Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01223/16.6BEPRT
Data do Acordão:05/23/2019
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:ANA PAULA PORTELA
Descritores:DISPENSA
REMANESCENTE DA TAXA DE JUSTIÇA
Sumário:Nos casos em que o valor da causa excede € 275.000,00, justifica-se a dispensa do remanescente da taxa de justiça devida em recurso de revista se a conduta processual das partes e as questões decididas não obstarem a essa dispensa e se o montante da taxa de justiça devida se afigurar manifestamente desproporcionado em face do concreto serviço prestado.
Nº Convencional:JSTA000P24592
Nº do Documento:SA12019052301223/16
Data de Entrada:12/20/2018
Recorrente:AGRUPAMENTO A... SA E B... SA
Recorrido 1:C... SA E OUTROS
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: 1. MUNICÍPIO DE MATOSINHOS, recorrido nos presentes autos vem requerer a reforma quanto a custas do acórdão que negou provimento ao recurso interposto pelas Recorrentes A…………., SA e B…………, SA, e as condenou nas custas, no sentido de ser proferida decisão a dispensar o seu pagamento do remanescente da taxa de justiça.
Para tanto invoca que:

“1. O Acórdão ainda não transitou em julgado mas já não admite qualquer recurso ordinário, pelo que, transitado, porá fim à causa.

2. É verdade que o Recorrido, por não ter sido vencido, não foi condenado nas custas do recurso, antes o tendo sido as Recorrentes.

3. Porém, o Acórdão não ponderou sobre a dispensa pelo Recorrido (e demais partes) do pagamento do remanescente da taxa de justiça, a que alude o art° 7°, n° 6, do RCP, o que, embora não tenha sido requerido, é de conhecimento oficioso, por se tratar de um poder/dever do julgador.

3. Embora o Recorrido entenda como mais defensável a interpretação de que essa ponderação sobre a dispensa ou não do pagamento do remanescente da taxa de justiça deva ser efetuada no final do processo, e em primeira instância, oficiosamente ou a requerimento das partes, antes, ou mesmo após, a elaboração da conta final, dado ser esse o momento em que melhor perceção o julgador terá da complexidade que a causa teve no seu todo e apreciar a conduta processual das partes em todas as fases processuais, incluindo nos recursos respeitantes à ação principal e aos incidentes - a verdade é que existe jurisprudência no sentido de que tal decisão deverá ser tomada em sede de reclamação ou reforma da decisão quanto a custas.

4. No primeiro sentido, decidiu a TRC, por Acórdão de 3.12.2013, in www.dgsi.pt em cujo sumário se pode ler que : "O despacho de dispensa do pagamento da taxa de justiça remanescente no quadro do previsto no artº 6º nº 7 do Regulamento das Custas Processuais pode ter lugar até ser elaborada a conta do processo, sendo que podendo ele ser proferido "oficiosamente" na sentença, o mais curial é que um despacho sobre tal venha a ocorrer quando as partes sejam confrontadas com essa questão e a coloquem para decisão judicial, na sequência da notificação para pagamento da taxa de justiça remanescente "ex vi" do disposto no art 14º nº 9, do mesmo RCP" (no mesmo sentido decidiu, vg. o Tribunal da Relação de Lisboa, por Acórdão de 22.06.2016, in www.dgsi.pt, e o Tribunal da Relação de Évora, por Acórdão de 03.11.2016, in jurisprudencia.csm.org.pt), com a particularidade de que a conta final não pode ser elaborada sem ser dada prévia oportunidade, nomeadamente através do cumprimento da notificação previstas no art° 14°, n° 9, do RCP, da parte requerer a dispensa do pagamento ao abrigo do disposto no art° 6°, n° 7, do RCP, parte final).

5. Porém, no sentido de que o pedido de dispensa do pagamento do remanescente deverá ser efetuado por via da reforma de decisão quanto a custas, pronunciou-se o Ac. do TCAN, de 13.11.2017, proferido no Proc. 1539/16.1BEPNF, em que se escreve "caso não tenha sido proferida na decisão final dispensa de pagamento do remanescente, cabe o mecanismo processual previsto no artº 616º do CPC: a parte afectada com a decisão, se não concordar com a mesma, poderá requerer a reforma da decisão ao juiz que a proferiu".

