Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01197/12
Data do Acordão:11/28/2012
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:FRANCISCO ROTHES
Descritores:AVALIAÇÃO INDIRECTA DA MATÉRIA COLECTÁVEL
AUMENTO DE CAPITAL SOCIAL
IRS
Sumário:I - Evidenciado o aumento de capital de uma sociedade por entrada em dinheiro de montante que excede o triplo dos rendimentos que o sujeito passivo declarou para efeitos de IRS nesse ano, consideram-se verificados os pressupostos legais para a avaliação indirecta do seu rendimento tributável ao abrigo da alínea f) do art. 87.º da LGT, na redacção da Lei n.º 55-B/2004, de 30 de Dezembro (Orçamento do Estado para 2005).
II - Passa então a recair sobre o sujeito passivo o ónus de demonstrar que correspondem à realidade os rendimentos declarados e que é outra a fonte daquele acréscimo patrimonial, nos termos do disposto no n.º 3 do art. 89.º-A da LGT.
Nº Convencional:JSTA00067981
Nº do Documento:SA22012112801197
Data de Entrada:11/05/2012
Recorrente:DIRGER DA AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:A....
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TAF PORTO
Decisão:PROVIDO
Área Temática 1:DIR FISC - IRS
Legislação Nacional:LGT98 ART87 N1 F ART89-A N1 N3 N4 N5 ART87 D ART88 ART77 ART84 N3 N5.
L 55-B/2004 DE 2004/12/30.
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC0579/09 DE 2009/07/08.
Referência a Doutrina:PINA MOURA SÁ FERNANDES - A REFORMA FISCAL INADIÁVEL REVISTA FISCO N95/96 ANO XII PAG23-25.
XAVIER DE BASTOS - IRS INCIDENCIA REAL E DETERMINAÇÃO DOS RENDIMENTOS LIQUIDOS 2007.
Aditamento:
Texto Integral: 1. RELATÓRIO

1.1 O Director-Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira (adiante Recorrente), considerando existir uma desproporção não justificada superior a um terço entre os rendimentos declarados pelo agregado familiar de A……. (adiante Contribuinte ou Recorrida) para o ano de 2008 e o valor do aumento de capital por ela efectuado em dinheiro numa sociedade de que é a única sócia, procedeu à fixação do rendimento tributável dos Contribuinte para esse mesmo ano por métodos indirectos, nos termos da alínea f) do art. 87.º da Lei Geral Tributária (LGT), introduzida e na redacção da Lei n.º 55-B/2004, de 30 de Dezembro (Referimo-nos à 4.ª versão daquele artigo que, ulteriormente, também conheceu alterações, introduzidas, sucessivamente, pela Lei n.º 64-A/2008, de 31 de Dezembro (Orçamento do Estado para 2009) e pela Lei n.º 94/2009, de 1 de Setembro.) (Orçamento do Estado para 2005), e dos n.ºs 3 e 5 do art. 89.º-A da mesma Lei.

1.2 Os Contribuintes recorreram dessa decisão, ao abrigo do disposto nos n.ºs 7 e 8 do art. 89.º-A da LGT, conjugado com o art. 146.º-B, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), para o Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, que, julgando o recurso procedente, anulou a decisão administrativa de fixação da matéria tributável por métodos indirectos.

1.3 O Director-Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira recorreu para este Supremo Tribunal Administrativo dessa sentença, apresentando com o requerimento de interposição do recurso a respectiva motivação, que resumiu em conclusões do seguinte teor:
«
A. No ano de 2008, a contribuinte A…….. efectuou uma operação de aumento de capital no valor de € 125.000,00, tendo declarado para efeitos de tributação em IRS € 1.857,36 de rendimento líquido.

B. Nos termos do disposto no n.º 3 do artigo 89.º-A da Lei Geral Tributária, competia à contribuinte a prova de que os rendimentos por ela declarados correspondem à realidade ou que o acréscimo de património ou de consumo evidenciados provêm de fonte não sujeita a tributação em Portugal ou não sujeita a declaração.

C. Nestes termos, cabia à contribuinte provar que os meios financeiros aplicados na operação de aumento de capital são provenientes de fonte ou fontes não sujeitas a declaração e/ou tributação em Portugal ou, em alternativa, de fonte ou fontes que, estando sujeitas a declaração e/ou tributação em Portugal, foram efectivamente declaradas.

D. A ausência desta prova justifica a sujeição a tributação indirecta nos termos que constam do acto controvertido em primeira instância.

E. A decisão a quo incorreu em erro de interpretação do artigo 87.º, alínea f) e 89.º-A, n.º 5, ambos da LGT e em erro de qualificação de jurídica dos factos controvertidos.

F. Ao contrário do sustentado na decisão a quo uma operação de aumento de capital é reveladora de um acréscimo patrimonial ou de consumo evidenciados, não só na esfera da pessoa colectiva, mas também na esfera da pessoa singular, situação que em nada difere da ocorrida com a prestação de um suprimento ou com a aquisição de um carro, mota, barco, avião ou casa.

G. Com o devido respeito, errou na qualificação jurídica dos factos a decisão a quo quando sustenta que no ano da operação de aumento de capital não se regista um acréscimo patrimonial na esfera da pessoa singular, mas apenas na pessoa colectiva.

H. Ainda com o devido respeito, errou a decisão a quo ao interpretar o artigo 87.º, alínea f) e o artigo 89.º, n.º 5 da LGT, retirando destas normas que para efeitos da avaliação indirecta será necessário que a administração fiscal demonstre que o acréscimo patrimonial ou consumo tenha ocorrido no ano concreto a que se refere a tributação realizada (in casu, 2008).

I. Aceitar como correcta esta interpretação a quo será desvirtuar todo mecanismo previsto nestes artigos assim como a sua ratio legis, pois bastaria a qualquer contribuinte concretizar o acréscimo de património ou despesa no dia 1 de Janeiro, demonstrando posteriormente em sede judicial que já possuíam esses meios financeiros no dia e ano anterior, afastando dessa forma a tributação.

J. O mecanismo previsto no artigo 87.º, alínea f) e no artigo 89.º-A da LGT consiste numa avaliação indirecta de rendimentos aplicável a situações demonstrativas de uma capacidade contributiva inconsistentes com os rendimentos declarados.

