Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0554/15.7BEMDL 0815/18
Data do Acordão:11/06/2019
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ASCENSÃO LOPES
Descritores:AMPLIAÇÃO
DESPACHO DE REVERSÃO
INQUIRIÇÃO DE TESTEMUNHAS
Sumário:I - Não pode ser sancionado o entendimento da sentença recorrida de que, a falta de inquirição das testemunhas oferecidas em sede de audiência prévia ao despacho de reversão contagia a própria decisão de reversão enfermando esta de anulabilidade.
II - Se, quanto a outra questão suscitada os autos não fornecem os elementos factuais necessários para poder ser aplicado o direito está melhor colocado o tribunal de primeira instância para conhecer das questões que considerou prejudicadas e para eventual ampliação do probatório.
III - É pois de julgar procedente o recurso revogando a sentença recorrida e ordenar a baixa dos autos para que, após a devida aquisição factual e processual, se conheça da segunda questão que apreciou e eventualmente dos demais fundamentos da oposição, salvo se, entretanto, outro motivo, diferente dos invocados, venha a ocorrer e que o impeça.
Nº Convencional:JSTA000P25119
Nº do Documento:SA2201911060554/15
Data de Entrada:09/12/2018
Recorrente:AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:A...................
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam, em conferência, nesta Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo

1 – RELATÓRIO

A Autoridade Tributária e Aduaneira, vem recorrer para este Supremo Tribunal da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela que julgou procedente a oposição deduzida por A…………….., citado por reversão, contra a devedora originária, a sociedade “B…………………., Ldª”, melhor identificada nos autos, para cobrança de dívidas de IVA referentes a Abril de 2013, no montante de € 6.083,68.