6. Esta última posição tem respaldo em alguma doutrina, da qual se salienta a opinião autorizada na matéria do Conselheiro Salvador da Costa, in As Custas Processuais: Análise e Comentário, 6ª edição, Almedina, 2017, pags. 134 e 135).

7. Acresce que, neste mesmo processo, o TCAN decidiu, embora com um voto de vencido, dar provimento ao pedido de dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça devida pelo ora Reclamante (e demais partes), também vencedor no recurso de apelação, por considerar ser a reforma do Acórdão o momento processual adequado para o efeito.

8. Assim, sem prescindir do entendimento assinalado supra em 3 - e da faculdade de requerer a pretendida dispensa em primeira instância se em relação a esta instância recursiva o presente pedido de reforma vier a ser indeferido por extemporâneo -, não pode deixar de o fazer nesta sede, por mera cautela de patrocínio.

9. Ora, resulta do disposto no art° 6°, n° 7, do RCP, que "Nas causas de valor superior a €275.000, o remanescente da taxa de justiça é considerada na conta a final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento" (sublinhado nosso).

10. Por sua vez, especificamente em relação à parte vencedora, dispõe o art° 14, n° 9, do mesmo RCP, que "Nas situações em que deva ser pago o remanescente nos termos do n° 7 do artigo 6° e o responsável pelo impulso processual não seja condenado a final, o mesmo deve ser notificado para efetuar o referido pagamento no prazo de 10 dias a contar da notificação da decisão que ponha termo ao processo".

11. Ora, se em relação à taxa de justiça devida na primeira instância a questão do remanescente não se coloca, na medida em que a referente ao impulso processual - interposição da ação e respetiva contestação com o incidente de levantamento do efeito suspensivo automático - é que a que consta da tabela II, ou seja 2 UC (204,00 euros) para a ação e 0,5 UC para o incidente, já o mesmo não se verifica em sede de recursos.

12. Com efeito, seguindo a regra geral prevista no art° 6°, n° 2, do RCP - que dispõe que a taxa de justiça nos recursos é sempre fixada nos termos da tabela I-B, ou seja é liquidada inicialmente a respeitante à importância de 275.000 euros e o remanescente entre aquele montante e o valor da ação será considerado na conta a elaborar a final -, o Município apenas pagou aquando da resposta ao recuso, como tinha de pagar, a taxa de justiça correspondente aos referidos 275.000 euros, ou seja, 816 euros.

13. Assim sendo, e de acordo com a Tabela I anexa da RCP, para além dos "E 275.000, ao valor da taxa de justiça acresce, a final, por cada e 25.000 ou fração (. . .) 1,5 que no caso da coluna B (. . .)", ou seja 153,00 euros por cada múltiplo de 25.000,00 euros ou fração.

14. Abra-se um parêntesis para referir que a aplicação aos recursos em matéria pré-contratual da disciplina geral do art° 6°, n° 2, do RCP não faz qualquer sentido à luz do princípio da unidade do sistema jurídico, na medida em que a regra geral é a de que a taxa justiça em matéria de recurso é metade da taxa de justiça em primeira instância, enquanto em matéria de contencioso pré-contratual a taxa de justiça em primeira instância é de 204 mas em matéria de recursos não tem qualquer limite, podendo ascender a milhões de euros.

15. Apesar dessa incongruência do sistema, a verdade é que, como é fácil de perceber, este remanescente da taxa de justiça por cada recurso, se aplicado na íntegra, implica que o Município terá de pagar ainda avultadíssima importância a título de remanescente de taxa de justiça por este recurso de revista, de quo qual saiu vencedor, e, embora depois tenha direito de ser reembolsado pelas partes vencidas, em sede de custas de parte, tal reembolso estará sempre dependente da solvabilidade das devedoras ou de outras circunstância que não pode controlar.

