Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0434/14.3BEALM
Data do Acordão:02/17/2021
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:FRANCISCO ROTHES
Descritores:TAXA DE OCUPAÇÃO
DOMÍNIO PÚBLICO MUNICIPAL
DISTRIBUIÇÃO DE ENERGIA ELÉCTRICA
Sumário:I - O legislador determinou de forma inequívoca, através do art. 3.º, n.º 4, do Decreto-Lei n.º 230/2008, de 27 de Novembro, que a utilização dos bens do domínio público municipal por parte das concessionárias da actividade de distribuição de energia eléctrica, com infra-estruturas e outro equipamento de alta, média e baixa tensão, é comutada pela renda anual paga nos termos do Contrato de Concessão de Distribuição de Energia Eléctrica em Baixa Tensão, «com total isenção do pagamento de taxas pela utilização desses bens»
II - Demonstrado nos autos que entre a ora Recorrente e o Município foi celebrado Contrato de Concessão de Distribuição de Energia Eléctrica em Baixa Tensão, no âmbito do qual aquela paga a este uma renda anual, é de concluir que aquele fica isenta do pagamento de quaisquer taxas pela ocupação do espaço público municipal com as infra-estruturas de distribuição de energia eléctrica em baixa, média e alta tensão.
III - A referida interpretação não viola o disposto nos arts. 238.º e 241.º da CRP (que consagram a autonomia financeira e o poder tributário dos municípios).
Nº Convencional:JSTA000P27196
Nº do Documento:SA2202102170434/14
Data de Entrada:11/21/2018
Recorrente:EDP DISTRIBUIÇÃO - ENERGIA, S.A.
Recorrido 1:MUNICÍPIO DE PALMELA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Recurso jurisdicional da sentença proferida no processo de impugnação judicial com o n.º 434/14.3BEALM
Recorrente: “EDP - Distribuição, S.A.
Recorrido: Município de Palmela

1. RELATÓRIO

1.1 A sociedade acima identificada (adiante também denominada Impugnante e Recorrente) interpôs recurso para o Supremo Tribunal da sentença por que o Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada julgou procedente a impugnação judicial por ela deduzida contra os actos de liquidação de taxas de ocupação do espaço público, referentes ao ano de 2013.

1.2 Admitido o recurso, para subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo, o Recorrente apresentou as alegações, que resumiu em conclusões do seguinte teor:

«1.ª Na presente acção de impugnação judicial discute-se, essencialmente, se o acto de liquidação de taxas de ocupação do espaço público municipal de Palmela relativas a abertura de valas e colocação de cabos de distribuição de energia eléctrica de média tensão, no montante global de € 162.942,16 (cento e sessenta e dois mil novecentos e quarenta e dois euros e dezasseis cêntimos) consubstancia uma violação ao disposto no artigo 3.º, n.º 4, do Decreto-Lei n.º 230/2008, de 27 de Novembro, sendo, por conseguinte, ilegal.

2.ª Chamado a pronunciar-se sobre o pedido formulado pela RECORRENTE, o Tribunal a quo julgou improcedente a presente acção de impugnação, tendo para o efeito invocado a jurisprudência vertida no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo n.º 0614/16, de 1 de Fevereiro de 2017.

3.ª Sucede, porém, que a decisão recorrida assenta em erro sobre os respectivos pressupostos de direito, devendo, por isso, ser revogada e substituída por outra que determine a anulação do identificado acto de liquidação.

4.ª Com efeito, como vem preclaramente estabelecido no artigo 3.º, n.º 4, do Decreto-Lei n.º 230/2008, de 27 de Novembro, a «obrigação de pagamento da renda anual pelas concessionárias da actividade de distribuição de energia eléctrica em baixa tensão fica sujeita à atribuição efectiva da utilização dos bens do domínio público municipal, nomeadamente do uso do subsolo e das vias públicas para estabelecimento e conservação de redes aéreas e subterrâneas de distribuição de electricidade em alta, média e baixa tensão afectas ao Sistema Eléctrico Nacional (SEN), com total isenção do pagamento de taxas pela utilização desses bens» (os destacados são da RECORRENTE).

5.ª Dito de outro modo, o legislador determinou de forma inequívoca, através do artigo 3.º, n.º 4, do Decreto-Lei n.º 230/2008, de 27 de Novembro, que a utilização dos bens do domínio público municipal por parte das concessionárias da actividade de energia eléctrica, com infra-estruturas e outro equipamento de alta, média e baixa tensão, é comutada pela renda anual paga nos termos do Contrato de Concessão de Distribuição de Energia Eléctrica em Baixa Tensão, «com [a consequente] total isenção do pagamento de taxas pela utilização desses bens»,

6.ª Neste sentido, impondo o artigo 3.º, n.º 4, do Decreto-Lei n.º 230/2008, de 27 de Novembro, os municípios sejam financeiramente compensados pela utilização do seu espaço público com as infra-estruturas de distribuição de electricidade em alta, média e baixa tensão através da obtenção da renda anual prevista no mencionado Contrato de Concessão de Distribuição de Energia Eléctrica em Baixa Tensão, qualquer taxa municipal dirigida a comutar a mesma utilização é, inexoravelmente, ilegal.