K. Porém, essas situações não configuram mais do que indícios de uma capacidade contributiva a que não foi possível aceder por via directa. Logo não constituem per si, factos tributários ou o próprio objecto da tributação. Se o fossem a tributação seria directa.

L. O que é relevante neste mecanismo é identificar factos que revelam a disponibilidade de meios financeiros inconsistentes com os rendimentos declarados, e caso o contribuinte não justifique a fonte desses rendimentos, ocorre a tributação indirecta dessa capacidade contributiva, mesmo sem identificação do facto ou factos concretos geradores do rendimento.

M. É a impossibilidade de acesso directo aos factos geradores da capacidade contributiva evidenciada que leva a lei a tributar indirectamente, in casu, a impossibilidade de aceder directamente à fonte da capacidade financeira evidenciada pela contribuinte ao realizar uma operação de aumento de capital, em 2008, no valor de € 125.000,00.

N. Dos artigos 87.º, alínea f) e 89.º, n.º 5 da LGT decorre que o acréscimo patrimonial ou consumo devem ser tributados no ano em que são “evidenciados”: ou seja, no ano em que ocorre o facto que vai despoletar a aplicação do mecanismo de avaliação indirecta, e de onde resulta a evidência de capacidade financeira.

O. Ou seja, será com referência a esse mesmo ano em que é evidenciada a capacidade financeira através do acréscimo de património ou consumo, que é necessário aferir da existência de divergência entre a capacidade financeira e os rendimentos declarados.

P. Uma vez constatada a existência dessa divergência compete ao contribuinte provar de que correspondem à realidade os rendimentos declarados ou de que é outra a fonte da capacidade financeira evidenciada.

Q. Para evitar a tributação compete aos contribuintes justificar a divergência entre a capacidade financeira evidenciada e os rendimentos declarados, o que poderá fazer através da demonstração de que estes correspondem à realidade ou que o acréscimo de património ou de consumo evidenciados provem de fonte não sujeita a tributação em Portugal ou não sujeita a declaração.

R. Não sendo para tal relevante a mera demonstração de que a capacidade financeira teve origem noutro período de tributação que não aquele em que ocorreu a evidência da capacidade financeira e consequentemente em que ocorreu a tributação.

S. Assim, a tributação indirecta que seja feita com base neste mecanismo respeita ao período tributário em que ocorreu o facto que determina a sua aplicação, sendo a declaração de rendimentos desse ano aquela que é considerada para efeitos do disposto na alínea f) do artigo 87.º e no n.º 5 do artigo 89.º-A, ambos da LGT.

T. Resulta assim de forma evidente que a decisão a quo fez uma errada interpretação dos artigos 87.º, alínea f) e 89.º-A, n.º 5 da LGT, assim como uma errada qualificação dos factos jurídicos resultantes da operação de aumento de capital.

Termos em que, concedendo-se provimento ao recurso, deve a decisão do Tribunal a quo ser revogada, com todas as legais consequências, […]».

1.4 O recurso foi admitido a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.

1.5 Os Contribuintes contra alegaram, pugnando pela manutenção da sentença recorrida. Resumiram a sua posição em conclusões do seguinte teor:
«
I - A Ré não se conformando com a decisão da douta sentença proferida pelo Tribunal a quo, apresentou recurso da mesma, alegando que o Tribunal a quo fez uma errada interpretação dos artigos 87.º, al. f) e 89.º-A n.º 5 da LGT, bem como fez uma errada qualificação dos factos jurídicos resultantes da operação de aumento de capital;

II - Contudo, tais alegações não têm qualquer fundamento.

III - Na verdade, o Tribunal a quo faz correctas interpretações das mencionadas normas, explicando ainda que estavam em discussão rendimentos respeitantes ao ano de 2008, pelo que será de aplicar o art. 87.º e 89.º-A da LGT, com a redacção em vigor àquela data, tendo transcrito os dois artigos.

IV - Seguidamente, o Tribunal conclui que assiste razão aos recorrentes na pretensão formulada de verem anulada a decisão de fixação dos rendimentos nos termos do art. 87.º al. f) da LGT, desde logo, porque a al. f) do art. 87.º da LGT diz expressamente que a avaliação indirecta só pode efectuar-se em caso de existência de uma divergência não justificada de, pelo menos, um terço entre os rendimentos declarados e o acréscimo de património ou consumo evidenciados pelo sujeito passivo no mesmo período de tributação.

V - Significando isto que, a divergência tem de ocorrer entre os rendimentos declarados e o acréscimo de património do mesmo sujeito passivo e no mesmo período de tributação.

VI - Ora, como bem fundamenta a sentença, a situação dos autos diz respeito ao aumento de capital de € 125.000,00 no período de 2008, realizado pela única sócia A……., na empresa B……..

VII - Contudo, apesar da empresa em causa ser uma unipessoal a mesma não se pode confundir com a sua sócia, pois são pessoas distintas, logo sujeitos passivos distintos, com patrimónios distintos e personalidades jurídicas distintas.

VIII - Pelo que, não se pode considerar que estar perante aquelas duas pessoas, uma singular a outra colectiva, é estarmos perante o mesmo sujeito passivo que é referido na al. f) do art. 87.º da LGT.

IX - Na verdade, o erro de interpretação ocorreu por parte da Administração Fiscal;

X - Na alínea f), do artigo 87.º da Lei Geral Tributária (LGT), na redacção dada pela Lei n.º 55-B/2004, de 30.12, refere que a avaliação indirecta só pode efectuar-se caso exista divergência não justificada, de, pelo menos, um terço entre os rendimentos declarados e o acréscimo de património ou o consumo evidenciado pelo sujeito passivo;

XI - Ora, o aumento de capital que o sujeito passivo A……. efectuou, na firma B……. não é considerado acréscimo de património, nem sequer acréscimo do consumo;

XII - Efectivamente, ao proceder ao aumento de capital da firma de que é única sócia e gerente, e tendo esse aumento sido realizado em dinheiro, verifica-se que o sujeito passivo teve um decréscimo do seu património, considerando-se que o sujeito passivo até ficou mais empobrecido.

XIII - Não se pode, por isso, considerar ter havido acréscimo de património ou ao consumo evidenciado pelo sujeito passivo A……..;

XIV - Acresce que, o aumento de capital nem sequer está previsto no artigo 87.º da LGT, para que se possa realizar avaliação por métodos indirectos, pelo que, sendo o artigo 87.º da LGT uma norma de incidência, não se admite interpretação extensiva, logo não pode ser extensível aos casos de aumento de capital.