16. Ora, vertendo ao caso concreto, e atendendo a que à ação foi atribuído o valor de 28.000.282,50 euros (se considerarmos apenas o valor da ação interposta pela Autora C……….) e que, para além dos "€ 275.000, ao valor da taxa de justiça acresce, a final, por cada € 25.000 ou fração (...) 1,5 uc no caso da coluna B (...)", temos que o Município recorrido, sem dispensa do remanescente, terá de pagar ainda a importância, por este recurso de revista, de 169.678,71 euros (28.000.282,50 euros - 275.000,00 euros = 27.725,282,00 euros/25.000,00 = 1109 x 153€).

17. Ora, a exigência de tal montante de remanescente de taxa de justiça só pelo presente recurso de revista (a par deste existem recursos de apelação e de revista nos incidentes de levantamento do efeito suspensivo automático) apresenta-se manifestamente excessivo e desproporcional, atendendo quer à conduta processual das partes, quer no que se refere à própria complexidade processual, suscetível da violação do direito de acesso aos tribunais, consagrado no art° 20°, da CRP, quer, sobretudo, do princípio da proporcionalidade, decorrente dos artigos 2° e 18°, n° 2, da mesma Constituição.

18. Facilmente se compreende que, no final, o Estado arrecadaria largas centenas de milhares de euros, pois só neste recurso de revista Recorrentes, Recorrido e Contrainteressada teriam ainda de pagar a importância global de 509.036,13 euros (169.678,71 euros x 3), a acrescer aos 816,00 euros que cada parte já pagou com o impulso do recurso e das respetivas contra-alegações, o que, tudo, atingiria a exorbitante soma de 511.484,13 euros.

19. Ora, embora se admita que tenham sido várias as questões colocadas pelas Recorrentes à apreciação deste STA e que o seu julgamento tenha exigido uma ponderação cuidada das mesmas, que se reflete na superior qualidade do Acórdão proferido, sempre se há de concluir que tais questões não revelam uma especial complexidade no que respeita à exegese jurídica efetuada, sendo que, em boa medida, o Acórdão adota, com os mesmos fundamentos, o Acórdão recorrido, que, por sua vez e em grande medida, apropriou os fundamentos da sentença de primeira instância.

20. Por sua vez, quanto à conduta processual das partes, as mesmas limitaram-se a expor as suas alegações e contra-alegações de modo correto, contido e na medida do estritamente necessário à defesa dos seus pontos de vista.

21. Por isso, estamos em presença de uma situação em que se justifica plenamente a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, ao abrigo do disposto no citado art° 6°, n° 7, do RCP.

22. Tanto mais que deverá ter-se presente o Tribunal Constitucional, no recente Acórdão nº 615/2018, de 21.11.2008, proferido no Proc. 120/17, 1ª Secção, consultável em www.tribunalconstitucional.pt, julgou inconstitucional a norma que impõe a obrigatoriedade de pagamento do remanescente da taxa de justiça ao Réu que venceu totalmente o processo, obrigando-o a pedir à parte vencida o montante que pagou em sede de custas de parte, resultante do art. 14, nº 9, pois, como aí se decidiu “impor ao réu o impulso processual para reaver esse custo do autor vencido constitui sempre um ónus processual adicional e um risco acrescido que não encontram justificação nos interesses públicos prosseguidos, sendo, por isso, desproporcionado e, nessa medida, excessivo”.

2. «A…………., S.A. e B…………, S.A., recorrentes nos presentes autos, vêm também apresentar pedido de reforma quanto a custas nos seguintes termos:

“1. As Recorrentes apresentam o presente pedido de reforma do Douto Acórdão ainda antes de serem notificadas da conta de custas.

2. Adivinha-se, porém, que, pelo cálculo matemático das custas finais, o valor a pagar pelas aqui Recorrentes venha a ser muito elevado, atingindo montantes manifestamente desproporcionais face ao grau de complexidade da causa.

