Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0357/12.0BESNT
Data do Acordão:02/03/2021
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:PAULO ANTUNES
Descritores:FUNDAMENTAÇÃO
TAXA
Sumário:I - Quanto a ato tributário, o grau de fundamentação exigível para que se considere cumprido o dever previsto no art. 77.º n.º2 da L.G.T., e ainda nos arts. 268.º, n.º 3, da C.R.P. e 123.º do C.P.A., na redação ao tempo dos factos aplicável (2011), está diretamente relacionado com o grau de litigiosidade existente, isto é, com a divergência entre a posição da administração e do contribuinte.
II - Ora, resultando que vinha sendo posta em causa a tributação efetuada pela recorrente relativamente a taxa, impunha-se que tivesse indicado claramente em sede de fundamentação as disposições legais aplicáveis, bem como explicitado de forma suficiente como chegou ao apuramento de uma componente O utilizada no seu apuramento.
III - A fundamentação “a posteriori” efetuada em sede de contestação não é aceitável, considerando que as exigências constitucionais a que se refere o art. 269.º n.ºs 3 e 4 da C.R.P., em termos da fundamentação ter de ser expressa e acessível, por visar, primacialmente, permitir aos interessados o conhecimento das razões que levaram a autoridade administrativa a agir, por forma a possibilitar-lhes uma opção consciente entre a impugnação contenciosa do ato e a sua conformação.
Nº Convencional:JSTA000P27103
Nº do Documento:SA2202102030357/12
Data de Entrada:11/04/2020
Recorrente:A........, LDA. E OUTROS
Recorrido 1:OS MESMOS
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo
I. Relatório

I.1. Vêm interpostos dois recursos, um pela Agência Portuguesa do Ambiente, I.P. e outro, subordinado, por A………, Lda., ambas melhor sinalizadas nos autos, da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, exarada em 17/02/2020, que julgou procedente a impugnação judicial intentada por A…….., Lda., contra o ato de liquidação e cobrança de taxa de recursos hídricos relativa ao ano de 2011, emitido pela Administração da Região Hidrográfica do Tejo I.P. (ARH Tejo, hoje APA – Agência Portuguesa do Ambiente).

I.2. A Agência Portuguesa do Ambiente, I.P. apresentou alegações que terminou com o seguinte quadro conclusivo:

a) O presente recurso é interposto da douta sentença, na parte em que esta, pronunciando-se sobre a fundamentação do ato de liquidação e cobrança conclui:
“Assim assiste razão à impugnante quando invoca a falta de fundamentação do ato de liquidação efetuada procedendo, neste caso, a presente impugnação, o que, por si só, determina a anulação do ato, que não a declaração de nulidade, como vem alegado e peticionado.
b) Entende a ora recorrente existir manifesto lapso do juiz, mais concretamente, erro de julgamento na aplicação do direito aos factos dados como provados.

c) Ora nos factos dados como provados, a douta sentença no A), diz que a impugnante é titular da licença provisória nº 62/08 emitida pelo Instituto da Conservação da Natureza e da Biodiversidade, para manutenção de ocupação privativa de uma parcela do domínio hídrico do Estado, numa área de 2.545 metros quadrados.

d) No ponto K), descreve o conteúdo da nota de liquidação, com referência à legislação em vigor aplicável para o cálculo do valor a pagar pela impugnante.

e) A exigência legal e constitucional de fundamentação, visa primacialmente, permitir aos interessados o conhecimento das razões que levaram a autoridade administrativa a agir, por forma a possibilitar-lhes uma opção consciente entre a aceitação da legalidade do ato e a sua impugnação contenciosa, o que foi feito no caso em apreço.

f) Se houve impugnação, o destinatário da notificação compreendeu e bem as razões da mesma notificação.

g) Na licença, está expressamente previsto que pela ocupação é devida uma taxa anual a pagar pela ocupação da parcela do domínio hídrico do Estado, que é e era do conhecimento da impugnante.

h) De acordo com o Decreto-Lei nº 97/2008 de 11 de junho, para esta ocupação aplica-se a componente O, o que foi feito pela ora recorrente, indicando o valor a pagar e a base legal aplicável, e que é atualizada anualmente, e também isso foi feito, como bem explícito na nota de liquidação e cobrança.

i) A nota de liquidação identifica:

- O título de utilização dos recursos hídricos ao abrigo dos quais a nota de liquidação é emitida (Licença n.º 62/08;

- Os diplomas que preveem a taxa de TRH aplicável aos distintos períodos (DL 97/2008, de 11 de Junho, na versão que lhe foi conferida pelo DL 46/2017, de 03/05);

-O valor de base aplicável, a matéria tributável, a TRH devida e o período de liquidação.

j) Nesta sede, cumpre relembrar aquele que tem sido o ensinamento da jurisprudência portuguesa quanto ao âmbito do dever de fundamentação, ínsito no art.º 125.º do CPA:
“O dever de fundamentação dos atos praticados pela administração, destina-se a permitir ao respetivo destinatário compreender o conteúdo do ato e a ficar em condições de decidir, aceitá-lo ou proceder à sua impugnação, razão pela qual, os atos devem conter as razões de facto e de direito que elucidem o destinatário sobre a sorte da decisão, permitindo conhecer o itinerário valorativo e cognitivo daquela opinião.” (cfr. Ac. do TCA Sul, de 14.12.2005, proferido no proc. 06325/02).

k) A exigência legal e constitucional de fundamentação, visa primacialmente, permitir aos interessados o conhecimento das razões que levaram a autoridade administrativa a agir, por forma a possibilitar-lhes um opção consciente entre a aceitação da legalidade do ato e a sua impugnação contenciosa, o que foi feito no caso em apreço.

l) Resulta ainda do que ficou dito nos n.os 9 e 10 do presente recurso relativo à nossa jurisprudência, pode-se concluir que a fundamentação só é essencial para a defesa de um direito fundamental, o que no caso em análise não é o caso.

m) O ato impugnado não enferma de qualquer ilegalidade afigurando-se, antes, manifesta a perfeita validade do mesmo e bem assim, extrair, inequivocamente, a conclusão de que o douto Tribunal a quo fez uma correta interpretação dos factos dados como provados mas um inequívoco erro de julgamento na aplicação do direito aos mesmos casos dados comprovados.

