Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01460/13
Data do Acordão:11/13/2013
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:PEDRO DELGADO
Descritores:RECURSO JURISDICIONAL
PRESTAÇÃO DE GARANTIA
SOCIEDADE COMERCIAL
HIPOTECA
Sumário:I – Os recursos são específicos meios de impugnação de decisões judiciais, que visam modificar as decisões recorridas, e não criar decisões sobre matéria nova.
Por isso, e em princípio, não se pode neles tratar de questões que não tenham sido apreciadas pela decisão impugnada, salvo questões novas de conhecimento oficioso e não decididas com trânsito em julgado.
II – O artigo 6.º, n.º 3, do Código das Sociedades Comerciais exclui, em princípio, a possibilidade de as sociedades comerciais prestarem garantias reais ou pessoais a dívidas de outras entidades, por serem contrárias ao seu fim. No entanto, o próprio dispositivo ressalva a existência de justificado interesse próprio da sociedade garante ou existência de uma relação de domínio ou de grupo entre a fiadora e a afiançada.
III – O juízo sobre a idoneidade da garantia há-de resultar da avaliação que for efectuada em concreto sobre a susceptibilidade desta assegurar o pagamento da quantia exequenda e do acrescido, aferindo a Administração Tributária designadamente, da suficiência e solidez da garantia oferecida e da capacidade e idoneidade do garante e já não do juízo que for efectuado relativamente à forma jurídica através da qual a sociedade garante assumiu a sua obrigação perante o devedor/executado.
IV – O nº 2 do art. 199º do CPPT, ao fazer depender a hipoteca da concordância da Administração tributária, significa maior liberdade de apreciação do pedido, que implica deveres acrescidos de fundamentação, devendo a recusa alicerçar-se em razões objectivas, que hão-de assentar fundamentalmente na insuficiência dos bens objecto da garantia, bem como o respeito pelo princípio da proporcionalidade.
Nº Convencional:JSTA00068462
Nº do Documento:SA22013111301460
Data de Entrada:09/24/2013
Recorrente:FAZENDA PÚBLICA
Recorrido 1:A...
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TAF LISBOA
Decisão:NEGA PROVIMENTO
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT
Legislação Nacional:CPA91 ART125 N1 N2.
CPPTRIB99 ART199 N1 N2 ART195 N1 N2.
LGT98 ART52 N2.
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC0615/04 DE 2007/12/11.; AC STA PROC0786/11 DE 2011/09/21.; AC STA PROC0730/12 DE 2012/07/11.; AC STA PROC0916/12 DE 2012/10/10.
Referência a Doutrina:VIEIRA DE ANDRADE - O DEVER DE FUNDAMENTAÇÃO EXPRESSA DE ACTOS ADMINISTRATIVOS ALMEDINA 2003 PAG231.
RUI DUARTE MORAIS - A EXECUÇÃO FISCAL 2ED ALMEDINA COIMBRA 2006 PAG78.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo


1 – A Fazenda Publica, vem recorrer para este Supremo Tribunal da sentença do Tribunal Tributário de Lisboa de 31 de Julho de 2013, que julgou procedente a reclamação deduzida por A………………., melhor identificado nos autos, contra despacho que indeferiu pedido de prestação de garantia proferido no âmbito de processo fiscal nº 1546200801105132, em que a executada principal é a sociedade B…………………, Ldª.