3. Paralelamente, é controversa na nossa jurisprudência a questão de se saber qual é o momento próprio para o pedido de reforma de custas - se é o da decisão que condena em custas ou se será, antes o momento em que as partes são notificadas da conta final, pelo que, por cautela de patrocínio, o pedido de reforma é apresentado nesta fase.

4. Como acima se assinala, adivinha-se que a importância das custas a pagar no âmbito da presente ação tendo em atenção o seu valor ascenderá, pelo seu mero cálculo aritmético, a uma quantia manifestamente excessiva, ferindo o princípio da proporcionalidade como de seguida se explicita.

5. O princípio da proporcionalidade tem consagração na CRP (artigo 2°), estando lapidarmente evidenciado no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, no âmbito do processo 1586/08.7TCLRS-L2-7, de 12 de Março de 2013: "Consequentemente, ainda que não em termos absolutos, deve existir correspetividade entre os serviços prestados e a taxa de justiça cobrada aos cidadãos que recorrem aos tribunais designadamente da taxa de justiça, de acordo com o princípio da proporcionalidade, consagrado no artigo 2°, e do direito de acesso à justiça acolhido no artigo 20°, ambos da CRP."

6. De acordo com a doutrina estabelecida pelo Tribunal Constitucional (Acórdão nº 632/2008, de 23-12-2008), o princípio da proporcionalidade desdobra-se em três subprincípios:

Princípio da adequação (as medidas restritivas de direitos, liberdades e garantias devem revelar-se como um meio para a prossecução dos fins visados, com salvaguarda de outros direitos ou bens constitucionalmente protegidos);

Princípio da exigibilidade (essas medidas restritivas têm de ser exigidas para alcançar os fins em vista, por o legislador não dispor de outros meios menos restritivos para alcançar o mesmo desiderato);

Princípio da justa medida ou proporcionalidade em sentido estrito (não poderão adoptar-se medidas excessivas, desproporcionadas para alcançar os fins pretendidos).»

7. Desde logo, a letra e o espírito subjacente ao edifício normativo do Regulamento das Custas Processuais vai no sentido de se adequar "o valor da taxa da taxa de justiça ao tipo de processo em causa e aos custos que, em concreto, cada processo acarreta para o sistema judicial, numa filosofia distributiva à qual não deve ser imune o sistema de custas processuais, enquanto modelo de financiamento dos tribunais e de repercussão dos custos da justiça nos respetivos utilizadores." (Preâmbulo do DL. 34/2008, de 26 de Fevereiro).

8. Em conformidade com o disposto no artigo 6°, nº 7 do Regulamento das Custas Processuais (doravante, RCP), "Nas causas de valor superior a €275.000,00, o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento".

9. Crêem as ora Requerentes estarem cumpridos, nos presentes autos, os pressupostos de que o artigo 6° nº7 do RCP faz depender a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça.

Na verdade,

10. Ponderando a simplicidade de tramitação do presente processo bem como ao grau de complexidade da causa e à conduta processual das Partes, estão reunidos todos os pressupostos legais para a dispensa que, a final, se requer.

11. Desde logo, impõe-se aqui relevar que a redução de custas na vertente da dispensa do pagamento do remanescente é passível de ser requerido das partes quando não determinado de modo oficioso, nada obstando a que o uso de tal faculdade seja efetuado depois da elaboração da conta.

12. Nesse sentido vai o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, proferido no processo 516/15.4BELLE, em 26/01/2017, salientando-se aqui a parte do sumário com interesse para a questão em crise:

"8. A decisão de dispensa do pagamento de remanescente de taxa de justiça prevista no Artº 6, nº 7, do R.C.P., também pode ser efectuada na sequência da apresentação a pagamento da conta final do processo e dentro do prazo de impugnação desta."

13. Certo é que o valor da taxa de justiça a apurar será manifestamente elevado e desadequado, tendo em atenção os reais custos deste processo para o sistema de justiça.

14. O processo de contencioso pré-contratual reveste uma tramitação processual simples, pelo que, desde logo por esta razão, não se pode considerar que os presentes autos apresentem especial complexidade.