n) Por outro lado, na notificação do ato de liquidação e cobrança está bem explícito a causa (ocupação de uma parcela do domínio hídrico do Estado em termos de exclusividade e quais os diplomas legais que suportam tal liquidação.

o) Tal fundamentação é suficiente para que um cidadão normal, perceba e bem o alcance do ato, tanto mais, que no processo em apreço, as normas são taxativas, não havendo lugar a qualquer audiência prévia para dar a conhecer o sentido da decisão da administração, e o impugnante estar na posse dos dados para perceber o sentido do ato posto em crise, pois assinou uma licença que obriga ao pagamento de uma taxa e depois recebeu e percebeu o sentido da notificação da liquidação e cobrança da taxa relativa ao ano de 2011, tanto que a impugnou.

p) Para realçar esta nossa posição, está o facto da sentença, de forma clara ter dado como assente, como se viu, a ocupação do domínio hídrico do Estado, título que prevê o pagamento de uma taxa e também a notificação e cobrança, com a menção aos ditames legais aplicáveis, tendo no entanto decidido de forma contrária aos mesmos factos dados como provados.

q) A este respeito cabe ainda referir os processos de impugnação judicial nº 535/09.0BESNT, 486/10.5BESNT e 480/11.9BESNT, cujos sujeitos, pedido e causa de são iguais, inclusivamente neles é invocada pela impugnante a falta de fundação, e que foram as impugnações julgadas totalmente improcedentes.

TERMOS EM QUE E NOS MELHORES DE DIREITO QUE VOSSAS EXCELÊNCIAS DOUTAMENTE SUPRIRÃO, deve o presente recurso ser considerado procedente, por provado e, em consequência, deve a douta sentença recorrida ser revogada e substituída por outra que mantenha o ato tributário de liquidação e cobrança da Taxa de Recursos Hídricos relativa ao ano de 2011 praticado pela APA, IP, assim, se fazendo a costumada JUSTIÇA.

I.3. A A…….., Lda. aduziu alegações que concluiu nos seguintes termos:
1ª. Os doutos Acórdãos deste Venerando STA, de 2016.02.17 e de 2018.12.12, invocados na sentença recorrida não se pronunciaram, nem tiveram que se pronunciar sobre as concretas questões de inconstitucionalidade suscitadas pela ora recorrente no presente processo, por referência ao DL 97/2008, de 11 de Junho, e a específicas violações do disposto nos arts. 84º/2, 165º/1/v), 2 e 3 e 198º/3 da CRP; decidindo essencialmente a qualificação da “Taxa de Recursos Hídricos” (TRH), como taxa, imposto ou contribuição especial, face “ao disposto na al. i) do nº 1 do art. 165° da CRP”, o que nem sequer foi invocado no presente processo (v. arts. 20º a 25º do r.i.) – cfr. texto n.º s 1 a 3;
2ª. A definição do regime económico e financeiro dos bens integrados no domínio público – como se verifica in casu (v. alíneas A), C) e D) dos FP) - constitui matéria de reserva de densificação total da Assembleia da República (v. art. 165º/1/v) da CRP), não podendo ser – como foi – inovatória e autonomamente regulada pelo DL 97/2008, de 11 de Junho – cfr. texto n.º s 4 e 5;
3ª. O DL n.º 97/2008, que estabeleceu o regime económico e financeiro da utilização de bens do domínio público (v. arts. 84º/2 e 165º/1/v) da CRP), foi editado cerca de três anos após o termo e decurso do prazo que para esse efeito foi expressamente fixado na respectiva autorização legislativa, concedida pela Lei n.º 58/2005, de 29 de Dezembro, pelo que é manifestamente inconstitucional (v. arts. 112º/7 e art. 165º/2 e 3 da CRP) – cfr. texto n.º 6;
4ª. O DL nº. 97/2008 não indica qualquer lei de habilitação, referindo-se apenas incidentalmente à Lei 58/2005, sem identificar qualquer norma daquele diploma, ou de qualquer outro, que permitisse o exercício de tais poderes normativos, integrados na reserva legislativa da Assembleia da República estabelecida pela alínea v) do art. 165º/1 da CRP – cfr. texto n.º 7;
5ª. No caso em análise inexiste qualquer autorização legislativa (v. arts. 112º e 198º/3 da CRP), não sendo convocável para este efeito o disposto no art. 165º/1/i) da CRP (v. fls. 5 a 8 da sentença), que nada tem que ver com receitas pela ocupação de bens do domínio público (v. arts. 84º e 165º/1/v) da CRP) – cfr. texto n.º s 5 a 8;
6ª. A douta sentença recorrida enferma assim de erros de julgamento na parte em que julgou improcedente a questão da “inconstitucionalidade do Decreto-Lei n.º 97/2008, de 11/06”, tendo violado frontalmente o disposto nos arts. 84º/2, 112º/7, 165º/1/v), 2 e 3, 198º/3 e 204º da CRP.
NESTES TERMOS,
Deve o presente recurso subordinado ser julgado provado e procedente, com as legais consequências.
SÓ ASSIM SE DECIDINDO SERÁ CUMPRIDO O DIREITO E FEITA JUSTIÇA.