Termina as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões:
«oferecida (sic) pela sociedade comercial “B……………………, Lda.”, nos termos e para o efeito do disposto 169.° e 199.° do CPPT, nos autos executivos n.º 1546200801105132 e seus apensos.
4.2. Entendeu o Tribunal a quo que o despacho reclamado não se encontra devidamente fundamentado relativamente à decisão nele tomada pela Administração Tributária.
4.3. Entendeu o Tribunal “a quo”, que a Administração Tributária não curou de averiguar se, em concreto, a sociedade prestadora da garantia em questão teria um justificado interesse próprio” na prestação de tal garantia, a fim de se aferir se esta cabia — ou não — no âmbito do seu fim social, determinando-se, assim, a capacidade jurídica — ou a sua falta — da sociedade garante, nos termos do disposto nos nºs 1 e 3 do artigo 6.º do CSC.
Acontece, no entanto, que
4.4. Postula o n.º 1 do artigo 6.º do CSC que “a capacidade da sociedade compreende os direitos e as obrigações necessários ou convenientes à prossecução do seu fim, exceptuados aqueles que lhe sejam vedados por lei ou sejam inseparáveis da personalidade singular”, estabelecendo este n.º 1 o regime regra relativamente à capacidade jurídica das sociedades comerciais.
4.5. Por sua vez, no n.º 3 deste mesmo preceito legal “considera-se contrária ao fim das sociedades a prestação de garantias reais ou pessoais a dívidas de outras entidades... concretizando, assim e pela negativa, o âmbito do fim societário, delimitando a capacidade jurídica das mesmas.
4.6. No entanto, este mesmo n.º 3 estabelece excepções à regra geral relativamente à determinação do fim societário: A prestação de garantias, pessoais ou reais, pela sociedade a terceiros não cabe no âmbito do seu fim societário, “… salvo se existir justificado interesse próprio da sociedade garante ou se se tratar de sociedade em relação de domínio ou de grupo”, casos em que a prestação de garantias pela sociedade a terceiros integra, ainda que de forma mediata, o fim societário desta.
4.7. Assim sendo, a constituição de garantias reais a favor de terceiros, sendo actos tendencialmente a título gratuito, contraria, em principio, a finalidade lucrativa da sociedade e exorbita a sua capacidade de gozo, sendo que a sanção não pode deixar de ser a nulidade do acto.
4.8. Contudo, o legislador admite excepções, concretamente, no caso de haver por parte da sociedade garante “justificado interesse próprio” na prestação da garantia.
4.9. O “justificado interesse próprio” tem que ser apreciado objectivamente ponderada a situação concreta, nomeadamente as vantagens reais ou potenciais que a sociedade garante poderia obter com as garantias prestadas, tratando-se de matéria sujeita a prova sindicável pelos tribunais.
4.10. Julgou o Tribunal “a quo” na decisão ora em crise a Administração Tributária, no despacho reclamado, não diligenciou no sentido de aquilatar acerca dos factos que consubstanciariam — ou não — o “justificado interesse próprio” da sociedade garante, a fim de se aferir se estaríamos — ou não — perante a excepção prevista na segunda parte do n.º 3 do artigo 6.º do Código das Sociedades Comerciais, concluindo, por isso, pela insuficiência da fundamentação de tal despacho.
4.11. Acontece que a Administração Tributária, in caso, actuou de acordo com o que lhe era exigido, pois a alegação e a prova dos factos que consubstanciam as circunstâncias excepcionais constantes da segunda parte do n.º 3 do artigo 6.º do Código das Sociedades Comerciais — concretamente, o justificado interesse próprio da sociedade garante — impendem sobre esta e não sobre a Administração Tributária.
4.12. Sendo a prestação da garantia em questão, no processo de execução fiscal, um direito que assiste ao executado, nos termos do disposto nos artigos 52.º, n.º 2, da LGT, 169.º e 199.º do CPPT, podendo ainda esta ser prestada por terceiro, impende sobre o titular desse mesmo o ónus de o invocar e de o provar, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 74.º da LGT.
4.13. Não era a Administração Tributária quem tinha o ónus de invocar — muito menos de provar — no que diz respeito ao direito do ora recorrido à prestação da garantia idónea, a verificação das circunstâncias constantes da segunda parte do n.° 3 do artigo 6.° do Código das Sociedades Comerciais, ou seja, o “justificado interesse próprio” da sociedade garante.
4.14. Quando muito, este ónus impenderia, eventualmente, sobre a sociedade garante. Mas nunca sobre a Administração Tributária, que é um terceiro estranho à relação garantistica.
4.15. Nem poderia a Administração Tributária exigir a prova dos factos que evidenciam as circunstâncias constantes na segunda parte do n.º 3 do artigo 6.° do Código das Sociedades Comerciais, sob pena de imiscuir ilegitimamente na esfera privada da sociedade prestadora da garantia.
4.16. Facto alegado — e provados nos autos — com que a Administração Tributária se deparou foi o oferecimento de uma hipoteca sobre um imóvel propriedade de uma sociedade comercial estranha à relação tributária em questão.
4.17. Perante este facto a Administração Tributária apenas fez a subsunção do facto em questão ao direito, retirando — e bem, salvo melhor entendimento — as consequências jurídicas constantes no despacho entretanto reclamado, ou seja, a Administração Tributária aplicou a regra geral, constante da primeira parte do n.º 3 do artigo 6.º do Código das Sociedades Comerciais, no que à questão diz respeito.
4.18. Assim sendo, pelo exposto, e salvo sempre melhor entendimento, o despacho em questão encontra-se, para o efeito, suficientemente fundamentado, nele se perfilhando a solução correcta e devida.
4.19. O Ilustre Tribunal “a quo”, ao decidir conforme os termos constantes na sentença ora em crise fez, com o devido respeito e salvo melhor entendimento, uma errada interpretação e aplicação do disposto nos artigos 169.° e 199.° do CPPT, bem como do disposto nos nºs 1 e 3 do artigo 6.º do Código das Sociedades Comerciais.»

2 – Não foram apresentadas contra alegações.

