Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0141/11
Data do Acordão:01/16/2013
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:FRANCISCO ROTHES
Descritores:CADUCIDADE DO DIREITO DE IMPUGNAR
NOTIFICAÇÃO
PRESUNÇÃO DE NOTIFICAÇÃO
SEDE SOCIAL
Sumário:I - Nos casos em que o início do prazo para impugnação de um acto tributário depende, directa ou indirectamente, da notificação desse acto ao contribuinte, como é o caso das alíneas a) e b) do art. 102.º do CPPT, tal prazo não começa sem que se comprove a notificação desse acto validamente efectuada (art. 77.º, n.º 6, da LGT e art. 36.º, n.º 1, do CPPT).

II - Nos termos do disposto no art. 39.º, n.º 5, do CPPT, em face da devolução da carta para notificação e se não se comprovar que entretanto foi comunicada a alteração do domicílio fiscal, deve a AT enviar nova carta, dentro do prazo da 15 dias, e, ainda que esta última seja devolvida, presume-se feita a notificação (no 3.º dia posterior ao do registo ou no 1.º dia útil seguinte a esse, quando esse dia não seja útil), a menos que o notificando prove o justo impedimento ou a impossibilidade de comunicar a alteração do domicílio no prazo legal.

III - No entanto, o funcionamento dessa presunção, sob pena de incompatibilidade com o direito inconstitucional, exige que, caso a entrega não tenha sido possível, tenha sido deixado no endereço postal do notificando um aviso de que a carta com a notificação podia ser levantada nos serviços postais.

IV - Se o próprio sujeito passivo afirma em sede de alegações de recurso que deixou de ter sede no local que declarou como domicílio fiscal, não se demonstrando (facto que nem sequer foi alegado pelo sujeito passivo) que foi comunicada a alteração desse domicílio, temos que concluir pela inoponibilidade à AT da falta de notificação.

V - Não é merecedora de tutela jurídica a não recepção pelo sujeito passivo da comunicação de uma liquidação que lhe foi efectuada se, demonstrado que ficou que a AT respeitou os termos legais na notificação desse acto, o não recebimento é imputável àquele.

Nº Convencional:JSTA00068040
Nº do Documento:SA2201301160141
Data de Entrada:02/17/2011
Recorrente:A......, LDA
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TAF COIMBRA
Decisão:PROVIMENTO PARCIAL
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - IMPUGN JUDICIAL
Legislação Nacional:LGT ART18 N3 ART19 N1
CPPT ART43 N1 N2 ART39 N5
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC0460/09 DE 2009/07/08
Referência a Doutrina:DIOGO LEITE DE CAMPOS E OUTROS - LEI GERAL TRIBUTÁRIA COMENTADA E ANOTADA 4ED ANOTAÇÃO AO ART19 PAG199.
JORGE LOPES DE SOUSA - CPPT ANOTADO E COMENTADO 6ED VOLI PAG408.
RUI DUARTE MORAIS - MANUAL DE PROCEDIMENTO E DE PROCESSO TRIBUTÁRIO ALMEDINA 2012 PAG21 E SEGS.
Aditamento:
Texto Integral: Recurso jurisdicional da sentença proferida no processo de impugnação judicial com o n.º 731/04.6BECBR

1. RELATÓRIO

1.1 A sociedade denominada “A………, Lda.” (a seguir Contribuinte, Impugnante ou Recorrente) recorre da sentença proferida pelo Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra na parte em que nesta se julgou caducado o direito de impugnar as liquidações de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC) que lhe foram efectuadas com referência aos anos de 2001 e 2002.

1.2 Com o requerimento de interposição de recurso a Impugnante apresentou as respectivas alegações, que resumiu em conclusões do seguinte teor:
«
A) A questão única relativa às liquidações referidas sob as alíneas a) e b) é a de saber se se verifica a presunção legal constante do art. 39.º n.º 5 do CPPT, vigente ao tempo dos factos, ou seja, se [a Impugnante pode ter-se como notificada,] apesar de não ter recebido a carta registada que o Serviço de Finanças de Cantanhede lhe enviou.
B) Está provado que:

