Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0621/12.9BEALM 0929/17
Data do Acordão:12/12/2018
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:FRANCISCO ROTHES
Descritores:TAXA DE RECURSOS HÍDRICOS
DOMÍNIO PÚBLICO HÍDRICO
IMPOSTO
TAXA
Sumário:I - A declaração de ilegalidade de normas com força obrigatória geral só é possível relativamente a normas administrativas e já não relativamente a normas de fonte legislativa (cfr. art. 72.º do CPTA).
II - A TRH, criada pela Lei n.º 58/2005, de 29 de Dezembro (Lei da Água), disciplinada pelo Decreto-Lei n.º 97/2008, de 11 de Junho, quando exigida apenas pela ocupação do domínio público hídrico do Estado, tem natureza de taxa.
Nº Convencional:JSTA000P23951
Nº do Documento:SA2201812120621/12
Data de Entrada:07/21/2017
Recorrente:A............
Recorrido 1:AGÊNCIA PORTUGUESA DO AMBIENTE, IP
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Recurso jurisdicional da sentença proferida no processo de impugnação judicial com o n.º 621/12.9BEALM

1. RELATÓRIO

1.1 O acima identificado Recorrente interpôs recurso para o Supremo Tribunal Administrativo da sentença por que o Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada julgou improcedente a impugnação judicial por ele deduzida contra a liquidação de um tributo que identificou como “taxa de utilização privada de terreno do domínio público marítimo” (TDPM) referente ao ano de 2011, no valor de € 3.854,43.

1.2 O recurso foi admitido, com subida imediata e nos próprios autos e o Recorrente apresentou a motivação do recurso, que resumiu em conclusões do seguinte teor:

«I- Compulsando a douta sentença ora em crise, a única questão que efectivamente se encontra plasmada na mesma, é uma intensa demagogia, afastando de forma flagrante e censurável a douta aplicação da Justiça ao caso concreto, porquanto peca a douta sentença, por se pretender fazer valer de argumentos jurídicos e conceptuais, com disjunções falaciosas, de carácter unicamente abstracto e, por essa mesma razão, não subsumir os factos que enformam a Verdade Material dos Factos do caso concreto ao Direito, tudo conforme infra melhor se demonstrará.

II- Veio a impugnante ora recorrente alegar que:

• Sobre a presente matéria de facto e de direito, foram já proferidas três sentenças transitadas em julgado – que anexa para o efeito – que procederam à anulação das TDPM, circunstância que vincula o tribunal a quo, por sua vez, a decretar com força obrigatória geral a ilegalidade da cobrança sub judice;
• É titular da licença n.º 858/ALM que o habilita a explorar estabelecimento de bebidas e restauração sito, na Praia da Costa da Caparica, Almada, em área do domínio público hídrico;
• Nos anos de 2003 a 2005 inclusive, liquidou TDPM por um “valor de menos de metade” do que lhe é exigido em 2011, logo por valor muito inferior a este último;
• No que diz respeito aos critérios de determinação e apuramento do valor da TDPM, subjaz desconformidade entre o diploma legal aplicável – in casu, o Decreto-Lei n.º 47/94, de 22.02 – e Despacho n.º 5/SERN/97, de 29.01, exarado pelo Secretário de Estado dos Recursos Naturais. Pelo que o acto ora impugnado padece de vício de violação de lei por desrespeitar a norma constante do artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 47/94, de 22.02;
• O tributo em apreço se reconduz, dogmaticamente, à figura do Imposto, porquanto lhe queda o exigível sinalagma;
• Viola o tributo em questão o imperativo constitucional de reserva absoluta de competência legislativa, plasmado nos artigos 103.º, n.º 2, e 165.º, n.º 1 alínea i) da CRP, padecendo o mesmo de inconstitucionalidade orgânica e,
• O tributo ora exigido, materialmente, assume-se como um imposto dada a excessividade do quantum pretendido arrecadar, através do mesmo, pela Administração, pelo que aquele viola, desse modo, o princípio da proporcionalidade.

III- Vindo o douto Tribunal de primeira instância, fixar a questão a decidir nos seguintes dois pontos:
• Deve (ou não) ser declarada a ilegalidade com força obrigatória geral da taxa de utilização privativa do domínio público marítimo prevista no Decreto-Lei n.º 47/94, de 22.02?, que ora indicaremos como QUESTÃO 1 e,
• As taxas sub judice são (ou não) inconstitucionais?, que ora indicaremos como QUESTÃO 2.

IV- Quanto à declaração de ilegalidade com força geral obrigatória geral da taxa de utilização privativa do domínio público marítimo, defendeu a impugnante ora recorrente que, tendo sido já proferidas três decisões de tribunais tributários, as quais veio de forma oportuna e tempestiva juntar aos autos, em sede de primeira instância, para os devidos efeitos (Sentenças do TAF de Almada de 04.12.2006, in processo n.º 361/06.8BEALM, e de 08.02.2007, in processo n.º 54/2003 e, ainda Sentença do Tribunal Tributário de Lisboa - Juízo Liquidatário, de 10.03.2009, in processo n.º 147/04.4BELSB) que julgaram ilegal e, como tal, anularam a cobrança da taxa devida pela utilização privativa do domínio público marítimo, prevista e consagrada no Decreto-Lei n.º 47/94, de 22.02, deveria o douto Tribunal de primeira instância ter procedido em conformidade, devendo o douto Tribunal de primeira instância ter decidido, em consonância com as mesmas, de forma obrigatória

V- Tal não só não veio a suceder, Tribunal a quo, determinar que atenta a circunstância de a norma que prevê a taxa devida pela utilização do domínio público marítimo possuir âmbito nacional os tribunais tributários de 1.ª instância – como é o caso – são incompetentes para apreciar o pedido formulado na impugnação oferecida.

VI- Tendo em conta o pedido que é efectuado pela impugnante ora recorrente, deveria o douto Tribunal a quo, ao abrigo do Princípio da Cooperação e aproveitamento dos actos processuais, ter remetido para o douto Tribunal competente de apreciação.

VII- Inexistindo qualquer dúvida de que a questão alegada pela impugnante ora recorrente, em sede de impugnação, é de todo e por todo, relevante para a boa decisão da causa, e bem assim, qualquer dúvida sobre o merecimento da procedência por provado do quanto veio alegado e peticionado, tendo o douto Tribunal a quo, conhecimento de tal facto.

VIII- Pois que o douto Tribunal de primeira instância obliterou conscientemente um determinado categórico legal – envio oficioso para o douto Tribunal competente – cfr. art. 14.º CPTA, estando assim perante a preterição de uma formalidade legal, o que determina a nulidade da mesma bem como de todo o processado subsequente, devendo ser determinado procedente por provado o presente recurso, o que desde já se requer em estrita conformidade com a tão douta e costumada JUSTIÇA!

IX- Quanto às taxas ora em crise, a receita pretendida liquidar pela Agência Portuguesa do Ambiente a título de taxa de utilização privativa do domínio público marítimo constitui um verdadeiro imposto e não uma taxa, assim se encontrando este submetida a um princípio da legalidade tributária reforçada, traduzido na reserva de competência legislativa do parlamento para determinação do seu regime, de onde resulta que a inexistência desse mesmo regime legal, sob a forma de lei, emitido pela assembleia da república determina inexoravelmente a inconstitucionalidade orgânica da referida taxa.

X- Deveria antes da decisão demagógica proferida e previamente a qualquer análise jurídica, subsumir os factos ao direito, o douto Tribunal a quo, e indicar estarmos na presença de um IMPOSTO e não de uma taxa.

XI- Mais acresce que como bem indica a douta sentença proferida ainda que aqui em crise, a alegada taxa de recursos hídricos tem bases de incidência objectiva separadas.

XI- Sublinhando-se que quer exista uma utilização do domínio público hídrico quer se trate de uma actividade que possa causar impactos significativos no estado quantitativo e qualitativo da água, o sujeito passivo aufere uma satisfação individualizável, “uma utilidade presumida que [tem] por destinatário individualizado” [neste sentido, Joana Mendes, Direito Administrativo da Água in Tratado de Direito Administrativo Especial, Volume II, Coimbra, Almedina, 2009, p. 122].”, inexistindo, como é bom de ver, em matéria fiscal, a possibilidade de tributar situação ou utilidades presumidas.

XIII- Numa situação em que simultaneamente se recorre a presunções e a indícios, é exigível uma fundamentação particularmente cuidada de todos os actos praticados até à liquidação, conforme ensinado pelo Exmo. Sr. Dr. Prof. Saldanha Sanches a fls. 430 em “A quantificação da obrigação tributária - Deveres de cooperação, autoavaliação e avaliação administrativa”, cadernos de Ciência e Técnica Fiscal, Centro de Estudos Fiscais da DGCI, Lisboa, 1995: «A existência de uma situação de controvérsia, corporizada num litígio entre o contribuinte e a administração sobre a existência ou a quantificação de um determinado facto é pois nota distintiva, no terreno da Administração fiscal, para a separação entre actos administrativos que exigem uma fundamentação especialmente desenvolvida e aqueles que a não exigem.

XIV- Nesta senda, veja-se o Acórdão do STA proferido pela Secção daquele Tribunal, no âmbito do processo 017398, em 29.10.1997, em cujo resumo pode ler-se: “V-A fundamentação do acto tributário pode ser puramente ritual (como, por exemplo, nos casos em que há autoliquidação do imposto, ou em que os dados são fornecidos pelo contribuinte) ou longa e minuciosa (como, por exemplo, nos casos em que a liquidação decorre de métodos indiciários).