I.4. A………, Lda. formulou contra-alegações com o seguinte quadro conclusivo:
A - DA AUSÊNCIA ABSOLUTA DE CONCLUSÕES
1ª. As pretensas “conclusões” das alegações de recurso da APA não integram qualquer individualização das questões ou resumo do corpo daquela peça processual, limitando-se à “reprodução integral e ipsis verbis do anteriormente alegado no corpo das alegações (…), equivalente à ausência de conclusões, que dá lugar à rejeição do recurso, nos termos do art. 641º, nº 2, al. b), (do) Novo CPC” (v. Ac. RC de 2015.11.10, Proc. 158/11.3TBSJP.C1; cfr. Ac. STJ de 2015.05.26, Proc. 1426/08.7TCSNT.L1.S1, ambos in www.dgsi.pt), pois não são “passíveis de despacho de aperfeiçoamento, como o não seriam «conclusões» que desenvolvessem o corpo das alegações” (v. Ac. RL de 2016.03.17, Proc. 147733/14.4YIPRT.L1-2, in www.dgsi.pt) – cfr. texto nºs. 1 a 4;
B - DA FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO
2ª. Como se decidiu na douta sentença recorrida, é manifesta a falta de fundamentação de facto e de direito do acto de liquidação da taxa de recursos hídricos exigida à impugnante para o ano de 2011 (v. art. 268º/3 da CRP, arts. 124º e 125º do CPA e art. 77º da LGT), pois:
a) “Sobre a respectiva fundamentação de direito, nenhuma norma é indicada”, limitando-se o acto sub judice a referir genérica e conclusivamente a “aplicação do regime económico e financeiro estabelecido pelo Decreto-Lei n.º 97/2008, de 11 de Junho” (v. fls. 11 da sentença);
b) “Não resulta nem da liquidação nem do ofício da notificação à impugnante qualquer explicação, ainda que sumária, que permita esclarecer um destinatário normal sobre o concreto valor da taxa apurada para o ano de 2011 em relação à ocupação, pelo estabelecimento de restauração e respectivo logradouro, do domínio hídrico do Estado” (v. fls. 13 da sentença; cfr. Acs. STA de 2017.10.04, Proc. 0406/13, in www.dgsi.pt; e de 1985.05.30, AD 295/816) – cfr. texto nºs. 5 a 13;
C – DA AMPLIAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO
3ª. Nos termos do art. 636º/2 do NCPC, desde já se requer a ampliação do objecto do recurso interposto pela APA à reapreciação da questão da “inconstitucionalidade do Decreto-Lei n.º 97/2008, de 11/06”, tendo a sentença em análise, nessa parte, violado frontalmente o disposto nos arts. 84º/2, 112º/7, 165º/1/v), 2 e 3, 198º/3 e 204º da CRP – cfr. texto nº. 14.
NESTES TERMOS,
Deve ser julgado improcedente o recurso interposto pela APA, mantendo-se a sentença recorrida, na parte em que julgou procedente a impugnação judicial, por falta de fundamentação dos actos sub judice, apenas se alterando aquela sentença na parte em que julgou improcedente a concreta questão de inconstitucionalidade suscitada pela impugnante (v. art. 636º/2 do NCPC), nos termos expostos e com as legais consequências.
SÓ ASSIM SE DECIDINDO SERÁ CUMPRIDO O DIREITO E FEITA JUSTIÇA.

I.5. Por seu turno, a Agência Portuguesa do Ambiente veio responder nos seguintes termos:

1. Vem a Recorrida/Impugnante, em sede de contra-alegações de recurso, nos termos do artigo 636º/2 do NCPC, requer a ampliação do objeto do recurso interposto pela APA à reapreciação da questão da “inconstitucionalidade do Decreto-Lei n.º 97/2008, de 11/06”, alegando que sentença em análise, nessa parte, violou frontalmente o disposto nos artigos 84º/2, 112º/7, 165º/1/v), 2 e 3, 198º/3 e 204º da CRP.

2. Alega como fundamento do pedido, cfr. ponto C- 14. al. a) a f), que ora se transcreve, o seguinte:
“C - DA AMPLIAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO (ART. 636º/2 DO NCPC)
14. Nos termos do art. 636º/1 e 2 do NCPC, desde já se requer a ampliação do objecto do presente recurso, relativamente às seguintes questões jurídicas, que se encontram desenvolvidas nas alegações do recurso subordinado apresentado pela ora recorrida na presente data, e que aqui se dão por integralmente reproduzidas:
a) Os doutos Acórdãos deste Venerando STA, de 2016.02.17 e de 2018.12.12, invocados na sentença recorrida não se pronunciaram, nem tiveram que se pronunciar sobre as concretas questões de inconstitucionalidade suscitadas pela ora recorrente no presente processo, por referência ao DL 97/2008, de 11 de Junho, e a específicas violações do disposto nos arts. 84º/2, 165º/1/v), 2 e 3 e 198º/3 da CRP, decidindo essencialmente a qualificação da “Taxa de Recursos Hídricos” (TRH), como taxa, imposto ou contribuição especial, face “ao disposto na al. i) do nº 1 do art. 165° da CRP”, o que nem sequer foi invocado no presente processo (v. arts. 20º a 25º do r.i.);

b) A definição do regime económico e financeiro dos bens integrados no domínio público – como se verifica in casu (v. alíneas A), C) e D) dos FP) - constitui matéria de reserva de densificação total da Assembleia da República (v. art. 165º/1/v) da CRP), não podendo ser – como foi – inovatória e autonomamente regulada pelo DL 97/2008, de 11 de Junho;
c) O DL n.º 97/2008, que estabeleceu o regime económico e financeiro da utilização de bens do domínio público (v. arts. 84º/2 e 165º/1/v) da CRP), foi editado cerca de três anos após o termo e decurso do prazo que para esse efeito foi expressamente fixado na respectiva autorização legislativa, que foi concedida pela Lei n.º 58/2005, de 29 de Dezembro, pelo que é manifestamente inconstitucional (v. arts. 112º/7 e art. 165º/2 e 3 da CRP);

d) O DL nº. 97/2008 não indica qualquer lei de habilitação, referindo-se apenas incidentalmente à Lei 58/2005, sem identificar qualquer norma daquele diploma, ou de 12 qualquer outro, que permitisse o exercício de tais poderes normativos, integrados na reserva legislativa da Assembleia da República estabelecida pela alínea v) do art. 165º/1 da CRP;

e) No caso em análise inexiste qualquer autorização legislativa (v. arts. 112º e 198º/3 da CRP), não sendo convocável para este efeito o disposto no art. 165º/1/i) da CRP (v. fls. 5 a 8 da sentença), que nada tem que ver com receitas pela ocupação de bens do domínio público (v. arts. 84º e 165º/1/v) da CRP);

f) Contrariamente ao decidido na douta sentença recorrida, o Decreto-Lei nº. 97/2008, de 11 de Junho, que foi aplicado in casu (v. alíneas J) e K) dos FP; cfr. Doc. 1, junto com o r.i.), integra assim um normativo claramente inconstitucional, tendo sido editado pelo Governo no âmbito de “matérias reservadas ao parlamento” e no quadro de “reserva de densificação total” da Assembleia da República (v. arts. 84º/2 e 165º/1/v) da CRP), pelo que o tributo sub judice não tem qualquer base legal.”