4. E assim o declararam (fazer cessar a actividade da sociedade) em 11 de Junho de 1996 à Administração Tributária, para efeitos de Imposto sobre o Valor Acrescentado;
8. Por via postal sob registo, em 5 de Junho de 2003, devolvida sob a notação postal de retirou desta morada, reiterada a 19 de Julho desse ano, igualmente devolvida sob a notação postal de encerrou, a Administração Tributária sucessivamente enviou para a sede da Impugnante, acima indicada, comunicação para que ela, no prazo de 15 dias, procedesse à correcção da referida declaração de 13 de Maio de 2002, …
C) Os serviços postais confirmaram em 2003, que a ora impugnante já estava encerrada e já retirara do local, ou seja, já ali não tinha sua sede, pelo que qualquer tentativa de notificação estava condenada ao insucesso, situação aliás que estava de acordo com o que a ora impugnante já tinha comunicado em 1996.
D) Como bem refere a sentença “Sem prejuízo de se entender, sem pejo, que em face do teor da devolução das sucessivas notificações postais, a par da inactividade da Impugnante, conhecidas ambas da Administração Tributária, melhor seria esta ter seguido um outro modo de a notificar – exequível, como resulta da matéria de facto gerente ou sócio da Impugnante até se dirigiu em certa altura, pessoalmente, à Administração Tributária, no âmbito de um processo executivo em que aquela era executada!, exibindo que não seria difícil de contactar/encontrar –, o certo é que o comportamento algo indiferente seguido pela Administração Tributária não dá azo a um resultado, assente na presunção legal de notificação estabelecida, constitucionalmente desconforme, na concomitante persistência da sede de direito da Impugnante e na paralela actividade declarativa desta indicando a mesma sede, que de resto de direito nunca alterou”.
E) Isto depois de expressamente declarar que a Administração Tributária a sabia (à ora impugnante) havia muito inactiva.
F) Existe um claro e nítido abuso de direito da parte da Administração Tributária no sentido de notificar a ora impugnante de uma liquidação que a Administração Tributária sabia ilegal e assim evitava... impugnações.
G) Há aqui uma violação grave e flagrante do princípio do procedimento tributário, consagrado no art. 55.º da Lei Geral Tributária, ou seja, que “a administração tributária exerce as suas atribuições na prossecução do interesse público, de acordo com os princípios da legalidade, da igualdade, da proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade e da celeridade, no respeito pelas garantias dos contribuintes e demais obrigados tributários”.
H) A questão que importa decidir nesta sede é a de saber se a sentença recorrida incorreu em erro de direito ao ter considerado que o Recorrente foi validamente notificado da liquidação que originou a dívida exequenda.
I) Resulta da norma do artigo 36.º n.º 1 do CPPT que a notificação dos actos em matéria tributária que afectem direitos e interesses legítimos é condição da sua eficácia em relação aos notificados e no que concerne ao modo de proceder à notificação dos referidos actos, determina o artigo 38.º n.º 1 do CPPT que “as notificações são efectuadas obrigatoriamente por carta registada com aviso de recepção, sempre que tenham por objecto actos ou decisões susceptíveis de alterarem a situação tributária dos contribuintes ou a convocação para estes assistirem ou participarem em actos ou diligências”.
J) Acrescenta o n.º 2 que “Para efeitos do disposto no número anterior a comunicação dos serviços postais para levantamento de carta registada remetida pela administração fiscal deve sempre conter de forma clara a identificação do remetente”, acrescentando o n.º 3 que “as notificações não abrangidas pelo n.º 1, bem como as relativas às liquidações de tributos que resultem de declarações dos contribuintes ou de correcções à matéria tributável que tenha sido objecto de notificação para efeitos do direito de audição, são efectuadas por carta registada”, pelo que o aviso deixado pelos serviços postais deve conter as formalidades previstas no art. 38.º do CPPT atrás transcrito e todo o sistema assenta na ideia de “que foi feita qualquer comunicação ao destinatário para levantar a carta registada”.
K) No caso concreto, o Serviço de Finanças já sabia que, face à retirada da ora impugnante morada que constava dos serviços de finanças, a carta com toda a segurança viria devolvida, pelo que, no sentido de aproximar o processo tributário do princípio consignado no art. 55.º, da Lei Geral Tributária, de modo a actuar com “respeito pelas garantias dos contribuintes e demais obrigados tributários”, face aos antecedentes, devia o Serviço de Finanças ter actuado como se refere na sentença recorrida, ou seja, notificar a ora impugnante na pessoa dos seus agentes, o que esse serviço já soube fazer para efeitos de processo executivo.
L) Por isso, por manifesto erro de interpretação e aplicação das normas dos arts. 38.º e 39.º do CPPT e do art. 55.º da Lei Geral Tributária, deve ser revogada a sentença recorrida na parte em que considerou intempestiva a presente impugnação, relativamente à liquidação de IRC relativa ao ano de 2001, no montante de 935,74 Euros e à liquidação de IRC relativa ao ano de 2002 e juros compensatórios, no montante de 1.032,88 Euros, devendo ser julgada procedente e provada a presente impugnação quanto a essas liquidações, como é de lei e de JUSTIÇA!» (Porque usamos o itálico na transcrição, as partes que no original estavam em itálico surgem aqui em tipo normal, a fim de se respeitar o destaque que lhes foi concedido pela Recorrente.).

1.3 O recurso foi admitido com subida imediata, nos próprios autos e efeito meramente devolutivo.

1.4 A Fazenda Pública não contra alegou.

1.5 Recebidos neste Supremo Tribunal Administrativo, os autos foram com vista ao Ministério Público, que não emitiu parecer.

1.6 Foi dada vista aos Juízes Conselheiros adjuntos.

1.7 A questão que cumpre apreciar e decidir é a da saber se o Juiz do Tribunal a quo fez errado julgamento na parte em que considerou caducado o direito de impugnar as liquidações de IRC dos anos de 2001 e 2002. Para tal, há indagar se aqueles actos tributários foram, ou podem considerar-se como tendo sido, notificados à ora Recorrente, o que exige, designadamente, que se averigúe se pode considerar-se efectuada a notificação nos termos do n.º 5 do art. 39.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) quando as cartas remetidas ao contribuinte para esse efeito vêm devolvidas com as anotações encerrou e retirou desta morada apostas pelos serviços postais.