XVI- No caso em que a administração não logra obter provas contundentes nem irrefutáveis do exercício de determinada actividade, deve abster-se de presumir o seu exercício e, consequentemente, de determinar o lucro tributável pela aplicação de métodos indiciários, o que não ocorreu in casu.

XVII- Não existe na verdade qualquer utilidade presumida, nem na verdade qualquer impacto significativo no estado quantitativo e qualitativo da água, ademais, as entidades que exploram entidades de apoio de praia, devidamente licenciada, funcionam outrossim como um apoio à própria sociedade, não utilizando águas, nem criando impactos sobre a mesma, pecando por inaplicabilidade ao caso concreto a noção de tributo ambiental.

XVIII- Não sendo possível concluir que a internalização dos custos decorrentes das actividades susceptíveis de causar um impacto negativo ou de excessiva utilização do recurso água justificaria a criação de um tributo ambiental.

XIX- Ainda que assim não o fosse, o impugnante ora recorrente não causa qualquer impacto negativo ou de excessiva utilização do recurso água, porquanto, não a usando de TODO!

XX- Em face ao quanto já exposto, os alegados tributos ambientais assumem a configuração de tributos unilaterais – IMPOSTOS, pelo que ao defender que estamos perante um tributo de carácter ambiental, é o próprio douto Tribunal a quo, que mal andou, a determinar que o mesmo representa uma Taxa, admitindo a característica de unilateralidade do mesmo, outro não pode ser o entendimento, senão o de que, não tem competência legal a impugnada recorrida, para liquidar tributos com tais características, violando a legalidade, porquanto estamos na presença de IMPOSTOS!

XXI- De onde resulta que são nulos os actos de liquidação das taxas supra referenciadas por inconstitucionalidade do regulamento no qual se baseiam, uma vez que consubstancia a criação de um imposto violando a reserva de competência da Assembleia da República.

XXII- O conceito de taxa aparece sempre como facto gerador a contraprestação inexistente in casu, outrossim, estamos na presença de um IMPOSTO.

XXIII- E nesta esteira, “Sobre a natureza das taxas e da exigência da bilateralidade ou reciprocidade de prestações se tem pronunciado a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo em inúmeros arestos, designadamente nos acórdãos mais recentes de 08 10 2014 no processo 221/12 e de 29 10 2014 no processo 862/14 este último referindo até a doutrina do acórdão do Tribunal Constitucional a que se faz alusão nestes autos e frise-se, (...)

XXIV- Autores desde Pedro Soares Martinez, Alberto Xavier e Braz Teixeira a Manuel Freitas Pereira ou Saldanha Sanches, Casalta Nabais e Glória Teixeira e também, Freitas da Rocha todos são unânimes em referir que o que diferencia especificamente a taxa das outras categorias tributárias é a contraprestação concreta, individualizada que a entidade ou serviço público presta ao sujeito passivo traduzida numa vantagem específica para o sujeito passivo.” in Ac. STA, Processo n.º 01273/13, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/1ac01b7bc3c4365280257daf0057a4bc?OpenDocument&ExpandSection=1#_Section1

XXV- Pois que o critério geral de tal distinção é unanimemente reconhecido pela doutrina e jurisprudência como o da unilateralidade (impostos) ou bilateralidade e relação sinalagmática (taxas) da prestação exigida pelo Estado, neste sentido por todos vide Alberto Xavier, in Manual de Direito Fiscal, Lisboa, 1974, pág. 64; Diogo Leite de Campos, Direito Tributário, Almedina, Coimbra, 1996, págs. 27 e segs.; e Paulo de Pitta e Cunha e António Lobo Xavier, in Os conceitos de taxa e imposto a propósito de licenças municipais, Revista “O Fisco”, Março, 1993, pág. 3 a 12.

XXVI- Por tudo quando já discorrido supra, outro não pode ser assim o entendimento, senão o de que estamos perante a criação de um verdadeiro imposto, ou como certos autores sustentam mesmo que quando a prestação da taxa ultrapassa sensivelmente os custos, o excesso assim verificado assume o carácter de imposto, o mesmo é materialmente ilegal por violação expressa da autorização legislativa concedida pelo art. 2.º da Lei n.º 62/93, de 20 de Agosto, devendo este douto Tribunal ad quem, determinar a procedência do presente recurso e, inevitavelmente, a procedência por provada da impugnação oferecida, o que desde já se requer, em estrita conformidade com a tão douta e costumada JUSTIÇA!

XXVII- Sumariamente, cabe referir que esta «contribuição especial» como lhe apelida o tribunal recorrido não se encontra prevista na constituição e fere de forma directa e flagrante o princípio da reserva de competência legislativa exclusiva da Assembleia da República em matéria tributária, o que se argui para todos os devidos efeitos legais.

XXVIII- No que concerne à violação do princípio da proporcionalidade, no caso vertente que os valores das taxas de utilização do domínio público hídrico, previstas nos Dec. Leis n.ºs 208/07 e 97/08 e que constam do anterior art. 7° do Dec. Lei n.º 47/94, de 22 de Fevereiro, bem como o seu “incrível” e manifesto, aumento ao longo dos últimos três a quatro anos – sem acompanhar a realidade dos valores nominais do custo de vida e correcção monetária, atingem de forma directa e desrazoável a liberdade dos utentes, como o ora impugnante.

XXIX- Em boa verdade, não estamos só na presença de um IMPOSTO como estamos na presença de um imposto que viola o mais basilar princípio da Proporcionalidade, pois que de acordo com a lei, o estabelecimento da medida de uma qualquer taxa deve estar sujeito ao Princípio da Proporcionalidade, ou seja, a quantia a pagar deve ser proporcional face ao valor do serviço prestado ao utente.

XXX- De onde se extrai que o quantum objecto de impugnação nos presentes autos viola de forma flagrante o princípio da proporcionalidade consagrado no n.º 2 do artigo 266.º da C.R.P., mais impondo a imediata declaração de nulidade do acto impugnado, o que se requer, devendo considerar-se a alegada taxa instituída como inconstitucional por violação do princípio da proporcionalidade, já que da consagração constitucional do princípio da proporcionalidade e da concretização legal em que o mesmo se mostra densificado resulta que toda a actividade administrativa terá sempre de ter presente a necessidade de adequar os meios empregues aos fins que visa atingir.

XXXI- Tendo já a jurisprudência do Tribunal Constitucional expendido já, a propósito desta questão, que «não basta uma qualquer desproporção entre a quantia a pagar e o valor do serviço prestado, para que ao tributo falte o carácter sinalagmático. Será necessário que essa desproporção seja manifesta e comprometa, de modo inequívoco, a correspectividade pressuposta na relação sinalagmática» e que, aquela desproporção terá de ser aferida simultaneamente em função do carácter fortemente excessivo da quantia a pagar e da utilidade do serviço para quem deve pagar o tributo. Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 1150/02, consultável in www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos.

XXXII- Deveria pois o douto Tribunal a quo, [ter-]se pronunciado sobre a invocada violação do Princípio da Proporcionalidade e, inevitavelmente, sobre a declaração de nulidade do imposto em crise, o que desde já se requer.

XXXIII- Já a errada fórmula de cálculo é também flagrante pois nos termos do artigo 6.º/1 do Decreto-Lei n.º 97/2008, a base tributável da TRH é estabelecida através da soma de cinco componentes, expressa pela fórmula: TRH=A+E+I+O+U. Os cincos componentes acabam por corresponder às cinco formas de utilização de recursos hídricos identificadas no artigo 4.º do mesmo Decreto-Lei.

XXXIV- Concretizando-se que, para boa e efectiva compreensão: TRH = O (ocupação do domínio público hídrico), assim outro não poderá ser o entendimento senão o de que o IMPOSTO camuflado como TAXA mal andou na sua quantificação, pelo que deve o mesmo ser considerado nulo, bem como nulo deverá ser considerado todo o tramitado subsequente, o que desde já se requer.

XXXV- No respeitante à falta de fundamentação “A exigência legal de motivação da decisão sobre a matéria de facto não se satisfaz com a simples referência aos meios de prova que o julgador considerou decisivos para a formação da sua convicção, devendo indicar as razões que, na sua análise crítica, relevaram para a formação da sua convicção, expondo o processo lógico e racional que seguiu, por ser esta a única forma de tornar possível o controlo da razoabilidade daquela convicção sobre o julgamento de facto, e de convencer os destinatários sobre a sua correcção.” in Ac. TRC, Proc. n.º 1259/08.0TBGRD.C1, disponível em http://www.dgsi.pt/jtrc.nsf/c3fb530030ea1c61802568d9005cd5bb/4496a3b20ced1ea180257b7f003367d6?OpenDocument sendo porquanto patente e latente que tal não ocorre na presente situação ora em crise.

XXXVI- O douto Tribunal a quo reduziu-se a invocar jurisprudência e considerandos vários, para terminar com a expressão: “Termos estes em que, à luz dos fundamentos enunciados, há que julgar improcedente, por não provada, a presente impugnação”, pois que o tribunal “a quo” não se pronunciou assim sobre as questões invocadas pelo ora recorrente nem indicou as razões de facto e de direito que levaram à conclusão aposta na sentença ora em crise, limitando-se a, demagogicamente, transcrever acórdãos, recitar jurisprudência e doutrina, não subsumindo os factos ao Direito.