Inconformada com o assim decidido, apresentou as respectivas alegações que resumiu nas seguintes conclusões:
«I
O presente recurso jurisdicional vem interposto da douta sentença proferida pelo TAF de MIRANDELA, que julgou a oposição à execução fiscal procedente e, em relação ao OPONENTE, extinguiu a execução fiscal
II
Para tanto, a douta sentença sob recurso considerou que o OEF, ao preterir a audição das testemunhas que, em sede de audição-prévia à reversão do processo de execução fiscal, o OPONENTE arrolou, violou o princípio da participação e que, do mesmo passo, não demonstrou ou provou a verificação dos pressupostos de que a lei fazia depender a reversão do processo de execução fiscal contra o OPONENTE, designadamente o da inexistência ou fundada insuficiência dos bens penhoráveis da ORIGINÁRIA DEVEDORA e dos responsáveis solidários, que, pese embora a sentença de declaração de insolvência, existiam e eram de valor suficiente para satisfazer os créditos exequendos, sendo que estes também não foram reclamados no processo de insolvência, facto obstativo, ab initio, da reversão do processo de execução fiscal.
III
Contudo, ainda que existissem bens penhoráveis na esfera da ORIGINÁRIA DEVEDORA, mas logo que estes se mostrassem, ao menos, insuficientes para garantir a totalidade da quantia exequenda e acrescido, nada obstava à reversão do processo de execução fiscal, principalmente após a declaração de insolvência da ORIGINÁRIA DEVEDORA, desde que, quanto ao OPONENTE, a execução fiscal ficasse, como ficou, suspensa desde a data correspondente ao termo final do prazo legal para a dedução de oposição à execução fiscal até à data em que o património societário se mostre excutido, posto a sentença de declaração de insolvência ser o indício necessário e suficiente da insuficiência do património societário e determinante, para o OEF, do dever de reverter o processo de execução fiscal (cfr. artigos 153°, n.º 2, do CPPT e 23°, n.ºs 1, 2, 3 e 7, da LGT).
IV
Sendo um facto que decorre de sentença judicial já transitada em julgado (cujos efeitos já se consolidaram ou cristalizaram na ordem jurídica, e que tem consequências legais ao nível dos processos de execução fiscal pendentes, designadamente, para o OEF, o dever de os reverter contra os responsáveis tributários subsidiários, com observâncias das garantias destes) designadamente o direito à excussão prévia do património societário), é indesmentível ou insusceptível de ser colocado em crise por quaisquer testemunhas, quais sejam as suas razões de ciência, pelo que a preterição da respectiva audição, por parte do OEF, não era merecedora de censura.
V
Ainda que assim não fosse, a consequência jurídica para a preterição de uma formalidade não é a extinção da execução fiscal, mas a anulação de todos os actos subsequentes ao acto preterido e que dele dependiam em absoluto, pois mais não é do que uma nulidade processual, excepção dilatória que obsta ao conhecimento do mérito da acção e que importa a absolvição da instância, pelo que sempre deveria a douta sentença sob recurso ter anulado o despacho de reversão e absolver o OPONENTE da instância executiva.
VI
Finalmente, inobservando o princípio do inquisitório e em colisão com a verdade material, a douta sentença sob recurso, aderindo à mera alegação do OPONENTE, de que o OEF não reclamou os créditos exequendos no processo de insolvência, extinguiu a execução fiscal, quando não podia ter havido o silêncio da FAZENDA PÚBLICA como confissão de tal facto (cfr. artigo 110.º n.º 6, do CPPT) e tinha o dever de, isso, sim, notificar a FAZENDA PÚBLICA, o OEF ou, inclusive, os Serviços do MINISTÉRIO PÚBLICO para se pronunciarem sobre o mesmo e juntarem os elementos probatórios de que dispusessem.
VII
Nos termos expostos e com base nos argumentos neles vertidos, fica patente, pensamos, que a douta sentença sob recurso incorreu em clamoroso ERRO DE JULGAMENTO, por ERRADA INTERPRETAÇÃO E APLICAÇÃO DO DIREITO, não podendo, por isso, manter-se indemne na ordem jurídica.
NESTES TERMOS E NOS MAIS DE DIREITO, QUE HÃO DE SER POR V. EX.AS, COM CERTEZA, DOUTAMENTE SUPRIDOS, DEVERÁ O PRESENTE RECURSO JURISDICIONAL, DEPOIS DE ADMITIDO, OBTER PROVIMENTO, E, EM CONSEQUÊNCIA, REVOGAR-SE A DOUTA SENTENÇA SOB RECURSO E, EM SEU LUGAR, PROFER OUTRA, QUE JULGUE A PRESENTE OPOSIÇÃO TOTALMENTE IMPROCEDENTE, POR NÃO PROVADA, COM A CONSEQUENTE MANUTENÇÃO, NA ORDEM JURÍDICA, DO DESPACHO QUE DETERMINOU A REVERSÃO DO PROCESSO DE EXECUÇÃO FISCAL N.° 2380201301031570 CONTRA O OPONENTE.
ASSIM DECIDINDO, FARÃO V. ELAS, DE FORMA SÃ, SERENA E OBJECTIVA, COMO A ISSO JÁ NOS ACOSTUMARAM, A ALMEJADA JUSTIÇA.»