* * *

2. FUNDAMENTAÇÃO

2.1 DE FACTO

O Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra efectuou o julgamento da matéria de facto nos seguintes termos:

«Da prova reunida, é a seguinte a matéria que resulta provada, com interesse para a decisão da causa:
1. A Impugnante, A………, L.da, constituiu-se em 30 de Outubro de 1995, tendo como objecto a comercialização de animais, produtos agroquímicos, rações, matérias-primas para o fabrico de alimentos compostos para animais, sementes, equipamentos para a pecuária e desinfectantes, tendo sede e domicílio fiscal na Rua ………, em ………, Cantanhede.
2. A Impugnante declarou à Administração Tributária o seu início de actividade em 14 de Novembro de 1995 – sob o CAE 52488 –, sujeita a tributação em sede de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas, a contabilidade organizada e sob o regime normal trimestral, em sede de Imposto sobre o Valor Acrescentado.
3. Poucos meses volvidos, porém, ambos sócios da Impugnante concluíram pela inviabilidade do projecto que se propunham desenvolver no seu seio e resolveram fazê-la cessar a actividade.
4. E assim o declararam em 11 de Junho de 1996 à Administração Tributária, para efeitos de Imposto sobre o Valor Acrescentado.
5. Anos mais tarde, encerraram as contas respectivas, em 31 de Dezembro de 2000.
6. E, mais tarde ainda, em 27 de Agosto de 2004, ambos sócios da Impugnante procederam à sua dissolução.
7. A Impugnante apresentou em 13 de Maio de 2002 declaração para efeitos de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas do exercício de 2001, sem quaisquer movimentos, com resultados líquidos a zero, sem quaisquer valores a acrescer ou deduzir, com prejuízo fiscalmente relevante também nulo, bem como um lucro tributável de zero euros.
8. Por via postal sob registo, em 5 de Junho de 2003, devolvida sob a notação postal de retirou desta morada, reiterada a 19 de Julho desse ano, igualmente devolvida sob a notação postal de encerrou, a Administração Tributária sucessivamente enviou para a sede da Impugnante, acima indicada, comunicação para que ela, no prazo de 15 dias, procedesse à correcção da referida declaração de 13 de Maio de 2002, no sentido de ser instruído esse modelo 22 com um anexo B e, bem assim, naquele corrigido o regime de tributação, de modo a que coincidisse o indicado com o constante do Cadastro de Pessoas Colectivas, na omissão de oportuna declaração de opção pelo regime geral de tributação, sob a cominação de se considerar como não entregue a declaração referida.
9. Como a Impugnante não correspondeu àquela instância, a 9 de Junho de 2004 a Administração Tributária procedeu à liquidação oficiosa de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas a ela respeitante e ao seu exercício de 2001, a que coube o nº [2004]2310017942, e sob o regime simplificado de tributação, da qual resultou uma dívida de imposto, àquele título, de € 935,74, tendo como data-limite de pagamento o dia 26 de Julho de 2004.
10. Nessa sequência a Administração Tributária enviou à Impugnante, via postal sob registo e aviso de recepção, a respectiva nota, para a sua sede, a qual foi devolvida ao remetente com a notação postal de avisado [e não reclamado] em 28 de Junho de 2004 e, enviando-lhe a correspondência uma segunda vez, foi-lhe devolvida em 12 de Julho seguinte com a notação postal de não reclamado [depois de avisado].
11. Aquela nota de liquidação seria depois entregue, em 30 de Setembro de 2004, directamente a um dos sócios da Impugnante, pelo Serviço de Finanças de Cantanhede, aquando da citação da Impugnante para a execução fiscal nº 0710200401009702, desse Serviço [respeitante a dívida de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas de 2002 no valor de € 1.032,88, incluindo juros de mora no valor de € 58,46], a qual também havia já sido enviada via postal em 30 de Agosto de 2004, para a sede referida no ponto 1.
12. A Impugnante apresentou em 29 de Maio de 2003 declaração para efeitos de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas do exercício de 2002, sem quaisquer movimentos, com resultados líquidos a zero, sem quaisquer valores a acrescer ou deduzir, com prejuízo fiscalmente relevante também nulo, bem como um lucro tributável de zero euros.
13. A Administração Tributária procedeu, a 13 de Novembro de 2003, à liquidação oficiosa de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas respeitante à Impugnante, ao seu exercício de 2002, a que coube o nº [2003]2310367753, e sob o regime simplificado de tributação, da qual resultou uma dívida de imposto, àquele título, de € 974,43, a que acrescem € 58,46 de juros de mora, tendo como data-limite de pagamento o dia 31 de Dezembro de 2003.
14. Nessa sequência a Administração Tributária enviou à Impugnante, via postal sob registo e aviso de recepção, a respectiva nota, para a sua sede, a qual foi devolvida ao remetente com a notação postal de encerrou, depois do que a Administração Tributária reiterou tal envio, sendo-lhe a correspondência novamente devolvida em 11 de Dezembro de 2003, com a notação postal de Retirou desta morada sem deixar novo endereço.
15. A Administração Tributária procedeu, a 16 de Setembro de 2004, à liquidação oficiosa de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas respeitante à Impugnante, ao seu exercício de 2003, a que coube o nº [2004]2310354244, e sob o regime simplificado de tributação, da qual resultou uma divida de imposto, àquele título, de € 1.250, a que acrescem € 76,18 de juros de mora, tendo como data-limite de pagamento o dia 5 de Janeiro de 2005.
16. Nessa sequência a Administração Tributaria enviou à Impugnante, via postal sob registo, a respectiva nota, para a sua sede, a qual foi devolvida em 9 de Dezembro de 2004 com a notação postal de av[isado] n[ão] atendeu, mas a que a Impugnante acedeu antes de instaurar a presente impugnação.
17. A Administração Tributária enviou via postal sob registo, para a sede da Impugnante, nota de liquidação de juros compensatórios e moratórios de pagamentos por conta omitidos por aquela, segundo o regime simplificado de tributação, respeitantes ao exercício de 2004, num total de € 76,18, a qual foi devolvida em 9 de Dezembro de 2004 com a notação postal de av[isado] n[ão] atendeu, mas a que a Impugnante acedeu antes de instaurar a presente impugnação.
18. Em 21 de Dezembro de 2004 a Impugnante apresentou a petição inicial da presente impugnação.