XV - Por outro lado, a aplicação do artigo 89.º-A da LGT aos contribuintes está condicionada ao preenchimento de determinados pressupostos prévios, uns relativos ao valor de aquisição e outros relativos à divergência entre a capacidade aquisitiva demonstrada e os rendimentos declarados em sede de IRS.

XVI - Assim, para que algum contribuinte seja eventualmente tributado por esta avaliação indirecta, é necessário que evidencie, alguma das seguintes manifestações de fortuna
Aquisição de imóveis de valor igual ou superior a € 250.000;
Aquisição de automóveis ligeiros de passageiros de valor igual ou superior a € 50.000;
Aquisição de motociclos de valor igual ou superior a € 10.000;
Aquisição de barcos de recreio de valor igual ou superior a €25.000;
Aquisição de aeronaves de turismo;
Suprimentos e empréstimos efectuados pelo sócio à sociedade, no ano em causa, ou por qualquer elemento do seu agregado familiar, de valor igual ou superior a € 50.000,00.

XVII - O que não sucedeu na presente situação, pois não se verifica nenhum dos pressupostos supra evidenciados.

XVIII - Nem sequer se pode comparar a realização de um aumento de capital numa empresa com nenhum dos pressupostos supra identificados, muito menos com a aquisição de um imóvel, automóvel ou com a realização de um suprimento;

XIX - Pois o aumento de capital vai constituir um acréscimo para a empresa e não para o sujeito passivo A…….;

XX - Ao passo que a aquisição de qualquer um daqueles bens ou mesmo a realização de um empréstimo, resultariam numa verdadeira manifestação de fortuna, o que não aconteceu.

XXI - Pelo que o Tribunal a quo decidiu bem ao ter determinado a anulação da decisão de fixação do rendimento tributável respeitante ao ano de 2008,

Termos em que, nos melhores de Direito e com o suprimento de Vossas Excelências, deve ser indeferido o recurso apresentado pela Administração Fiscal, mantendo-se na integra a sentença proferida pelo Tribunal a quo […]».

1.6 Recebidos os autos neste Supremo Tribunal Administrativo, foi dada vista ao Ministério Público e o Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de que seja concedido provimento ao recurso, revogada a sentença recorrida e mantido na ordem jurídica o despacho da autoridade tributária. Isto, com a seguinte fundamentação:

«Nos termos do disposto no artigo 87.º/f) da LGT (redacção à data dos factos), a avaliação indirecta do rendimento tributável pode ter lugar quando exista uma divergência não justificada de, pelo menos, um terço entre os rendimentos declarados e o acréscimo de património ou o consumo evidenciado pelo sujeito passivo no mesmo período de tributação.
Nos termos do disposto no artigo 89.º-A/3 da LGT, verificada a situação atrás referida cabe ao sujeito passivo a comprovação de que correspondem à verdade os rendimentos declarados e de que é outra a fonte do acréscimo de património ou o consumo evidenciados.
De acordo com o estatuído no n.º 5 do mencionado artigo, considera-se como rendimento tributável em sede de IRS, a enquadrar na categoria G, quando não existam indícios fundados, de acordo com os critérios previstos no artigo 90.º, que permitam à AT fixar rendimento superior, a diferença entre o acréscimo de património ou o consumo evidenciados e os rendimentos declarados pelo sujeito passivo no mesmo período de tributação.
Como resulta do probatório, a recorrida, no ano de 2008 procedeu ao aumento do capital numa sociedade comercial unipessoal, da qual é a única sócia, no montante de € 125.000,00, integralmente realizado em numerário, quando é certo que, nesse mesmo ano, apenas declarou rendimentos de € 1.857, 36.
Ora, a nosso ver e ao contrário do que sustenta a sentença recorrida, o aumento de capital social da sociedade unipessoal em € 125.000,00 não corresponde a qualquer empobrecimento por parte da recorrida.
De facto, a entrada desse capital na esfera jurídica da sociedade, tem como contrapartida imediata a aquisição por banda da recorrida de uma quota de igual montante, que consubstancia, seguramente, um acréscimo do seu património.
Na verdade, a recorrida passa a ser titular desse capital social.
Portanto, a nosso ver, como, também, sustenta a entidade recorrente, houve um acréscimo de património da recorrida, no ano de 2008, no valor de € 125.000,00, evidenciado nesse mesmo ano com a injecção na sociedade desse capital.
A AT não tem de provar a origem desses rendimentos, mas, tão-somente, o facto que evidencia esse claro acréscimo de património.
Ora, a AT provou que, em 2008, a recorrida, apenas, declarou € 1.857,36, e que, nesse mesmo ano, adquiriu a titularidade, mediante entrega de numerário, de mais € 125.000,00 no capital social da sociedade comercial, da qual é a única sócia.
Provou, assim, que, nesse ano de 2008, houve uma divergência de, pelo menos 1/3 entre os rendimentos declarados pela recorrida e o acréscimo de património evidenciado no mesmo período de tributação.
A partir daí incumbia à recorrida ó ónus de provar que os rendimentos declarados correspondem à realidade e que foi outra a fonte do acréscimo de património, que, manifestamente, não cumpriu.
Portanto, estão verificados os pressupostos para a determinação do rendimento tributável do ano de 2008, por métodos indirectos, atento o estatuído nos artigos 87.º/f) e 89.º-A/3/5 da LGT.
A sentença recorrida fez, pois uma errada interpretação e aplicação dos citados normativos à factualidade apurada, pelo que merece censura».

1.7 Dispensaram-se os vistos dos Juízes Conselheiros adjuntos, atento o carácter urgente do processo.

1.8 A questão a apreciar e decidir é a de saber se a sentença recorrida fez correcto julgamento quando considerou que a decisão administrativa padece do vício de violação de lei por não estarem verificados os pressupostos legais para o recurso à fixação da matéria tributável por métodos indirectos, o que passa por indagar se o aumento de capital de uma sociedade efectuado pela Contribuinte por entrada de dinheiro e de montante que excede mais de três vezes os rendimentos declarados nesse ano evidencia, ou não, «acréscimo de património» (Afigura-se-nos poder afastar liminarmente a possibilidade de subsumir o aumento de capital ao conceito de «consumo» da norma em causa.) para os efeitos previstos na alínea f) do n.º 1 do art. 87.º da LGT, na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 55-B/2004, de 30 de Dezembro.