3 – O Exmº Procurador Geral Adjunto emitiu o douto parecer, com a seguinte fundamentação:
«Recurso interposto pela Fazenda Pública, no processo em que é reclamante A………………..:
1. Sendo que a 1.ª conclusão de recurso resulta ininteligível, tal não impede que sejam consideradas as seguintes questões como controvertidas em face das demais:
- se impendia sobre o dito reclamante que ofereceu hipoteca para garantia da dívida na execução fiscal n.º 1546200801105132 e seus apensos, prestada pela sociedade comercial estranha à relação tributária em causa, o ónus da prova da existência por parte desta do “justificado interesse próprio” previsto na segunda parte do n.º 3 do art. 6.º do Código das Sociedades Comerciais (C.S.C.), o que se defende com base no disposto no n.º 1 do art. 74.º da L.G.T..
- se, com base no previsto na dita disposição do C.S.C., interpretada em conjugação com o seu n.º 1, é de entender que não existe falta de fundamentação no despacho em reclamação que indeferiu a prestação dessa garantia, nos artigos 169.º e 199.º do C.P.P,T., segundo a regra geral.
2. Emitindo parecer:
2.1. Segundo se fundamentou no despacho em reclamação, esta regra seria a da nulidade com base na falta de capacidade da sociedade para a prática do acto, e por aplicação do disposto no art. 294.º do C. Civil, regra essa que, segundo o recurso interposto se admite ter excepções, nomeadamente, em face do “justificado interesse próprio” da própria sociedade garante, por aplicação do previsto na segunda parte do n.º3 do art. 6.º do C.S.C..
Contudo, afigura-se muito discutível que este último possa ser de considerar como um ónus a preencher pelo executado/reclamante.
Com efeito, foi consagrada uma solução inspirada pelo direito comunitário, segundo a consequência da falta de capacidade quanto aos actos praticados pelas sociedades, não é aplicável a terceiros, segundo o previsto ainda no n.º 4 do art. 6.º do C.S.C., que, aliás, teve origem em directiva comunitária (cfr. Raul Ventura, adaptação do direito português à 1.ª directiva do Conselho da CEE sobre direitos das sociedades em ed. do B.M.J. Documentação e Direito comparado n.º 2, pontos 16 a 20 e Brito Correia em Direito Comercial, 2º. Vol., ed. A.A.F.D.L. 1989, p. 250 e 251).
Segundo a jurisprudência, no acaso de prestação de prestação de garantia de dívida de terceiro por parte de uma sociedade não existe uma incapacidade absoluta da mesma praticar um tal acto (Ac. de 17-9-09 no proc.267/09.9 YFLSB.S1, com sumário que consta em www.dgsi.pt).
Segundo a doutrina, para uns autores, seria de verificar tal em consonância com o objecto social, resultando o mesmo preenchido acordo com o que se encontre previsto no pacto social. Para outros, corresponderá o mesmo à existência de um interesse próprio ou económico da própria sociedade ou dos sócios (sobre os vários representantes de tais teses quase até à actualidade, cfr., por exemplo, a dissertação de mestrado elaborada em 2010/11 por João Marcelo Ferreira Cristóvão sob o tema Garantias Prestadas por Sociedades Comerciais a Obrigações de Sociedades Coligadas, e que se encontra acessível na internet).
Contudo, ainda aqui é possível admitir graduações, sendo menores as limitações existentes quanto às sociedades por quotas, anónimas — e a dita hipoteca foi prestada por uma sociedade deste tipo, a C…………………., S.A. -, e comandita por acções.
Assim, no que a estas sociedades se refere as limitações constantes do pacto social ou resultantes de deliberações dos sócios seriam de considerar, mas apenas no caso da sociedade em causa “provar que o terceiro tinha conhecimento de que o acto praticado não respeitava essa cláusula e se, entretanto ela não tiver assumido o acto, por deliberação expressa ou tácita dos sócios (CSC art. 260.º n.º 2). Nas sociedades anónimas e nas comanditas por acções vigora regime semelhante a este (CSC art. 409.º (43- o n.2 1 apenas acrescenta a expressão “mesmo que tais limitações estejam publicadas 2 -, 431.º e 478.º) – (Brito Correia, em Direito Comercial, 2.º Vol., ed. AAFDL 1989, p.252 e 253).
Creio que não ser de impor o dito ónus da prova ao reclamante, tendo o dito acto de hipoteca sido registado, e resultando, assim, eficaz perante terceiros.
2.2. Em face do anteriormente referido não há fundamento para revogar a sentença proferida que por sua vez revogou o despacho proferido com base no vício de falta de fundamentação.
2.3. Esse despacho, praticado pelo órgão de execução fiscal que foi o chefe do serviço de finanças substituto de Mafra é ainda nulo, por não constar a menção de delegação de competências do chefe de serviço regional respectivo, o qual era o competente para o mesmo, sendo o montante a quantia exequenda de 83.646,93 €, superior a 200 U.C., conforme resulta do previsto nos artigos 39.º n.º 11, 197.º n.º 2 e 199.º n.º 9 do C.P.P.T..
Aliás, semelhantemente resulta quanto ao anterior despacho pelo qual tinha sido “aceite” a 30-1-13 o respectivo pedido de constituição de garantia.
3. Concluindo:
O recurso parece ser de improceder, não sendo de reconhecer à sentença recorrida a ilegalidade que se assaca com base na falta de prova a produzir ainda quanto ao justificado “interesse próprio de sociedade”,
Assim, é de manter o decidido quanto à falta de fundamentação do despacho proferido pelo D.E.F., o chefe do serviço de finanças substituto de Mafra.
Acresce que, em face da falta de menção de poderes bastantes para a prática do acto cuja competência se encontra prevista ser do chefe de serviços regional, o despacho proferido é ainda nulo, de acordo com o previsto nos artigos 39.º n.º 11, 197.º n.º 2 e 199.º n.º 9 do C.P.P.T.»

4 – Por despacho do relator a fls. 513 dos autos, foram notificadas as partes para se pronunciarem, querendo, sobre a questão da nulidade do acto reclamado suscitada no parecer do Exmº Procurador-Geral Adjunto, tendo a entidade recorrente argumentado em síntese que: “…a falta de menção de poderes bastantes para a prática de acto cuja competência se encontra prevista ser do chefe de serviços regional, nos termos do actual nº12 do artº 39º do CPPT, apenas consubstancia vicio relativo à perfeição da notificação acarretando a sua nulidade.
Mais alegou, no que concerne ao montante da divida exequenda, que a mesma “…foi calculada nos termos do artº 199º CPPT, isto é tendo em conta o valor da divida exequenda, juros de mora contados até ao termo do prazo de pagamento voluntário ou à data do pedido, quando posterior, com o limite de cinco anos, e custas na totalidade, acrescida de 25% da soma daqueles valores”.