In fine,

XXXVII- A parte recorrente não se encontra assim elucidada a respeito dos motivos de decisão e, por não ser patente e latente na sentença ora em crise, o processo dialéctico que conduziu à decisão proferida, desconhecendo a forma como a mesma subsume os factos – VERDADE MATERIAL DOS FACTOS AO DIREITO – encontra-se obstaculizado de exercer o direito de que se arroga titular (direito de recorrer) de forma adequada.

XXXVIII- Perante a censurável falta de fundamentação da decisão ora em crise, mais se requer a procedência por provado do presente recurso e a inevitável declaração de nulidade da mesma, tudo em estrita conformidade com a tão douta e costumada JUSTIÇA!

Termos em que com os mais de Direito doutamente supridos por V.s. Exas., deverá ser considerado procedente por provado o presente recurso, anulando-se a douta sentença ora em crise proferida, determinando-se que outro qualquer entendimento sempre determinaria estar a dar-se abrigo legal a uma dupla tributação económica, censurável que a mesma é, o que desde já se requer em estrita conformidade com a tão douta e costumada JUSTIÇA!».

1.3 A Recorrida contra-alegou, pugnando pela manutenção da sentença, tendo formulado conclusões do seguinte teor:

«1- Não existe caso julgado com força obrigatória geral, pois, nos termos dos artigos 580.º e 581.º do CPC só existirá caso julgado, quando houver identidade de partes e do pedido, o que não é o caso. Além do mais, as sentenças referenciadas pelo recorrente, têm na sua génese legislação diferente da aplicável ao caso, e já revogada.

2- A taxa é devida porque legalmente estipulada como se viu e o recorrente é titular da licença, não pode ser equiparada a um utente comum, além de que as licenças são atribuídas a pedido do interessado, como foi o caso, e,

3- Ao assinar o termo de responsabilidade, de livre vontade sabia quais as condições da licença donde consta a obrigatoriedade de pagar uma taxa.

4- Estamos perante uma taxa devida pela utilização privativa de um bem do domínio público, não se tratando por isso de um imposto (acórdão do TCA Sul de 6/6/2013, acórdão proferido no processo 304/11.7BECBR).

5- A receita liquidada e cobrada constitui, sem dúvida uma taxa, não só porque assim classificada na legislação, mas também porque se refere à utilização privativa em termos de exclusividade de um bem do domínio público, e como muito bem reconhece o recorrente, ao longo do seu douto recurso, apesar de em termos de mera ilustração jurídica querer parecer que se trata de um imposto.

6- Também não podemos aceitar o que o recorrente afirma quanto à ilegalidade da taxa, vícios apontados e inconstitucionalidade, pois, em sentido contrário, pugnando pela legalidade está o douto acórdão do STA de 26-09-2013, proferido no processo 01254/13, como se viu atrás.

7- A cobrança efectuada foi feita em estrita observância dos ditames legais em vigor à data dos factos relevantes para a aplicação da taxa em questão pois,

8- A taxa foi calculada nos termos do n.º 1 do art. 10.º do DL n.º 97/2008 de 11 de Junho, que estipula para a componente O, aplicável ao caso em apreço, o valor de base, entre 7,50 e 10 Euros, conforme al. f) do n.º 2 do art. 10.º do DL n.º 97/2008 já citado, actualizado anualmente por aplicação do Índice de Preços no Consumidor, conforme n.º 1 do artigo 17.º do DL n.º 97/2008 e não em razão da cumulação das várias componentes, como pretende o recorrente.

9- De referir ainda que, de acordo com o previsto no n.º 4 do art. 10.º do mesmo diploma, DL n.º 97/2008, se não forem fixados valores diferentes para o ano subsequente, então o valor da componente de base corresponderá ao maior dos valores do intervalo previsto. Ora foi esta a forma de cálculo da taxa em causa.

10- Por tudo o exposto, conclui-se que a sentença posta em crise, não padece de qualquer dos vícios apontados pelo recorrente, devendo ser mantida na ordem jurídica.

11- O recorrente, erradamente, salvo melhor opinião, fundamenta o presente recurso num longo enunciado de doutrina e jurisprudência que diz respeito a impostos e não a taxas, como é o caso, por isso, por não ser aplicável, não pode fundamentar o presente recurso. Estamos assim, perante um recurso esvaziado de conteúdo.

12- O tribunal de 1.ª instância, não apreciou a invocada violação do princípio da proporcionalidade, porque, como referimos, não é aplicável ao caso, por estarmos no âmbito de aplicação legal vinculativa.

13- Afirma ainda que o recorrente, perante a sentença ora posta em crise, não se encontra elucidada no que respeita aos motivos da mesma, o que se refuta como atrás ficou dito, além de que o recorrente invoca mas não prova tal vício.

Nestes termos e nos demais de direito que V. Exas doutamente suprirão, deve o presente recurso ser julgado improcedente por não provado e, em consequência, deve ser mantida a douta sentença ora posta em crise, assim se fazendo JUSTIÇA».

1.4 Recebidos os autos neste Supremo Tribunal Administrativo, foi dada vista ao Ministério Público e o Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de que seja negado provimento ao recurso e confirmada a sentença recorrida. Isto, após enunciar os termos em que vem deduzido o presente recurso e o respectivo objecto e resumir os fundamentos de facto e de direito da sentença recorrida, com a seguinte fundamentação: «[…]