Foram apresentadas contra alegações, com o seguinte quadro conclusivo:
«A - É desprovido de fundamento todo o argumentário expendido pela Recorrente, que com a interposição deste recurso mais não pretende do que protelar o desfecho da acção, adiando uma decisão que bem sabe ser inevitável;
B - Entendeu o douto Tribunal a quo que (...) previamente à reversão ordenada contra o Oponente, teria a Administração fiscal de demonstrar que os bens da sociedade eram insuficientes para assegurar a dívida exequenda, independentemente de correr contra si um processo de insolvência
C - Alega a Recorrente que a declaração de insolvência da sociedade devedora originária aponta para a insuficiência do património da devedora originária sendo nesse momento que, em face da pendência de processos de execução fiscal contra a devedora originária, se produziu no espírito da credora exequente o compreensível receio de que a massa insolvente viesse a revelar-se insuficiente para a satisfação dos seus créditos, mostrando-se assim verificado o requisito previsto no n.º 2 do art. 153.º do CPPT.
D - Não poderá a argumentação da Recorrente proceder na medida em que a insolvência da devedora originária não teve qualquer influência na decisão de reversão;
E - Isto porque, do acervo de factos dados como provados resulta claramente que no dia 26.11.2014 — data anterior à declaração de insolvência da devedora originária — foi o ora Recorrido notificado para exercer o seu direito de audição relativamente ao projecto de decisão de reversão;
F - Como está bom de ver, nessa data, a fundada insuficiência de bens da devedora originária não poderia ter na sua génese uma declaração de insolvência da devedora originária que ainda não tinha acontecido;
G - Pelo que, como bem se decidiu na sentença recorrida, previamente à reversão, teria o órgão de execução fiscal que demonstrar que os bens da devedora originária eram insuficientes para assegurar o pagamento da dívida exequenda;
H - Por outro lado, a mera declaração de insolvência da devedora originária também não seria, só por si, suficiente para demonstrar a fundada insuficiência do património da devedora originária;
I - De facto, a fundada insuficiência dos bens do devedor originário legitima a reversão antes da prévia excussão dos bens do devedor originário;
J - Trata-se, porém, de uma situação de excepção à regra geral do benefício da excussão prévia que apenas se justifica “(...) em casos de incontestável e quase absoluta insuficiência de bens do devedor originário, ou seja, em casos em que tal património seja indubitavelmente diminuto.” — Cfr. Tânia Meireles da Cunha in “Da responsabilidade dos gestores de sociedade perante os credores sociais, 2 Edição, pág. 106.”;
L - A lei utiliza a expressão fundada insuficiência, sem porém fornecer critérios seguros que orientem o órgão de execução fiscal na formulação do juízo sobre a previsível insuficiência do património do devedor originário para satisfação da dívida exequenda e acrescido;
M - Isso não significa que aquelas normas usem o conceito indeterminado “insuficiência” pura e simplesmente para atribuir ao órgão de execução qualquer liberdade na avaliação dos bens penhoráveis;
N - Que não se trata de uma directriz de discricionariedade resulta logo da alínea b) do nº 2 artigo 153º do CPPT ao considerar como mínimo de critérios avaliadores e concretizadores do juízo da fundada insuficiência “os elementos constantes do auto de penhora e outros de que o órgão de execução disponha”;
O - Com esta indicação o legislador remete para o órgão de execução fiscal a competência para fazer um juízo técnico da existência da situação de insuficiência patrimonial do devedor originário;
P - Acresce que, entendeu o douto Tribunal a quo que “(...) a reversão das dívidas vencidas antes da declaração da insolvência da sociedade, como foi o caso, não pode ter lugar porque a AT não as reclamou nesse processo, e, como tal, não poderiam ser pagas pelo produto da venda dos bens da massa insolvente ao lado das demais (…)”.
Q- No entanto, alega a Recorrente que face ao seu silêncio perante alegação de que não teria reclamado os créditos exequendos no processo de insolvência da devedora originária, não poderia ter o douto Tribunal o quo considerar procedente a Oposição, com esse fundamento;
R - Isto porque, no entender da Recorrente, “não era essa a consequência para a falta concreta de resposta da Fazenda Pública em sede de contestação, mas sim a notificação desta, do OEF e, quem sabe, dos serviços do Ministério Público, para que, em determinado prazo se pronunciassem e juntassem os elementos probatórios de que dispusessem”, violando assim os princípios do inquisitório e da verdade material;