15. Para além da tramitação processual simples, as questões dirimidas não são qualificáveis como de elevada especialização jurídica ou especificidade técnica, atendendo à regularidade que o contencioso pré-contratual representa no âmbito do contencioso da jurisdição administrativa.

16. Tal como se dispõe no artigo 530º do Código de Processo Civil, consideram-se de especial complexidade as ações que:

a) Contenham articulados ou alegações prolixas;

b) Digam respeito a questões de elevada especialização técnica ou importem a análise combinada de questões jurídicas de âmbito muito diverso;

c) Impliquem a audição de um elevado número de testemunha, análise de meios de prova complexos ou a realização de várias diligências de produção de prova morosas.

17. Paralelamente, os articulados apresentados pelas Partes não revestem elevada complexidade ou extensão.

18. Ainda que, por hipótese académica que não se concede, se entendesse que os articulados nestes autos apresentam uma fundamentação complexa, ainda assim se justificará a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, porquanto as decisões das instâncias versaram sobre questões sem elevada complexidade.

19. Neste sentido pronunciou-se o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 07.06.2018, no âmbito do processo Proc. 417/17.1YRLSB 8ª Secção, nele se determinando que "ainda que os articulados contenham fundamentação complexa, certo é que a decisão está sustentada na análise de uma questão que não implicou a mesma complexidade jurídica. O que justifica a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça."

20. Em concreto, nos presentes autos as três instâncias convergiram na decisão adoptada para as matérias submetidas a apreciação jurisdicional sem que, para tal, fosse necessário lançar mão de vasta ou extensa argumentação jurídica.

Paralelamente,

21. No âmbito do presente processo, não houve lugar à produção qualquer prova testemunhal ou pericial nem à apreciação de questões incidentais.

22. A proporcionalidade entre o valor da taxa de justiça a pagar e a referida contraprestação inerente aos custos do processo para o sistema de justiça terá, portanto, que ser ponderada e, consequentemente, reduzida.

23. No que concerne à conduta processual das Requerentes, é de relevar que sempre se observaram o dever de boa-fé processual, não tendo criado, sequer longinquamente, qualquer obstáculo ao regular andamento dos autos.

24. O pagamento das taxas de justiça devidas pela apresentação das alegações e contra-alegações de recursos foi feito atempadamente.

25. Valor esse, que já se encontra nos cofres do Estado há muito tempo e que se afigura proporcional aos serviços prestados pelo sistema público de justiça nos presentes autos.

26. Acresce ainda, tal como consagrado jurisprudencialmente, que a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, quando concedida, aproveita a todos os sujeitos processuais - cfr., a este respeito, o Acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo Sul, em 29/06/2016 - Processo 09420/16, Acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo em 22/03/2018 – Proc. 31/27.1BCLSB e Acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo Sul proferido em 15/12/2016.

27. Aliás, como bem se frisa no sumário do Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo proferido em 14/05/2017, "IV - A dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça a que se refere o art. 6.º, n.º 7 do Regulamento das Custas Processuais, deve operar em bloco, uma vez que a norma se refere não à atuação de cada uma das partes, mas antes à acção como um todo."

28. Estão, pois, reunidos todos os pressupostos legais para a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, como adiante se requer.”

*

O recorrido requer que este tribunal reforme o acórdão quanto a custas no sentido de o dispensar do pagamento do remanescente das taxas de justiça calculadas em função do valor da causa que excede os 275.000 euros

Por sua vez os recorrentes requerem também a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, nos termos e para os efeitos do artigo 6°, n° 7 do RCP ou, se assim não se entender, ser o montante devido, a final, a título de custas reduzido a montante proporcional ao valor da causa, à conduta processual das partes e à ausência de diligências instrutórias.

Então vejamos.

Nos termos do art. 6º nº7 do RCP, referido e transcrito pelas partes, nas causas de valor superior a 275.000 euros, o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento.

O que demonstra que o mesmo tem natureza excepcional pressupondo uma menor complexidade da causa e uma simplificação da tramitação processual aferida pela especificidade da situação processual e pela conduta das partes.