7.ª De resto, contrariamente ao que defende o RECORRIDO, o regime constante do artigo 3.º, n.º 4, do Decreto-Lei n.º 230/2008, de 27 de Novembro, não consubstancia uma violação ao disposto nos artigos 238.º e 241.º da Constituição da República Portuguesa.

8.ª Por último, registe-se que, tanto a decisão judicial citada pelo RECORRIDO quanto jurisprudência que fundamentou a Sentença recorrida se debruçaram sobre questões de direito diferentes da que aqui se discute, não tendo, por conseguinte, aplicação ao caso sub judice.

9.ª Assim, em face do exposto, impõe-se concluir pela ilegalidade do acto de liquidação da taxa municipal de ocupação sub judice, devendo, nessa medida, ser o mesmo anulado».

1.3 O Recorrido apresentou contra-alegações, com conclusões do seguinte teor:

«1. Do contrato de concessão celebrado entre a recorrente e o recorrido não resulta, ao contrário do alegado, qualquer isenção da taxa devida pela ocupação do domínio público municipal mediante a instalação de infra-estruturas de Média e Alta Tensão;

2. O Decreto-Lei n.º 230/2008, de 27 de Novembro destina-se única e exclusivamente a regular a remuneração dos contratos de concessão da distribuição em Baixa Tensão;

3. O contrato de concessão em Baixa Tensão, celebrado entre o Município de Palmela e a EDP, excluiu expressamente as infra-estruturas de Média Tensão e Alta Tensão;

4. A utilização de solo municipal com infra-estruturas da distribuição em Alta e Média Tensão, alcança-se por força de outros normativos que não do Decreto-Lei n.º 230/2008, de 27 de Novembro;

5. Do contrato de Concessão, resulta evidente que, quer a renda devida, quer as isenções concedidas, respeitam apenas e só à distribuição de energia eléctrica em Baixa Tensão e não à distribuição em Média e Alta Tensão;

6. As linhas de Média e Alta Tensão não estão isentas de pagamento das contrapartidas pelo uso do domínio público municipal, sendo que, as taxas liquidadas correspondem precisamente à utilização do domínio público municipal;

7. As taxas liquidadas e impugnadas configuram-se como verdadeiras taxas pela utilização e aproveitamento de bens do domínio público e privado municipal e dessa utilização e aproveitamento resultam vantagens patrimoniais para a recorrente;

8. Do contrato celebrado não resulta qualquer isenção de taxas pela utilização de linhas de Média e Alta Tensão, não se encontrando o uso destas comutado pela renda paga no âmbito da concessão;

9. Carece de qualquer fundamento a invocação da ilegalidade do acto de liquidação, não merecendo a douta sentença objecto do presente recurso qualquer censura, fazendo uma correta análise e apreciação à questão da situação em concreto».

1.4 Recebidos os autos neste Supremo Tribunal Administrativo, o Procurador-Geral-Adjunto emitiu parecer no sentido de que seja concedido provimento ao recurso. Isto, após enunciar os termos do recurso, com a seguinte fundamentação:

«[…]

A questão que vem colocada pela Recorrente consiste em saber se se verifica a sentença padecer do vício de erro de julgamento, por errónea interpretação e aplicação do disposto no n.º 4 do artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 230/2008, de 27 de Novembro ao dar como válidas as taxas cobradas pelo município de Palmela.
Pese embora a sentença tenha dado como fundamentado de facto e de direito o acto tributário (e que não é posto em causa pela Recorrente em sede de recurso), da matéria de facto levada aos pontos 6) e 7) do probatório resulta apenas que o montante de € 162.942,16 euros respeita a taxas municipais cobradas em razão da abertura de valas e ocupação da via e ocupação do subsolo, sem contudo se perceber qual o regulamento municipal e respectivas disposições legais em que tal cobrança se fundamenta (sendo certo que não foi junto qualquer regulamento municipal, nem a sentença lhe faz qualquer referência).
Resulta igualmente da sentença que a Mma. Juiza [do Tribunal] “a quo” não fez qualquer apreciação do disposto no n.º 4 do artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 230/2008, de 27 de Novembro, invocado pela impugnante, limitando-se a transpor para o caso dos autos a doutrina de um aresto deste tribunal em que estava em causa a cobrança de taxas municipais de uso do subsolo por condutas de gás, e a interpretar o disposto no n.º 2 do artigo 6.º do Dec.-Lei n.º 344-B/82, de 1 de Setembro 1 [1 Na sentença consta erradamente DL 344/82, diploma que nada tem a ver com as matérias em causa nos autos.], sem contudo fazer um juízo crítico dessa jurisprudência nem esclarecer os motivos da aplicação restrita deste diploma legal ao caso concreto dos autos.
Ora, e acompanhando a Recorrente na censura que efectua à sentença, afigura-se-nos que para a resolução da questão colocada ao tribunal não só a disciplina do citado normativo não releva, como a jurisprudência em que o tribunal “a quo” se apoiou não tem aplicação no caso concreto dos autos 2 [2 Estava em causa nos arestos citados a questão de eventual isenção da taxa de ocupação do subsolo por concessionária de serviço público, fundamento este que não é invocado pela Recorrente.].
Com efeito, o Dec.-Lei n.º 344-B/82, de 1 de Setembro, como resulta do seu preâmbulo, “estabelece os princípios gerais da distribuição de energia eléctrica em baixa tensão, bem como as condições a que devem obedecer os contratos de concessão a favor da EDP, quando a exploração seja feita nesse regime”.
Todavia a isenção invocada pela impugnante e aqui Recorrente não tem por base apenas o contrato de concessão de distribuição de energia eléctrica em baixa tensão (cuja distribuição pode ser realizada pelo próprio município ou por outra entidade que não a EDP) e o diploma supra citado. Esse diploma limita-se a regular os termos de concessão da distribuição de energia eléctrica em baixa tensão e a estabelecer uma renda a favor do município, no caso de a mesma ser concessionada à EDP 3 [3 Artigo 6.º (…) 2- Os municípios que tenham celebrado, ou venham a celebrar, com a EDP contrato de concessão de distribuição de energia eléctrica em baixa tensão terão direito a receber desta uma renda, a fixar por portaria conjunta dos Ministros das Finanças, do Planeamento e da Administração do Território e da Indústria e Energia. (redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 17/92, de 5 de Fevereiro).], rendas essas definidas por portaria, designadamente na Portaria n.º 437/2001, de 28 de Abril. Mas não se circunscrevendo a actividade da EDP à distribuição de electricidade em baixa tensão, a sua actividade como concessionária da distribuição de electricidade vem regulada noutros diplomas legais, os quais prevêem regimes jurídicos que abrangem a rede eléctrica de serviço público (RESP), que no continente abrange o conjunto das instalações de serviço público destinadas ao transporte e distribuição de electricidade que integram a RNT, a RND e as redes de distribuição de electricidade em baixa tensão, como é o caso dos Dec.-Leis n.º 29/2006 4 [4 Estabelece os princípios gerais relativos à organização e funcionamento do sistema eléctrico nacional, bem como ao exercício das actividades de produção, transporte, distribuição e comercialização de electricidade e à organização dos mercados de electricidade, transpondo para a ordem jurídica interna os princípios da Directiva n.º 2003/54/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de Junho, que estabelece regras comuns para o mercado interno da electricidade, e revoga a Directiva n.º 96/92/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 19 de Dezembro.], de 15 de Fevereiro, e n.º 172/2006, de 23 de Agosto.
Ora, dispõe a Base XXVII do Capítulo IV do Anexo III 5 [5 Anexo III (a que se refere o n.º 6 do artigo 34.º) - Bases da concessão da Rede Nacional de Transporte de Electricidade.] ao Dec.-Lei n.º 172/2006:

Capítulo IV
Direitos da concessionária
Base XXVII
Utilização do domínio público
1- No estabelecimento de instalações da rede de transporte ou de outras infra-estruturas integrantes da concessão, a concessionária tem o direito de utilizar os bens do Estado e das autarquias locais, incluindo os do domínio público, nos termos da lei.
2- A faculdade de utilização dos bens referidos no número anterior resulta da aprovação dos respectivos projectos ou de despacho ministerial, sem prejuízo da formalização da respectiva cedência nos termos da lei.
Por sua vez dispõe igualmente o n.º 4 do artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 230/2008, de 27 de Novembro, invocado pela Recorrente:
«4- A obrigação de pagamento da renda anual pelas concessionárias da actividade de distribuição de energia eléctrica em baixa tensão fica sujeita à atribuição efectiva da utilização dos bens do domínio público municipal, nomeadamente do uso do subsolo e das vias públicas para estabelecimento e conservação de redes aéreas e subterrâneas de distribuição de electricidade em alta, média e baixa tensão afectas ao Sistema Eléctrico Nacional (SEN), com total isenção do pagamento de taxas pela utilização desses bens» (sublinhados nossos).
Por outro lado e ao contrário do defendido pela Recorrida, nada permite concluir pela interpretação restritiva feita por esta da isenção prevista no contrato de concessão celebrado com a EDP, uma vez que o artigo 4.º desse contrato é bem explícito ao atribuir à EDP “o direito de utilizar as vias públicas, bem como os respectivos subsolos, para o estabelecimento e conservação de obras e canalizações aéreas ou subterrâneas de baixa, média ou alta tensão, com o fim de prover ao fornecimento de energia eléctrica”.
Igualmente na Portaria n.º 437/2001, de 28 de Abril, que regulamenta o Dec.-Lei n.º 344-B/82, de 1 de Setembro, se prevê expressamente no artigo 11.º que «A obrigação do pagamento de renda pelo concessionário tem como condição necessária o direito deste à total isenção do pagamento de taxas pela utilização dos bens do domínio público municipal, nomeadamente pela ocupação das vias públicas com as redes de transporte e distribuição de energia eléctrica» (sublinhados nossos).
O facto de nos artigos 6.º e 7.º do contrato de concessão celebrado entre o Município de Palmela e a Recorrente se distinguir entre as “instalações abrangidas e não abrangidas pela concessão” e se excluir da concessão as redes de média e alta tensão, essa distinção tem o propósito de se delimitar as instalações que no final do contrato de concessão irão reverter para o município, nos termos do artigo 13.º do contrato de concessão e art. 7.º do Dec.-Lei n.º 344-B/82, de 1 de Setembro.
Mostra-se, assim, bem explícito dos referidos normativos que para instalação das redes eléctricas de alta, média e baixa tensão, a EDP, como concessionária desse serviço, usufrui de isenção de qualquer taxa relacionada com essa instalação e ocupação das vias ou subsolo do domínio público municipal.
Entendemos, assim, que os actos de liquidação das taxas municipais exigidas à Recorrente padecem do vício de violação de lei, que lhe é assacado por esta, motivo pelo qual a sentença recorrida que assim não entendeu, incorreu em erro de julgamento e nessa medida merece a censura que lhe é feita pela Recorrente.
Em face do exposto, afigura-se-nos que se impõe a revogação da sentença do TAF de Almada, a qual deve ser substituída por decisão que julgue a acção de impugnação judicial procedente, determinando-se a anulação dos actos tributários, julgando-se, assim, procedente o recurso».