3. Concluindo a Recorrida/Impugnante, em “C– DA AMPLIAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO”, o seguinte:
“3ª. Nos termos do art, 636º/2 do NCPC, desde já se requer a ampliação do objecto do recurso interposto pela APA à reapreciação da questão da “inconstitucionalidade do Decreto-Lei n.º 97/2008, de 11/06”, tendo a sentença em análise, nessa parte, violado frontalmente o disposto nos arts. 84º/2, 112º/7, 165º/1/v), 2 e 3, 198º/3 e 204º da CRP – cfr. texto nº. 14.”

4. Porém, não assiste razão à Recorrida/Impugnante.

5. Na verdade, o segmento da decisão em análise posto em causa pela Recorrida/Impugnante limitou-se a aplicar o direito à matéria de facto, carecendo de qualquer fundamento o pedido de ampliação do objeto do recurso interposto pela APA, apresentado pela Recorrida nas suas contra-alegações de recurso, porquanto:

II-FUNDAMENTOS
6. Vem a Recorrida/Impugnante alegar que sentença proferida pelo tribunal a quo, na parte em que julgou improcedente a invocada “inconstitucionalidade do Decreto-Lei n.º 97/2008, de 11/06”, violou frontalmente o disposto nos arts. 84º/2, 112º/7, 165º/1/v), 2 e 3, 198º/3 e 204º da CRP (cfr. texto nº. 14. das suas contra-alegações de recurso).

7. Em causa no presente processo de impugnação está o ato tributário de liquidação e cobrança da taxa de recursos hídricos (TRH) à A………., Lda. referente ao ano de 2010 no valor de 25.882,65 € (facto provado 8.)

8. Taxa devida em virtude da A…….., Lda. explorar o restaurante ………., sito na ………… ou ………, freguesia e município de Cascais (Facto Provado 1.), que se encontra implantado em terrenos do domínio público hídrico do Estado (DPHE) (Factos Provados 1. e 2.).

9. Para o que possui a licença n.º 62-08 emitida pelo ICNB, I.P. que titula a ocupação com a área total de 2.545 m2 (Facto Provado 3.).

10. Vejamos, relativamente aos vícios imputados à sentença que fundamentam o pedido de ampliação do objeto do recurso à reapreciação da questão da “inconstitucionalidade do Decreto-Lei n.º 97/2008, de 11/06”:

DA (ALEGADA) OMISSÃO DE PRONÚNCIA DA SENTENÇA QUANTO A QUESTÃO DA (ALEGADA) INCONSTITUCIONALIDADE DO DL 97/2008, DE 11/06

11. Vem a Recorrida/Impugnante, no ponto 14 das suas Contra-Alegações, requerer a ampliação do objeto do recurso apresentado pela Recorrente/Impugnada, à reapreciação da questão da “inconstitucionalidade do Decreto-Lei n.º 97/2008, de 11/06”, invocando que a sentença em análise, nessa parte, violou frontalmente o disposto nos arts. 84º/2, 112º/7, 165º/1/v), 2 e 3, 198º/3 e 204º da CRP, por não se ter pronunciado sobre as inconstitucionalidades imputadas ao Decreto-Lei n.º 97/2008, de 11 de junho (DL 97/2008), que foram mencionadas nos artigos 20º a 25º da sua Impugnação (r.i.).

12. Invocando que, os Acórdãos do STA, de 2016.02.17 (proc. n.º 0621/12.9BEALM) e de 2018.12.12 (proc. 0458/15), invocados na sentença recorrida não se pronunciaram, nem tiveram que se pronunciar sobre as concretas questões de inconstitucionalidade suscitadas pela Impugnante/Recorrida no presente processo, por referência ao DL 97/2008, de 11 de Junho, e a específicas violações do disposto nos arts. 84º/2, 165º/1/v), 2 e 3 e 198º/3 da CRP, decidindo essencialmente a qualificação da “Taxa de Recursos Hídricos” (TRH), como taxa, imposto ou contribuição especial, face “ao disposto na al. i) do nº 1 do art. 165° da CRP”.

13. Ora, nesses artigos 20º a 25º da sua Impugnação (r.i.) invocou a Impugnante/Recorrida que o DL 97/2008, diploma que estabelece o regime económico e financeiro dos recursos hídricos, constitui matéria que se integra na reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República nos termos do disposto no artigo 165º/1 alínea v) (que se refere à definição e regime dos bens do domínio público) e no artigo 84º (que tem por epígrafe Domínio Público), ambos da Constituição da República Portuguesa, doravante, CRP.

14. Sucede que a matéria tratada pelo DL 97/2008 não se integra no artigo 165º, n.º 1, alínea v) da CRP, porquanto, o diploma não se refere à definição nem ao regime dos bens do domínio público.

15. A definição e o regime dos bens do domínio público, no que respeita aos recursos hídricos, é feita por meio da Lei n.º 54/2005, de 15 de Novembro, que estabelece a titularidade dos recursos hídricos, e não pelo DL 97/2008.

16. O DL 97/2008 não se subsume aos invocados artigos 165º, n.º 1, alínea v) e 84º ambos da CRP, porquanto o diploma vem disciplinar a taxa de recursos hídricos, as tarifas dos serviços públicos e águas e os contratos-programa em matéria de gestão dos recursos hídricos.

17. Invocou ainda a Impugnante/Recorrida que o DL 97/2008 foi aprovado dois anos e meio depois da alegada autorização legislativa para o Governo legislar em matéria de competência relativa da Assembleia da República consubstanciada, em seu entender, na Lei n.º 58/2005, de 29 de dezembro.

18. Sucede que, a Lei n.º 58/2005, de 29 de dezembro não consubstancia uma lei de autorização legislativa.

19. A Lei n.º 58/2005, de 29 de dezembro aprovou a Lei da Água, transpondo para a ordem jurídica nacional a Diretiva n.º 2000/60/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de Outubro, e estabeleceu as bases e o quadro institucional para a gestão sustentável das águas.

