, o prazo para a reclamação, recurso, impugnação ou outro meio judicial conta-se a partir da notificação ou da entrega da certidão que tenha sido requerida» (n.º 2).), também este pedido foi efectuado para além do termo do prazo para impugnar. Mais considerou que, apesar de a Impugnante alegar que não foi notificada das liquidações impugnadas, «dos documentos juntos aos autos resulta que […] foi efectivamente notificada».
A Impugnante recorreu dessa sentença para o Tribunal Central Administrativo Sul que, por acórdão, decidiu no sentido de «conceder provimento ao recurso, revogar a sentença, devendo conhecer-se do mérito da impugnação judicial».
Se bem interpretamos o acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, nele se considerou que, pese embora estarem provados o envio da carta de notificação para o domicílio fiscal da sociedade notificanda e o seu recebimento, porque essa carta não obedeceu às formalidades prescritas na lei, pois não foi enviada com aviso de recepção, como o deveria ter sido [uma vez que não se concretizou a notificação para exercício do direito de audiência prévia sobre a correcção da matéria tributável que poderia dispensar o aviso de recepção na carta enviada para notificação da subsequente liquidação, nos termos do n.º 3 do art. 38.º do CPPT (No art. 38.º do CPPT, depois de no n.º 1 se referir que «[a]s notificações são efectuadas obrigatoriamente por carta registada com aviso de recepção, sempre que tenham por objecto actos ou decisões susceptíveis de alterarem a situação tributária dos contribuintes», o n.º 3 ressalva, para além do mais, as notificações «relativas às liquidações de tributos que resultem de declarações dos contribuintes ou de correcções à matéria tributável que tenha sido objecto de notificação para efeitos do direito de audição» que, nos termos do mesmo número, «são efectuadas por carta registada».)], permanece a dúvida quanto ao efectivo conhecimento do acto notificado pelo seu destinatário, sendo que a dúvida quanto a este facto se deve decidir contra a AT, atento o disposto no art. 341.º, n.ºs 1 a 3, do Código Civil (CC). Assim, concluiu-se naquele aresto, não se pode julgar verificada a caducidade do direito de impugnar, uma vez que o início do prazo para o exercício deste direito implica uma notificação válida e regular ou, pelo menos, a prova da data do efectivo conhecimento do acto notificando.
Devolvidos os autos à 1.ª instância, para conhecimento do mérito (se a tal nada mais obstasse, como é óbvio), o Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé proferiu nova sentença, na qual julgou a impugnação judicial procedente com fundamento na caducidade do direito à liquidação e deu por prejudicado o conhecimento das demais questões suscitadas pela Impugnante.
Nesta nova sentença entendeu o Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé que «a notificação irregular que impediu a caducidade do direito de acção é precisamente a mesma que poderia impedir a caducidade do direito da administração fiscal proceder à liquidação do tributo», motivo por que «[n]ão se podendo concluir que a Impugnante foi regularmente notificada, no prazo de caducidade, ou em qualquer outro, lógica é a conclusão de que caducou o direito do Estado proceder à liquidação do tributo, atendendo a que está em causa a liquidação adicional de IVA referente ao ano de 2002 e que há muito decorreu o prazo de 4 anos previsto no artigo 45.º, n.º 1, da L.G.T.».
Contra esta sentença insurgiu-se a Fazenda Pública, que dela interpôs recurso para este Supremo Tribunal Administrativo.
Começa a Fazenda Pública por questionar que a notificação houvesse de realizar-se por carta registada com aviso de recepção, uma vez que, a seu ver, deve considerar-se que a Impugnante foi notificada para exercer o direito de audiência prévia em sede de inspecção, sendo irrelevante a devolução da carta para o efeito com a menção de “mudou-se”, porque, não tendo a Contribuinte comunicado à AT qualquer alteração da sua sede, a eventual mudança da mesma sempre lhe seria inoponível. Mais questiona a Fazenda Pública que a Recorrida não tenha tido conhecimento do acto notificando. Finalmente, considera que está demonstrado que a notificação foi efectivada dentro do prazo da caducidade, pelo que não pode considerar-se verificada a caducidade do direito à liquidação.