* * *

2. FUNDAMENTAÇÃO

2.1 DE FACTO

A sentença recorrida efectuou o julgamento de facto nos seguintes termos (Permitimo-nos corrigir o manifesto lapso na numeração da factualidade dada como assente, onde se passou do n.º 3 para o n.º 5, pelo que os factos que na sentença tinham os n.ºs 5 a 11 aparecem agora sob os n.ºs 4 a 10, respectivamente.):

«FACTOS PROVADOS:

1- A recorrente foi objecto de uma acção inspectiva levada a cabo pelos Serviços de Inspecção Tributária da Direcção de Finanças do Porto que decorreu no período compreendido entre 04.05.2011 e 16.06.2011.

2- No âmbito da acção inspectiva identificada em 1) foi efectuada fixação da matéria colectável de € 123.142,64 relativamente ao exercício de 2008 com recurso a métodos indirectos nos termos do art. 89.º-A da LCT.

3- Os fundamentos para a fixação da matéria colectável acima identificada encontram-se exarados no relatório constante de fls. 61 a 66 do PA e que aqui se dão por reproduzidas, mas cujos extractos a seguir se transcrevem: “(...) Na sequência do procedimento de inspecção externo, de âmbito geral, aos exercícios de 2008 e 2009, efectuada à sociedade B…….. LDA, (…) da qual o sujeito passivo B, D. A……. é a única Sócia gerente verificou-se que esta sociedade realizou um aumento de capital em Junho de 2008, no valor de 125.000,00. Esta operação foi registada na contabilidade com base na Acta Número 09, lavrada em 19 de Junho de 2008, onde a gerência da sociedade afirma que “(...) Aberta a sessão foi proposta e aceite pela única sócia aumentar o capital social dos actuais vinte e cinco mil euros para cento e cinquenta mil euros, subscrito e realizado em dinheiro pela única sócia, para reforço da respectiva quota, já entrado na Caixa Social (…)”
(…) A contabilidade registou aquele aumento de capital social, em Junho de 2008,com entrada na conta Caixa (111) dos 125.000,00 €, tendo como documento de suporte ao registo contabilístico apenas a referido acta e respectivo registo na conservatória. MOTIVOS E EXPOSIÇÃO DOS FACTOS QUE IMPLICAM O RECURSO A MÉTODOS INDIRECTOS (...) Os rendimentos líquidos declarados em sede de IRS pelo seu agregado familiar nesse mesmo ano totalizaram apenas 1.857,36 € (resultantes do rendimento global da categoria A de 5.538,00 € e deduções específicas de 3.680,64 €), verificando-se por isso, a existência de uma divergência não justificada de, pelo menos, um terço entre os rendimentos declarados e o acréscimo patrimonial ou consumo evidenciados pelo sujeito passivo do mesmo período de tributação, o que por si reúne os pressupostos para a realização da avaliação indirecta, conforme o estipulado na alínea f) do n.º 1 do art. 87.º da Lei Geral Tributaria (LGT) (redacção dada pela Lei n.º 55-B/2004 de 30/12). Como nestes casos o ónus da prova cabe sempre ao sujeito passivo, foi a D. A…….., (...) notificada (...) para no prazo de 15 dias fazer prova por escrito de que correspondem à realidade os rendimentos declarados em sede de IRS no ano de 2008, e de que é outra a fonte de rendimento evidenciada pelo acréscimo de património ou consumo evidenciados no aumento de capital de 125.000,00 € à empresa da qual é única sócia gerente, juntando para o efeito os respectivos comprovativos que de uma forma inequívoca demonstrem a origem e mobilização dos recursos financeiros utilizados para esse efeito. (…) Em resposta à notificação, o sujeito passivo apresentou Relatório escrito, (... ) em que o sujeito passivo alega o seguinte:
“1- Efectivamente no ano de 2008, foi realizado na firma B………. (...) da qual sou única sócia e gerente, um aumento de capital no montante de 125.000,00 €;” (…) O aumento de capital deveu-se à injecção de capital que deu entrada na caixa e foi sendo depositado parcelarmente nas contas da firma para fazer face a despesas correntes, investimento realizado na melhoria de condições de trabalho e aquisição de mobiliário; (...) O referido aumento deveu-se também a entradas de capital para fazer face a pagamentos de salários dos funcionários da firma, bem como a pagamento de algumas rendas do estabelecimento comercial da firma, (…) Ora, a proveniência dessas injecções de capital foi algum capital próprio, no montante de 61.500,00 €, detido por mim, resultados de alguma poupança realizada, ao longo de todos os anos de trabalho, bem como ofertas tidas no ano do meu casamento, que foi sendo investido de forma parcelar na sociedade; (...) outra parte, no valor de 63.750,00 €, foi proveniente de empréstimos familiares, nomeadamente de pais, irmão, sogra e cunhadas, que passo a discriminar: (...) Estas mencionadas quantias foram todas emprestadas em numerário e não foram entregues de uma só vez, foram sendo disponibilizadas parcelarmente, até chegar àqueles montantes, (...) Nenhuma das quantias passou por qualquer conta bancária da aqui declarante, (...) Para além deste relatório, (...) o sujeito passivo não juntou qualquer comprovativo que pudesse confirmar as alegações acima referidas, pelo o que consideramos como não justificados os incrementos patrimoniais evidenciados no aumento de capital de 125.00,00 € à empresa da qual é única sócia gerente. Da mesma forma, o sujeito passivo não consegue provar de forma inequívoca que correspondem à realidade os rendimentos declarados em sede de IRS no ano de 2008, e de que é outra a fonte de rendimentos evidenciada pelo acréscimo de património ou consumo evidenciados nesse aumento de capital. (...) Face ao exposto no item anterior, esta Inspecção Tributária irá proceder à determinação do rendimento tributável em sede IRS, do exercício de 2008, do sujeito passivo, através da avaliação indirecta prevista no n.º 5 do artigo 89.º-A da LGT, tal como prevê o n.º 3 do artigo 9.º do CIRS e que no caso concreto da verificação dos pressupostos enunciados na alínea f) do n.º 1 do artigo 87.º da LGT, considera como Rendimento Tributável a enquadrar na categoria G do IRS. (...)”