III. APRECIAÇÃO DO RECURSO.
1. A Recorrente começa por imputar à sentença recorrida o vício de nulidade, por alegada falta de fundamentação, por não «ser patente e latente na sentença em crise, o processo dialéctico que conduziu à decisão proferida».
Dispõe a este propósito o artigo 615.º, n.º 1, alínea b), do CPC, que «é nula a sentença quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justifiquem a decisão».
Ora, o tribunal “a quo” baseou de forma clara e explicita o seu entendimento, não só através da caracterização do tributo e do seu enquadramento legal, como apoiando-se em jurisprudência que abordou o mesmo tema. O tribunal “a quo” pode ter incorrido em erro de julgamento nessa caracterização e enquadramento legal, mas não merece censura pela alegada falta de fundamentação da sua decisão.
Entendemos, assim, que não se verifica a invocada nulidade.
2. O Recorrente insurge-se igualmente contra a liquidação do tributo, apontando-lhe vários vícios: (i) o de inconstitucionalidade orgânica por tratar-se de imposto da reserva de competência da Assembleia da República, (ii) o de violação do princípio da proporcionalidade pelo aumento significativo do seu valor, e (iii) de violação de lei por afrontar o disposto no artigo 6.º, n.º 1, do Dec.-Lei n° 97/2008.
Ora, com excepção do vício de inconstitucionalidade orgânica, a sentença não conheceu dos demais vícios, pelo que não pode o tribunal de recurso pronunciar-se sobre os mesmos (sendo certo que também não foi invocado pelo Recorrente qualquer vício relativo à omissão do seu conhecimento). Com efeito e como é jurisprudência pacífica, os recursos destinam-se a apreciar a bondade do decidido, pelo que não pode o tribunal “ad quem” apreciar questões que não foram objecto do conhecimento pelo tribunal “a quo”.
3. Quanto ao vício de inconstitucionalidade orgânica.
Considera o Recorrente que o acto de liquidação é nulo por inconstitucionalidade do regulamento no qual se baseia, uma vez que consubstancia a criação de um imposto violando a reserva de competência da AR.
Decorre das alegações do Recorrente, que este assenta o seu entendimento sobre o alegado vício de inconstitucionalidade orgânica na qualificação do tributo como “imposto”, a qual assenta na falta de sinalagma do tributo, por alegada “excessividade do quantum pretendido arrecadar” e «pelo excessivo aumento registado no ano de 2011, o qual se encontra desprovido de todo e qualquer nexo real com os custos de implementação de uma atividade económica privada». E acrescenta que encontrando-se «submetida a um princípio de legalidade tributária reforçada, traduzido na reserva de competência legislativa do parlamento para determinação do seu regime», e inexistência deste sob a forma de lei, determina a inconstitucionalidade orgânica da referida taxa.
Como vimos, o tribunal “a quo” considerou que, embora denominada de “taxa sobre recursos hídricos”, estamos perante uma “contribuição especial”, a qual foi criada pela própria Assembleia da República com a Lei n.º 58/2005, de 29/12.
Importa, assim e antes de mais analisar o tributo em causa.
Da reduzida e algo imprecisa matéria de facto levada ao probatório resulta que o impugnante foi notificado para efectuar o pagamento de uma denominada “taxa de recursos hídricos (TRH)”, no valor de € 3.854,43 euros, relativa ao ano de 2011, de acordo com o documento que constitui fls. 55/56/57 dos autos e do qual se extrai que a mesma tem subjacente a ocupação de “domínio público hídrico do Estado com apoios de praia não temporários, tendo o valor da taxa sido calculado com base numa área de ocupação de 379 m2 e o valor base/ m2 de 0,8475 euros.
Mais resulta do ofício remetido ao impugnante e aqui Recorrente que o acto de liquidação foi emitido ao abrigo do Dec.-Lei n.º 97/2008, de 11 de Junho.
Ora, o regime da TRH consagrado no Dec.-Lei n.º 97/2008, de 11 de Junho, tem como lei habilitante a Lei n.º 58/2005, chamada Lei da Água, a qual constitui uma transposição da Directiva n.º 2000/60/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de Outubro. Com efeito, resulta do n.º 4 do artigo 78.º da Lei n.º 58/2005 que as «bases de incidência, as taxas unitárias aplicáveis, a liquidação, a cobrança e o destino de receitas da TRH, bem como as correspondentes competências administrativas, as isenções referidas no n.º 3 do artigo 80.º e as matérias versadas no n.º 2 do artigo 79.º e no n.º 2 do artigo 81.º, são reguladas por normas a aprovar nos termos do n.º 2 do artigo 102.º qual por sua vez dispõe que «O Governo deve aprovar no prazo de três meses após a entrada em vigor da presente lei os decretos-leis complementares da presente lei que regulem a utilização de recursos hídricos e o regime económico e financeiro».
No preâmbulo do Dec.-Lei n.º 97/2008, de 11 de Junho, consignou-se que «A estrutura objectiva da taxa de recursos hídricos integra diferentes tipos de utilizações dos recursos hídricos, combinando na sua base de incidência componentes que reflectem a preocupação fundamental de compensar quer os custos que o utilizador provoca à comunidade quer os benefícios que a comunidade lhe proporciona. Tomam-se, por isso, como base de incidência o aproveitamento de águas do domínio público hídrico do Estado; a descarga, directa ou indirecta, de efluentes sobre os recursos hídricos, susceptível de causar impacte significativo; a extracção de materiais inertes do domínio público hídrico; a ocupação de terrenos ou planos de água do domínio público hídrico do Estado; bem como a utilização de águas sujeitas a planeamento público, susceptível de causar nelas impacte significativo» (sublinhados nossos). E nos termos do artigo 3.º, n.º 2, do Dec.-Lei n.º 97/2008, de 11 de Junho, «A taxa de recursos hídricos visa compensar o benefício que resulta da utilização privativa do domínio público hídrico, o custo ambiental inerente às actividades susceptíveis de causar um impacto significativo nos recursos hídricos, bem como os custos administrativos inerentes ao planeamento, gestão, fiscalização e garantia da quantidade e qualidade das águas».
Como referem Gonçalo Leite de Campos e Miguel Clemente (in “Taxas de Regulação Económica nos Sectores das Águas e Resíduos” – As Taxas de Regulação Económica em Portugal, Março 2008, Almedina, pág. 11 e seguintes), «...o artigo 78.º da Lei da Água também decompõe o plano de incidência objectiva da TRH em duas parcelas cumulativas, ambas colocadas sob o domínio do princípio da equivalência. A primeira, consiste na utilização privativa dos bens dominiais e assenta no benefício, como contraprestação específica e individualmente mensurável, que o sujeito passivo da relação jurídica tributária retira dessa utilização (prestando, assim, homenagem ao princípio do utilizador-pagador). Já a segunda, formada pelas “actividades susceptíveis se causarem impacto negativo significativo no estado de qualidade ou quantidade de água”, é norteada pela necessidade de repercutir no poluidor os custos ambientais provocados (obedecendo, portanto, à lógica que subjaz ao princípio do poluidor-pagador)».
Ainda a este propósito refere José Manuel M. Cardoso Costa (in “Homenagem a José Guilherme Xavier de Basto”, p. 555), a propósito da orientação jurisprudencial do Tribunal Constitucional sobre a natureza sinalagmática da taxa (acórdãos do TC n.º 115/2002 e 349/2002), que «…os termos de referência a considerar na emissão de um juízo sobre a correspondência «material» (ou a proporcionalidade) entre o montante da taxa e a respectiva contraprestação (independentemente, agora, do grau que tal correspondência deva assumir). Com efeito, nesses acórdãos, deixou o Tribunal esclarecido que para tal efeito – para um confronto, sob o ponto de vista dessa correspondência material, entre o valor (montante) da taxa e o da contraprestação pública que é recebida pela pessoa ou entidade que a paga – não tem de ser relevante apenas o «custo», e o custo «directo» do serviço: – podem (ou devem) sê-lo, também, os respectivos «custos globais» (isto é, os custos gerais de funcionamento da entidade prestadora do serviço, que é legítimo repercutir, parceladamente, sobre os respectivos utilizadores); – mas, sobretudo, pode (ou deve) igualmente sê-lo, ainda, a «utilidade» daquela contraprestação para o respectivo beneficiário, ou seja, acrescentaremos: podem (ou devem) sê-lo ainda outros elementos ou outros aspectos dessa contraprestação susceptíveis de valoração económica e, consequentemente, susceptíveis de servirem de indicador de tal utilidade».
Ora, no caso concreto dos autos, sendo a taxa devida pela utilização do domínio público hídrico do Estado, o Recorrente nem sequer alegou quaisquer elementos de facto que permitisse o tribunal concluir que não se verifica a falta de equivalência jurídica subjacente à natureza sinalagmática da taxa.
Afigura-se-nos, assim, que a taxa de recursos hídricos impugnada não padece do vício de inconstitucionalidade que lhe é assacado pelo Recorrente.
Neste sentido, ainda que no âmbito de outra modalidade da taxa, se pronunciou o acórdão do STA de 17/02/2016, proc. 458/15.
Entendemos, assim, que o recurso deve ser julgado improcedente nesta parte.

4. O Recorrente insurge-se igualmente contra a sentença por o tribunal “a quo” não se ter decidido pela declaração de ilegalidade com força obrigatória geral da norma que prevê a taxa ou a remessa dos autos ao tribunal considerado competente para tal declaração, por terem sido proferidas três sentenças em 1.ª instância a declarar a ilegalidade da referida taxa, conforme documentação que juntou aos autos.
Como vimos, o tribunal “a quo” rejeitou a apreciação do pedido de declaração de ilegalidade da taxa com força obrigatória geral com base no entendimento de que tratando-se de taxa prevista em norma administrativa de âmbito nacional, a competência para apreciar o referido pedido estava atribuído aos tribunais centrais administrativos, atento o disposto na alínea c) do artigo 38.º do ETAF.
Estamos a falar de “declaração de ilegalidade de normas emanadas ao abrigo de disposições de direito administrativo”, cuja forma de processo estava prevista no artigo 72.º e seguintes do anterior CPTA. Sendo que, como se deixou exarado na sentença recorrida, sendo a norma administrativa de âmbito nacional a competência é dos tribunais centrais (al. c) do art. 38.º do ETAF) e no caso de norma administrativa de âmbito regional ou local da competência dos tribunais tributários (ponto i) da alínea e) do n.º 1 do art. 49.º do ETAF).
Ora, na petição inicial o impugnante e aqui Recorrente não formulou qualquer pedido de declaração de ilegalidade de norma administrativa, nem tão pouco identificou essa norma. Como decorre da parte conclusiva da petição, o único pedido que foi formulado foi o da anulação da liquidação da taxa impugnada.
Antes, o impugnante invocou como “questão prévia” a existência de três decisões judiciais a declarar a ilegalidade de taxas de utilização privativa do domínio público marítimo, para concluir que tal facto constituía fundamento para que o tribunal decretasse, com força obrigatória e geral, a ilegalidade da taxa impugnada.
Ora, para além de serem distintas as invalidades referenciadas – ilegalidade de taxa e ilegalidade de norma administrativa com base na qual é cobrada a taxa –, só no caso de declaração de ilegalidade de norma administrativa é que é admissível a declaração com força obrigatória geral nos termos do art. 73.º do anterior CPTA.
Por outro lado não estamos perante a situação de a norma com base na qual foi liquidada a taxa ter sido declarada ilegal com força obrigatória geral, para que tal constituísse fundamento que obstasse à sua aplicação, como parece inferir-se do alegado pelo Recorrente».

1.5 Colhidos os vistos dos Conselheiros adjuntos, cumpre apreciar e decidir, sendo as questões a dirimir as de saber i) se a sentença enferma de nulidade por falta de fundamentação e se fez correcto julgamento ii) quando considerou que o tributo cuja liquidação é impugnada não enferma na sua génese de inconstitucionalidade orgânica e iii) quando não proferiu decisão no sentido da declaração de ilegalidade com força obrigatória geral da norma que prevê o mesmo tributo ou quando não remeteu os autos ao tribunal competente para proferir essa decisão.


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2. FUNDAMENTAÇÃO

2.1 DE FACTO

O Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada deu como provados os seguintes factos:

«A) O impugnante é titular da Licença n.º ……… que a habilita a explorar estabelecimento de bebidas e restauração, sito na Praia da Costa da Caparica, Concelho de A – cfr. artigo 1.º da petição inicial;

B) O impugnante explora, ininterruptamente, o referido estabelecimento comercial há mais de dez anos – cfr. artigo 2.º da petição inicial;

C) Em 02.01.2012, a Agência Portuguesa do Ambiente emitiu a Nota de Liquidação n.º 4489/2012/TEJ, na qual figura como sujeito passivo o ora Impugnante – cfr. Doc. n.º 5, junto com a petição inicial, constante a fls. 55-57;

D) Em 04.01.2012, sob o assunto “Notificação para pagamento da Taxa de Recursos Hídricos (TRH) - Ano 2011”, no montante de € 3.854,43, a Agência Portuguesa do Ambiente expediu ofício dirigido ao impugnante – cfr. Doc. n.º 5, junto com a petição inicial, constante a fls. 55-57;

E) Em 17.04.2012, deu entrada nos serviços da Entidade Impugnada a petição inicial da presente impugnação judicial – cfr. data manuscrita aposta a fls. 2 dos autos».