Não resultou provado, com relevo para a decisão da causa, além dos factos incompatíveis com os ora fixados, designadamente que:
1. A Impugnante, desde 1996 não mais houvesse apresentado qualquer declaração para efeitos de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas, nomeadamente a respeito dos anos de 2001 a 2003.
2. A Impugnante haja entregue via internet declaração para efeitos de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas respeitante ao ano de 2003, na qual apresentasse um rendimento de € 6.250, originando um imposto a pagar no montante de € 1.250.
3. A Administração Tributária soubesse que a Impugnante não mais tinha acesso à correspondência que lhe era dirigida para o local por si indicado ab initio como sede e domicílio fiscal» (Idem.).


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2.2 DE FACTO E DE DIREITO

2.2.1 A QUESTÃO A APRECIAR E DECIDIR

Numa impugnação judicial instaurada pela sociedade ora Recorrente contra as liquidações de IRC que lhe foram efectuadas com referência aos anos de 2001, 2002 e 2003 e de juros relativos aos pagamentos por conta relativos ao IRC do ano de 2004, o Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra julgou caducado o direito de impugnar no que respeita às liquidações de IRC dos anos de 2001 e 2002, julgou procedente com fundamento em inexistência da facto tributário a impugnação judicial quanto à liquidação do ano de 2003 e julgou improcedente, por inimpugnabilidade, a liquidação dos juros.
No que respeita às liquidações dos anos de 2001 e 2002, considerou o Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra que, à data em que a petição inicial foi apresentada, há muito estava ultrapassado o prazo de 90 dias para o efeito, contado do termo do prazo legal para o pagamento voluntário.
Isto, porque considerou que a Impugnante foi validamente notificada daquelas liquidações, pois sempre manteve o mesmo domicílio fiscal, para cujo endereço a AT lhe enviou toda a correspondência, designadamente com vista à notificação das liquidações de IRC dos anos de 2001 e 2002; que não pode aceitar-se a argumentação da Impugnante, de que a AT sabia que a sociedade já aí não tinha sede e, consequentemente, que não pode ter-se como estabelecida a presunção de notificação com base na remessa daquela correspondência, sob pena de interpretação constitucionalmente desconforme do n.º 5 do art. 39.º do CPPT, pois nem a AT sabia que a Impugnante já ali não tinha a sua sede quando lhe remeteu a correspondência ou, pelo menos, que não tinha acesso à correspondência enviada para esse endereço, nem a interpretação da norma no sentido de que a notificação deve ter-se por efectuada viola quaisquer princípios constitucionais, designadamente o da protecção da confiança.
A Impugnante insurge-se contra esse entendimento, sustentando que não pode considerar-se validamente notificada das liquidações, uma vez que as cartas que lhe foram remetidas para o efeito foram devolvidas porque ela há muito tinha cessado a actividade, o que era do conhecimento da AT, que, não obstante, continuou a enviar a correspondência para o mesmo endereço, em flagrante violação do «princípio do procedimento tributário» consagrado no art. 55.º da Lei Geral Tributária (LGT).
Daí que tenhamos enunciado como questão a apreciar e dirimir a de saber se pode considerar-se que a sociedade ora Recorrente foi notificada das liquidações de IRC dos anos de 2001 e 2002 que ora impugna, o que passa por indagar se e em que circunstâncias pode considerar-se efectuada a notificação quando a carta remetida ao contribuinte para esse efeito vem devolvida.
Só respondida essa questão poderemos aferir se o Juiz do Tribunal a quo fez errado julgamento na parte em que considerou caducado o direito de impugnar aqueles actos, decisão que tem como pressuposto que a ora Recorrente foi notificada das liquidações, sabido que é que o prazo de 90 dias para deduzir impugnação judicial se conta, em regra, do termo do prazo para o pagamento voluntário [cfr. art. 102.º, n.º 1, alínea a), do CPPT (Diz o art. 102.º, n.º 1, alínea a), do CPPT:
«1. A impugnação será apresentada no prazo de 90 dias contados a partir dos factos seguintes:
a) Termo do prazo para pagamento voluntário das prestações tributárias legalmente notificadas ao contribuinte;
[…]».)] e que este, por sua vez, a menos que se encontre regulado expressamente pelas leis tributárias, é de 30 dias após a notificação para o efeito [cfr. art. 85.º, n.ºs 1 e 2, do CPPT (Diz o art. 85.º, n.ºs 1 e 2, do CPPT:
«1. Os prazos de pagamento voluntário dos tributos são regulados nas leis tributárias.
2. Nos casos em que as leis tributárias não estabeleçam prazo de pagamento, este será de 30 dias após a notificação para o pagamento efectuada pelos serviços competentes.
[…]».)].