A este propósito extrai-se do acórdão deste STA Pleno Secção do CT (Contencioso Tributário) Proc. 0436/18.0BALS de 04/03/2019:

“No caso sub judice, o acórdão ocupou-se das questões de saber se o acórdão arbitral recorrido,

(i) cumulativamente, estava em contradição com o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo invocado como fundamento do recurso e a orientação nele perfilhada não estava de acordo com a jurisprudência mais recentemente consolidada do Supremo Tribunal Administrativo e, na afirmativa,

(ii) se esse acórdão arbitral fez correto julgamento quando anulou a totalidade da liquidação impugnada, não obstante reconhecer que apenas algumas das correções que determinaram a prática desse ato tributário enfermavam de ilegalidade, enquanto outras se mantinham intocadas.

As questões, não apresentando dificuldade superior à média e não tendo demandado a realização de diligências instrutórias, também não podem, na sua resolução e na tramitação da causa, ser consideradas de complexidade inferior à comum a justificar, com esse fundamento, a dispensa do pagamento da taxa de justiça.

No entanto, há que ter em conta que o valor do remanescente da taxa de justiça, tal como alega a Requerente, surge desproporcionado em face do serviço prestado. Na verdade, não podemos perder de vista que a taxa de justiça, como todas as taxas, assume natureza bilateral ou correspectiva (cfr. arts. 3.º, n.º 2, e 4.º, n.º 2, da LGT), constituindo a contrapartida devida pela utilização do serviço público da justiça por parte do sujeito passivo.

Recuperando o que deixámos já dito noutras ocasiões (Designadamente, no seguinte acórdão desta Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

- de 1 de Fevereiro de 2017, proferido no processo n.º 891/16, disponível em

http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/bc712805391451a8802580c00036138a.) e constitui jurisprudência deste Supremo Tribunal (Nesse sentido, a título exemplificativo e com citação de numerosa jurisprudência, o seguinte acórdão da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

- de 8 de Outubro de 2014, proferido no processo n.º 221/12, disponível em

http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/251bdf3381d62ed580257d730037ac0d.), não se exige uma equivalência rigorosa entre o valor da taxa e o custo do serviço, que, as mais das vezes, nem seria viável apurar com rigor. Assim, como afirmou já o Tribunal Constitucional, o legislador dispõe de uma «larga margem de liberdade de conformação em matéria de definição do montante das taxas»; mas, como logo advertiu o mesmo Tribunal, é necessário que «a causa e justificação do tributo possa ainda encontrar-se, materialmente, no serviço recebido pelo utente, pelo que uma desproporção manifesta ou flagrante com o custo do serviço e com a sua utilidade para tal utente afecta claramente uma tal relação sinalagmática que a taxa pressupõe» (Cfr. os seguintes acórdãos do Tribunal Constitucional:

- de 28 de Março de 2007, com o n.º 227/2007, disponível em

http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20070227.html;

- de 15 de Julho de 2013, com o n.º 421/2013, disponível em

http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20130421.html.).

Mais tem vindo a considerar a jurisprudência constitucional que «os critérios de cálculo da taxa de justiça, integrando normação que condiciona o exercício do direito fundamental de acesso à justiça (art. 20.º da Constituição), constituem, pois, a essa luz, zona constitucionalmente sensível, sujeita, por isso, a parâmetros de conformação material que garantam um mínimo de proporcionalidade entre o valor cobrado ao cidadão que recorre ao sistema público de administração da justiça e o custo/utilidade do serviço que efectivamente lhe foi prestado (artigos 2.º e 18.º, n.º 2, da mesma Lei Fundamental), de modo a impedir a adopção de soluções de tal modo onerosas que se convertam em obstáculos práticos ao efectivo exercício de um tal direito».