S - Não se descortina como poderá a Recorrente concluir ter o douto Tribunal a quo dado como provado que a Fazenda Pública não reclamou os créditos exequendos no processo de insolvência da devedora originária apenas com base no silêncio da Fazenda Pública quando a este facto.”
T - Na verdade, terá o douto Tribunal a quo entendido dar como provado tal facto, em virtude de toda a prova produzida nos autos, designadamente a documental e a testemunhal e não num inexistente efeito cominatório da falta de impugnação por parte da Fazenda Pública;
U - Pelo que, não merece censura a douta sentença recorrida porquanto não existiu qualquer violação dos princípios do inquisitório e da verdade material mas sim uma normal apreciação da prova produzida nos autos;
V - Por outro lado, a entender-se que a Recorrente pretende ver apreciada, nesta sede, uma qualquer questão relativa à matéria de facto relevante para a decisão da causa, o presente recurso já não terá por fundamento exclusivamente matéria de direito devendo ser determinada a incompetência absoluta deste Tribunal, que é de conhecimento oficioso e pode ser arguida ou suscitada até ao trânsito em julgado da decisão final;
X - Ainda, entendeu o douto Tribunal a quo que “(...) não pode a Administração Fiscal considerar que a sociedade inicial executada não tem bens, designadamente bens móveis como são aqueles que o revertido enumerou no art.º 4.º do requerimento de audição prévia; ou que não teve culpa na dissipação do património da sociedade sem que previamente tenha analisado os elementos de prova apresentados, que no caso foram as testemunhas arroladas. A falta de inquirição de testemunhas contagia a própria decisão de reversão, enfermando esta de anulabilidade (...)“;
Z - No entanto, alega a Recorrente que a declaração de insolvência da devedora originária, resultante de uma sentença transitada em julgado, é um facto indesmentível qualquer que seja a razão de ciência das testemunhas e insusceptível de ser contrariada por qualquer facto de que as testemunha eventualmente pudessem ter conhecimento, pelo que o seu depoimento era insusceptível de influenciar o sentido do despacho final de reversão;
AA - Ora, paradigmático é o facto de a Recorrente, ao longo das suas alegações, não tecer qualquer consideração acerca da influência que o depoimento das testemunhas poderiam ter no juízo da culpabilidade do ora Recorrido pela falta de pagamento da dívida exequenda por parte da devedora originária;
AB - De facto, a falta de audição das testemunhas impediu o órgão de execução fiscal de aferir convenientemente se o Recorrido teve, ou não, culpa pelo não pagamento da quantia exequenda por parte da devedora originária;
AC - Pois que, o órgão de execução não sabia quais os factos que as testemunhas conheciam que poderiam, eventualmente, influenciar a decisão acerca da culpabilidade do Recorrido no não pagamento da quantia exequenda por parte da devedora originária;
AD - Assim, a observância do direito de audiência não se esgota num ritual inócuo, no qual recai sobre os argumentos e documentos apresentados pelo contribuinte sobranceira indiferença, antes exige a sua análise pela administração, por forma a tomar visível que a decisão do procedimento resulta de uma transparente ponderação dos elementos de facto e de direito submetidos à sua apreciação;
AE - Perante o circunstancialismo do caso em apreço, afigura-se que não é possível concluir-se com segurança que o Recorrido não pudesse apresentar provas sobre os factos alegados e pronunciar sobre questões relevantes, com eventuais reflexos no sentido da decisão final;
AF - Assim sendo, não obstante a Administração Fiscal ter formalmente dado início ao procedimento de audição do interessado, do ponto de vista material deparamo-nos com o incumprimento da formalidade inserta no nº 7 do art. 60º da LGT, que se revela, no caso, essencial, o que torna inaplicável o princípio do aproveitamento do acto administrativo;
AG - Como é consabido, a preterição do direito de audição, por via da aplicação do princípio do aproveitamento do acto administrativo, apenas é admissível quando a intervenção do interessado no procedimento tributário for inequivocamente insusceptível de influenciar a decisão final, o que acontece, em geral, nos casos em que se esteja perante uma situação legal evidente ou se trate de actividade administrativa vinculada;
AH - E, mesmo aqui, constitui jurisprudência deste Supremo Tribunal que pode ainda ser possível, em certos casos de actividade vinculada, admitir a influência da participação do interessado no sentido daquela;»