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2.2.2 ALGUMAS NOTAS EM TORNO DA OBRIGAÇÃO DE COMUNICAR À AT O DOMÍCILIO FISCAL E SUAS ALTERAÇÕES E SUA RELAÇÃO COM A FALTA DE NOTIFICAÇÃO

Antes do mais, afigura-se-nos relevante para a decisão a proferir recordar aqui o regime legal respeitante ao domicílio fiscal.
Como decorre do disposto no art. 19.º, n.º 1, da LGT, os sujeitos passivos, tais como os define o n.º 3 do art. 18.º do mesmo compêndio, têm um domicílio fiscal que, para as pessoas colectivas, e na ausência de disposição em contrário, será «o local da sede ou direcção efectiva ou, na falta destas, do seu estabelecimento estável em Portugal» [alínea b)].
Assim, em ordem à obtenção do número de identificação fiscal (Que foi instituído pelo Decreto-Lei n.º 463/79, de 30 de Novembro, em ordem a «dotar a administração fiscal de um meio indispensável à consecução de qualquer política fiscal que passe pelo combate frontal à evasão fiscal» e a possibilitar «uma rápida e correcta identificação do contribuinte, um controle eficaz do cumprimento dos respectivos deveres tributários, uma maior eficiência administrativa permissiva de um mais fácil e melhor contacto com aquele», tudo como consta do respectivo preâmbulo.), uma das obrigações fixadas pelo Decreto-Lei n.º 463/79, de 30 de Novembro (Alterado pelos Decreto-Lei n.º 266/91, de 6 de Agosto, Decreto-Lei n.º 19/97, de 21 de Janeiro, e Decreto-Lei 81/2003, de 23 de Abril. Regulamentado pelas Portarias n.º 386/98, de 3 de Julho, n.º 271/99, de 13 de Abril, n.º 862/99, de 8 de Outubro, n.º 377/2003, de 10 de Maio e n.º 594/2003, de 21 de Julho.), é a indicação do domicílio fiscal, devendo qualquer alteração do mesmo (art. 3.º, n.º 1) ser comunicada dentro do prazo de trinta dias (art. 8.º, n.º 2).
A LGT, diploma de enquadramento de todo o direito tributário, não define domicílio fiscal, mas no referido art. 19.º estipula a obrigatoriedade da comunicação do domicílio fiscal do sujeito passivo à administração tributária e a ineficácia, para efeitos fiscais, da mudança de domicílio enquanto não for comunicada à administração [n.ºs 3 e 4 (Na redacção dada àquele preceito pela Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro (Lei do Orçamento do Estado para 2012). Antes, correspondiam-lhe os n.ºs 2 e 3 do mesmo artigo.), respectivamente].
Ou seja, ainda que o sujeito passivo tenha mudado de domicílio fiscal, enquanto essa mudança não for comunicada à administração tributária, esta pode continuar a considerar como domicílio do sujeito passivo, para efeitos fiscais, o domicílio que aquele abandonou; isto, sem prejuízo de, oficiosamente e desde que disponha de elementos que lhe permitam concluir ser outro o domicilio fiscal do sujeito passivo, proceder à rectificação, de acordo com a possibilidade que lhe concede o n.º 8 (Na redacção dada àquele preceito pela referida Lei n.º 64-B/2011. Antes, correspondia-lhe o n.º 6 do mesmo artigo.) do mesmo art. 19.º da LGT (Cfr. DIOGO LEITE DE CAMPOS, BENJAMIM SILVA RODRIGUES e JORGE LOPES DE SOUSA, Lei Geral Tributária comentada e anotada, Encontro da Escrita, 4.ª edição, anotação 5 ao art. 19.º, pág. 199.).
A obrigação de comunicar o domicílio fiscal e suas alterações resulta também do n.º 1 do art. 43.º do CPPT, que fixa em 15 dias o prazo para comunicar alteração ao domicílio ou sede.
No n.º 2 do mesmo artigo, em sintonia com o n.º 3 do art. 19.º da LGT, prevê-se que a falta de recebimento de «qualquer aviso ou comunicação» expedidos de acordo com os termos da lei, se devida ao não cumprimento da obrigação de comunicar a alteração do domicílio, «não é oponível à administração tributária, sem prejuízo do que a lei dispõe quanto à obrigatoriedade da citação e da notificação e dos termos em que devem ser efectuadas».
Quanto a esta ressalva que a lei consagra no art. 43.º, n.º 2, in fine, JORGE LOPES DE SOUSA salienta que «[e]sta norma, porém, tem de ser confrontada com a exigência constitucional de notificação aos administrados de todos os actos administrativos que afectem direitos ou interesses legalmente protegidos, feita no n.º 3 do art. 268.º da CRP e com o direito de impugnação contenciosa de tais actos, assegurado pelo n.º 4 do mesmo artigo, cuja concretização prática pode depender da existência de uma comunicação ao interessado da prática do acto.
Este preceito constitucional é compatível com presunções de notificações ilidíveis mediante prova em contrário, mas parece não o ser com presunções inilidíveis com dispensa de notificações, isto é, não permite que se considere feita uma notificação quando, comprovadamente, ela não foi efectuada e a não efectivação não é imputável ao notificando.
Assim, tratando-se de actos que afectem a esfera patrimonial dos contribuintes, não poderá considerar-se efectuada uma notificação quando se demonstre que ela não foi efectivamente efectuada, como sucede nos casos em que a carta enviada para notificação seja devolvida.
Estas exigências constitucionais ficarão satisfeitas se este n.º 2 for interpretado em consonância com o preceituado no n.º 5 do art. 39.º do CPPT» (Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado, Áreas Editora, 6.ª edição, volume I, anotação 3 ao art. 43.º, pág. 408.).
Ou seja, haverá que conjugar as regras relativas à obrigação de participação do domicílio com as regras legais que disciplinam a perfeição das notificações.
Dito isto, passemos a verificar se podemos considerar válidas as notificações que foram efectuadas à ora Recorrente em ordem a comunicar-lhe as liquidações adicionais de IRC dos anos de 2001 e 2002, objecto de impugnação judicial nos presentes autos.