Por seu turno, a Impugnante sustenta a manutenção da sentença recorrida – que julgou verificada a caducidade do direito à liquidação e, em consequência, anulou as liquidações impugnadas – com o argumento de que a mesma foi proferida em cumprimento do referido acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul e que, decidindo-se em sentido contrário, incorrer-se-ia, não só em violação do caso julgado, como também num «absurdo ilogicismo judiciário» decorrente de «uma e a mesma notificação poder […] ser tida como válida, regular e operante quando em causa esteja a análise da caducidade do direito de liquidação e ser inválida, irregular e inoperante quando se esteja a analisar a caducidade do direito de impugnação».
Antes do mais, cumpre ter presente que, contrariamente ao que parece supor a Recorrente, não pode agora voltar a apreciar-se a questão de saber se a notificação da liquidação podia ser efectuada por carta registada simples, o que implicaria reabrir também a questão de saber se a Contribuinte foi ou não notificada para o exercício do direito de audiência em sede de inspecção, como também não pode reapreciar-se a questão de saber se a notificação da liquidação chegou ou não ao conhecimento da ora Recorrida, tudo por que essas questões foram já decididas pelo acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul proferido nos presentes autos, que transitou em julgado [cfr. art. 628.º do Código de Processo Civil (CPC) («A decisão considera-se transitada em julgado logo que não seja susceptível de recurso ordinário ou de reclamação» (na versão do Código de Processo Civil, aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho, rectificada pela Declaração de Rectificação n.º 36/2013, de 12 de Agosto; na versão anterior corresponde-lhe o art. 677.º).)], e, por isso, estão a coberto da força do caso julgado [cfr. art. 621.º do CPC («A sentença constitui caso julgado nos precisos limites e termos em que julga […]» (na versão anterior corresponde-lhe o art. 673.º).)].
Assim, como deixámos dito em 1.10, a questão que cumpre apreciar e decidir é a de saber se a sentença recorrida fez correcto julgamento ao considerar verificada a caducidade do direito à liquidação no que se refere às liquidações impugnadas, o que, como procuraremos demonstrar, passa unicamente por indagar se a notificação que não tenha sido considerada válida para efeitos de marcar o termo inicial do prazo para o exercício do direito de impugnação judicial da liquidação notificanda pode servir para considerar interrompido o prazo da caducidade do direito à liquidação referente ao mesmo acto.

2.2.2 DA CADUCIDADE DO DIREITO À LIQUIDAÇÃO

A sentença recorrida considerou que, porque o Tribunal Central Administrativo Sul revogou a primeira sentença proferida nestes autos, que julgou caducado o direito de impugnar com fundamento na irregularidade da notificação do acto impugnado e na falta de prova do efectivo conhecimento do teor da mesma, também haveria de considerar-se que a mesma notificação, porque irregular, não podia impedir a caducidade do direito à liquidação. Assim, e por «falta de atempada e regular notificação da Impugnante no prazo de caducidade do direito à liquidação», julgou procedente a impugnação judicial com fundamento na caducidade desse direito, invocada como um dos fundamentos do pedido de anulação dos actos impugnados. Mais julgou prejudicado o conhecimento das demais questões suscitadas na petição inicial.
Na verdade, como deixámos já dito, o Tribunal Central Administrativo Sul, apreciando o recurso interposto da primeira sentença proferida nestes autos – que tinha decidido pela caducidade do direito de acção – considerou que, apesar de provados o envio da carta para notificação no domicílio fiscal da sociedade Impugnante e o seu recebimento, não podia dar-se como provado que esta tivesse tomado efectivo conhecimento do seu teor. Isto porque essa carta não obedeceu às formalidades prescritas na lei (pois não fora enviada com aviso de recepção, como o deveria ter sido, uma vez que não se concretizou a notificação para exercício do direito de audiência prévia sobre a correcção da matéria tributável que poderia dispensar o aviso de recepção na carta enviada para notificação da subsequente liquidação, nos termos do n.º 3 do art. 38.º do CPPT) e permanecia a dúvida quanto ao efectivo conhecimento do acto notificado pela Impugnante, sendo que a dúvida quanto a este facto se deve decidir contra a AT, atento o disposto no art. 341.º, n.ºs 1 a 3, do CC. Assim, concluiu-se naquele aresto, não se pode julgar verificada a caducidade do direito de impugnar, uma vez que o início do prazo para o exercício deste direito implica uma notificação válida e regular ou, pelo menos, a prova da data do efectivo conhecimento do acto notificando.