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2.2 DE DIREITO

2.2.1 AS QUESTÕES A APRECIAR E DECIDIR

Está em causa nos autos a liquidação do tributo denominado “taxa de recursos hídricos” (TRH) que foi efectuada ao ora Recorrente, ao abrigo do disposto no Decreto-Lei n.º 97/2008, de 11 de Junho (ELI: https://data.dre.pt/eli/dec-lei/97/2008/06/11/p/dre/pt/html.), pela “Administração da Região Hidrográfica do Tejo, I.P.” – a que sucedeu, nas suas competências e atribuições, a “Agência Portuguesa do Ambiente” (O “Administração da Região Hidrográfica do Tejo, I.P.” foi extinta pelo art. 34.º, n.º 3, alínea p), do Decreto-Lei n.º 7/2012, de 17 de Janeiro (ELI: https://data.dre.pt/eli/dec-lei/7/2012/01/17/p/dre/pt/html), tendo-lhe sucedido, nas suas competências e atribuições, a “Agência Portuguesa do Ambiente, I.P.”, nos termos do art. 15.º, n.º 1, alínea e), do Decreto-Lei n.º 56/2012, de 12 de Março (ELI: https://data.dre.pt/eli/dec-lei/56/2012/03/12/p/dre/pt/html).) – relativamente ao ano de 2011. Isto porque o ora Recorrente é titular de uma licença para utilização privativa de uma parcela do domínio público hídrico do Estado, em regime de exclusividade, onde está implantada um estrutura onde é explorado um estabelecimento de bebidas e restauração.
O ora Recorrente insurgiu-se contra essa liquidação. Em síntese, se bem interpretamos a petição inicial, começou, a título de “QUESTÃO PRÉVIA”, por considerar que o Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada devia «decretar com força obrigatória e geral, a ilegalidade da cobrança das referidas taxas DPM», uma vez que já existem mais de três sentenças transitadas em julgado, «que julgaram ilegais e anularam a cobrança das taxas DPM», o que, na perspectiva do ora Recorrente, forma «um CASO JULGADO, COM FORÇA OBRIGATÓRIA GERAL». Para comprovar essa alegação, juntou cópia de 4 sentenças proferidas por tribunais tributários de 1.ª instância.
Depois, referindo a previsão e a liquidação do tributo – que considerou ser a “Taxa de Utilização Privada de Terreno do Domínio Público” – ao Decreto-Lei n.º 47/94, de 22 de Fevereiro (quando, como deixámos já dito, este foi liquidado ao abrigo do Decreto-Lei n.º 97/2008, de 11 de Junho), imputou a essa liquidação diversas ilegalidades, a saber: erro no cálculo do montante a pagar, por errada aplicação da fórmula de cálculo do tributo, designadamente por desconformidade entre o art. 7.º do Decreto-Lei n.º 47/94, de 22 de Fevereiro, e o Despacho n.º 5/SERN/de 29 de Janeiro, do Secretário de Estado dos Recurso Naturais; o tributo liquidado não é uma taxa, mas um imposto, por falta do sinalagma requerida para aquela espécie tributária; é o decorre também de outras características do tributo, como o respectivo montante, sem qualquer correspondência com uma eventual contraprestação, e a anualidade do seu pagamento; sendo um imposto, verifica-se a inconstitucionalidade orgânica da norma que o criou, em face do imperativo constitucional de reserva absoluta de competência legislativa em matéria de criação de impostos, como decorre dos arts. 103.º, n.º 2 e 165.º, n.º 1, alínea i), da Constituição da República Portuguesa (CRP).
O Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada, apreciando a impugnação judicial, depois de julgar improcedente a excepção da incompetência em razão do território suscitada pelo Representante do Ministério Público naquele Tribunal e depois de julgar também improcedente a invocada nulidade por ineptidão da petição inicial, suscitada pela APA, passou a apreciar i) a declaração de ilegalidade da taxa com força obrigatória geral, que considerou ter sido pedida na petição inicial e ii) a constitucionalidade do tributo cuja liquidação vem impugnada.
Quanto à primeira questão, considerou que «há que julgar improcedente, por impossibilidade jurisdicional de apreciação, o pedido de declaração de ilegalidade com força obrigatória geral». Admitindo que em sede de contencioso tributário há lugar à impugnação de normas, o Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada logo salientou, no entanto, por um lado, que essa competência é apenas para apreciar e decidir os pedidos de declaração de ilegalidade de normas administrativas emitidas em matéria tributária, a qual é dos tribunais tributários quando estas sejam de âmbito regional ou local [nos termos dos arts. 49.º, n.º 1, alínea e), subalínea i), 49.º-A, n.º 2, alínea e), do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF)] ou, quando estas sejam de âmbito nacional, dos tribunais centrais administrativos [cfr. art. 38.º, alínea c), do ETAF] e, por outro lado, que está excluída da competência dos tribunais tributários a competência para apreciar e decidir os pedidos de declaração de ilegalidade de normas legislativas, entendendo-se que estas são todas as emanadas de um órgão a quem a CRP atribua competência legislativa [cfr. art. 4.º, n.º 3, alínea a), do ETAF].
Concluiu – em divergência com a doutrina que expôs (Como veremos infra.) – que «atenta a circunstância de a norma que prevê a taxa devida pela utilização do domínio público marítimo possuir âmbito nacional – cfr. Decreto-Lei n.º 47/94, de 22.02 – à luz do preceito constante da alínea c) do artigo 38.º do ETAF, os tribunais tributários de 1.ª instâncias – como é o caso – são incompetentes para apreciar o pedido ora formulado».
Quanto à questão da invocada inconstitucionalidade orgânica e material do tributo, o Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada, após resumir a alegação do Impugnante, logo salientou que, contrariamente ao alegado pelo Impugnante, o tributo cuja liquidação vem impugnada não foi criado pelo art. 7.º do Decreto-Lei n.º 47/94, de 22 de Fevereiro, o qual foi revogado pela Lei n.º 58/2005, de 29 de Dezembro (ELI: https://data.dre.pt/eli/lei/58/2005/12/29/p/dre/pt/html.) – que aprovou a Lei da Água –, mas pelo art. 78.º desta Lei. Apesar disso, não se furtou à análise da questão da inconstitucionalidade orgânica da norma que criou a TRH.
Assim, e em síntese, após de referir a teleologia subjacente à criação do tributo, salientou que este pode assumir, como no caso, função de contrapartida devida pela utilização privativa do domínio público hídrico, pela satisfação de uma utilidade que tem o sujeito passivo como destinatário individualizável, que justifica a criação da taxa ao abrigo do princípio do “utilizador-pagador”.
De seguida, considerando que a TRH visa também «compensar “os custos administrativos inerentes ao planeamento, gestão, fiscalização e garantia da quantidade e qualidade das águas”», como resulta do disposto no n.º 2 do art. 3.º do Decreto-Lei n.º 97/2008, concluiu que a TRH constitui uma contribuição especial, na classificação tripartida dos tributos consagrada na CRP. Assim, louvando-se num acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul (O acórdão de 11 de Abril de 2013, proferido no processo n.º 8574/12, pela Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul, disponível em
http://www.dgsi.pt/jtca.nsf/170589492546a7fb802575c3004c6d7d/f7fb013ea72c324380257b500031c60b.
), concluiu que, não obstante a denominação legal de “taxa” dada ao tributo, «a sua qualificação jurídica adequada, atento o teor do artigo citado, é a de contribuição» e, «[s]endo uma contribuição que foi criada pela Assembleia da República, não se pode falar em inconstitucionalidade orgânica. Esta norma [art. 78.º da Lei n.º 97/2008] funciona, na nossa opinião, como verdadeira lei-quadro destas contribuições, sendo a sua concretização por via legislativa permitida pelo art. 102.º da mesma Lei, que funciona então como norma habilitante dos restantes diplomas concretizadores. A inexistência de um regime geral de contribuições constituirá eventualmente uma inconstitucionalidade por omissão, que contudo não deve ter no caso concreto a virtualidade de tornar inconstitucional a contribuição em causa, atentas as características das normas em causa terem por um lado, suficiente generalidade e, por outro, suficiente densidade na regulação da matéria em causa».
O Impugnante não se conformou com a sentença e imputa-lhe a nulidade e os erros de julgamento que resultam das conclusões das alegações acima transcritas (em 1.2). Se bem interpretamos as alegações e respectivas conclusões, começa por considerar que a sentença enferma de nulidade por falta de fundamentação; considera ainda que a sentença fez errado julgado quanto à “declaração de ilegalidade com força obrigatória geral”, que deveria ter decretado com base nas 3 sentenças que juntou com a petição inicial ou, assim não sendo, deveria ter remetido os autos ao tribunal competente para o efeito; considera ainda que a sentença fez errado julgamento quanto à questão da constitucionalidade orgânica, na medida em que considera que o tributo, contrariamente ao que entendeu o Tribunal a quo, é um imposto e, por isso, só poderia ter sido criado pela Assembleia da República; mais considera que o tributo viola o princípio da proporcionalidade, atenta a medida do seu aumento ao longo dos últimos anos, e que o cálculo do montante a pagar viola o disposto no n.º 1 do art. 6.º do Decreto-Lei n.º 97/2008.
Quanto a estas duas últimas questões, diremos desde já, com o Procurador-Geral Adjunto no parecer transcrito em 1.4, que não podem ser conhecidas neste recurso, pela razão de que a sentença não as conheceu, nem tinha de as conhecer, como procuraremos demonstrar, e também porque o Recorrente não invocou nulidade por falta desse conhecimento. Assim, ainda que eventualmente o Tribunal a quo tenha incorrido em nulidade por omissão de pronúncia – e afigura-se-nos que não, como veremos de seguida – não pode agora este Supremo Tribunal delas conhecer, uma vez que os recursos não se destinam a conhecer questões novas, mas apenas a reapreciar o que foi decidido pelas instâncias.
Quanto à questão da violação do princípio da proporcionalidade, a invocação só faz sentido no pressuposto de que o tributo em causa é uma taxa. Na verdade, o Impugnante alicerçou a sua tese de que o referido tributo não é uma taxa, mas um imposto, na inexistência de proporcionalidade entre a eventual contraprestação (que considerou seria a remoção de um obstáculo jurídico, qual seja o acesso privado a um bem público) e o montante do tributo. Ora, tendo a sentença concluído que o tributo em causa não tinha a natureza de taxa, não se impunha conhecer daquela questão, que ficou prejudicada, motivo por que não pode considerar-se que tenha havido omissão de pronúncia (Como decorre do disposto no art. 125.º do CPPT e na alínea d) do n.º 1 do art. 615.º do CPC, a nulidade da sentença por omissão de pronúncia está directamente relacionada com o comando constante do n.º 2 do art. 608.º deste último diploma: o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras.).
Sem prejuízo do que deixámos, dito, caso se venha a considerar que o tributo é uma taxa, sempre se justificará averiguar da constitucionalidade material das normas que o criaram, à luz do princípio da proporcionalidade.
Quanto à questão da violação das regras do n.º 1 do art. 6.º do Decreto-Lei n.º 97/2008 (norma legal que estabelece a base tributável da TRH e a fórmula para o respectivo cálculo), não podemos olvidar que o Impugnante considerou que o tributo foi liquidado, não ao abrigo do Decreto-Lei n.º 97/2008, mas do Decreto-Lei n.º 47/94, de 22 de Fevereiro, motivo por que, obviamente, não invocou tal vício na petição inicial.
Assim, as questões que cumpre apreciar e decidir são as de saber se a sentença recorrida
i) enferma de nulidade por falta de fundamentação;
ii) enferma de erro de julgamento por não ter decretado a declaração da ilegalidade da norma que criou o tributo com força obrigatória geral ou, pelo menos, por não ter remetido os autos ao processo competente para essa declaração;
iii) enferma de erro de julgamento quanto à questão da inconstitucionalidade orgânica e material das normas que criaram o tributo.