5- Com dispensa de vistos, dada a natureza do processo, vêm os autos à conferência.

6- Em sede factual apurou-se em primeira instância a seguinte matéria de facto:
1. Pende no Serviço de Finanças de Mafra uma execução fiscal, com o n°1546200801105132, instaurada em 5 de Setembro de 2008, visando a cobrança de dívida proveniente de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas do ano de 2006, da sociedade B………………….., Ldª, no montante de €29.865,27, bem como dos respectivos juros de mora e demais acrescido.
2. Àquele processo foi apensado um outro, com o n°1546200901019198, instaurado a 9 de Abril de 2009, visando a cobrança de dívida proveniente de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas do ano de 2007, daquela sociedade, no montante de €26.368,16, bem como dos respectivos juros de mora e demais acrescido.
3. Àquele primeiro processo foi apensado um outro, com o n°1546201001007181, instaurado a 5 de Fevereiro de 2010, visando a cobrança de dívida proveniente de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas do ano de 2008, daquela sociedade, no montante de €27.413,50, bem como dos respectivos juros de mora e demais acrescido.
4. Depois de tentadas sem êxito, e bem assim após serem efectivadas outras penhoras de direitos com êxito, perante a verificação da inexistência de bens àquela pertencentes, capazes de pelo seu produto satisfazerem o remanescente da dívida exequenda, foi nos autos encetado procedimento enxerto de reversão, no termo do qual, além de outro, o Reclamante, A…………………., viria a ser considerado responsável subsidiário da sociedade, por despacho do Órgão de Execução Fiscal de 29 de Agosto de 2012.
5. Notificado dessa decisão com a citação para os termos dos autos, em 12 de Setembro de 2012, o Reclamante viria a opor-se-lhe, por petição de 15 de Outubro de 2012.
6. Em consequência disso notificado para prestar garantia [€71.207,89] de boa cobrança da dívida revertida, para sustação dos autos enquanto decorresse o processo de oposição, tal pretensão ser-lhe-ia indeferida, por despacho do Órgão de Execução Fiscal, de 21 de Novembro de 2012.
7. Em face disso, o Reclamante pediu a 12 de Dezembro de 2012 que fosse aceite como garantia, para aqueles efeitos, uma hipoteca do apartamento descrito na 1ª Conservatória do Registo Predial de Almada pela ficha n°109/19901206, situado na …………………, em ………….., Almada, inscrito ma matriz predial urbana da freguesia de ……………. sob o art.321°-M, a constituir pela sociedade C………………., S.A., sua dona, a seu favor.
8. Tal pedido viria a ser aceite por despacho do Órgão de Execução Fiscal de 30 de Janeiro de 2013 e, notificado ao Reclamante, este viria a demonstrar que em 5 de Março de 2013 a aludida sociedade constituíra, em seu beneficio, hipoteca sobre aquele bem e para aquela finalidade referida no ponto 6.
9. Todavia, tendo sido verificada no Serviço de Finanças ser conforme a garantia constituída para as finalidades do processo, foi em 15 de Março de 2013 solicitada informação superior, e nesta, considerou-se ser contrária aos fins daquela sociedade anónima dona do apartamento estar a constituir hipoteca sobre ele para garantir a boa cobrança e sustação de um processo executivo de terceiro, sem ter responsabilidade sobre essa dívida, art. 6° n°3 do Código das Sociedades Comerciais, donde que entendesse que esse ato estava ferido de nulidade, nos termos do art.294° do Código Civil.
10. Assim, concordando o Órgão de Execução Fiscal com esse parecer, por despacho de 25 de Março de 2013 rejeitou a hipoteca referida com garantia idónea, o qual foi notificado ao Reclamante a 12 de Abril de 2013.
11. Nessa sequência, o Reclamante apresentou a petição de Reclamação no dia 19 seguinte.

7. Do objecto do recurso

São duas as questões trazidas pela Fazenda Pública à apreciação deste Supremo Tribunal:
- Saber se incorre em erro de julgamento a sentença recorrida ao julgar que padece de insuficiente fundamentação o despacho do órgão de execução fiscal de 25 de Março de 2013 que rejeitou o pedido, deduzido pelo executado A………………, de prestação de garantia mediante hipoteca voluntária de imóvel registado em nome de terceiro – a sociedade C……………….., SA.
- saber se impendia o mesmo executado, que ofereceu, para garantia da dívida em processo de execução fiscal, hipoteca prestada por sociedade comercial estranha à relação tributária em causa, o ónus de alegar e provar os factos que consubstanciam as circunstâncias excepcionais constantes da segunda parte do n.º 3 do artigo 6.º do Código das Sociedades Comerciais — concretamente, o justificado interesse próprio da sociedade garante.