4- Dão-se aqui por reproduzidas as declarações constantes do PA de fls.32 a 36.

5- Dão-se aqui por reproduzidos os extractos de conta bancária e constantes destes autos de fls. 37 a 55 do PA.

6- A recorrente A…….. é a única sócia gerente da B…….. (facto admitido por acordo).

7- A B…….. no ano de 2008 realizou um aumento de capital de 125.000,00 € (facto admitido por acordo).

8- A recorrente recebeu de familiares e amigos, empréstimos ao longo dos anos de 2007 e 2008 (depoimento das testemunhas).

9- Esses empréstimos foram efectuados de forma parcelar (depoimento das testemunhas).

10- A recorrente tinha poupanças decorrentes de prendas recebidas no seu casamento. (depoimento das testemunhas)

Alicerçou-se a convicção do Tribunal na consideração da matéria dada como assente, nos factos alegados e não impugnados e nos documentos acima identificados e igualmente não impugnados e no depoimento das testemunhas.

FACTOS NÃO PROVADOS:

Não se provou, que valores em concreto os familiares e amigos emprestaram à recorrente A……., bem como quais os valores recebidos por esta a título de prendas de casamento, atendendo a que prova testemunhal desacompanhada de prova documental adequada é claramente insuficiente para esclarecer de forma objectiva que valores foram efectivamente recebidos».

*
2.2 DE DIREITO

2.2.1 A QUESTÃO A APRECIAR E DECIDIR

A Administração tributária (AT), verificando existir uma desproporção não justificada superior a um terço entre os rendimentos declarados (A AT considerou para o efeito os rendimentos líquidos, se bem que a alínea d) do n.º 5 do art. 89.º-A da LGT só tenha sido aditada pelo pela Lei n.º 94/2009, de 1 de Setembro.
É certo que a Lei nº 53-A/2006, de 29 de Dezembro, veio estabelecer, através da nova redacção dada ao n.º 1 do art. 89.º-A da LGT, que os rendimentos a comparar com os valores decorrentes da tabela prevista no n.º 4 do art. 89.º-A, são os rendimentos líquidos, mas a situação em causa é a da alínea f) do art. 87.º da LGT e não alguma das previstas naquela tabela.
Seja como for, a questão não vem suscitada no presente recurso.) pelo agregado familiar da Contribuinte para efeitos de IRS do ano de 2008 – do montante de € 1.857,36 – e verificando também que esta, nesse mesmo ano, procedeu a um aumento de € 125.000,00 do capital da sociedade unipessoal de que é a única sócia, realizado em dinheiro, considerou verificada a hipótese legal da alínea f) do art. 87.º da LGT (à qual se referirão todos os artigos adiante mencionados sem expressa menção do diploma de origem), na redacção aplicável à data. Assim, e porque considerou que a mesma Contribuinte não logrou demonstrar que os rendimentos declarados correspondem à realidade e que foi outra a fonte que lhe permitiu aquele acréscimo patrimonial, fixou a matéria tributável por métodos indirectos em € 123.142,64, tudo nos termos dos n.ºs 3 e 5 do art. 89.º-A.
Na verdade, a alínea f) do n.º 1 do art. 87.º, introduzida pela Lei n.º 55-B/2004, de 30 de Dezembro, e na sua redacção original, em vigor à data dos factos, legitimava o recurso à avaliação indirecta em caso de «[e]xistência de uma divergência não justificada de, pelo menos, um terço entre os rendimentos declarados e o acréscimo de património ou o consumo evidenciados pelo sujeito passivo no mesmo período de tributação»; uma vez verificados os pressupostos de avaliação indirecta previstos, designadamente, naquela norma, dispunha o n.º 3 do art. 89.º-A que «cabe ao sujeito passivo a prova de que correspondem à realidade os rendimentos declarados e de que é outra a fonte (…) [d]o acréscimo patrimonial» evidenciado; por seu turno, o n.º 5 do mesmo artigo dispunha que «[n]o caso da alínea f) do artigo 87.º, considera-se como rendimento tributável em sede de IRS, a enquadrar a categoria G, quando não existam indícios fundados, de acordo com os critérios previstos no artigo 90.º, que permitam à administração tributária fixar rendimento superior, a diferença entre o acréscimo de património ou o consumo evidenciados e os rendimentos declarados pelo sujeito passivo no mesmo período de tributação».
A Contribuinte insurgiu-se contra a fixação da matéria tributável por métodos indirectos, sustentando, para além do mais, que o aumento de capital na referida sociedade não pode ser tido como um acréscimo do seu património, nem sequer como acto de consumo, mas antes como um «decréscimo de património», uma vez que teve que abrir mão de € 125.00,00 para proceder àquele aumento de capital.
A Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, acolhendo a tese da Contribuinte, julgou procedente o recurso judicial por este deduzido contra a decisão do Director-Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira. Considerou, em síntese, que o acréscimo de património verificado respeita, não à Contribuinte, mas à sociedade, sendo que esta, apesar de unipessoal, não se confunde com aquela «pois são sujeitos passivos distintos, com identificações fiscais distintas, com patrimónios distintos e personalidades jurídicas distintas». Mais considerou que, sendo certo que ao decréscimo patrimonial sofrido pela Contribuinte em ordem ao aumento do capital da sociedade, terá correspondido um prévio acréscimo, a propósito deste último nada ficou demonstrado, pelo que, atendendo a que compete à AT demonstrar os pressupostos para a tributação, deve concluir-se pela ilegalidade do acto administrativo recorrido.
Inconformado com essa sentença, o Director-Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira dela recorre para este Supremo Tribunal Administrativo. Argumenta, em síntese, que a operação de aumento de capital é reveladora de um acréscimo patrimonial ou de consumo na esfera da pessoa que a efectuou.
Assim, a questão que ora cumpre apreciar e decidir é apenas a de saber se um aumento de capital de uma sociedade operado por entrada em dinheiro pode considerar-se como um acréscimo patrimonial do sócio que a efectuou para efeitos do disposto na alínea f) do art. 87.º, na redacção da Lei n.º 55-B/2004, de 30 de Dezembro (Orçamento do Estado para 2005).