20. As leis de autorização legislativa concedidas ao governo são leis muito sucintas, nas quais a Assembleia da República autoriza o governo a legislar sobre certa matéria, definindo o seu sentido e extensão e fixando a duração da autorização legislativa, nos termos do artigo 165º, n.º 2 da CRP (vide, p. ex. Lei 100/2015, de 19/08, que autorizou o Governo a rever o Código de Processo nos Tribunais Administrativos, o Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais e outros, por a matéria se subsumir ao artigo 165º, n.º 1 alínea p) da CRP).

21. Claramente não é o que sucede com a Lei da Água, em que se estabelecem as bases e o quadro institucional para a gestão sustentável das águas!

22. Acresce que, o DL 97/2008 não é precedido de lei de autorização legislativa porque não estamos perante matéria da competência reservada da Assembleia da República, mas sim no âmbito da competência concorrencial, sempre podendo o Governo legislar nos termos do artigo 198º, n.º 1 alínea a) da CRP.

23. Porquanto, no âmbito da competência reservada da Assembleia da República incluem-se apenas as matérias expressamente tipificadas nas alíneas a) a aa) do n.º 1 do artigo 165º da CRP, sendo que, em nenhuma dessas alíneas se subsume a aprovação de taxas como é a taxa de recursos hídricos.

24. Assim, e contrariamente ao invocado pela Impugnante/Recorrida, o DL 97/2008, foi aprovado no âmbito da competência concorrencial prevista no artigo 198º, n.º 1 alínea a) da CRP, motivo pelo que não era necessária lei de autorização legislativa precedente (não sendo enquadrável no artigo 165º, n.º 1, alínea v), nem no 198º, n.º 1 alíneas b) e c), nem aplicável o 198º/3 todos da CRP).

25. E, por outro lado, o DL 97/2008 não carece de invocação de qualquer lei habilitante porque não estamos perante um regulamento (112º/7 da CRP), mas perante um verdadeiro ato normativo (112º/1 CRP e 198/1a) da CRP).

26. Sucede que ainda que o tribunal não se tivesse pronunciado sobre estas questões, tal facto não consubstancia uma omissão de pronúncia, porquanto, prescreve o artigo 608º do Código de Processo Civil o seguinte:

“Artigo 608.º
Questões a resolver - Ordem do julgamento
1 - Sem prejuízo do disposto no n.º 3 do artigo 278.º, a sentença conhece, em primeiro lugar, das questões processuais que possam determinar a absolvição da instância, segundo a ordem imposta pela sua precedência lógica.
2 - O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.” (negrito e sublinhado nossos)

27. Assim, se tais questões não mereceram resposta mais direta na sentença foi porque o tribunal a quo entendeu, e bem, que o DL 97/2008 disciplina a TRH, que configura uma taxa e, como tal, não é enquadrável em nenhuma das alíneas do artigo 165º da CRP.

28. A mais dúbia, sempre seria a alínea i) do n.º 1 do artigo 165º da CRP, que se refere à “Criação de impostos e sistema fiscal e regime geral das taxas e demais contribuições financeiras a favor das entidades públicas;”.

29. Sendo certo que “em relação às taxas, a reserva relativa de competência da Assembleia da República abrange apenas o seu regime geral (cfr. CRP, art. 165º, n.º 1, alínea i), in fine) não tendo a criação de cada taxa específica que ser aprovada pela Assembleia da República ou pelo Governo com autorização daquela.” (cfr. Acórdão TCA Sul de 06/06/2013, proferido no proc. 8573/12.

30. Assim, a TRH apenas será passível de subsunção na alínea i) do n.º 1 do artigo 165º da CRP caso se conclua que configura um imposto e não uma taxa.

31. O tribunal cingiu-se a apreciar a única possibilidade de existência de inconstitucionalidade orgânica, que é por via da alínea i) do n.º 1 do artigo 165º da CRP.

32. O que fez, tendo em consideração o disposto no n.º 3 do artigo 8.º do Código Civil, por transcrição de excertos dos Acórdãos, do STA, de 2016.02.17 (proc. n.º 0621/12.9BEALM) e de 2018.12.12 (proc. 0458/15) (cfr. pg. 6 a 8 da Sentença).

33. Sobre a questão, pronunciam-se, também, o Acórdão do TCA Sul, de 06/06/2013, proferido no processo n.º 8573/12, que se refere precisamente à TRH, concluindo que a mesma configura uma taxa e não um imposto, porquanto “ela é um equivalente jurídico relacionado com o impacte negativo da atividade autorizada nos recursos hídricos”, e o Acórdão 581/2012 do Tribunal Constitucional, referente à taxa de regulação e supervisão.

34. Mais entendeu o tribunal que a TRH foi criada por lei (artigos 77º, 78º e 80º da Lei da Água), à semelhança do que sucede com a taxa de regulação e supervisão objeto do Acórdão do Tribunal Constitucional supra referido (cfr. excerto do Acórdão, do STA, de 2018.12.12 (proc. 0458/15), transcrito fls. 7 da Sentença).

35. Atenta a solução dada pelo tribunal, ou seja, a de que o DL 97/2008 disciplina a TRH, que configura uma taxa, que inclusivamente foi criada pela Lei 58/2005, pelo que o diploma não padece de inconstitucionalidade orgânica, ficou prejudicada a decisão sobre a questão que a Impugnante/Recorrida vem invocar.

36. Ao contrário do alegado pela Impugnante/Recorrida, bem andou o tribunal ao invocar os Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo (STA) - Acórdão de 17/02/2016, proferido no processo n.º 0458/15 acessível através da seguinte hiperligação http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/1f0bc6ea52dbb6a280257f63003b6b64, e Acórdão de 12/12/2018, proferido no processo n.º 0929/17, acessível através da seguinte hiperligação http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/96aa311d784bafd1802583680053a8f1?OpenDocument&ExpandSection=1, que se pronunciaram sobre a questão da inconstitucionalidade orgânica da TRH.