A sentença recorrida considerou que a prestação de uma garantia «por natureza põe o garante na situação de poder ter de responder pela dívida do garantido» e, por isso, atento disposto no artº 6º, nº 3 do Código das Sociedades Comerciais, a sua prestação, em princípio estará vedada às sociedades comerciais.
Porém ponderou igualmente a sentença recorrida que, também de acordo com aquele normativo poderá ser admitida excepcionalmente a prestação de garantia se houver justificado interesse da sociedade na sua prestação ou se a entidade beneficiária ou a garante se inscreverem numa relação de domínio ou de grupo.
Para, a final, concluir que a decisão da Administração Tributária que rejeitou a garantia por inidoneidade - nomeadamente por violar o disposto no artº 6º nº 1 e 3 do Código das Sociedades Comerciais e padecer de nulidade nos termos do artº 294º do Código Civil – incorre em vício de falta de fundamentação suficiente, por não ter ponderado aquela possibilidade excepcional de prestação de garantia e viola, além do mais, os arts. 199º, ns. 1 e 2 do Código de Procedimento e Processo Tributário e artº 6º, nº 3 do Código das Sociedades Comerciais.

Contra o assim decidido se insurge a recorrente alegando que, sendo a prestação da garantia em questão, no processo de execução fiscal, um direito que assiste ao executado, nos termos do disposto nos artigos 52.º, n.º 2, da LGT, 169.º e 199.º do CPPT, podendo ainda esta ser prestada por terceiro, impende sobre o titular desse mesmo o ónus de o invocar e de o provar, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 74.º da LGT.
Prosseguindo neste discurso argumentativo sustenta a Fazenda Pública que não era a Administração Tributária quem tinha o ónus de invocar — muito menos de provar — no que diz respeito ao direito do ora recorrido à prestação da garantia idónea, a verificação das circunstâncias constantes da segunda parte do n.° 3 do artigo 6.° do Código das Sociedades Comerciais, ou seja, o “justificado interesse próprio” da sociedade garante, sendo que, quando muito, este ónus impenderia, eventualmente, sobre a sociedade garante.

7.1 Antes de entrarmos na apreciação das questões objecto do recurso cumpre, porém, emitir pronúncia sobre duas questões prévias.

7.1.1 Como se constata do probatório o reclamante pediu a 12 de Dezembro de 2012 que fosse aceite como garantia uma hipoteca do apartamento descrito na 1ª Conservatória do Registo Predial de Almada pela ficha n°109/19901206, situado na …………………., em ………….., Almada, inscrito na matriz predial urbana da freguesia de …………… sob o art.321°-M, a constituir pela sociedade C…………………., S.A., sua dona, a seu favor.
E tal pedido viria efectivamente a ser aceite por despacho do Órgão de Execução Fiscal de 30 de Janeiro de 2013 e, notificado ao Reclamante, este viria a demonstrar que em 5 de Março de 2013 a aludida sociedade constituíra, em seu beneficio, hipoteca sobre aquele bem e para aquela finalidade referida no ponto 6.
Porém, após o reclamante ter comunicado a constituição de hipoteca veio a Administração Fiscal, por despacho de 25 de Março de 2013, rejeitar aquela garantia constituída.
É este último despacho revogatório que está em causa na sentença recorrida e no presente recurso, sendo que a eventual ilegalidade do mesmo com fundamento na consolidação dos actos por ele revogados não foi invocada inicialmente na reclamação de actos do órgão de execução fiscal e não foi por isso objecto da sentença recorrida.
Trata-se questão que não é de conhecimento oficioso, daí que se entenda que está vedado a este Tribunal de recurso conhecer de tal questão, que podia e devia ter sido suscitada antes, e não o foi (arts. 627º, nº 1 e 631º, nº 1 do Código de Processo Civil).

7.1.2. Por outro lado o Exmº Procurador-Geral Adjunto no seu parecer a fls. 510/512, suscita uma questão prévia relativa à nulidade do despacho reclamado em face da falta de menção de poderes bastantes para a prática do acto de acordo com o previsto nos artigos 39.º n.º 11, 197.º n.º 2 e 199.º n.º 9 do C.P.P.T.»