2.2.2 DETERMINAÇÃO DA MATÉRIA TRIBUTÁVEL NOS TERMOS DO ART. 89.º-A E DO ART. 87.º-A, ALÍNEA F), NA REDACÇÃO DO OE PARA 2005

De acordo com o disposto no art. 89.º-A, n.º 1, disposição legal introduzida na LGT pela Lei n.º 30-G/2000, de 29 de Dezembro (Lei que, no capítulo relativo às medidas de combate à evasão e fraude fiscais, veio introduzir uma importante alteração nas regras relativas ao ónus da prova e à possibilidade de recurso a métodos indirectos na determinação da matéria tributável. Com interesse sobre esta tema, A Reforma Fiscal Inadiável, de JOAQUIM PINA MOURA e RICARDO SÁ FERNANDES, com excerto publicado na revista Fisco, nºs 95/96, Abril de 2001, ano XII, págs. 23 a 25.) (Dispõe esta norma, na redacção da Lei n.º 53-A/2006, de 29 de Dezembro:
«Há lugar a avaliação indirecta da matéria colectável quando falte a declaração de rendimentos e o contribuinte evidencie as manifestações de fortuna constantes da tabela prevista no n.º 4 ou quando o rendimento líquido declarado mostre uma desproporção superior a 50%, para menos, em relação ao rendimento padrão resultante da referida tabela». Na redacção inicial, em vez de quando o rendimento líquido declarado mostre, dizia quando declare rendimentos que mostrem.) (denominada Lei de Reforma da Tributação do Rendimento), no caso de o sujeito passivo evidenciar as manifestações de fortuna constantes da tabela do n.º 4 daquele artigo e não ter apresentado declaração de rendimentos ou ter declarado rendimentos inferiores em mais de 50% ao rendimento padrão constante da mesma tabela, o n.º 3 ( O n.º 3 do art. 89.º-A da LGT, na sua redacção inicial, dispunha:
«Verificadas as situações previstas no n.º 1, cabe ao sujeito passivo a prova de que correspondem à realidade os rendimentos declarados e de que é outra a fonte das manifestações de fortuna evidenciadas, nomeadamente herança ou doação, rendimentos que não esteja obrigado a declarar, utilização do seu capital ou recurso ao crédito».), ainda do mesmo artigo, impõe-lhe o ónus de comprovar que as manifestações de fortuna evidenciadas têm outra fonte que não rendimentos sujeitos a declaração para efeitos de IRS (No caso de ter sido apresentada declaração de rendimentos, cessa a presunção de veracidade da declaração decorrente do art. 75.º, n.º 1, da LGT, como expressamente refere a alínea d) do n.º 2 do mesmo preceito legal.).
Não o fazendo, ou seja, se o contribuinte não justificar (por facilidade de exposição, vamos usar a expressão justificar com o sentido de demonstração da origem ou fonte dos valores aplicados na aquisição dos bens que constituem as manifestações de fortuna e da não obrigatoriedade da declaração desses valores como rendimentos para efeitos de tributação em IRS) os valores que permitiram evidenciar as manifestações de fortuna, a AT, nos termos dos arts. 89.º-A, n.º 1, e 87.º, alínea d), ficava autorizada a proceder à avaliação indirecta do rendimento tributável, podendo, nos termos do n.º 4 do referido art. 89.º-A, fixá-lo em montante igual ao rendimento padrão constante daquela tabela ou mesmo, se existirem «indícios fundados, de acordo com os critérios previstos no artigo 90.º» que o permitam, em montante superior, a enquadrar na categoria G do IRS (Daí que se possa afirmar, como o faz o acórdão da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo de 8 de Julho de 2009, proferido no processo n.º 579/09, publicado no Apêndice ao Diário da República de 30 de Novembro de 2009 (http://www.dre.pt/pdfgratisac/2009/32230.pdf), págs. 1175 a 1182, também disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/45e881195737743d802575f90030bb99?OpenDocument
apoiando-se em JOSÉ GUILHERME XAVIER DE BASTO, IRS: Incidência Real e Determinação dos Rendimentos Líquidos, Coimbra, 2007, que «Os índices constantes da tabela do n.º 4 do artigo 89.º-A da LGT acabam por ser como que normas de incidência objectiva de IRS deslocadas do respectivo Código, integradoras do conceito de “acréscimos patrimoniais não justificados” a que alude a alínea d) do n.º 1 do art. 9.º do Código do IRS, daí que os conceitos que utilizam sejam insusceptíveis de integração analógica pois que a incidência constitui matéria sujeita à reserva de lei fiscal (artigos 165.º, n.º 1 alínea i) e 103.º n.º 2 da Constituição da República e n.º 4 do artigo 11.º da LGT)».).
Ou seja, os arts. 87.º, alínea d), e 89.º-A, n.ºs 1 e 4, vieram criar um regime especial de avaliação indirecta, que o legislador justificou com a necessidade de combate à evasão e fraude fiscais, que assume algumas características particulares:

– desde logo, face a uma manifestação de fortuna prevista como tal na lei e na ausência de declaração de rendimentos ou face à desproporção entre o rendimento padrão que a lei lhe faz corresponder e o rendimento declarado, inicia-se o procedimento de fixação da matéria tributável, sendo que, se tiver havido declaração de rendimentos, deixa de valer a presunção de veracidade da mesma;
– depois, a menos que o contribuinte demonstre que os valores que possibilitaram a manifestação de fortuna não constituem rendimentos sujeitos a declaração para efeitos de IRS, ou seja, designadamente, que tiveram origem em capital próprio, recurso ao crédito, herança ou doação, rendimentos sujeitos a tributação autónoma ou que, por outro motivo, não esteja obrigado a declarar, etc., a AT fica, sem mais, autorizada a fixar, de forma indirecta, como rendimento tributável em sede de IRS, categoria G, um montante igual ao do rendimento padrão revelado pela manifestação de fortuna em causa.