Note-se, aliás, que foi para obviar à violação desses princípios constitucionais que o art. 2.º da Lei n.º 7/2012, de 13 de Fevereiro, aditou ao art. 6.º do RCP o n.º 7, que veio permitir (poder-dever) que se atenda ao referido limite máximo de € 275.000,00 e a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça nas situações também já referidas (Para maior desenvolvimento, vide o acórdão da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo de 9 de Julho de 2014, proferido no processo n.º 1319/13, disponível em

http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/b9dbbe59c0cd923880257d16002f0290.

Como nesse aresto ficou dito, «No acórdão n.º 421/2013, de 15/7/2013, processo n.º 907/2012, in DR, 2.ª série - n.º 200, de 16/10/2013, pp. 31096 a 31098, o Tribunal Constitucional havia julgado inconstitucionais, por violação do direito de acesso aos tribunais, consagrado no art. 20.º da CRP, conjugado com o princípio da proporcionalidade, decorrente dos arts. 2.º e 18.º, n.º 2, segunda parte, da CRP, as normas contidas nos arts. 6.º e 11.º, conjugadas com a tabela I-A anexa, do Regulamento das Custas Processuais, na redacção introduzida pelo DL n.º 52/2011, de 13/4, (anteriormente, portanto, à alteração introduzida pela Lei n.º 7/2012, de 13/2) quando interpretadas no sentido de que o montante da taxa de justiça é definido em função do valor da acção sem qualquer limite máximo, não se permitindo ao tribunal que reduza o montante da taxa de justiça devida no caso concreto, tendo em conta, designadamente, a complexidade do processo e o carácter manifestamente desproporcional do montante exigido a esse título.

Neste mesmo sentido se decidira já nos acs. desta Secção do STA, de 31/10/12 e de 26/4/2012, nos procs. n.ºs 0819/12 e 0768/11, respectivamente».).”

No caso sub judice estamos perante um processo do contencioso pré-contratual com alguma complexidade que deriva não só da natureza deste processo mas também das questões invocadas embora algumas delas já tenham sido colocadas a este STA noutros processos e portanto não são novas.

Por outro lado a tramitação e o comportamento das partes foi regular sem quaisquer percalços ou diligências instrutórias, sendo o valor da causa elevado já que foi atribuído à ação o valor de 28.000.282,50 euros (considerando o valor da ação interposta pela autora C……….).

O que significa que, para além dos € 275.000, ao valor da taxa de justiça acresce, a final, por cada € 25.000 ou fração 1,5 uc no caso da coluna B, a quantia de 169.678,71 euros (28.000.282,50 euros – 275.000,00 euros = 27.725,282,00 euros/25.000,00 = 1109 x 153€).

É certo que o juízo de proporcionalidade entre a taxa cobrada e o valor do serviço prestado envolve a ponderação de diversas variáveis, nem todas objectivas.

Mas, face aos valores supra referidos, a exigência de tal montante de remanescente de taxa de justiça, só pelo presente recurso de revista, em situação processual que não exigiu uma complexidade superior que o justifique, tem caráter manifestamente desproporcional, suscetível da violação do direito de acesso aos tribunais, consagrado no art° 20°, da CRP, assim como do princípio da proporcionalidade, decorrente dos artigos 2° e 18°, n° 2, da mesma Constituição.

Em suma, ponderada a simplicidade formal da tramitação dos autos, o comportamento processual das partes, o valor da causa e a complexidade das questões apreciadas considera-se adequado dispensar o pagamento do remanescente da taxa de justiça, na parte que corresponderia ao excesso sobre o valor de € 275.000.

Face ao entendimento supra referido não se justifica o recurso ao Acórdão do Tribunal Constitucional referido em 22 das conclusões que apenas diz respeito à posição do réu vencedor e apenas vem invocado como um acréscimo à fundamentação jurídica invocada pelo Município de Matosinhos.

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Em face de todo o exposto acordam os juízes deste STA em dispensar o pagamento do remanescente da taxa de justiça na parte em que corresponde ao excesso sobre 275.000 euros para cada uma das partes.

N.

DN.

Lisboa, 23 de Maio de 2019. – Ana Paula Soares Leite Martins Portela (relatora) – Jorge Artur Madeira dos Santos – Carlos Luís Medeiros de Carvalho.