O Ministério Público a fls. 149 dos autos, emitiu parecer com o seguinte conteúdo que se apresenta por súmula:
(…) FUNDAMENTAÇÃO
Questão decidenda: pressupostos da legalidade do despacho de reversão em caso de declaração de insolvência da sociedade originária devedora.
1. Apreciando a questão decidenda, os recentes acórdãos STA-SCT 8 novembro 2017 processo n°420/17 e 12 julho 2018 processo n° 783/17 (com sólida fundamentação que merece a adesão do Ministério Público) emitiram pronúncia nos seguintes termos (…)

2. Aplicando o princípio do inquisitório, a administração tributária deve realizar, no procedimento tributário, todas as diligências necessárias à satisfação do interesse público e à descoberta da verdade material (art.58° LGT)
A declaração judicial de insolvência da sociedade devedora originária radicou na impossibilidade de cumprimento das obrigações vencidas, resultante de um passivo manifestamente superior ao activo, avaliados segundo as normas contabilísticas aplicáveis (art.3° n° 1 e 2 CIRE)
No caso concreto, não contraria relevantemente a presumível insuficiência do património da sociedade devedora originária, para o pagamento da totalidade das suas dívidas vencidas, resultante da declaração judicial de insolvência a mera alegação da existência de alguns bens móveis depositados em locais distintos da sede da sociedade devedora, sem indicação do respectivo valor (exercício do direito de audição prévia,art.4°; processo físico fls.28).
3. Embora admissível no procedimento tributário a prova testemunhal pode ser dispensada pelo órgão instrutor quando a inquirição das testemunhas arroladas se revelar desnecessária para o apuramento dos factos que interessem à decisão do procedimento (art.72° LGT; art.50° CPPT)
A produção de prova testemunhal é irrelevante para a apreciação da legalidade do despacho de reversão pelos seguintes motivos:
a) a fundamentação formal do despacho de reversão deve bastar-se com a mera alegação dos pressupostos e extensão temporal da responsabilidade subsidiária (art.23° n°4 LGT);
b) em caso de discordância, o revertido exercerá o direito de defesa mediante dedução de oposição onde, de acordo com as regras de repartição do ónus da prova aplicáveis às distintas situações das previsões legais:
- incumbe à administração tributária comprovar a alegação de exercício efectivo do cargo e a culpa do revertido na insuficiência do património da pessoa colectiva ou ente Fiscalmente equiparado para a satisfação da dívida tributária, quando esta se tenha constituído no período de exercício do cargo ou cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado após aquele exercício (art.24° n°1 a) LGT)
- incumbe ao revertido comprovar que não lhe é imputável a falta de pagamento pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período de exercício do cargo (art.24° n° 1 al. b) LGT)
Jurisprudência: acórdãos STA-SCT 31.10.2012 processo n° 580/12; 23.01.2013 processo n°953/12; acórdão STA Pleno SCT 16.10.2013 processo n°458/13.
Conclusão
O recurso não merece provimento
A sentença impugnada deve ser confirmada.»

2 - Fundamentação
O Tribunal “a quo” deu como provada a seguinte matéria de facto:
1. Em 5/8/2013 a AT instaurou execução fiscal contra a sociedade B………….., Lda, NIF ………………, com sede na ……………., Lote ……….., Lojas …. e …………, por dívidas de IVA referente ao período de Abril de 2013 no valor global de 7.039,21 €, com data limite de pagamento em 1/8/2013 – Fls. 3 dos autos e 3, 3/v e 4 do PA;
2. Por despacho de 26/11/2014 o Oponente foi notificado para exercer o direito de audiência prévia – Doc. 2 da PI, que aqui se reproduz;
3. Em data não alegada (e que, pelo confronto do doc. 3 da PI, ou de fls. 21 e ss, ou de fls. 52 e ss do PA não é possível averiguar) o Oponente vem exercer por escrito o direito de audiência prévia e arrola testemunhas, onde, para além do mais, alega que a “B…………..” tem bens penhoráveis que discrimina, enumera e, cuja penhora, requer; e que não teve qualquer culpa no não pagamento de quaisquer dívidas, porque, entre outras circunstâncias, a redução do património da devedora inicial decorre de circunstâncias conjunturais alheias ao Requerente/aqui Oponente; – Cfr. as referidas fls, e art.sº 1º a 5º e 87 e ss daquele requerimento;
4. Em 24/8/2015 o chefe de SF de Chaves, pronunciando-se sobre o requerimento de audiência prévia, decide prosseguir a execução contra o Oponente não ouvindo as testemunhas arroladas – Cfr. sequência de fls. 51 a 83 do PA e art.ºs 17.º a 22.º da contestação da AT;
5. O Oponente é citado através de ofício datado de 2/9/2015 para pagar 6.083,68 €, que consta de fls. 90 e 90/v que aqui se reproduz, com o seguinte destaque (cfr. também fls. 92):
“(…)