1.5 Cumpre apreciar e decidir.


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2. FUNDAMENTOS

2.1 DE FACTO

2.1.1 A sentença recorrida deu como provados os seguintes factos:

«1. Em 14/09/2000, foi atribuída à Impugnante, pelo Director-Geral da Energia (em representação do Estado), a licença vinculativa de distribuição de energia eléctrica em alta e média no território do Continente (cfr. doc. junto a fls. 38 a 48 junto aos autos);

2. Em 22/02/2009 foi concedida à Impugnante licença de exploração, pela Direcção-Geral de Energia através de contrato de concessão (cfr. doc. junto a fls. 49 a 78 dos autos);

3. Em 03/07/2008 a impugnante e o Município de Palmela renovaram o contrato de concessão de distribuição de energia eléctrica de Baixa Tensão (cfr. doc. junto a fls. 79 a 104 dos autos)

4. Em 16/05/2013 a Impugnante dirigiu ao Município de Palmela um ofício solicitando autorização para promover os trabalhos de execução de abertura de vala na ST15-91 QTA DO ANJO-MARQUESA III (PT3) com 563m e na ST15-92 SE QTA. DO ANJO-CABANAS com 1113m, para instalação de cabo de média tensão do tipo LXHIOZ (be) 3*1*240 das linhas de Média Tensão (cfr. doc. junto a fls. não numeradas do processo instrutor);

5. Por ofício da Câmara Municipal de Palmela, de 27/11/2013, foi a impugnante notificada para pagar a taxas relativas à ocupação do espaço público do Município de Palmela referente à abertura de vala e colação de tubagem no montante de € 162.942,16 (cfr. docs. de fls. 107 e 108 dos autos);

6. Do ofício identificado no ponto anterior consta, designadamente, o seguinte:



(cfr. doc. junto a fls. 107 dos autos)

7. Junto ao ofício identificado no ponto anterior foi a factura n.º 3/22081/2013 da qual consta o seguinte:

(cfr. doc. junto a fls. 108 dos autos);

8. A Impugnante deduziu reclamação graciosa do acto identificado nos pontos anteriores (cfr. doc. junto a fls. não numeradas do processo instrutor junto aos autos)».

2.1.2 Com interesse para a decisão a proferir, há ainda que ter em conta a seguinte factualidade:

a) por ofício datado de 26 de Outubro de 2020, o Município de Palmela citou a ora Recorrente para a execução fiscal que instaurou em ordem a cobrar o montante liquidado referido supra em 5 a 7;

b) em 24 de Novembro de 2020, a ora Recorrente fez dar entrada no Serviço de Execuções Fiscais da Câmara Municipal de Palmela uma declaração de seguro-caução, emitida em 20 de Novembro de 2020, a favor do Exequente, no valor de € 221.383,30, em ordem à suspensão do processo de execução fiscal acima referido.


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2.2 DE FACTO E DE DIREITO

2.2.1 A QUESTÃO A APRECIAR E DECIDIR

2.2.1.1 A ora Recorrente apresentou no Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada impugnação judicial contra o acto de liquidação de taxas de “ocupação ou utilização do solo, subsolo e aéreo”, referente ao ano de 2013, que lhe foi efectuado pelo ora Recorrido na sequência do pedido por ela efectuado, de abertura de valas e colocação de tubagens para instalação de cabo de distribuição de energia eléctrica de média tensão.
Sustentou a Impugnante, no que ora interessa ( A Impugnante invocou também a violação do princípio da equivalência, por inexistir sinalagma justificativo da liquidação do acto tributário impugnado e a falta de fundamentação, mas, nessa parte, a sentença transitou em julgado.), que a liquidação viola o disposto no art. 3.º, n.º 4, do Decreto-Lei n.º 230/2008, de 27 de Novembro ( ELI: https://data.dre.pt/eli/dec-lei/230/2008/11/27/p/dre/pt/html.
O art. 3.º, n.º 4, do referido diploma legal tem a seguinte redacção:
«A obrigação de pagamento da renda anual pelas concessionárias da actividade de distribuição de energia eléctrica em baixa tensão fica sujeita à atribuição efectiva da utilização dos bens do domínio público municipal, nomeadamente do uso do subsolo e das vias públicas para estabelecimento e conservação de redes aéreas e subterrâneas de distribuição de electricidade em alta, média e baixa tensão afectas ao Sistema Eléctrico Nacional (SEN), com total isenção do pagamento de taxas pela utilização desses bens».), cuja entrada em vigor ocorreu no dia seguinte ao da respectiva publicação (nos termos do art. 8.º do mesmo diploma legal), nos termos do qual o pagamento da renda efectuado ao abrigo do Contrato de Concessão de Distribuição de Energia Eléctrica em Baixa Tensão, celebrado entre ela Impugnante e o ora Recorrido, desonera-a do pagamento de quaisquer taxas pela ocupação do espaço público municipal com as infra-estruturas de distribuição de energia eléctrica em baixa, média ou alta tensão.