Sustenta o Ministério Público, neste tribunal que o despacho, praticado pelo chefe do serviço de finanças substituto de Mafra é nulo, por não constar a menção de delegação de competências do chefe de serviço regional respectivo, o qual era o competente para o mesmo, sendo o montante a quantia exequenda de 83.646,93 €, superior a 200 U.C., conforme resulta do previsto nos artigos 39.º n.º 11, 197.º n.º 2 e 199.º n.º 9 do C.P.P.T.
Importa desde logo notar que esta questão suscitada pelo Ministério Público constitui também uma questão nova que não foi apreciada pelo tribunal recorrido, por lá não ter sido suscitada.
Ora, como é sabido, e é jurisprudência uniforme, os recursos são específicos meios de impugnação de decisões judiciais, que visam modificar as decisões recorridas, e não criar decisões sobre matéria nova (Cf. entre outros, os Acórdãos deste Supremo Tribunal Administrativo de 28.11.2012, recurso 598/12, de 27.06.2012, recurso 218/12, de 25.01.2012, recurso 12/12, de 23.02.2012, recurso 1153/11, de 11.05.2011, recurso 4/11, de 1.07.2009, recurso 590/09, 04.12.2008, rec. 840/08, de 30.10.08, rec.112/07, de 2.06.2004, recurso 47978 (Pleno), de 29.11.1995, recurso 19369 e do Supremo Tribunal de Justiça, recurso 259/06.0TBMAC.E1.S1, todos in www.dgsi.pt.
Por isso, e em principio, não se pode neles tratar de questões que não tenham sido apreciadas pela decisão impugnada, salvo questões novas de conhecimento oficioso e não decididas com trânsito em julgado.
São questões oficiosamente cognoscíveis, por exemplo, o abuso do direito, os pressupostos processuais, gerais ou especiais, a inconstitucionalidade de uma norma aplicável ao litígio ou caducidade de direito indisponível (ver neste sentido Armindo Ribeiro Mendes, Recursos em Processo Civil, Reforma de 2007, Coimbra Editora, Coimbra, 2009, pág. 81.).
Por outro lado, embora o Ministério Público tenha legitimidade para suscitar outras questões de legalidade (para além das suscitadas pelas partes no processo) nos termos das suas competências legais – cfr. o artigo 51.º do ETAF e artigo 289.º do Código de Procedimento e Processo Tributário - nos recursos jurisdicionais terá de se mover no âmbito definido pelas questões apreciadas na decisão impugnada, não podendo portanto vir suscitar questões novas que não sejam de conhecimento oficioso.
No caso o Ministério Público suscitou a questão da incompetência do órgão da Administração Tributária para a proferir a decisão impugnada, questão essa que não é conhecimento oficioso.
Com efeito a incompetência do órgão que proferir a decisão do procedimento constitui um vício de violação de lei, que, em regra, implicará a anulação, só ocorrendo nulidade nos casos previstos na lei (art. 135º do CPA), v.g. nos casos de usurpação de poder ou de prática de actos estranhos às atribuições do órgão que decidir o procedimento, hipóteses que não se aplicam ao caso subjudice.(A usurpação de poder ocorre quando a competência para praticar o acto praticado por um órgão da Administração couber a um órgão de outro poder do Estado, designadamente do
poder judicial ou do poder legislativo .
A prática de acto estranho às atribuições do órgão ocorrerá quando couber a órgão de outro ministério ou pessoa colectiva praticá-lo - cf., neste sentido, António Francisco de Sousa, Código de Procedimento Administrativo, anotado e comentado, edições Quid Juris, pags, 412 e 413 e Código de Procedimento e Processo Tributário anotado de Jorge Lopes de Sousa, 6ª edição, Áreas Editora, vol. I, pag. 156.)

Daí que se entenda que não sendo a questão suscitada pelo Exmº Procurador-Geral Adjunto de conhecimento oficioso, não deve este Tribunal dela conhecer em sede do presente recurso.