A Fazenda Pública discorda desse entendimento e, se bem que por motivos diversos dos por ela invocados, entendemos que, contrariamente ao decidido na sentença recorrida, se deve considerar que a notificação em causa interrompeu o prazo da caducidade do direito à liquidação. Vejamos:
É certo que, como se afirmou na sentença recorrida, «a notificação irregular que impediu a caducidade do direito de acção é precisamente a mesma que poderia impedir a caducidade do direito da administração fiscal proceder à liquidação do tributo».
Porém, já não podemos concordar que a irregularidade da notificação – que ora não pode discutir-se e tem de aceitar-se – seja impeditiva da interrupção da caducidade do direito à liquidação. Isto, como procuraremos demonstrar, sem que haja violação alguma do caso julgado, na medida em que não questionamos a irregularidade da notificação, nem que se verifique o «absurdo ilogicismo judiciário» que a Recorrida imputa à «tese da recorrente, segundo a qual, uma e a mesma notificação poderá ser tida como válida, regular e operante quando em causa esteja a análise da caducidade do direito de liquidação e ser inválida, irregular e inoperante quando se esteja a analisar a caducidade do direito de impugnação».
Vejamos:
Para aferir da caducidade do direito de impugnar judicialmente é mister que a notificação assegure o efectivo conhecimento do acto pelo notificando. Só assim se assegura a este a possibilidade de exercer todos os direitos de reacção contra o acto notificado, sendo que a exigência de notificação, porque tem subjacente ou está conexionada com o direito de impugnação de actos administrativos lesivos [cfr. art. 268.º, n.ºs 3 e 4 da Constituição da República Portuguesa ( «3. Os actos administrativos estão sujeitos a notificação aos interessados, na forma prevista na lei, e carecem de fundamentação expressa e acessível quando afectem direitos ou interesses legalmente protegidos.
4. É garantido aos administrados tutela jurisdicional efectiva dos seus direitos ou interesses legalmente protegidos, incluindo, nomeadamente, o reconhecimento desses direitos ou interesses, a impugnação de quaisquer actos administrativos que os lesem, independentemente da sua forma, a determinação da prática de actos administrativos legalmente devidos e a adopção de medidas cautelares adequadas».) (CRP), surge aqui como garantia fundamental dos cidadãos].
Daí que o Tribunal Central Administrativo Sul, no acórdão proferido nestes autos, em face da irregularidade da notificação, tenha considerado indispensável a prova do efectivo conhecimento do acto e, na dúvida sobre esse facto, tenha considerado que a mesma deveria ser decidida contra a AT, por força da aplicação das regras da distribuição do ónus da prova (Na verdade, a dúvida sobre este ponto tem de ser processualmente valorada a favor da Impugnante, pois trata-se de um facto constitutivo do direito da AT e, por isso, é sobre ela que recai o ónus da prova desse facto (cfr. art. 74.º, n.º 1, da LGT).).
Já quando se trata de aferir da caducidade do direito à liquidação a notificação visa apenas garantir que o acto foi praticado dentro do prazo para o exercício desse direito.
Assim sendo, afigura-se-nos que a irregularidade da notificação – que consistiu no facto de a mesma ter sido remetida à ora Recorrida por carta registada simples e não por carta registada com aviso de recepção – não impede que se considere que a notificação foi efectuada dentro do prazo da caducidade, tanto mais que ficou provado que a carta foi remetida e recebida na sede (domicílio fiscal) da sociedade ora recorrida.
Aliás, o próprio acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul deixou registado – e bem – que «a notificação efectuada ainda que não possa ser considerada válida nem regular (por omissão de formalidades legais) é, no entanto, eficaz (por ter chegado ao conhecimento da interessada) pelo que produziu efeitos, designadamente a título de interpelação para pagamento do imposto» (cfr. último parágrafo de fls. 376 e fls. 377).
Na verdade, o n.º 6 (Aditado pela Lei n.º 53-A/2006, de 29 de Dezembro (Orçamento do Estado para 2007).) do art. 45.º da Lei Geral Tributária (LGT), dispõe: «Para efeitos de contagem do prazo referido no n.º 1 [que fixa o prazo de caducidade do direito à liquidação], as notificações sob registo consideram-se validamente efectuadas no 3.º dia posterior ao do registo ou no 1.º dia útil seguinte a esse, quando esse dia não seja útil».