37. Em ambos o STA concluiu que a taxa de recursos hídricos (TRH) tem natureza jurídica de taxa, pelo que, o respetivo regime jurídico (DL 97/2008) não afronta, nem do ponto de vista orgânico, nem do ponto de vista material, as normas constitucionais.

38. Motivo pelo que bem andou o tribunal a quo ao concluir pela improcedência da invocada inconstitucionalidade do DL 97/2008, de 11/06, alegada pela Impugnante/Recorrida na sua Impugnação, recorrendo aos Acórdãos do STA, de 2016.02.17 e de 2018.12.12.

Termos em que e nos melhores de direito que Vossas Excelências doutamente suprirão, deverá ser negado provimento ao requerimento de ampliação do objeto de recurso, mantendo-se a sentença recorrida, na parte em que julgou improcedente a concreta questão de inconstitucionalidade suscitada pela impugnante/recorrida, assim se fazendo a acostumada JUSTIÇA!

I.6. A Agência Portuguesa do Ambiente produziu contra-alegações que rematou com as seguintes conclusões:

a) Vem a Impugnante alegar que a douta sentença proferida pelo tribunal a quo padece de erro de julgamento da matéria de direito na parte em que julgou improcedente a questão da “inconstitucionalidade do Decreto-Lei n.º 97/2008, de 11/06”.

b) Não pondo em causa a matéria de facto dada como provada.

c) Invoca assim a Impugnante, em primeiro lugar, que a sentença não se pronunciou sobre as inconstitucionalidades imputadas ao Decreto-Lei n.º 97/2008, de 11 de junho (DL 97/2008), que foram mencionadas nos artigos 20º a 25º da sua Impugnação (r.i.).

d) Concluindo que a sentença em análise, nessa parte, violou frontalmente o disposto nos artigos 84º/2, 112º/7, 165º/1/v), 2 e 3, 198º/3 e 204º da CRP.

e) Porquanto, no seu entender, o DL 97/2008, diploma que estabelece o regime económico e financeiro dos recursos hídricos, constitui matéria que se integra na reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República nos termos do disposto no artigo 165º/1 alínea v) (que se refere à definição e regime dos bens do domínio público) e no artigo 84º da CRP (que tem por epígrafe Domínio Público).

f) Artigos que, em concreto, o tribunal a quo não apreciou.

g) Sucede que a matéria tratada pelo DL 97/2008 não se integra no artigo 165º, n.º 1, alínea v), porquanto, o diploma não se refere à definição nem ao regime dos bens do domínio público (que consta da Lei n.º 54/2005, de 15 de Novembro, que estabelece a titularidade dos recursos hídricos).

h) O DL 97/2008 disciplina a taxa de recursos hídricos, as tarifas dos serviços públicos e águas e os contratos-programa em matéria de gestão dos recursos hídricos, não se subsumindo assim à invocada alínea.

i) Aliás no âmbito da competência reservada da Assembleia da República incluem-se apenas as matérias expressamente tipificadas nas alíneas a) a aa) do n.º 1 do artigo 165º da CRP, sendo que, em nenhuma dessas alíneas se subsume a aprovação de taxas como é a taxa de recursos hídricos.

j) A mais dúbia, sempre seria a alínea i) do n.º 1 do artigo 165º da CRP, que se refere à “Criação de impostos e sistema fiscal e regime geral das taxas e demais contribuições financeiras a favor das entidades públicas;”.

k) Motivo pelo que o tribunal aprecia a única possibilidade de existência de inconstitucionalidade orgânica, que é por via da alínea i) do n.º 1 do artigo 165º da CRP, o que fez (cfr. pg. 6 a 8 da Sentença) tendo em consideração o disposto no n.º 3 do artigo 8.º do Código Civil, por transcrição de excertos dos Acórdãos, do STA, de 2016.02.17 (proc. n.º 0621/12.9BEALM) e de 2018.12.12 (proc. 0458/15).

l) Sobre a questão, pronunciam-se, também, o Acórdão do TCA Sul, de 06/06/2013, proferido no processo n.º 8573/12, que se refere precisamente à TRH, concluindo que a mesma configura uma taxa e não um imposto, porquanto “ela é um equivalente jurídico relacionado com o impacte negativo da atividade autorizada nos recursos hídricos”, e o Acórdão 581/2012 do Tribunal Constitucional, referente à taxa de regulação e supervisão.

m) Concluindo que a TRH é uma taxa, e não um imposto, motivo pelo que não se subsume ao artigo 165º da CRP.

n) Concluindo ainda o tribunal que a TRH foi, inclusivamente, criada por lei, a Lei da Água (Lei 58/2005 de 29/12).

o) Em virtude da solução dada pelo tribunal ficou prejudicado o conhecimento da questão referente à subsunção do DL 97/2008 à alínea v) do n.º 1 do artigo 165º da CRP (artigo 608, n.º 2 do Código de Processo Civil).

p) O DL 97/2008 não é precedido de lei de autorização legislativa porque não estamos perante matéria da competência reservada da Assembleia da República, mas sim no âmbito da competência concorrencial, sempre podendo o Governo legislar nos termos do artigo 198º, n.º 1 alínea a) da CRP.

q) Nem carece de qualquer lei habilitante porque não estamos perante um regulamento (112º/7 da CRP), mas perante um verdadeiro ato normativo (112º/1 CRP e 198/1a) da CRP).

r) Em face do exposto não se verifica qualquer omissão de pronúncia.

s) Acrescentando-se apenas que sobre a inconstitucionalidade orgânica da TRH pronunciou-se já o Supremo Tribunal Administrativo (STA), no Acórdão de 17/02/2016, proferido no processo n.º 0458/15 acessível através da seguinte hiperligação http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/1f0bc6ea52dbb6a280257f63003b6b64, e no Acórdão de 12/12/2018, proferido no processo n.º 0929/17, acessível através da seguinte hiperligação http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/96aa311d784bafd1802583680053a8f1?OpenDocument&ExpandSection=1.

t) Em ambos o STA concluiu que, tendo a taxa de recursos hídricos (TRH) natureza jurídica de taxa, o respetivo regime jurídico (DL 97/2008) não afronta, do ponto de vista orgânico, as normas constitucionais.

u) Pelos motivos mencionados supra improcede o invocado erro de julgamento, por (alegada) inconstitucionalidade do DL 97/2008, de 11/06 e falta de base legal dos atos impugnados.