7.2 Do vício de insuficiente fundamentação imputado ao despacho reclamado.
Dispõe o artº 268º, nº 3 da Constituição da República que os actos administrativos carecem de fundamentação expressa e acessível quando afectem direitos ou interesses legalmente protegidos.
A consagração constitucional deste dever de fundamentação expressa, integrado nas chamadas garantias dos administrados, tem em vista assegurar a quem seja afectado nos seus direitos ou interesses, o direito de conhecer as razões que terão determinado a adopção da decisão administrativa que lhe diz respeito.
De harmonia com o disposto no artigo 125º, nº 1 do Código de Procedimento Administrativo a fundamentação deve ser expressa, através de sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direito da decisão, podendo consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, que constituirão neste caso parte integrante do respectivo acto.
E nos termos do n.º 2 do mesmo normativo equivale à falta de fundamentação a adopção de fundamentos que, por obscuridade, contradição ou insuficiência, não esclareçam concretamente a motivação do acto.
A jurisprudência e a doutrina têm também consagrado o entendimento de que um acto se encontra suficientemente fundamentado quando dele é possível extrair qual o percurso cognoscitivo seguido pelo agente para a sua pratica.(Ver neste sentido, os acórdãos 01.04.1992, AD de 22.02.1995, pag. 590, de 28.5.87, in AD 315, 367, de 12.02.87, in AD 317, 581, de 11.05.89, in AD 335, 1398, de 19.05.88 in Ad 325, 38, de 25.10.88, in AD 327, 37, e de 10.01.1989, in AD 339, 303, todos citados no Código de Procedimento Administrativo, anotado e comentado, de José Manuel Botelho, Pires Esteves e José Cândido de Pinho, 2ª edição, pags. 396 e segs.)
Ponto é que a fundamentação responda, às necessidades de esclarecimento do contribuinte informando-o do itinerário cognoscitivo e valorativo do acto de liquidação, permitindo-lhe conhecer as razões, de facto e de direito, que determinaram a sua prática.
Acresce dizer, na senda do Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 11.12.2007, recurso 615/04, in www.dgsi.pt «que o grau de fundamentação há-de ser o adequado ao tipo concreto do acto e das circunstâncias em que o mesmo foi praticado, de molde a satisfazer a divergência existente entre a posição da Administração Fiscal e a do contribuinte».
No caso subjudice está em causa o eventual vício de falta de fundamentação do despacho da Administração Tributária que julgou inidónea a garantia oferecida (hipoteca voluntária).
A sentença recorrida considerou que o despacho impugnado incorre em vício de falta de fundamentação suficiente, por não ter ponderado a possibilidade excepcional de prestação de garantia prevista no artº 6º, nº 3 do Código das Sociedades Comerciais ao que contrapõe a Fazenda Pública que tal despacho se encontra suficientemente fundamentado, por nele ter sido perfilhada a solução correcta e devida.
Antes de mais, atentos os termos em que na sentença e no recurso é configurada a questão da falta de fundamentação, impõe-se, que se faça uma referência à distinção entre fundamentação formal e fundamentação material.
Como sublinha Vieira de Andrade in O dever de fundamentação expressa de actos administrativos, Almedina, 2003, pág. 231, a diferença entre a dimensão formal e a dimensão substancial do dever de fundamentação está «em que o dever formal se cumpre pela apresentação de pressupostos possíveis ou de motivos coerentes e credíveis; enquanto a fundamentação material exige a existência de pressupostos reais e de motivos correctos susceptíveis de suportarem uma decisão legítima quanto ao fundo».
Efectivamente constitui realidade diferente saber se a Administração deu a conhecer os motivos que a determinaram a actuar como actuou, as razões em que fundou a sua actuação, questão que se situa no âmbito da validade formal do acto, ou saber se esses motivos correspondem à realidade e se, correspondendo, são suficientes para legitimar a concreta actuação administrativa, o que se situa já no âmbito da validade substancial do acto.
Ora no despacho em apreço (fls. 402 e 403) mostram-se devidamente explanados os fundamentos de facto e de direito em que se baseou a decisão da Administração Tributária para concluir pela inidoneidade da garantia que o executado se propunha oferecer.
Ali se diz, quanto à oferecida hipoteca voluntária sobre um imóvel que a mesma não foi aceite porquanto «(…….) Tendo em consideração o PEF 1546200801105132 e apensos em que é executado A………………….., com NIF …………….., na qualidade de oponente, sendo a executada originária B…………………., Lda, com o NIPC …………….., verifica-se que a hipoteca voluntária constituída sobre o imóvel que se encontra em nome da sociedade C……………….., SA, com o NIPC ……………...
O fim ou o escopo das sociedades comerciais consiste na obtenção de lucros e sua repartição pelos sócios.
O art. 6.°, n.° 1, do Código das Sociedades Comerciais (CSC) circunscreve a capacidade de qualquer sociedade comercial aos direitos e obrigações necessários e convenientes à prossecução do seu fim. De acordo com o art. 6.°, n.° 3, do CSC, considera-se contrária ao fim da sociedade a prestação de garantias reais ou pessoais a dívidas de outras entidades, salvo se existir justificado interesse próprio da sociedade garante ou se se tratar de sociedade em relação de domínio ou de grupo. O justificado interesse próprio é qualquer interesse económico, e não, necessariamente um interesse que esteja em consonância com o objecto social.
A prestação de garantia significa a possibilidade de fazer responder o património da sociedade por uma dívida que não é sua.
Ao invés, tal garantia, no caso em apreço, mostra-se potencialmente lesiva para a dita sociedade porquanto é susceptível de fazer diminuir o seu património, e, por via disso, aquela apresenta-se como contrária ao fim da sociedade comercial.
Assim sendo, parece-nos que a garantia oferecida pelo executado nos termos em que o fez viola o disposto no art. 6., n.°s 1 e 3, do CSC, sendo que aquela, por consequência, é nula, conforme determina o art. 294.° do Código Civil.
Sendo que a nulidade pode ser invocada a todo o tempo e por todo e qualquer interessado, como dispõe o art. 286.° do Código Civil.(...)»
Do teor deste despacho resulta manifesto que a recorrente teve possibilidade de conhecer das razões de facto e de direito que estão na base da decisão da rejeição da garantia oferecida, e bem assim de conhecer o itinerário cognoscitivo e valorativo de quem tomou tal decisão.
Afigura-se-nos, pois, nesta perspectiva, que foram observadas as exigências de da transparência da decisão, tornando acessível à compreensão de um destinatário normal (colocado na situação concreta do real destinatário e no contexto circunstancial que rodeou a prática do acto) o conhecimento das razões que levaram ao indeferimento do peticionado.

7.3 Questão diversa, e já noutro plano é a de saber da exactidão ou a validade substancial dos fundamentos invocados pela Administração Tributária para rejeição da garantia apresentada e que nos reconduz à análise dos pressupostos legais da idoneidade da garantia.
Assim, de harmonia com o disposto no artigo 199.° nº 1 do Código de Procedimento e Processo Tributário a prestação de garantia, tendo em vista a suspensão do processo de execução fiscal, pode ser efectuada por garantia bancária, caução, seguro caução ou qualquer meio susceptível de assegurar os créditos do exequente.
Dispõe, por sua vez, o n.º 2 do mesmo normativo que a garantia idónea referida no n.º 1 poderá, consistir, ainda, a requerimento do executado e mediante concordância da administração tributária, em penhor ou hipoteca voluntária, aplicando-se o disposto no artigo 195.º, com as necessárias adaptações.