2.2.1.2 O ora Recorrido contestou a pretensão da Impugnante.
Na parte que nos interessa considerar em sede de recurso, sustentou que «a materialidade subjacente à taxa liquidada não se contém no âmbito de aplicação do Contrato de Concessão de Distribuição de Energia Eléctrica em Baixa Tensão celebrado entre a Impugnante e o Impugnado», pois a liquidação «decorre directamente de um pedido de autorização da Impugnante que se reporta, não a linhas de Baixa Tensão, abrangidas pela isenção prevista no artigo 12.º do Contrato de Concessão celebrado com o Município, mas antes, a linhas de Média Tensão», sendo que estas não estão abrangidas por aquele contrato; que o contrato de concessão em baixa tensão, celebrado entre a Impugnante e o Município, não é aplicável às relações jurídico-tributárias que respeitem a linhas de média tensão e, por isso, nunca poderia justificar qualquer isenção que se lhe refira; que, apesar do n.º 1 do art. 4.º desse contrato conferir à Impugnante o direito de utilização das vias públicas e respectivos subsolos, nele nada se dispõe quanto à gratuitidade dessa utilização e o art. 12.º é bem explícito no que respeita às isenções nele previstas; que o mesmo contrato, nos seus arts. 6.º e 7.º, é inequívoco quando dispõe acerca das instalações abrangidas e excluídas do seu âmbito de aplicação; que o Município nem sequer poderia regular isenções para as linhas de média e alta tensão, uma vez que as suas atribuições legais nesta matéria se circunscrevem à distribuição de energia em baixa tensão, como decorre do art. 1.º do Decreto-Lei n.º 344-B/82, de 1 de Setembro, do art. 42.º do Decreto-Lei n.º 172/2006, de 23 de Agosto e da alínea b) do n.º 2 do art. 23.º da Lei nº 75/2013, de 12 de Setembro; que nunca o Governo poderia conceder isenções relativas a bens do domínio público e privado do Município, sob pena de inconstitucionalidade [cfr. arts. 238.º e 241.º da Constituição da República Portuguesa (CRP)] e violação do disposto no art. 3.º, nas alíneas g) e m) do art. 10.º, na alínea d) do art. 11º, no n.º 2 do art. 12.º e no n.º 1 do art. 15.º, todos da Lei n.º 2/2007, de 15 de Janeiro (Lei das Finanças Locais), e ainda, no art. 3.º, na alínea c) do n.º 1 do art. 6.º e no n.º 1 do art. 8.º, estes da Lei n.º 53-E/2006, de 29 de Dezembro (Regime Geral das Taxas das Autarquias Locais).

2.2.1.3 A sentença julgou a impugnação judicial improcedente.
Quanto ao vício de violação de lei – que, dissemo-lo já, é o único que cumpre apreciar em sede de recurso –, a Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada, depois de enunciar a questão a dirimir como sendo a de saber se «a ocupação do espaço municipal de Palmela com infra-estruturas e outros equipamentos afectos às redes de alta e média tensão de distribuição de energia eléctrica no ano de 2012 era já comutada pela renda paga ao Município de Palmela no âmbito do contrato de Concessão de Distribuição de Energia Eléctrica em Baixa Tensão (conforme o disposto no art. 4.º, n.º 3 do Decreto-Lei n.º 230/2008, de 27 de Novembro)», remeteu para a fundamentação expendida no acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 1 de Fevereiro de 2017, proferido no processo com o n.º 614/16 ( Disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/3f41d98c46a3aa06802580bf0057cc20.), para concluir que «[t]al como no caso do Acórdão supra transcrito, também aqui a Impugnante vem alegar que tendo celebrado um Contrato com o Município se encontra isenta do pagamento de taxa de ocupação do subsolo uma vez que já paga renda ao referido Município. // No entanto, a Portaria publicada nos termos da cláusula 12.ª do citado contrato de concessão, ao tempo vigente (em 2004), foi publicada nos termos do n.º 2 do art. 6.º do Dec-Lei n.º 344[-B]/82, de 1 de Setembro. Este diploma apenas se reporta às rendas devidas como contrapartida da distribuição da energia eléctrica em baixa tensão, como desde logo se pode colher do respectivo preâmbulo, naturalmente, com expressão positiva nos seus artigos seguintes, como da mesma se pode ver, desta forma sendo manifesto que jamais foi concedida à Impugnante, pelos citados instrumentos legais (contrato de concessão e portaria publicada no seu seguimento) qualquer isenção de taxas por ocupação do solo e subsolo municipais pela passagem de linhas e redes de média e alta tensão, como as relativas às taxas ora impugnadas».

2.2.1.4 A Impugnante não se conformou com a sentença na parte em que nesta se julgou improcedente o invocado vício de violação de lei.
Após salientar que o acórdão para o qual remeteu a sentença não logra aplicação ao caso sub judice e que a sentença não apreciou a questão tal como a Impugnante a conformou, pois não apreciou a legalidade da liquidação à luz do disposto no n.º 4 do art. 3.º do Decreto-Lei n.º 230/2008, de 27 de Novembro, insistiu na tese de que a liquidação das taxas viola o disposto nessa norma e que o regime constante deste diploma legal não contende com a autonomia financeira e o poder tributário dos municípios.