2.2.2 DA NULIDADE POR FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO

Salvo o devido respeito, mal se compreende a invocação deste vício da sentença, que o Recorrente considera verificado por «não ser patente e latente na sentença em crise o processo dialéctico que conduziu à decisão proferida».
Na verdade, a nulidade da sentença por falta de fundamentação, prevista no art. 125.º, n.º 1, do Código de Procedimento e de Processo Tributário e no art. 615.º, n.º 1, alínea b), do Código de Processo Civil é vício da elaboração daquela peça processual que, como tem vindo a afirmar repetida e uniformemente a jurisprudência deste Supremo Tribunal, apenas ocorre quando a fundamentação seja absolutamente inexistente e já não quando a fundamentação seja incorrecta ou meramente deficiente ou insuficiente (Vide JORGE LOPES DE SOUSA, Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado, Áreas Editora, 6.ª edição, II volume, anotações 7 e 8 ao art. 125.º, págs. 357 a 360.). Já alertava ALBERTO DOS REIS: «Há que distinguir cuidadosamente a falta absoluta de motivação da motivação deficiente, medíocre ou errada. O que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação; a insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, afecta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade. Por falta absoluta de motivação deve entender-se a ausência total de fundamentos de direito e de facto. Se a sentença especificar os fundamentos de direito, mas não especificar os fundamentos de facto, ou vice-versa, verifica-se a nulidade» (Código de Processo Civil Anotado, volume V, pág. 140.).
A falta de fundamentação invocada pelo Recorrente refere-se à fundamentação de direito, pois a fundamentação de facto só aparentemente (O Recorrente faz alusão a uma falta de fundamentação do julgamento da matéria de facto, com citação de um acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra (cfr. conclusão XXXV), mas não chega a imputar-lhe esse vício. Seja como for, sempre diremos que a sentença refere expressamente os documentos em que alicerçou o julgamento da matéria de facto, o que se nos afigura suficiente e bastante para justificar o julgamento da matéria de facto, que, aliás, o Recorrente não questiona. Note-se ainda que nos autos não foi produzida senão prova documental: o ora Recorrente arrolou testemunhas na petição inicial, mas na data designada para a sua inquirição não as apresentou (cfr. acta de fls. 129). ) terá sido questionada (Se o tivesse sido efectivamente, a competência em razão da hierarquia para conhecer do presente recurso não seria deste Supremo Tribunal Administrativo, atento o disposto nos arts. 26.º, alínea b), e 38.º, alínea a), do ETAF e no art. 280.º, n.º 1, do CPPT.).
Ora, salvo o devido respeito, a fundamentação da sentença recorrida é bem perceptível: foi a que, em síntese, deixámos acima referida em 2.2.1. O Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada procedeu à qualificação do tributo cuja liquidação foi impugnada e à apreciação da invocada questão da inconstitucionalidade orgânica do diploma que criou o tributo, indicando as normas legais em que se baseou a decisão, procedendo à respectiva interpretação e aplicação, o que afasta a possibilidade de verificação de nulidade por falta de fundamentação. Ou seja, manifestamente, a sentença não padece da absoluta falta de fundamentação susceptível de integrar a previsão da alínea b) do n.º 1 do art. 615.º do CPC.
Note-se, aliás, que, contrariamente ao que parece supor o Recorrente, o tribunal não está obrigado a fundamentar os próprios fundamentos em que alicerçou a sua decisão, nem sequer à «apreciação e análise de todos os argumentos invocados e invocáveis sobre as questões de direito a apreciar, mas apenas indicar aqueles que servem de suporte à decisão» (Cfr. JORGE LOPES DE SOUSA, ob. e vol. cit., anotação 7 c) ao art. 125.º, pág. 359.).
Como bem salientou o Procurador-Geral Adjunto neste Supremo Tribunal, pode eventualmente a sentença não ter feito correcto julgamento, mas não enferma da invocada nulidade por falta de fundamentação.

2.2.3 DA DECLARAÇÃO DE ILEGALIDADE COM FORÇA OBRIGATÓRIA GERAL

O Recorrente sustenta que a sentença incorreu em erro de julgamento ao não ter declarado a ilegalidade com força obrigatória geral da norma que criou a TRH, uma vez que ele fez juntar com a petição inicial três sentenças transitadas em julgado e que concluíram pela ilegalidade da liquidação da taxa de utilização privativa do domínio público marítimo, ou, pelo menos, ao não ter ordenado a remessa dos autos ao tribunal competente para essa declaração.
Salvo o devido respeito, a sua argumentação assenta num errado entendimento do âmbito da declaração de ilegalidade de normas e, inclusive, numa errada interpretação do decidido pela sentença a esse propósito. Vejamos:
Antes do mais, cumpre reiterar que a liquidação do tributo ora impugnado não foi efectuada ao abrigo do Decreto-Lei n.º 47/94, de 22 de Fevereiro, mas da Lei n.º 58/2005, de 29 de Dezembro e do Decreto-Lei n.º 97/2008, de 11 de Junho. O que, sem mais, sempre faria ruir a tese do Recorrente, uma vez que as sentenças que juntou se referem ao tributo criado ao abrigo daquele diploma legal e não deste.
Cumpre ainda ter presente que, como bem salientou a sentença recorrida, o pedido de declaração de ilegalidade de normas é restrito às normas administrativas (Normas jurídicas gerais e abstractas – ou que possuam apenas uma dessas características – que provém de autoridades públicas e ou de particulares que participem no exercício da função administrativa.) e não é extensível às normas jurídicas criadas no âmbito da função legislativa [cfr. arts. 38.º, alínea c), 49.º, n.º 1, alínea e), subalínea i), e 49.º-A, n.º 2, alínea e), do ETAF e art. 72.º, n.º 1, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos].
Assim, é manifesto que a norma que criou o tributo cuja liquidação ora vem impugnada não pode ser objecto de pedido de declaração de ilegalidade, pois não é uma norma administrativa, mas sim uma norma de fonte legislativa.
Por esse motivo, também nunca poderia configurar-se a remessa dos autos a um qualquer outro tribunal, como parece sugerir o Recorrente, porque a nenhum está cometida tal competência. Aliás, embora a sentença não seja absolutamente inequívoca quanto à fundamentação relativamente a esta questão (A sentença, depois de ter, bem, afirmado que a competência dos tribunais tributários no que respeita à declaração de ilegalidade de normas com força obrigatória geral se restringe às normas administrativas, dela estando excluídas as normas legislativas, dá a entender, contraditoriamente (porque desprezando a natureza legislativa da norma em questão), que «atenta a circunstância de a norma que prevê a taxa devida pela utilização do domínio público marítimo possuir âmbito nacional – cfr. Decreto-Lei n.º 47/94, de 22.02 – à luz do preceito constante da alínea c) do artigo 38.º do ETAF, os tribunais tributários de 1.ª instância – como é o caso – são incompetentes para apreciar o pedido ora formulado». Pensamos que a conclusão “são incompetentes” deveria ter sido formulada no condicional, ou seja, ainda que a norma tivesse natureza legislativa, possibilidade que a sentença afastou, sempre os tribunais tributários de 1.ª instância seriam incompetentes, porque a mesma tem âmbito nacional.), a verdade é que nunca declarou a incompetência do Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada.
Cumpre ainda ter presente que, como bem salientou o Procurador-Geral Adjunto neste Supremo Tribunal, o ora Recorrente na petição inicial nem sequer formulou pedido de declaração de ilegalidade da norma, pois o único pedido formulado foi o de anulação da liquidação impugnada.
Assim, sempre salvo o devido respeito, nunca o pedido formulado nos presentes autos – da anulação da taxa impugnada – poderia proceder com fundamento na pretendida declaração de ilegalidade da norma com força obrigatória geral.