Termos em que e nos melhores de direito que Vossas Excelências doutamente suprirão, deverá ser negado provimento ao recurso, mantendo-se a sentença recorrida, na parte em que julgou improcedente a concreta questão de inconstitucionalidade suscitada pela Impugnante, assim se fazendo a acostumada JUSTIÇA!

I.7. Pese embora a questão prévia suscitada pela recorrida “A……..”, os recursos foram admitidos e o processo mandado remeter ao S.T.A.
I.8. O exm.º magistrado do Ministério Público teve vista dos autos, pronunciando-se sobre os recursos interpostos, concluindo pela manutenção da sentença recorrida e dever negar-se provimento aos recursos.

I. 9. Cumpre apreciar os recursos interpostos em conferência, começando pelo recurso interposto pela Agência Portuguesa do Ambiente, I.P.,
I.9. Sendo de delimitar os mesmos, de harmonia com as conclusões apresentadas, de harmonia com o disposto no art. 635.º, nºs 1 e 4, do C.P.C., aplicável por força do artigo 281º do C.P.P.T., salvo aqueles de que cumpra oficiosamente conhecer, resulta para apreciar e decidir se ocorre erro de julgamento, de direito, no decidido quanto à referida taxa sobre os recursos hídricos, liquidada relativamente a 2011 pela DRH, padecer do vício de falta de fundamentação.
Já relativamente à ampliação do objecto recurso e ao recurso subordinado interposto respeita o objeto do recurso à inconstitucionalidade do Dec.-Lei n.º 97/2008, de 11/06, por violação dos artigos 84.º, n.º2, 112.º, n.º 7, 165.º, n.ºs1, v), 2 e 3, 198.º, n.º3 e 204.º da C.R.P., de que se terá de conhecer, a obter provimento o recurso interposto pela dita Agência, e precisamente nos termos da anterior referida norma da C.R.P..

II. Fundamentação
II.1 A sentença recorrida reputou como relevante a seguinte matéria factual:
A) Impugnante é titular da licença provisória n.º 62/08, emitida pelo Instituto de Conservação da Natureza e da Biodiversidade, para manutenção da ocupação privativa, de uma parcela do domínio hídrico do Estado numa área de 2.545 m2, sendo 1.050 m2 de área coberta (“Equipamento de Hotelaria/ Actividades do sector terciário”) e 1.495 m2 de área descoberta (“Esplanadas/ Piscinas/ Jardins/ Estacionamento”), no qual explora o equipamento designado “Restaurante ……….”, sito em ………., freguesia de Cascais, concelho de Cascais – cf. doc. 3 junto à contestação, correspondente à Licença e respetivo Anexo.

B) Pela ocupação do terreno onde se localiza o seu restaurante, a impugnante pagou, relativamente ao ano de 1996, a taxa de 935.400$00, que foi sucessivamente atualizada para 1.403.100$00 (1997), 1.870.000$00 (1998) e 2.338.500$00 (1999 e 2000) – facto não controvertido.

C) Pela referida ocupação a impugnante pagou, relativamente aos anos de 2001 até 2006, taxas de utilização do domínio público marítimo, no valor de € 11.664,39 – facto não controvertido.

D) Pelo ofício n.º 152, de 2008.02.21, do Instituto da Conservação da Natureza e da Biodiversidade, IP (ICNB), a impugnante foi notificada para “nos termos do DL 47/94, de 22 de Fevereiro (...) proceder ao levantamento das guias de depósito relativas ao pagamento da Taxa de Utilização do Domínio Público Marítimo”, respeitante ao ano de 2007, no montante de € 29.163,80 – facto não controvertido.

E) A impugnante deduziu impugnação judicial contra a liquidação identificada em D), a qual correu termos neste TAF sob Proc. n.º 953/08.0BESNT, no âmbito do qual foi proferida sentença em 08.02.2012, que julgou procedente a ação, confirmada por acórdão do TCA Sul de 12.05.2016 – cf. fls. 91 a 104 dos autos e por consulta ao SITAF.

F) A ARH TEJO liquidou à ora impugnante o pagamento de taxas de recursos hídricos (TRH), no montante de € 12.725,00 para o segundo semestre de 2008, no montante de € 14.961,03, para o primeiro semestre de 2008, no montante de € 26.111,70, para o ano de 2009 e, no montante de € 25.882,25, para o ano de 2010 – facto não controvertido e cf. fls. 123 a 132 e certidão de fls. 149/150 dos autos (suporte físico).

G) Os atos de liquidação e cobrança dos tributos referidos na alínea que antecede foram judicialmente impugnados pela ora impugnante, tendo as respetivas impugnações judiciais corrido termos neste TAF de Sintra sob processo n.ºs 535/09.0BESNT, 1161/09.9BESNT, 486/10.5BESNT e 480/11.9BESNT – facto não controvertido e por consulta ao SITAF.

H) No processo de impugnação judicial n.º 1161/09.9BESNT, referente ao primeiro semestre de 2008, foi proferida sentença em 11.07.2012, transitada em julgado, que julgou a ação procedente – cf. fls. 74 a 90 dos autos e por consulta ao SITAF.

I) Nos processos de impugnação n.ºs 535/09.0BESNT, 486/10.5BESNT e 480/11.9BESNT, relativos às liquidações do 2.º semestre de 2008, 2009 e 2010, respetivamente, foram proferidas sentenças de improcedência da causa, encontrando-se todos em fase de recurso jurisdicional – cf. docs. 1 e 2 juntos com a contestação e por consulta ao SITAF.

J) Pelo ofício PRES - 0001 - OFI - 2012, Proc. 4449/2012/TEJ, da ARH Tejo, de 04.01.2012, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, a impugnante foi notificada, em 06.01.2012, de “que o valor apurado relativo à Taxa de Recursos Hídricos (THR) para o ano de 2011 deverá ser pago até à data indicada na nota de liquidação anexa”, resultando a mesma da “aplicação do regime económico e financeiro estabelecido pelo Decreto-Lei n.º 97/2008, de 11 de Junho” – cf. doc. 1 junto à p.i.