2.2.1.5 Assim, a questão que ora cumpre apreciar e decidir é a de saber se a sentença fez correcto julgamento quando considerou que a liquidação não violava o disposto no art. 3.º, n.º 4, do Decreto-Lei n.º 230/2008, de 27 de Novembro.


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2.2.2 DA (I)LEGALIDADE DA LIQUIDAÇÃO DAS TAXAS

A sentença alicerçou a legalidade da liquidação das taxas impugnadas na doutrina do já referido acórdão de 2 de Julho de 2017, proferido no processo com o n.º 614/16, que aplicou, mediante transposição, para a situação sub judice, com o fundamento de que quer na situação dos autos quer na situação tratada por aquele aresto se discutia a isenção de taxas de ocupação de taxas do subsolo em função de um contrato de concessão de serviço público celebrado com o município (afirma a sentença: «Tal como no caso do Acórdão supra transcrito, também aqui a Impugnante vem alegar que tendo celebrado um Contrato com o Município se encontra isenta do pagamento de taxa de ocupação do subsolo uma vez que já paga renda ao referido Município»).
No entanto, como salientaram a Recorrente e o Procurador-Geral-Adjunto neste Supremo Tribunal, naquele acórdão discutiu-se o direito à isenção de taxa municipal de ocupação do subsolo à luz da legislação aplicável às concessões de serviços públicos de distribuição de gás, motivo por que aí não foi apreciado, nem faria sentido que o fosse, o âmbito da aplicação e o alcance do art. 3.º, n.º 4, do Decreto-Lei n.º 230/2008, de 27 de Novembro, que regula a renda devida aos municípios pela exploração da concessão de distribuição de electricidade em baixa tensão.
Ou seja, a Impugnante não invocou que estivesse isenta das taxas de ocupação do espaço público municipal relativas a abertura de valas e colocação de cabos de distribuição de energia eléctrica de média tensão em razão de um qualquer contrato celebrado com o Município, mas antes que a liquidação dessas taxas violava o disposto no regime jurídico aplicável à actividade de distribuição de energia, designadamente o disposto no n.º 4 do art. 3.º do Decreto-Lei n.º 230/2008, de 27 de Novembro. Ora, como salientam a Recorrente e o Procurador-Geral-Adjunto, a sentença não apreciou a questão tal como conformada na petição inicial, pois não apreciou a legalidade da liquidação à luz do disposto no n.º 4 do art. 3.º do Decreto-Lei n.º 230/2008, de 27 de Novembro.
Vejamos:
O Decreto-Lei n.º 344-B/82, de 1 de Setembro, «estabelece os princípios gerais da distribuição de energia eléctrica em baixa tensão, bem como as condições a que devem obedecer os contratos de concessão a favor da EDP, quando a exploração seja feita nesse regime» (cfr. o preâmbulo do diploma).
Nos termos do art. 6.º, n.º 2, desse diploma legal, na redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 17/92, de 5 de Fevereiro, «[o]s municípios que tenham celebrado, ou venham a celebrar, com a EDP contrato de concessão de distribuição de energia eléctrica em baixa tensão terão direito a receber desta uma renda, a fixar por portaria conjunta dos Ministros das Finanças, do Planeamento e da Administração do Território e da Indústria e Energia», rendas essas definidas por portaria, designadamente pela Portaria n.º 437/2001, de 28 de Abril.
Mas, não se circunscrevendo a actividade da EDP à distribuição de electricidade em baixa tensão, a sua actividade como concessionária da distribuição de electricidade vem regulada noutros diplomas legais, designadamente no Decreto-Lei n.º 172/2006, de 23 de Agosto ( ELI: https://data.dre.pt/eli/dec-lei/172/2006/08/23/p/dre/pt/html.), que desenvolve os princípios gerais relativos à organização e ao funcionamento do sistema eléctrico nacional (SEN), aprovados pelo Decreto-Lei n.º 29/2006, de 15 de Fevereiro ( ELI: https://data.dre.pt/eli/dec-lei/29/2006/02/15/p/dre/pt/html.), regulamentando o regime jurídico aplicável ao exercício das actividades de produção, transporte, distribuição e comercialização de electricidade e à organização dos mercados de electricidade.
Dispõe o n.º 1 da Base XXV do Capítulo IV do Anexo III ao Decreto-Lei n.º 172/2006 (a que se refere o n.º 6 do art. 38.º), quanto aos direitos da concessionária à utilização do domínio público: «No estabelecimento de instalações da rede de distribuição ou de outras infra-estruturas integrantes da concessão, a concessionária tem o direito de utilizar os bens do Estado e das autarquias locais, incluindo os do domínio público, nos termos da lei».
Por essa utilização dos bens do domínio público ou privado municipal, as autarquias têm direito a uma contrapartida, tal como previsto no art. 44.º do Decreto-Lei n.º 172/2006, de 23 de Agosto, contrapartida que se traduz no pagamento da renda prevista no Decreto-Lei n.º 230/2008, de 27 de Novembro.
Na verdade, dispõe o n.º 4 do art. 3.º desse diploma legal:
«A obrigação de pagamento da renda anual pelas concessionárias da actividade de distribuição de energia eléctrica em baixa tensão fica sujeita à atribuição efectiva da utilização dos bens do domínio público municipal, nomeadamente do uso do subsolo e das vias públicas para estabelecimento e conservação de redes aéreas e subterrâneas de distribuição de electricidade em alta, média e baixa tensão afectas ao Sistema Eléctrico Nacional (SEN), com total isenção do pagamento de taxas pela utilização desses bens» (sublinhados nossos).
Assim, como ficou dito no recente acórdão deste Supremo Tribunal de 28 de Outubro de 2020, proferido no processo com o n.º 902/13.4BEALM ( Disponível em
http://www.gde.mj.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/a0e00d2939af710d80258617004308b1.), apesar de a questão aí discutida ser outra ( Nesse aresto estava em causa a legalidade de uma taxa por ocupação do denominado espaço aéreo municipal cobrada por um município à empresa transportadora de energia eléctrica.):
«Neste caso, como afirmam alguns autores, a posição jurídica de autoridade legitimada em que se encontra a concessionária da rede eléctrica e a situação de sujeição ao pagamento de indemnização ou compensação pela afectação do espaço dominial, faz desaparecer qualquer contraprestação possível da estrutura de uma eventual taxa a esse título, impossibilitando uma tributação, cfr. Paulo Dias Neves, em https://www.e-publica.pt/volumes/v2n1a11.html.