Este normativo confere à Administração Tributária uma certa margem de discricionariedade para decidir, em função de cada caso concreto, se a garantia prestada é ou não «idónea» para assegurar a cobrança efectiva da dívida exequenda, impondo-se, especificamente, nos casos da hipoteca voluntária e do penhor, a concordância da Administração Tributária.
A utilização da expressão “garantia idónea” integra um conceito impreciso, pois que a norma do nº 2 não determina, de forma exacta, quando é que a garantia é idónea para assegurar os créditos do exequente.
Poderá concluir-se, no entanto, que emana das disposições conjugadas dos arts. 169° e 199° do Código de Procedimento e Processo Tributário que a idoneidade da garantia se afere pela capacidade de, em caso de incumprimento do devedor, salvaguardar a efectiva cobrança da dívida exequenda e acrescidos.
A garantia idónea será pois aquela que é adequada para o fim em vista, ou seja, assegurar o pagamento totalidade do crédito exequendo e legais acréscimos - neste sentido, vide, entre outros, os Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 21.09.2011, Recurso n° 0786/11, de 11.07.2012, recurso 730/12, de 10.10.2012, recurso 916/12, e, na doutrina, Rui Duarte Morais, A Execução Fiscal, pag. 77, Alfredo José de Sousa e José da Silva Paixão, Código de Procedimento e de Processo Tributário Anotado, pag. 474, Jorge Lopes de Sousa, CPPT anotado e comentado, 6ª edição, Áreas Editora, Volume III, anotação 2 ao art. 199°.
Por outro lado, não se olvidando que na lei processual fiscal vigora como que “um princípio geral da equivalência da caução, penhora e outras garantias idóneas, como a hipoteca (uma vez que, na presença de qualquer uma delas, a execução se suspende até decisão da oposição deduzida), devendo ser aceite pelo órgão exequente aquela que, sem prejuízo do credor, melhor sirva os interesses do executado” (neste sentido, cfr. RUI DUARTE MORAIS, A Execução Fiscal, 2ª ed., Almedina, Coimbra, 2006, p.78.) (E também neste sentido, Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 11.07.2012, recurso 730/12 e de 15.02.3012, recurso 126/12.), não poderá deixar de se argumentar também que, em relação à hipoteca voluntária e ao penhor, a lei impõe a concordância da administração tributária.
Ora no caso em apreço não deve estar em causa a ponderação pela Administração Fiscal de meros riscos hipotéticos ou da menor solidez da hipoteca voluntária, mas sim um juízo de avaliação sobre a idoneidade da garantia oferecida.
Trata-se de um juízo que não é feito apenas com base nas premissas a lei e que assenta também na ponderação dos elementos de facto relativos a cada situação concreta.
A questão que se impõe, pois, colocar, na perspectiva da análise da exactidão ou validade substancial dos fundamentos invocados pela Administração Tributária, era a saber se a garantia oferecida, mediante hipoteca voluntária sobre imóvel de terceiro, era suficiente para, em caso de incumprimento do devedor, assegurar a efectiva cobrança da dívida exequenda e acrescidos.
Ou seja o juízo sobre a idoneidade da garantia há-de resultar da avaliação que for efectuada em concreto sobre a susceptibilidade desta assegurar o pagamento da quantia exequenda e do acrescido, aferindo a Administração Tributária designadamente, da suficiência e solidez da garantia oferecida e da capacidade e idoneidade do garante e já não do juízo que for efectuado relativamente à forma jurídica através da qual a sociedade garante assumiu a sua obrigação perante o devedor/executado (Vide, neste sentido, mas relativamente à garantia bancária, o Acórdão deste Supremo Tribunal Administrativo de 14.08.2013, recurso 1315/13, in www.dgsi.pt).

No caso vertente a decisão da Administração Fiscal (fls. 403 e 404) considerou que as sociedades comerciais não poderiam prestar garantias reais ou pessoais a dívidas de outras entidades, por serem contrárias ao seu fim, atento o disposto no artigo 6.º, n.º 3, do Código das Sociedades Comerciais.

No entanto, o próprio dispositivo citado ressalva a existência de justificado interesse próprio da sociedade garante ou existência de uma relação de domínio ou de grupo entre a fiadora e a afiançada.

Pelo que não existe razão legal defender que as sociedades comerciais não podem prestar garantias reais ou pessoais a dívidas de outras entidades.

E embora a Fazenda Pública defenda agora, em sede de recurso, que não foi alegado nem provado pelo requerente o “justificado interesse próprio da sociedade garante”, o certo é que não fez constar tal motivação na fundamentação do despacho de indeferimento do pedido de dispensa de prestação de garantia, limitando-se a dizer que «tal garantia, no caso em apreço, mostra-se potencialmente lesiva para a dita sociedade porquanto é susceptível de fazer diminuir o seu património, e, por via disso, aquela apresenta-se como contrária ao fim da sociedade comercial».
Poder-se-á argumentar que, em relação à hipoteca, a lei fá-la depender da “concordância da administração” tributária, o que significa maior liberdade na apreciação do pedido.
Porém, como ficou sublinhado no já referido Acórdão 126/12 «essa maior liberdade implica deveres acrescidos de fundamentação, devendo a recusa alicerçar-se em razões objectivas, que hão-de assentar fundamentalmente na insuficiência dos bens objecto da garantia, pois que aí sim poderá haver prejuízo para o credor (nº5 do art. 52º da LGT), bem como observar o princípio da proporcionalidade.»
Ora no caso, e como vimos, a fundamentação acolhida, não é, só por si, bastante para suportar o indeferimento da garantia oferecida e não constitui parâmetro relevante no juízo de aferição da sua idoneidade, na medida em que não contende com esta, pelo que ao utilizá-la e nela suportar a recusa da garantia oferecida a Administração Fiscal incorreu em violação de lei e no vício de insuficiente fundamentação que lhe é apontado.

Neste contexto improcede o recurso, devendo ser confirmada, com esta fundamentação, a sentença recorrida.
8 - Decisão
Termos em que, face ao exposto, acordam os Juízes da secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em negar provimento ao presente recurso e confirmar a sentença recorrida.
Custas pela recorrente.
Lisboa, 13 de Novembro de 2013. – Pedro Delgado (relator) – Casimiro GonçalvesDulce Neto.