K) Ato impugnando: A nota de liquidação n.º 4449/2012/TEJ, de 02.01.2012, anexa ao ofício referido na alínea que antecede, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, liquida a quantia de € 25.882,65 pela “Utilização dos recursos hídricos realizados por um período igual ou superior a 1 ano”/ “Ocupação do DPHE” / “Comp. O”, nos seguintes termos:
– cf. doc. 1 junto à p.i.

L) A presente impugnação judicial foi apresentada em 30.03.2012 – cf. fls. 2 do suporte físico dos autos.
*
Não foram dados como provados outros factos.
II.2. De direito.
Entendeu a douta sentença recorrida que não resulta da liquidação, nem do ofício através do qual a dita taxa foi notificada à impugnante, fundamentação, ainda que sumária, de modo a permitir esclarecer um destinatário normal sobre o concreto valor da taxa apurada para o ano de 2011 em relação à ocupação, por estabelecimento de restauração e respectivo logradouro, do domínio hídrico do Estado.
Refere-se, nomeadamente, não ter sido indicada a norma aplicada e que em sede de contestação a Agência ora recorrente veio a fundar a liquidação em várias normas para o valor considerando ainda atualização, o que constitui fundamentação “a posteriori”, que não pode ser considerada.
Por sua vez, a Agência recorrente invoca lapso no decidido e que tal fundamentação se verifica na liquidação e comunicação da taxa de recursos hídricos em causa, constantes das alíneas A) e K) da matéria de facto.
Vejamos.
Da dita alínea A), consta que a impugnante obteve a licença provisória n.º 62/08, emitida pelo Instituto da Conservação da Natureza e da Biodiversidade, nos termos na mesma acima referidos quanto a 2545 metros2, total da área coberta e descoberta.
Da alínea K) consta a nota de liquidação utilizada no ofício de notificação a que se refere a anterior alínea J), em que é referido resulta da “aplicação do regime económico e financeiro estabelecido pelo Decreto-Lei n.º 97/2008, de 11 de Junho”.
Da concatenação desses documentos resulta identificado dizer respeito à taxa se recursos hídricos e a indicação dos elementos utilizados no cálculo efetuado para apuramento do valor de € 25882,65.
Entre os mesmos surge a componente O, com o valor base de 0,8475000000, referido a euros, com nota em que se refere ter sido obtido pelo valor anual dividido pelo n.º de meses, multiplicado pelo n.º de meses da ocupação.
Ora, no que respeita à fundamentação do ato tributário encontra-se, previsto no artigo 77.º, n.º 2 da L.G.T., que “a fundamentação pode ser efectuada de forma sucinta, devendo sempre conter as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários e as operações de apuramento da matéria tributável e do tributo”.
Ora, o grau de fundamentação exigível para que se considere cumprido o respectivo dever previsto nessa disposição a ainda nos arts. 268.º, n.º 3, da C.R.P. e 123.º do C.P.A., na redação ao tempo aplicável, está diretamente relacionado com o grau de litigiosidade existente, isto é, com a divergência entre a posição da administração e do contribuinte, conforme tem considerado a jurisprudência do S.T.A. – assim, no acórdão do S.T.A. de 4-10-2017, proferido no proc. 0406/13, acessível em www.dgsi.pt, citando vários outros nesse sentido.
Ora, do caso resulta que a recorrida vinha pondo em causa a tributação efetuada pela recorrente relativamente à taxa em causa, impondo-se que a recorrente tivesse indicado claramente as disposições legais aplicáveis, bem como explicitado de forma suficiente como chegou ao apuramento da componente O que utilizou no apuramento da taxa em causa.
E apenas se referiu em fundamentação a respeito das ditas disposições o regime económico e financeiro dos recursos hídricos, constante do referido Dec.-Lei n.º 97/2008, que disciplina, aliás, diferentes realidades: a taxa de recursos hídricos, as tarifas dos serviços públicos de águas e os contratos-programa em matéria de gestão dos recursos hídricos.
Por outro lado, quanto à componente O explicitou-se também apenas ter-se chegado ao mesmo dividindo por doze o valor anual.
Acresce que, conforme considerado ainda na sentença recorrida, a fundamentação “a posteriori” efetuada em sede de contestação não é aceitável, considerando que as exigências constitucionais a que se refere o art. 269.º n.ºs 3 e 4 da C.R.P., em termos da fundamentação ter de ser expressa e acessível, por visar, primacialmente, permitir aos interessados o conhecimento das razões que levaram a autoridade administrativa a agir, por forma a possibilitar-lhes uma opção consciente entre a impugnação contenciosa do ato e a sua conformação – cfr., ainda, acórdãos de 9-10-2019, proferido no proc. 0373/19.1BECBR, de 20-4-2020, proc. 01090/08.3BESNT e de 28-10-2020, proferido no proc. 02887/13.8BEPRT, publicados no sítio acima indicado.
Fazendo aplicação do disposto no art. 153.º n.º2 do C.P.A. (que corresponde ao anterior art. 125.º n.º1 do anterior C.P.A.), segundo o qual a fundamentação utilizada equivale à falta de fundamentação, restava anular a liquidação, tal como decidido foi.
Nos termos expostos, não merecendo o recurso interposto provimento, e sendo de confirmar o decidido, é de julgar prejudicado o conhecimento das questões de inconstitucionalidade suscitadas em ampliação e no recurso subordinado.
III.DECISÃO:
Os juízes Conselheiros da Secção do Contencioso Tributário do S.T.A. acordam em negar provimento ao recurso interposto pela Agência Portuguesa do Ambiente, I.P., em confirmar a sentença recorrida e em julgar prejudicado o conhecimento da ampliação e do recurso subordinado.
Custas pela Agência Portuguesa do Ambiente, I.P. - art. 527.º n.º1 do C.P.C..

Lisboa, 3 de fevereiro de 2021. - Paulo José Rodrigues Antunes (relator) - Pedro Nuno Pinto Vergueiro – Jorge Miguel Barroso de Aragão Seia.