2.2.4 DA INCONSTITUCIONALIDADE ORGÂNICA E MATERIAL DO TRIBUTO

O Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada apreciou a inconstitucionalidade orgânica das normas que criaram o tributo, apesar dessas normas não serem as que o Impugnante indicara, para concluir pela não inconstitucionalidade.
O Recorrente insurge-se contra esse julgamento. Mantém a tese que defendeu na petição inicial, então referida à TDPM e ao Decreto-Lei n.º 47/94, de 22 de Fevereiro, agora reportada à TRH e ao Decreto-Lei n.º 97/2008, de 11 de Junho.
Insiste que esse tributo é um imposto e, por isso, que a sua criação viola o princípio da reserva de lei parlamentar, previsto na alínea i) do n.º 1 do art. 165.º da CRP. Na verdade, a Lei Fundamental comete a criação de impostos em exclusivo à Assembleia da República, salvo autorização desta ao Governo.
Já se o tributo puder ser qualificado como taxa, a sua criação não exige intervenção parlamentar, não tem de ser aprovada pela Assembleia da República ou pelo Governo com autorização daquela, uma vez que a reserva relativa de competência da Assembleia da República abrange apenas o regime geral das taxas [cfr. o referido art. 165.º, n.º 1, alínea i), da CRP], que continuamos a aguardar.
Urge, pois, apurar a natureza do tributo liquidado ao ora Recorrente.
Antes, cumpre ainda averiguar da existência, ou não, de lei habilitante, o que poderá até retirar utilidade à questão da natureza do tributo.
Vejamos:
Nessa tarefa, iremos seguir de perto, quando não transcrevermos, o que faremos em longos trechos, o acórdão desta Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo de 17 de Fevereiro de 2016, proferido no processo n.º 458/15 (Disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/1f0bc6ea52dbb6a280257f63003b6b64.), apenas dispensando as aspas na transcrição a fim de agilizar o procedimento de adaptação às circunstâncias do caso sub judice.
A TRH foi criada pela designada Lei da Água [Lei n.º 58/2005, de 29 de Dezembro (Alterada pelo Decreto-Lei n.º 245/2009, de 22 de Setembro, pelo Decreto-Lei n.º 60/2012, de 14 de Março, pelo Decreto-Lei n.º 130/2012, de 22 de Junho, pela Lei n.º 42/2016, de 28 de Dezembro e pela Lei n.º 44/2017, de 19 de Junho.)] e resulta, aliás, da Directiva n.º 2000/60/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de Outubro, sendo que aquela Lei transpõe para a ordem jurídica nacional essa Directiva Quadro da Água (cfr. o n.º 2 do art. 1.º da Lei n.º 58/2005, de 29 de Dezembro).
O que significa que o regime da TRH consagrado no Decreto-Lei n.º 97/2008, de 11 de Junho, tem como lei habilitante a referida Lei n.º 58/2005 (Lei da Água).
Aliás, no n.º 4 do art. 78.º daquela Lei logo se prescreve: «As bases de incidência, as taxas unitárias aplicáveis, a liquidação, a cobrança e o destino de receitas da TRH, bem como as correspondentes competências administrativas, as isenções referidas no n.º 3 do artigo 80.º e as matérias versadas no n.º 2 do artigo 79.º e no n.º 2 do artigo 81.º, são reguladas por normas a aprovar nos termos do n.º 2 do artigo 102.º».
E no n.º 2 do art. 80.º prevê-se: «O Governo promove a introdução progressiva da taxa, em função das necessidades de financiamento dos planos de gestão e protecção das águas e das instituições responsáveis pelos mesmos, mas considerando igualmente as consequências económicas, sociais e ambientais da sua aplicação».
Finalmente, no art. 102.º, também se impõe que o Governo aprove, em normativo próprio, as normas complementares necessárias aÌ aplicação dos anexos da Directiva n.º 2000/60/CE, bem como os decretos-lei complementares que regulem a utilização de recursos hídricos e o respectivo regime económico e financeiro (o supra apontado Decreto-Lei n.º 97/2008, de 11 de Junho), pelo que não poderá sequer esgrimir-se eventual inconstitucionalidade por falta de lei-quadro ou regime geral das taxas.
Ou seja, ainda que a TRH fosse um imposto – e não é, como melhor veremos adiante – não poderia considerar-se que a norma que a criou padece de inconstitucionalidade orgânica.
Improcede, pois, a alegação do Recorrente respeitante à inconstitucionalidade orgânica.
Já quanto à inconstitucionalidade material, o Recorrente argumenta, no essencial, que não se verificam os pressupostos de bilateralidade da taxa, dado não existir qualquer contrapartida que resulte da prestação de um serviço por parte da entidade que liquida a taxa.
É sabido que a taxa se consubstancia numa prestação pecuniária e impositiva devida a uma entidade que exerça funções públicas, em contrapartida de uma prestação dessa entidade, provocada ou utilizada pelo sujeito passivo; e a prestação da entidade pública há-de consistir, de acordo com o n.º 2 do art. 4.º da LGT («As taxas assentam na prestação concreta de um serviço público, na utilização de um bem do domínio público ou na remoção de um obstáculo jurídico ao comportamento dos particulares».), na prestação de um serviço público, na utilização privativa de bens do domínio público ou na remoção de obstáculo jurídico ao comportamento dos particulares (Cfr. DIOGO LEITE CAMPOS, BENJAMIM SILVA RODRIGUES e JORGE LOPES DE SOUSA, Lei Geral Tributária anotada e comentada, Encontro da Escrita, 4.ª edição, 2012, anotação 4 ao art. 3.º, págs. 70/71.).
São conhecidas as reflexões doutrinárias e jurisprudenciais produzidas sobre a matéria atinente à distinção entre imposto e taxa: ambos constituem receitas públicas coactivamente impostas, mas enquanto o imposto «é uma prestação pecuniária, coactiva e unilateral, sem carácter de sanção, exigida pelo Estado com vista à realização de fins públicos» (Cfr. TEIXEIRA RIBEIRO, Lições de Finanças Públicas, Coimbra, 1977, pág. 262.) a taxa tem «carácter sinalagmático, não unilateral, o qual por seu turno deriva funcionalmente da natureza do facto constitutivo das obrigações em que se traduzem e que consiste ou na prestação de uma actividade pública ou na utilização de bens do domínio público ou na remoção de um limite jurídico à actividade dos particulares» ( Cfr. ALBERTO XAVIER, Manual de Direito Fiscal, volume I, Lisboa, 1981, pág. 42.) pressupondo, pois, uma contraprestação por parte do ente público que a exige, a verificar-se na respectiva génese, e que deve concretizar-se naquela prestação de serviço público, naquele acesso à utilização de bens do domínio público ou na remoção do obstáculo jurídico à actividade do particular (Cfr. CASALTA NABAIS, Contratos Fiscais, Coimbra 1994, pág. 236.).
Na definição legal e doutrinal da taxa ressalta individualização de um aspecto estrutural da mesma: a sinalagmaticidade ou bilateralidade. Como se sublinha no acórdão do Tribunal Constitucional n.º 365/03, de 14 de Julho de 2003, essa relação sinalagmática «há-de ter um carácter substancial ou material, e não meramente formal; isso não implica, porém, que se exija uma equivalência económica rigorosa entre ambos, não sendo incompatível com a natureza sinalagmática da taxa o facto de o seu montante ser superior (e porventura até consideravelmente superior) ao custo do serviço prestado.//O que não pode é ocorrer uma «desproporção intolerável» (Ac. nº 1140/96, in DR II Série, de 10/2/97)”, ou seja, “manifesta” e comprometedora, “de modo inequívoco, [d]a correspectividade pressuposta na relação sinalagmática”, sendo certo que a sua aferição há-de tomar em conta, não apenas o valor da quantia a pagar, mas também a utilidade do serviço prestado» (Proferido no processo n.º 241/02, disponível em
http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20030365.html.).
Ou seja, embora se venha acentuando que (i) a taxa não pode ter só como pressuposto uma mera prestação administrativa, sendo necessário que se dirija à compensação dessa prestação, estabelecendo-se uma relação comutativa entre a prestação e a taxa, embora alguns autores entendam que (ii) apesar da função compensatória das taxas se referir ao custo da prestação para a entidade pública ou ao benefício que esta acarreta para o devedor, elas também têm uma finalidade arrecadatória de receitas, intimamente associada à função compensatória, ou a outras finalidades, por outro lado, também se acentua que, (iii) apesar de não dever ultrapassar-se um certo patamar quantitativo nem perder o sentido comutativo, a equivalência se reconduz a uma equivalência jurídica (ver art. 4.º do Regime das Taxas Locais) entre as prestações e não a uma equivalência económica; equivalência jurídica que deve, contudo, fundamentar-se numa relação entre o custo do serviço e o valor da prestação e é materialmente determinada segundo o princípio da igualdade e o princípio da proporcionalidade ( Cfr. SUZANA TAVARES DA SILVA,
As Taxas e a Coerência do Sistema Tributário, CEJUR, Outubro de 2008, págs. 60/61; disponível em
https://estudogeral.sib.uc.pt/handle/10316/14721?mode=full;