6. Em 13/11/2013 o Oponente renunciou à gerência da sociedade inicial executada– Fls. 46 do PA;
7. Por sentença proferida a 9/1/2015 a devedora inicial foi declarada insolvente – art.º 28.º da contestação, aceite no n.º XII da resposta de fls. 97 e ss.




DECIDINDO NESTE STA:

A questão suscitada pela recorrente é a de saber se a sentença recorrida, que julgou procedente a oposição do revertido, fez um correcto julgamento quando entendeu que a reversão enfermava de ilegalidade por:
A decisão de reversão não ter tido em conta o depoimento das testemunhas indicadas pelo revertido em sede de audiência prévia uma vez que não foram ouvidas, ficando desta forma aquele impedido de demonstrar que a sociedade originariamente executada ainda tinha bens (os que o revertido indicou no articulado 4º do seu requerimento de audiência prévia); ou que não teve culpa na dissipação do património da sociedade.
O que teve por consequência um juízo implícito de que a Administração Tributária não demonstrou que os bens da sociedade originariamente devedora eram insuficientes para assegurar a dívida exequenda, sendo que é afirmado ainda que a reversão das dívidas vencidas antes da declaração da insolvência desta sociedade não podia ter tido lugar porque a AT não as reclamou neste processo e como tal, não poderiam ser pagas pelo produto da venda dos bens da insolvente.
Vejamos:
Sobre a responsabilidade tributária subsidiária e o modo de a efectivar, estipula o artigo 23º da LGT:

1 - A responsabilidade subsidiária efectiva-se por reversão do processo de execução fiscal.

2 - A reversão contra o responsável subsidiário depende da fundada insuficiência dos bens penhoráveis do devedor principal e dos responsáveis solidários, sem prejuízo do benefício da excussão.

3 - Caso, no momento da reversão, não seja possível determinar a suficiência dos bens penhorados por não estar definido com precisão o montante a pagar pelo responsável subsidiário, o processo de execução fiscal fica suspenso desde o termo do prazo de oposição até à completa excussão do património do executado, sem prejuízo da possibilidade de adopção das medidas cautelares adequadas nos termos da lei.

4 - A reversão, mesmo nos casos de presunção legal de culpa, é precedida de audição do responsável subsidiário nos termos da presente lei e da declaração fundamentada dos seus pressupostos e extensão, a incluir na citação.

5 - O responsável subsidiário fica isento de custas e de juros de mora liquidados no processo de execução fiscal se, citado para cumprir a dívida constante do título executivo, efectuar o respectivo pagamento no prazo de oposição.

6 - O disposto no número anterior não prejudica a manutenção da obrigação do devedor principal ou do responsável solidário de pagarem os juros de mora e as custas, no caso de lhe virem a ser encontrados bens.

7 - O dever de reversão previsto no n.º 3 deste artigo é extensível às situações em que seja solicitada a avocação de processos referida no n.º 2 do artigo 181.º do CPPT, só se procedendo ao envio dos mesmos a tribunal após despacho do órgão da execução fiscal, sem prejuízo da adopção das medidas cautelares aplicáveis.