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2.2.3 DA VALIDADE DA NOTIFICAÇÃO

2.2.3.1 A PRESUNÇÃO DO N.º 5 DO ART. 39.º DO CPPT

Nos termos do n.º 6 do art. 77.º da LGT e do n.º 1 do art. 36.º do CPPT, os actos em matéria tributária que afectem os direitos e interesses legítimos dos contribuintes só produzem efeitos em relação a estes quando lhes sejam validamente notificados, ou seja, a sua eficácia depende da notificação.
No caso, a Recorrente sustenta que não pode considerar-se validamente notificada porque foram devolvidas as cartas que lhe foram remetidas pela AT com vista a notificá-la das liquidações de IRC relativas aos anos de 2001 e 2002. Mais sustenta que a AT bem sabia que ela tinha cessado a actividade e que, por força da notação aposta pelos serviços postais na correspondência («encerrou» e «retirou-se desta morada»), também sabia que ela já ali não tinha sede, motivo por que ao continuar a enviar as notificações para esse endereço a AT, não só actuou com abuso de direito, como também incorreu numa violação do princípios procedimentais consagrados no art. 55.º da LGT.
Vejamos:
Ninguém discute que a AT utilizou a forma legalmente prescrita – carta registada com aviso de recepção – para notificar à Contribuinte as liquidações em causa.
A questão é a de saber se essas notificações podem ou não considerar-se validamente efectuadas em face da devolução das cartas que foram remetidas para o efeito e do alegado conhecimento pela AT de que a Contribuinte já não tinha sede no local para onde endereçou a correspondência, em virtude das notações que foram apostas nos respectivos sobrescritos pelo funcionário postal.
Desde logo, há que ter presente o que dispõe o art. 39.º, n.º 5, do CPPT: «Em caso de o aviso de recepção ser devolvido ou não vier assinado por o destinatário se ter recusado a recebê-lo ou não o ter levantado no prazo previsto no regulamento dos serviços postais e não se comprovar que entretanto o contribuinte comunicou a alteração do seu domicílio fiscal, a notificação será efectuada nos 15 dias seguintes à devolução por nova carta registada com aviso de recepção, presumindo-se a notificação se a carta não tiver sido recebida ou levantada, sem prejuízo de o notificando poder provar justo impedimento ou a impossibilidade de comunicação da mudança de residência no prazo legal».
Ou seja, em face da devolução da carta para notificação e se não se comprovar que entretanto foi comunicada a alteração do domicílio fiscal, deve a AT enviar nova carta, dentro do prazo da 15 dias, e, ainda que esta última seja devolvida, presume-se feita a notificação, a menos que o notificando prove o justo impedimento ou a impossibilidade de comunicar a alteração do domicílio no prazo legal.
Mas, para que funcione a presunção da recepção da segunda carta, exige-se, sob pena de incompatibilidade com o direito constitucional, que (fora dos casos de recusa de recepção, de que ora não cumpra cuidar), (i) tenha sido deixado um aviso no domicílio fiscal do destinatário de que a carta com a notificação podia ser levantada e que (ii) não se comprove que, entretanto, o contribuinte comunicara à AT a alteração da sua residência (Cfr. JORGE LOPES DE SOUSA, Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado, Áreas Editora, 6.ª edição, volume I, anotação 8 ao art. 39.º, págs. 386 e 387.).
Fazendo uso do quadro sinóptico elaborado por JORGE LOPES DE SOUSA, diremos que a presunção da notificação deixa de valer, designadamente, quando se demonstrar «que não foi deixado aviso para levantamento da carta» e, correlativamente, que a presunção só valerá «quando tiver sido deixado aviso e não houver qualquer justo impedimento ao levantamento da carta» (Idem.).
Citando o mesmo Autor, diremos, em conclusão, que
«Ficarão, assim, como situações em que opera a presunção, considerando-se feita a notificação apesar de se comprovar que o destinatário não recebeu a carta, os casos em que, não havendo qualquer justo impedimento ao seu levantamento, o contribuinte não tenha alterado a sua residência ou a tenha alterado há mais de 20 dias, mas não tenha comunicado à administração tributária a alteração e não tenha estado impossibilitado de a comunicar.
Porém, é de notar que, nestas situações em que se comprovar que o destinatário efectivamente não recebeu as cartas (por terem sido devolvidas), o essencial para considerar feita a notificação, sem ofensa do direito constitucional à notificação dos actos lesivos, é que não haja um «justo impedimento», entendido como uma razão aceitável para que o destinatário não tivesse diligenciado no sentido de receber alguma das cartas cujo aviso de envio foi deixado na sua caixa de correio» (sublinhado nosso).