Mais tarde, e dentro do mesmo espírito de combate à fraude e evasão fiscais, o legislador entendeu sujeitar a regime idêntico ao das manifestações de fortuna os acréscimos patrimoniais e consumos, assim suprindo as deficiências daquele regime, que deixou fora da previsão legal as situações em que os contribuintes utilizam os rendimentos não declarados, não na aquisição dos bens duradouros ou investimentos referidos na tabela do n.º 4 do art. 89.º-A, mas na aquisição doutros bens ou noutros investimentos, de que resultem acréscimos do seu património, ou em consumos. O legislador entendeu, pois, alargar as possibilidades de avaliação indirecta a outros casos em se verificasse uma desproporção injustificada entre os acréscimos patrimoniais ou os consumos evidenciados e o rendimento declarado, fazendo cessar a presunção de que este corresponde à realidade.
Assim, pela Lei n.º 55-B/2004, de 30 de Dezembro – Lei de Orçamento do Estado para 2005 – foi introduzida no art. 87.º, que prevê taxativamente os casos em que é admissível a avaliação indirecta, a alínea f), do seguinte teor: «Existência de uma divergência não justificada de, pelo menos, um terço entre os rendimentos declarados e o acréscimo de património ou o consumo evidenciados pelo sujeito passivo no mesmo período de tributação».
Ou seja, de acordo com aquela norma, e na referida redacção, nos casos em que o sujeito passivo evidencie num determinado ano um acréscimo de património ou um consumo que divirja não justificadamente dos rendimentos declarados nesse ano em, pelo menos, um terço, o n.º 3 do art. 89.º-A, na nova redacção que lhe foi dada de modo a incluir estes casos (A Lei n.º 55-B/2004, de 30 de Dezembro, deu-lhe uma nova redacção, do seguinte teor:
«Verificadas as situações previstas no n.º 1 deste artigo, bem como na alínea f) do artigo 87.º, cabe ao sujeito passivo a comprovação de que correspondem à realidade os rendimentos declarados e de que é outra a fonte das manifestações de fortuna ou o acréscimo de património ou o consumo evidenciados».), impõe-lhe o ónus de comprovar que os acréscimos patrimoniais ou os consumos evidenciados têm outra fonte que não rendimentos sujeitos a declaração para efeitos de IRS.
Se o contribuinte não justificar os valores que permitiram evidenciar os acréscimos patrimoniais ou consumos evidenciados, a AT, fica autorizada a proceder à avaliação indirecta do rendimento tributável, nos termos da referida alínea f) do art. 87.º. Nesse caso, a AT pode, nos termos do n.º 5 do referido art. 89.º-A, fixar o rendimento tributável em sede de IRS em montante igual ao da diferença entre o acréscimo de património ou o consumo evidenciados, ou mesmo em montante superior, se existirem «indícios fundados, de acordo com os critérios previstos no artigo 90º» que lho permitam, a enquadrar na categoria G do IRS.
Ou seja, os arts. 87.º, alínea f), e 89.º-A, n.º 5, vieram criar mais uma possibilidade de avaliação da matéria tributável por método indirecto, com as seguintes características:

– face a um acréscimo patrimonial ou a uma manifestação de consumo que divirja em, pelo menos, um terço do rendimento declarado no ano, cessa a presunção de veracidade da declaração e inicia-se o procedimento de fixação da matéria tributável;
– depois, a menos que o contribuinte demonstre que os valores que possibilitaram o acréscimo patrimonial ou o consumo evidenciados não constituem rendimentos sujeitos a declaração para efeitos de IRS, ou seja, designadamente, que tiveram origem em capital próprio, recurso ao crédito, herança ou doação, rendimentos sujeitos a tributação autónoma, etc., a AT fica, sem mais, autorizada a fixar, de forma indirecta, como rendimento tributável em sede de IRS, categoria G, um montante igual ao da diferença entre o rendimento declarado e o valor do acréscimo patrimonial ou do consumo evidenciados.

O legislador entendeu, pois, consagrar a possibilidade de tributação dos rendimentos revelados por outras manifestações que não as previstas na tabela do n.º 4 do art. 89.º-A, norma de tipificação rigidamente fechada, mediante a utilização, na alínea f) do art. 87.º, de uma cláusula geral ou tipificação aberta.
Assim, todos os incrementos patrimoniais que não encaixem nas tipificadas manifestações de fortuna do nº 4 do artigo 89º-A da LGT encontram espaço para serem consideradas sinais de riqueza ao abrigo da alínea f) do art. 87.º.
Verificando-se uma fattispecie subsumível à previsão da alínea f) do art. 87.º, fica legitimado o recurso à avaliação indirecta do rendimento tributável nos termos referidos, o que significa que, nessas situações, a AT, por um lado, fica dispensada de demonstrar os requisitos gerais de recurso ao método indirecto de avaliação, designadamente, a impossibilidade de determinação da matéria tributável por métodos directos (cf. art. 88.º), e, por outro lado, as exigências de fundamentação, particularmente exigentes em sede da avaliação indirecta e compreendendo quer os pressupostos para o recurso à avaliação indirecta quer o método utilizado na avaliação, satisfazem-se com a mera «descrição dos bens cuja propriedade ou fruição a lei considerar manifestações de fortuna relevantes» e, quanto à quantificação da matéria tributável, com a referência ao critério legal (cf. arts. 77.º, n.º 4, e 84.º, n.º 3).
Por outro lado, para esses casos, o n.º 7 do art. 89.º-A, ao arrepio da regra geral dos n.ºs 3 a 5 do art. 84.º, prevê a impugnabilidade contenciosa directa da avaliação da matéria colectável por método indirecto, afastando também expressamente a possibilidade de pedir a revisão administrativa da matéria tributável, que constitui a regra geral prevista no art. 91.º da LGT.