O preceito não distingue entre a carta registada simples e a carta registada com aviso de recepção, sendo que nele está consagrada uma presunção de notificação para efeitos de contagem do prazo de caducidade do direito de liquidação.
Ou seja, enquanto «[à] face da redacção inicial deste art. 45.º da LGT, a notificação, para obstar à caducidade, tinha de chegar efectivamente ao destinatário dentro do prazo de caducidade», «a Lei n.º 53-A/2006, de 29 de Dezembro, aditou o n.º 6, em que se estabelece uma presunção que as notificações sob registo se consideram validamente efectuadas no 3.º dia posterior ao do registo ou no 1.º dia útil seguinte a esse, quando esse dia não seja útil » (DIOGO LEITE DE CAMPOS, BENJAMIM SILVA RODRIGUES e JORGE LOPES DE SOUSA, Lei Geral Tributária Anotada e Comentada, Encontro da Escrita, 4.ª edição, anotação 5 ao art. 45.º, pág. 359.).
Essa presunção é de considerar inilidível, «como se depreende do uso da palavra «sempre», que não deixa margem para qualquer restrição quanto à amplitude de aplicabilidade da presunção, e da expressão «consideram-se» e não «presumem-se» como se refere no art. 39.º, n.º 1, do CPPT, para situação semelhante, neste último caso com possibilidade de ilisão, nos termos do n.º 2 do mesmo artigo» (Ibidem.), sendo que é essa impossibilidade de ilidir a presunção que dá sentido útil ao n.º 6 do art. 45.º.
«Porém, como resulta da parte inicial deste n.º 6, a presunção inilidível aqui prevista vale apenas «para efeitos de contagem do prazo referido no n.º 1», pelo que a notificação não se presume efectuada para qualquer outro efeito, designadamente para o de determinar o início dos prazos de impugnação administrativa e contenciosa, nem afasta a possibilidade de o destinatário utilizar o meio previsto no art. 37.º do CPPT para obter o aperfeiçoamento de notificações insuficientes.
Isto é, apesar da imperfeição da notificação, ela considerar-se-á efectuada para efeitos de obstar à caducidade, desde que contenha a identificação do acto de liquidação que se notifica» (Idem, pág. 360.).
Por outro lado, como se salientou no acórdão desta Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo de 12 de Abril de 2012, proferido no processo n.º 331/11 (No Apêndice ao Diário da República de 8 de Outubro de 2013 (http://dre.pt/pdfgratisac/2012/32220.pdf), págs. 984 a 993, também disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/97cc0f0c178ae3cd802579f20034b73e?OpenDocument.), não se argumente com a eventual inconstitucionalidade dessa interpretação por violação do direito à notificação constitucionalmente consagrado no art. 268.º, n.º 3, da CRP: «É que a exigência de notificação aqui consagrada como garantia fundamental dos cidadãos tem subjacente ou está conexionada com o direito de impugnação de actos administrativos lesivos, sendo que a mesma não é afastada pelo n.º 6 do art. 45.º da LGT, pois, tal como resulta do teor literal, a presunção inilidível ali prevista só vale para «efeitos de contagem do prazo referido no n.º 1»; «O que se pretende não é assegurar que o destinatário teve conhecimento do acto dentro do prazo, mas apenas que o acto foi efectivamente praticado no prazo que a lei estabeleceu para a Administração emitir o acto de liquidação sob pena de caducidade. Note-se, porém, que o legislador ao exigir que para efeitos da contagem do prazo de caducidade, as notificações sob registo se consideram validamente efectuadas no 3.º dia posterior ao do registo ou no 1.º dia útil seguinte a esse, quando esse dia não seja útil, significa que para evitar a caducidade não basta a mera prática do acto dentro do prazo de quatro anos, devendo incluir-se nesse prazo o da notificação».