Ou seja, as redes de energia eléctrica de distribuição em MT e BT estão isentas de taxas de ocupação do subsolo por força do disposto no n.º 4 do artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 230/2008, de 27 de Novembro».
Igualmente, na Portaria n.º 437/2001, de 28 de Abril ( ELI: https://data.dre.pt/eli/port/437/2001/04/28/p/dre/pt/html.), que regulamenta o Decreto-Lei n.º 344-B/82, de 1 de Setembro, se prevê expressamente no art. 11.º que «[a] obrigação do pagamento de renda pelo concessionário tem como condição necessária o direito deste à total isenção do pagamento de taxas pela utilização dos bens do domínio público municipal, nomeadamente pela ocupação das vias públicas com as redes de transporte e distribuição de energia eléctrica».
Em conclusão, do n.º 3 do art. 4.º do Decreto-Lei n.º 230/2008, de 27 de Novembro, decorre que o pagamento da renda efectuado ao abrigo de Contrato de Concessão de Distribuição de Energia Eléctrica em Baixa Tensão desonera as respectivas concessionárias do pagamento de quaisquer taxas pela ocupação do espaço público municipal com as infra-estruturas de distribuição de energia eléctrica em baixa, média ou alta tensão.
Por outro lado, contrariando a argumentação do Recorrido, de que «[o] contrato de concessão em Baixa Tensão, celebrado entre o Município de Palmela e a EDP, excluiu expressamente as infra-estruturas de Média Tensão e Alta Tensão», nada permite concluir que esse contrato restrinja a referida isenção à distribuição de energia eléctrica em baixa tensão – admitindo, apenas para efeitos de exposição, que o pudesse fazer –, uma vez que o art. 4.º desse contrato limita-se a atribuir à EDP “o direito de utilizar as vias públicas, bem como os respectivos subsolos, para o estabelecimento e conservação de obras e canalizações aéreas ou subterrâneas de baixa, média ou alta tensão, com o fim de prover ao fornecimento de energia eléctrica”.
Note-se ainda que o facto de nos arts 6.º e 7.º do contrato de concessão celebrado entre a Recorrente e o Município se distinguir entre as “instalações abrangidas” e as “não abrangidas pela concessão” e se excluir da concessão as redes de média e alta tensão, tem como único propósito delimitar as instalações que, no final do contrato de concessão, irão reverter para o município, nos termos do art. 13.º do contrato de concessão e do art. 7.º do Decreto-Lei n.º 344-B/82, de 1 de Setembro, dele não podendo retirar-se argumento algum em favor da tese do Recorrido, ao contrário do que este sustenta.
Concluímos, pois, que o legislador determinou de forma inequívoca, através do art. 3.º, n.º 4, do Decreto-Lei n.º 230/2008, de 27 de Novembro, que a utilização dos bens do domínio público municipal por parte das concessionárias da actividade de distribuição de energia eléctrica, com infra-estruturas e outro equipamento de alta, média e baixa tensão, é comutada pela renda anual paga nos termos do Contrato de Concessão de Distribuição de Energia Eléctrica em Baixa Tensão, «com total isenção do pagamento de taxas pela utilização desses bens».
Nem se diga que a interpretação que ora subscrevemos viola a autonomia financeira e o poder tributário dos municípios, em violação dos princípios consagrados nos arts. 238.º e 241.º da CRP.
A este propósito, limitar-nos-emos a remeter para a jurisprudência do Tribunal Constitucional ( Vide os seguintes acórdãos do Tribunal Constitucional:
- n.º 288/2004, de 27 de Abril de 2004, proferido no processo com o n.º 803/03, disponível em
http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20040288.html.
- n.º 285/2006, de 3 de Maio de 2006, proferido no processo com o n.º 1020/04, disponível em
http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20060285.html.
) que, no seu acórdão n.º 288/2004 – em que apreciou a norma que atribuía à concessionária de serviço público de telecomunicações o direito de ocupação e utilização de vias de comunicação do domínio público, com isenção total de taxas e quaisquer outros encargos, sempre que tal se mostre necessário à implantação das infra-estruturas de telecomunicações ou para a passagem de diferentes partes da instalação ou equipamentos necessários à exploração do objecto da concessão –, concluiu que as isenções de taxas que venham a ser concedidas em benefício de um serviço público essencial não constituem uma violação do princípio da autonomia do poder local, em especial do princípio da autonomia financeira local.
Como refere o Tribunal Constitucional, da autonomia financeira e da disposição de património próprio das autarquias locais não pode resultar «uma garantia de todas e quaisquer posições patrimoniais contra a fixação, pelo Estado e na prossecução das suas incumbências próprias, do regime de utilização de bens como as vias públicas, tal como não pode resultar dessas garantias uma reserva de competência para todo o regime das taxas municipais. Ponto é que o conteúdo ou núcleo essencial da autonomia local não seja afectado»; o conteúdo ou núcleo da autonomia local são preservados face a isenção que apenas «afecta as autarquias na obtenção de receitas a partir de uma determinada utilização de certos objectos patrimoniais específicos: pela passagem de instalações […] pela via pública, mas “permanece em geral intocada a possibilidade de fruição económica do património da autarquia quanto a tudo o resto”, sem se afectar a “constituição financeira das autarquias”»; a isenção governamental que procura atender a interesses públicos constitucionais ultrapassa o âmbito das autarquias locais e, nesta medida, a dimensão da sua autonomia.
Assim, e porque a criação de condições para a existência de um serviço público de distribuição de electricidade constitui um modo de prosseguir objectivos com relevância constitucional, faz todo o sentido que o legislador pretenda isentar de determinados ónus as entidades que desempenham, ainda que em regime de concessão, uma actividade de primordial importância para a colectividade nacional e que teria, na sua falta, de ser assumida pelo próprio Estado.
Por tudo o que ficou dito, concluímos que os actos de liquidação das taxas municipais ora impugnados padecem do vício de violação de lei que lhe é assacado, motivo pelo qual a sentença recorrida, que assim não entendeu, incorreu em erro de julgamento e, nessa medida, merece a censura que lhe é feita pela Recorrente.
Consequentemente, o recurso será provido e, em consequência, será anulada a liquidação das taxas em causa.