2.2.3 O AUMENTO DE UMA QUOTA SOCIAL POR ENTRADA EM DINHEIRO COMO ACRÉSCIMO PATRIMONIAL

Feitos estes considerandos em torno do regime legal da tributação dos rendimentos revelados por manifestações de fortuna em vigor à data dos factos, regressemos agora à situação sub judice, que é de aumento de uma quota social por entrada em dinheiro.
A AT considerou que o aumento da quota social da Contribuinte, de € 25.000 para € 150.000, efectuado em 2008 e por entrada em dinheiro, quando, nesse ano, o agregado familiar da Contribuinte declarou para efeitos de IRS rendimentos de € 1.857,36, integrava uma situação subsumível à previsão da alínea f) do art. 87.º; e, porque a Contribuinte não justificou lhe onde lhe advieram os meios que lhe permitiram esse acréscimo do seu património, este permitia à AT presumir um rendimento não declarado, imputável a esse ano, de € 123.142,64 [(150.000-25.000) – 1.857,36].
A Contribuinte sustentou que não teve acréscimo patrimonial algum, pois o acréscimo verificado é no património da sociedade, e que, pelo contrário, sofreu um decréscimo patrimonial, pois que teve que desembolsar € 125.000 para proceder àquele aumento de capital.
A sentença recorrida acolheu a tese de que o acréscimo de património decorrente daquele aumento da quota social se verificou, não na esfera da Contribuinte, mas na da sociedade e que, não obstante esta ser unipessoal, não se confunde com aquela «pois são sujeitos passivos distintos, com identificações fiscais distintas, com patrimónios distintos e personalidades jurídicas distintas». Mais considerou que, sendo certo que ao decréscimo patrimonial sofrido pela Contribuinte em ordem ao aumento do capital da sociedade, terá correspondido um prévio acréscimo, a propósito deste último nada ficou demonstrado, pelo que, atendendo a que compete à AT demonstrar os pressupostos para a tributação, deve concluir-se pela ilegalidade do acto administrativo recorrido.
Salvo o devido respeito, a sentença não faz a melhor interpretação da lei. A ser como sustenta, nunca se verificaria situação de facto alguma que, pelo menos no caso de aquisições onerosas dos bens que integram a tabela do n.º 4 do art.89.º-A, permitisse a presunção de rendimentos que sustenta a tributação. Na verdade, relativamente a esses bens sempre se poderia dizer que o sujeito passivo, para os adquirir onerosamente, tinha visto o seu património diminuído em montante equivalente ao respectivo valor de aquisição.
O entendimento sustentado pela Contribuinte ora Recorrida e sufragado pela sentença, sempre salvo o devido respeito, revela uma menos correcta compreensão do regime da tributação previsto pelas alíneas d) e f) do art. 87.º
O que aí se prevê, como meio de combater a evasão fiscal e perceber receita de rendimentos ocultados, é que determinados factos conhecidos, que revelam poder aquisitivo, fazem presumir um (preciso e pré-estabelecido) rendimento considerado capaz ou susceptível de o sustentar.
No caso sub judice,a Contribuinte que detinha uma quota de € 25.000 passou a deter uma quota de € 150.000, o que significa que o seu património teve um acréscimo de € 125.000. Na verdade, ao património que a Contribuinte já detinha acresceu aquele valor por força do aumento do capital social da sociedade. E esse acréscimo resultou de um acto voluntário, da entrada de dinheiro efectuada pela Contribuinte.
Pouco releva aqui que a sociedade seja unipessoal, ou seja, tenha um único sócio que detém a totalidade do capital social (Nos termos do disposto no n.º 1 do art. 270.º-A, artigo aditado ao Código das Sociedades Comerciais pelo Decreto-Lei n.º 257/96, de 31 de Dezembro «A sociedade unipessoal por quotas é constituída por um sócio único, pessoa singular ou colectiva, que é o titular da totalidade do capital social».). O que releva é que a Contribuinte, num acto voluntário, procedeu ao aumento do capital social mediante uma entrada em dinheiro, revelador da existência de rendimentos incompatíveis com os que declarou nesse ano.
Sempre salvo o devido respeito, a afirmação de que o acréscimo patrimonial se deu exclusivamente na esfera patrimonial da sociedade é um sofisma. É que o único titular do capital social da sociedade é a Contribuinte, motivo por que, sem prejuízo da diversidade de personalidades jurídicas entre uma e outra, a Contribuinte passou a deter uma quota de € 150.000, quando anteriormente o valor desta era de € 25.000. O património da Contribuinte evidencia, pois, um acréscimo igual à diferença daqueles valores.
A sentença recorrida, na medida em que entendeu de forma diferente, que não se verificava aumento do património da Contribuinte, não pode manter-se, motivo por que será revogada.

2.2.4 A PROVA DE QUE OS RENDIMENTOS DECLARADOS CORRESPONDEM À REALIDADE E DE QUE FORAM OUTROS RENDIMENTOS QUE PERMITIRAM O ACRÉSCIMO DO PATRIMÓNIO

Demonstrados que ficaram pela AT os pressupostos de aplicação da tributação por métodos indirectos ao abrigo do disposto na alínea f) do art. 87.º, na redacção da Lei n.º 55-B/2004, de 30 de Dezembro, compete agora julgar, em substituição, se ficou provado que a Contribuinte não omitiu quaisquer rendimentos na sua declaração de IRS e que o valor do acréscimo patrimonial evidenciado tem proveniência em rendimentos que não haviam de ser declarados, recaindo sobre ela Contribuinte o respectivo ónus (89.º-A, n.º 3), nos termos que deixámos já referidos.
A sentença recorrida considerou não provados os factos alegados pela Contribuinte em ordem a essa demonstração.
Ora, não tendo ficado demonstrado que o referido aumento de capital tenha sido efectuado com rendimentos não sujeitos a declaração e, consequentemente, que a Contribuinte não violou os seus deveres declarativos, a impugnação judicial também não pode ser julgada procedente com esse fundamento, como decidiremos a final.

2.2.5 CONCLUSÕES

Preparando a decisão, formulamos as seguintes conclusões:
I - Evidenciado o aumento de capital de uma sociedade por entrada em dinheiro de montante que excede o triplo dos rendimentos que o sujeito passivo declarou para efeitos de IRS nesse ano, consideram-se verificados os pressupostos legais para a avaliação indirecta do seu rendimento tributável ao abrigo da alínea f) do art. 87.º da LGT, na redacção da Lei n.º 55-B/2004, de 30 de Dezembro (Orçamento do Estado para 2005).
II - Passa então a recair sobre o sujeito passivo o ónus de demonstrar que correspondem à realidade os rendimentos declarados e que é outra a fonte daquele acréscimo patrimonial, nos termos do disposto no n.º 3 do art. 89.º-A da LGT.


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3. DECISÃO

Face ao exposto, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo acordam, em conferência, conceder provimento ao recurso jurisdicional, revogar a sentença recorrida e julgar improcedente o recurso judicial.

Custas pelos Recorridos, em 1.ª instância e neste Supremo Tribunal.


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Lisboa, 28 de Novembro de 2012. – Francisco Rothes (relator) – Fernanda Maçãs – Casimiro Gonçalves.