Tenha-se também presente, ainda citando o mesmo acórdão desta Secção, que «a doutrina considera que o fundamento da caducidade é a «necessidade de certeza jurídica, que exige a fixação de certo prazo para o exercício de alguns direitos. Decorrido esse prazo sem que o direito seja exercido, a situação deve estabilizar-se, em termos de não ser mais possível o exercício de tal direito. Neste sentido se pode dizer que dominam aqui considerações de interesse público» (Cfr. CARVALHO FERNANDES, “Caducidade”, Polis, Enciclopédia Verbo, pp. 666/667), visando-se ao mesmo tempo garantir aos particulares, por razões de certeza e segurança jurídica, que o exercício do poder de autoridade da Administração tributária só poderá ser exercido no prazo fixado na lei, estabilizando-se a situação tributária do contribuinte a partir dessa data.
Ora, fazer depender a não verificação da caducidade do conhecimento efectivo por parte do particular da notificação, sendo numerosas as situações que podem ocorrer de indisponibilidade do particular para a receber, facilmente se verificaria a situação de a Administração tributária, embora dentro do prazo para exercer o seu direito, se ver impedida de o fazer valer, acabando ela por ser sancionada como se tivesse agido com inércia».
Finalmente, note-se ainda que «[e]ste regime do art. 45.º, n.º 6, da LGT, ao permitir que obste à caducidade a mera prática do acto de liquidação, independentemente do conhecimento da sua prática pelo destinatário, está essencialmente em sintonia com o regime da caducidade no direito civil, pois também aí basta, para obstar à caducidade, a prática do acto dentro do prazo legal (como resulta do disposto no art. 331.º, n.º 1, do CC, ao preceituar que «só impede a caducidade a prática, dentro do prazo legal ou convencional, do acto a que a lei ou convenção atribua efeito impeditivo»)» (DIOGO LEITE DE CAMPOS, BENJAMIM SILVA RODRIGUES e JORGE LOPES DE SOUSA, ob. e loc. cit., pág. 360. ).
Em síntese, o facto de a notificação, porque irregular, na medida em que foi efectuada por carta registada simples quando o deveria ter sido por carta registada com aviso de recepção, não permitir (a menos que se demonstrasse o efectivo conhecimento do acto pelo destinatário) que se considere iniciado o prazo para deduzir impugnação judicial do acto notificando, não obsta a que a mesma notificação (demonstrados que ficaram o envio da carta e o seu recebimento) seja bastante para que, nos termos do disposto no art. 45.º, n.ºs 1 e 6, da LGT, se considere que a notificação foi efectuada dentro do prazo da caducidade do direito à liquidação.
Assim, a sentença recorrida, que decidiu em sentido divergente, não pode manter-se, pelo que a revogaremos e ordenaremos que os autos regressem à 1.ª instância, a fim de aí, depois de fixada a factualidade tida por pertinente, se conhecerem as questões que a sentença deu por prejudicadas.

2.2.3 CONCLUSÕES

Preparando a decisão, formulamos as seguintes conclusões:
I - Enquanto para aferir da caducidade do direito de impugnar judicialmente é mister que a notificação assegure o efectivo conhecimento do acto pelo notificando (assim assegurando o cabal exercício de todos os direitos de reacção contra o mesmo, sendo que a exigência de notificação, porque tem subjacente ou está conexionada com o direito de impugnação de actos administrativos lesivos consagrada no n.º 4 do art. 268.º da CRP, surge aqui como garantia fundamental dos cidadãos), quando se trata de aferir da caducidade do direito à liquidação a notificação visa apenas garantir que o acto foi praticado dentro do prazo para o exercício desse direito.
II - O facto de, perante uma notificação irregular (a carta registada foi enviada e recebida, mas sem que obedeça ao formalismo legalmente imposto, designadamente o aviso de recepção), não se ter dado como provado o efectivo conhecimento do acto notificando pelo seu destinatário – o que determinou a revogação da sentença que considerou caducado o direito de impugnar o mesmo acto –, não impede que se considere a notificação suficiente para demonstrar a prática do acto dentro do prazo da caducidade do direito à liquidação (cfr. art. 45.º, n.º 6, da LGT), não podendo argumentar-se em sentido contrário com uma pretensa violação do caso julgado.


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3. DECISÃO

Face ao exposto, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo acordam, em conferência, conceder provimento ao recurso, revogar a sentença e ordenar que os autos regressem à 1.ª instância, para conhecimento dos demais vícios invocados na petição inicial.

Custas pela Recorrida.

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Lisboa, 29 de Outubro de 2014. - Francisco Rothes (relator) – Aragão Seia – Isabel Marques da Silva.