2.2.3.2 A NOTIFICAÇÃO DA LIQUIDAÇÃO DO ANO DE 2002

Regressando ao caso sub judice e cionartendo presente o que vimos de dizer, logo verificamos que, relativamente à comunicação da liquidação adicional do ano de 2002, surge uma dificuldade no funcionamento da presunção de notificação, qual seja o de não se saber se foi deixado no domicílio fiscal da ora Recorrente o aviso postal para o seu levantamento na estação dos correios; na verdade, a única menção aposta pelo funcionário postal na primeira carta – encerrou – não só não permite concluir que tenha sido deixado o referido aviso como, pelo contrário, leva a crer que não foi (cf. os factos provados sob os n.ºs 13/14).
Assim, no que respeita à notificação da liquidação adicional de IRC do ano de 2002, não pode fazer-se funcionar a presunção de notificação (Neste sentido, o acórdão de 8 de Julho de 2009 proferido no processo com o n.º 460/09, publicado no Apêndice ao Diário da República de 30 de Novembro de 2009 (http://www.dre.pt/pdfgratisac/2009/32230.pdf), págs. 1169 a 1172, também disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/aca1e2e17080a15a802575f5003ef985?OpenDocument.).
Comprovada a devolução da carta com a notificação e não podendo operar a presunção do n.º 5 do art. 39.º do CPPT, somo conduzidos, inexoravelmente, à conclusão de que a sentença, na parte em que julgou caducado o direito de impugnar judicialmente aquele acto não pode manter-se. Na verdade, não se demonstrando, ainda que por presunção, a notificação, também não pode considerar-se precludido o direito de impugnar o acto notificando, pois, nos termos já referidos, o início do prazo para o exercício desse direito exigiria a notificação válida daquele acto.
Nessa parte, a sentença recorrida, que decidiu em sentido contrário, não pode manter-se e será revogada.

2.2.3.3 A NOTIFICAÇÃO DA LIQUIDAÇÃO DO ANO DE 2001

Já em relação à liquidação do ano de 2001, a questão coloca-se em termos diversos. Quanto a essa notificação, não há dúvida de que o funcionário postal deixou no endereço do domicílio fiscal da ora Recorrente o aviso para levantamento da correspondência (primeira carta), como decorre da anotação que lhe foi aposta: avisado.
Verificamos, pois, que a AT respeitou o preceituado na lei no que se refere à comunicação da liquidação adicional de IRC do ano de 2001 ora impugnada: enviou carta registada com aviso de recepção para o domicílio fiscal da ora Recorrente e, perante a devolução dessa carta e a verificação de que fora deixado aviso para levantamento da mesma, enviou nova carta dentro do prazo de 15 dias (cfr. os factos provados sob os n.ºs 9/10).
Apesar da devolução desta última, nada obsta ao funcionamento da presunção de notificação prevista no n.º 5 do art. 39.º do CPPT.
A Recorrente não questiona a legalidade do procedimento adoptado. No entanto, sustenta que a AT, à data em que remeteu a carta para notificação, bem sabia que a sociedade já não tinha a sua sede naquele local e, por isso, que o envio para aí da correspondência para notificação configura uma situação de abuso de direito e de violação dos princípios que devem nortear a actividade administrativa e as relações da administração com os administrados. Isto, porque considera que a AT «já sabia que, face à retirada da ora impugnante [da] morada que constava dos serviços de finanças, a carta com toda a segurança viria devolvida, pelo que, no sentido de aproximar o processo tributário do princípio consignado no art. 55.º, da Lei Geral Tributária, de modo a actuar com “respeito pelas garantias dos contribuintes e demais obrigados tributários”, face aos antecedentes, devia o Serviço de Finanças ter actuado como se refere na sentença recorrida, ou seja, notificar a ora impugnante na pessoa dos seus agentes».
Salvo o devido respeito, a Recorrente labora em erro, assentando toda a sua argumentação numa premissa que não está verificada, qual seja a de que a AT sabia que a ora Recorrente já não tinha a sua sede naquele local. Vejamos:
Desde logo, nem sequer ficou demonstrado que tenha sido alterado a sede. Aliás, a não ser a sede naquele local, é curioso notar que a ora Recorrente também nunca indicou onde seria.
Ora, nos termos do disposto no art. 12.º do Código das Sociedades Comerciais (CSC), «[a] sede da sociedade deve ser estabelecida em local concretamente definido» (n.º 1) e, salvo disposição contratual em contrário «[a] sede da sociedade constitui o seu domicílio» (n.º 3).
Se, como alega, não a tinha naquele local, forçosamente a teria noutro qualquer, não se configurando a possibilidade de uma sociedade, ainda que não exerça actividade, não ter sede. Note-se que o facto de uma sociedade não exercer actividade é bem distinto do facto de uma sociedade ter deixado de existir na ordem jurídica, sendo que, para deixar de existir como tal, a sociedade deverá cumprir os passos estipulados na lei: dissolução e liquidação do património (cfr., respectivamente, arts. 141.º e segs. e 146.º e segs. do CSC).
Por outro lado, se é certo que a AT sabia que a ora Recorrente tinha cessado a actividade – como resulta da declaração de cessação que lhe foi apresentada em 1996 para efeitos de IVA (cfr. facto provado sob o n.º 4) –, já o não é que soubesse que a mesma deixara de ter a sua sede no local que a sociedade indicara como o seu domicílio fiscal, quer porque não foi apresentada qualquer declaração com vista à alteração desse domicílio, quer porque nas declarações de rendimentos apresentadas, em 13 de Maio de 2002 e em 29 de Maio de 2003, para efeitos de IRC dos anos de 2001 e 2002, respectivamente, continuou a indicar a mesma sede (cfr. factos provados sob os n.ºs 7 e 12).
Aliás, a sentença recorrida indicou como facto não provado que «[a] Administração Tributária soubesse que a Impugnante não mais tinha acesso à correspondência que lhe era dirigida para o local por si indicado ab initio como sede e domicílio fiscal» (cfr. facto dado como não provado sob o n.º 3).
Não se demonstrando que a AT sabia que a sociedade tinha alterado a sua sede, nem que sabia que a sociedade não tinha acesso à correspondência enviada para o seu domicílio fiscal, o envio das cartas para notificação para o domicílio fiscal não pode configurar abuso de direito ou violação de princípios procedimentais, designadamente o da boa-fé (Sobre o princípio da boa-fé, vide RUI DUARTE MORAIS, Manual de Procedimento e de Processo Tributário, Almedina, 2012, pág. 31 e segs.).
Salvo o devido respeito, a única violação das regras procedimentais que encontramos na situação sub judice é imputável à ora Recorrente que, se alterou a sua sede (e, bem vistas as coisas, a sua argumentação vai nesse sentido, pois, se não tinha sede no local que indicou como domicílio fiscal, tê-la-á tido noutro local) deveria ter comunicado essa alteração à AT. Não o tendo feito, sibi imputet; não pode agora é pretender obter vantagem desse seu comportamento omissivo e contrário as regras legais, fazendo recair sobre a AT o ónus de indagar qual a sua sede à data em que efectuou as notificações em causa ou de fazer a notificação por outro meio que não por carta remetida para o endereço postal que a ora Recorrente sempre indicou à AT como sendo o da sua sede.
Assim, no que se refere à notificação da liquidação do ano de 2001, a sentença recorrida não merece censura alguma, pois equacionou e solucionou a questão em termos que merecem a nossa inteira concordância.