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2.2.3 DA INDEMNIZAÇÃO POR PRESTAÇÃO DE GARANTIA

A Recorrente pediu que o ora Recorrido seja condenado a pagar-lhe uma indemnização pela prestação indevida de garantia.
Verificando-se que foi prestada garantia e que houve erro na liquidação do tributo, reconhecido na presente impugnação judicial, o pedido procederá, atento o disposto no art. 53.º, n.º 1, da Lei Geral Tributária (LGT), e do art. 100.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), relegando-se a fixação do montante indemnizatório para execução de sentença, cfr. art. 609.º, n.º 2, do Código de Processo Civil (CPC) e art. 95.º, do Código de Processo dos Tribunais Administrativos ( Sobre a possibilidade de condenar ao pagamento de indemnização por prestação indevida de garantia formulado em impugnação judicial e de relegar para execução de sentença a fixação do montante da indemnização, vide, por mais recente, o acórdão do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo de 4 de Novembro de 2020, proferido no processo com o n.º 438/09.8BECTB, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/a667d95a9a107b308025861d005674a0.).


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2.2.4 CONCLUSÕES

Preparando a decisão, formulamos as seguintes conclusões:

I - O legislador determinou de forma inequívoca, através do art. 3.º, n.º 4, do Decreto-Lei n.º 230/2008, de 27 de Novembro, que a utilização dos bens do domínio público municipal por parte das concessionárias da actividade de distribuição de energia eléctrica, com infra-estruturas e outro equipamento de alta, média e baixa tensão, é comutada pela renda anual paga nos termos do Contrato de Concessão de Distribuição de Energia Eléctrica em Baixa Tensão, «com total isenção do pagamento de taxas pela utilização desses bens».

II - Demonstrado nos autos que entre a ora Recorrente e o Município foi celebrado Contrato de Concessão de Distribuição de Energia Eléctrica em Baixa Tensão, no âmbito do qual aquela paga a este uma renda anual, é de concluir que aquele fica isenta do pagamento de quaisquer taxas pela ocupação do espaço público municipal com as infra-estruturas de distribuição de energia eléctrica em baixa, média e alta tensão.

I - A referida interpretação não viola o disposto nos arts. 238.º e 241.º da CRP (que consagram a autonomia financeira e o poder tributário dos municípios).


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3. DECISÃO

Em face do exposto, os juízes desta Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo acordam, em conferência, em

a) conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e julgar procedente a impugnação judicial, assim anulando a liquidação impugnada;

b) condenar o Recorrido a indemnizar a Recorrente, nos termos do disposto no art. 53.º da LGT, relegando-se a fixação do montante indemnizatório para execução de sentença.

Custas pelo Recorrido [cf. art. 527.º, n.ºs 1 e 2, do CPC, aplicável ex vi da alínea e) do art. 2.º do CPPT].


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Lisboa, 17 de Fevereiro de 2021. - Francisco António Pedrosa de Areal Rothes (Relator) - Jorge Miguel Barroso de Aragão Seia - Paulo José Rodrigues Antunes.