A Tutela jurisdicional dos sujeitos passivos das taxas, Conferência, Coimbra, 3 de Fevereiro de 2011, Ordem dos Advogados - CDC, disponível em https://www.oa.pt/upl/%7B009057d8-6462-49ba-b6a3-8ae4a0e2ed86%7D.pdf.).
No caso vertente, relevam, entre outras, as disposições contidas nos arts. 78.º e 79.º da Lei n.º 58/2005, de 29 de Dezembro, e nos arts. 4.º a 6.º do Decreto-Lei n.º 97/2008, de 11 de Junho.
A sentença recorrida caracterizou o tributo em questão como contribuição especial, mas afigura-se-nos que o mesmo, tal como configurado no caso sub judice, é uma verdadeira taxa, pois apresenta as características que a doutrina e a jurisprudência exigem à qualificação de um tributo na categoria das taxas, nomeadamente a bilateralidade contestada pelo Recorrente. Vejamos mais detalhadamente:
No caso, está em causa a incidência objectiva decorrente da utilização privativa de bens do domínio público hídrico do Estado, da ocupação de terreno desse domínio público (cfr. n.º 1 do art. 78.º da Lei n.º 58/2005 e o art. 4.º do Decreto-Lei n.º 97/2008): o Recorrente ocupa, com um estabelecimento de bebidas e restauração, uma parcela do domínio público hídrico estadual.
A contraprestação por parte da entidade pública consiste na possibilidade concedida ao ora Recorrente de utilização privativa daquele bem dominial e assenta no benefício, como contraprestação específica e individualmente mensurável, que o sujeito passivo da relação jurídica tributária, o Recorrente, retira dessa utilização (prestando, assim, homenagem ao princípio do utilizador-pagador).
Por outro lado, como bem salientou o Procurador-Geral Adjunto neste Supremo Tribunal, o ora Recorrente nem sequer alegou factualidade que permita concluir pela falta de equivalência jurídica subjacente à natureza sinalagmática da taxa.
Realce-se que, como acima se referiu (mediante citação do acórdão de n.º 365/03 do Tribunal Constitucional), em termos de bilateralidade não será exigível uma equivalência económica rigorosa entre a prestação e a taxa. Por outro lado, como diz CARDOSO DA COSTA (Homenagem a José Guilherme Xavier de Basto, pág. 555.), a jurisprudência constitucional (cfr., v.g., os acórdãos n.º 115/2002 e n.º 349/2002) também vem considerando que «…os termos de referência a considerar na emissão de um juízo sobre a correspondência «material» (ou a proporcionalidade) entre o montante da taxa e a respectiva contraprestação (independentemente, agora, do grau que tal correspondência deva assumir). Com efeito, nesses acórdãos, deixou o Tribunal esclarecido que para tal efeito – para um confronto, sob o ponto de vista dessa correspondência material, entre o valor (montante) da taxa e o da contraprestação pública que é recebida pela pessoa ou entidade que a paga – não tem de ser relevante apenas o «custo», e o custo «directo» do serviço: – podem (ou devem) sê-lo, também, os respectivos «custos globais» (isto é, os custos gerais de funcionamento da entidade prestadora do serviço, que é legítimo repercutir, parceladamente, sobre os respectivos utilizadores); – mas, sobretudo, pode (ou deve) igualmente sê-lo, ainda, a «utilidade» daquela contraprestação para o respectivo beneficiário, ou seja, acrescentaremos: podem (ou devem) sê-lo ainda outros elementos ou outros aspectos dessa contraprestação susceptíveis de valoração económica e, consequentemente, susceptíveis de servirem de indicador de tal utilidade».
Ou seja, «o Tribunal Constitucional considera que “o princípio” das taxas – enquanto, não apenas fundamento da sua incidência, mas igualmente justificação do seu montante – não tem de ser necessariamente o da «cobertura dos custos» do serviço prestado como sua contrapartida específica, mas pode ser também o chamado «princípio da equivalência», o qual justamente se reporta ao «valor da utilidade» auferida com esse serviço pelo respectivo beneficiário».
Daí que a TRH não enferme de inconstitucionalidade material.
Não concordamos com a sentença quando qualificou a TRH como contribuição especial.
Como diz Joana Mendes (Tratado de Direito Administrativo Especial, Volume II, coordenação de Paulo Otero e Pedro Gonçalves, Almedina, págs. 122 a 124.), é possível defender «a bondade constitucional da taxa de recursos hídricos», apesar das dúvidas que eventualmente possam suscitar-se relativamente à natureza da TRH (como taxa ou como contribuição especial de carácter unilateral) em face do teor do n.º 2 do art. 3.º, da alínea e) do art. 4.º e do n.º 1 do art. 11.º, todos do Decreto-Lei n.º 97/2008 e da inerente dificuldade em determinar a possível divisibilidade dos custos administrativos ali mencionados, para poderem ser imputáveis aos sujeitos passivos da TRH.
Como aquela autora sublinha, não obstante a TRH vise, também, compensar os “custos administrativos inerentes ao planeamento, gestão, fiscalização e garantia da quantidade e qualidade das águas” (n.º 2 do art. 3.º) e não obstante a respectiva base de incidência objectiva reporte, nomeadamente quanto à componente “U”, à “utilização de águas, qualquer que seja a sua natureza ou regime legal, sujeitas a planeamento e gestão públicos, susceptível de causar impacto significativo” [alínea e) do art. 4.º e n.º 1 do art. 11.º] pelo que esta, «na parte referente à componente “U” seria devida pelos serviços de planeamento e de gestão de que o utilizador beneficia e que constituem externalidades positivas da actividade de protecção da água», com a consequente caracterização desta componente como contribuição financeira a favor de entidades públicas, o que é certo é que a natureza de taxa se revela na medida em que a TRH «é devida pela utilização privativa do domínio público e pelo custo ambiental inerente às actividades susceptíveis de causarem impactes negativos significativos, e na medida em que estes são mensuráveis e imputáveis a um utilizador, existe uma contraprestação específica “resultante de uma relação concreta (...) entre o contribuinte e um bem (...) público” sendo possível assegurar o princípio da equivalência entre o valor pago e o custo que os utilizadores provocam à comunidade ou na medida do benefício que esta lhes proporciona, nos termos do artigo 2.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 97/2008».
No caso sub judice, em face do documento junto pelo ora Recorrente com a petição inicial (de fls. 55 a 57), verifica-se que a base tributável referente às componentes “A”, “E”, “I” e “U” da TRH – componentes especificados nos arts. 6.º e seguintes do Decreto-Lei n.º 97/2008, e que se referem, respectivamente, à utilização de águas do domínio público hídrico do Estado (A, prevista no art. 7.º), à descarga de efluentes (E, prevista no art. 8.º), à extracção de inertes do domínio público hídrico do Estado (I, prevista no art. 9.º) e à utilização de águas sujeitas a planeamento e gestão públicos (U, prevista no art. 11.º) – possui o valor de zero; o único valor registado refere-se à componente “O”, ou seja, à ocupação do domínio público hídrico do Estado (ocupação de 379 m2 com a finalidade «Apoios praia não temporários»), prevista no art. 10.º daquele diploma legal.
Daí que a TRH não evidencie mera função retributiva (para exclusivamente compensar custos administrativos), nem evidencie mera função extra-fiscal (para apenas promover objectivos de índole ambiental), o que afasta a natureza de contribuição especial.
É o uso privativo pelo Recorrente de um espaço do domínio público hídrico do Estado, nas condições acima descritas, e que exclui ou limita o aproveitamento pelos demais desse espaço que justifica a exigência do tributo, que, de acordo com o que acima deixámos dito, não pode deixar de ser visto como uma taxa.
Assim, apesar de discordarmos da sentença quanto à qualificação do tributo, o recurso não merece provimento.

2.2.5 CONCLUSÕES

Preparando a decisão, formulamos as seguintes conclusões:

I - A declaração de ilegalidade de normas com força obrigatória geral só é possível relativamente a normas administrativas e já não relativamente a normas de fonte legislativa (cfr. art. 72.º do CPTA).

II - A TRH, criada pela Lei n.º 58/2005, de 29 de Dezembro (Lei da Água), disciplinado pelo Decreto-Lei n.º 97/2008, de 11 de Junho, quando exigida apenas pela ocupação do domínio público hídrico do Estado, tem natureza de taxa.


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3. DECISÃO

Em face do exposto, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo, em conferência, acordam em negar provimento ao recurso, mantendo o decidido em 1.ª instância, se bem que com fundamentação não inteiramente coincidente.

Custas pelo Recorrente.


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Lisboa, 12 de Dezembro de 2018. – Francisco Rothes (relator) - Aragão Seia – Ascensão Lopes.