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2.2.4 CONHECIMENTO DA IMPUGNAÇÃO JUDICIAL DA LIQUIDAÇÃO ADICIONAL DO ANO DE 2002

Revogada que foi a sentença na parte em que considerou caducado o direito de impugnar a liquidação adicional do ano de 2002, cumpre agora conhecer do mérito dessa impugnação.
Em face da comprovada inexistência de rendimentos susceptíveis de tributação em IRC, no ano de 2002 como no ano de 2003, e pelos motivos que ficaram expressos na sentença recorrida relativamente a este último ano, com os quais concordamos integralmente e que aqui damos por reproduzidos, procede a impugnação judicial no que se refere à liquidação adicional do ano de 2002.
A final, anularemos o referido acto tributário.


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2.2.5 CONCLUSÕES

Preparando a decisão, formulamos as seguintes conclusões:
I - Nos casos em que o início do prazo para impugnação de um acto tributário depende, directa ou indirectamente, da notificação desse acto ao contribuinte, como é o caso das alíneas a) e b) do art. 102.º do CPPT, tal prazo não começa sem que se comprove a notificação desse acto validamente efectuada (art. 77.º, n.º 6, da LGT e art. 36.º, n.º 1, do CPPT).
II - Nos termos do disposto no art. 39.º, n.º 5, do CPPT, em face da devolução da carta para notificação e se não se comprovar que entretanto foi comunicada a alteração do domicílio fiscal, deve a AT enviar nova carta, dentro do prazo da 15 dias, e, ainda que esta última seja devolvida, presume-se feita a notificação (no 3.º dia posterior ao do registo ou no 1.º dia útil seguinte a esse, quando esse dia não seja útil), a menos que o notificando prove o justo impedimento ou a impossibilidade de comunicar a alteração do domicílio no prazo legal.
III - No entanto, o funcionamento dessa presunção, sob pena de incompatibilidade com o direito inconstitucional, exige que, caso a entrega não tenha sido possível, tenha sido deixado no endereço postal do notificando um aviso de que a carta com a notificação podia ser levantada nos serviços postais.
IV - Se o próprio sujeito passivo afirma em sede de alegações de recurso que deixou de ter sede no local que declarou como domicílio fiscal, não se demonstrando (facto que nem sequer foi alegado pelo sujeito passivo) que foi comunicada a alteração desse domicílio, temos que concluir pela inoponibilidade à AT da falta de notificação.
V - Não é merecedora de tutela jurídica a não recepção pelo sujeito passivo da comunicação de uma liquidação que lhe foi efectuada se, demonstrado que ficou que a AT respeitou os termos legais na notificação desse acto, o não recebimento é imputável àquele.


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3. DECISÃO

Face ao exposto, os Juízes da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo acordam, em conferência, conceder parcial provimento ao recurso e, em consequência,
a) revogar a sentença na parte em que julgou caducado o direito de impugnar a liquidação adicional de IRC do ano de 2002 e, em substituição, julgar a impugnação judicial procedente nessa parte, anulando aquela liquidação;
b) manter a sentença na demais parte recorrida.


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Custas pela Recorrente, na proporção do decaimento.

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Lisboa, 16 de Janeiro de 2013. - Francisco Rothes (relator) - Valente Torrão - Casimiro Gonçalves.