É jurisprudência assente neste STA de que é expressão o acórdão de 12/07/2018 tirado no recurso nº 0783/17 que:
I - O conhecimento pelo órgão da execução fiscal da declaração de insolvência da sociedade originária devedora (resultante do pedido efectuado pelo tribunal por onde corre termos o processo de insolvência de remessa do processo de execução fiscal para avocação) é fundamento bastante para que o órgão da execução fiscal considere haver “fundada insuficiência” do património da sociedade originária devedora, a justificar a reversão contra o responsável subsidiário pela dívida exequenda (cfr. art. 23.º, n.ºs 2 e 7, da LGT).
II - A execução fiscal não prosseguirá contra o revertido enquanto não findar o processo de insolvência e se apurar se, e em que medida, os bens da sociedade originária devedora são insuficientes para o pagamento da dívida exequenda, assim se assegurando o benefício da excussão prévia (cfr. art. 23.º, n.ºs 2 e 3, da LGT).

Considerando o disposto no artº 23º da LGT e a pronúncia deste aresto quanto aos efeitos da declaração de insolvência, cuja fundamentação se acolhe e para a qual se remete (o acórdão encontra-se disponível em:
(http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/27140b18b0f122ee802582cf0049fd67?OpenDocument ), temos de considerar que a reversão podia ter sido efectuada sem a inquirição das testemunhas oferecidas pelo oponente em sede de audiência prévia uma vez que a reversão é posterior à declaração de insolvência como decorre do probatório, sendo que as testemunhas foram oferecidas em sede de audiência prévia sobre a projectada emissão daquele despacho de reversão. Lembramos aqui que a reversão contra o responsável subsidiário depende da fundada insuficiência dos bens penhoráveis do devedor principal e dos responsáveis subsidiários, sem prejuízo do benefício da excussão (art. 23.°, n.º 2 da LGT). E, o acto de reversão, como decorre do n.º 7 do preceito citado, com referência ao n.º 3 do preceito, não é uma faculdade antes um dever que se impõe à AT, tendo em vista a efectiva cobrança da dívida exequenda.
Sobre o conceito de fundada insuficiência de bens pronunciou-se o acórdão deste STA de 16.05.2012, rec. n.º 0123/12, nos seguintes termos:

“(…) A "fundada insuficiência" dos bens do devedor originário legitima a reversão antes da prévia excussão dos bens do devedor originário. Trata-se, porém, de uma situação de excepção à regra geral do benefício da excussão prévia que apenas se justifica, como refere Tânia Meireles da Cunha, “em casos de incontestável e quase absoluta insuficiência de bens do devedor originário, ou seja, em casos em que tal património seja indubitavelmente diminuto” [cfr. Da responsabilidade dos gestores de sociedade perante os credores sociais, 2ª ed. pág. 106).
A lei utiliza a expressão «fundada insuficiência», sem porém fornecer critérios seguros que orientem o órgão de execução fiscal na formulação do juízo sobre a previsível insuficiência do património do devedor originário para satisfação da dívida exequenda e acrescido. Isso não significa que aquelas normas usem o conceito indeterminado «insuficiência» pura e simplesmente para atribuir ao órgão de execução qualquer liberdade na avaliação dos bens penhoráveis. Que não se trata de uma directriz de discricionariedade resulta logo da alínea b) do nº 2 artigo 153º do CPPT ao considerar como mínimo de critérios avaliadores e concretizadores do juízo da fundada insuficiência «os elementos constantes do auto de penhora e outros de que o órgão de execução disponha». Com esta indicação o legislador remete para o órgão de execução fiscal a competência para fazer um juízo técnico da existência da situação de insuficiência patrimonial do devedor originário.
Ou seja, o conceito «insuficiência» deve ser fixado objectivamente com recurso aos conhecimentos técnicos do direito fiscal, de forma a obter uma avaliação rigorosa e adequada dos bens penhorados e penhoráveis do devedor originário, não podendo o conceito ser preenchido subjectivamente através da avaliação que o funcionário que lavra o auto de penhora faça sobre valor dos bens penhorados (…).

No caso concreto, a reversão só foi efectivada depois de declarada insolvente a sociedade originariamente executada, conforme o exarado nos pontos 5) e 7) do probatório.
Ora, concordamos que, tal como se afirmou no ac. deste STA de 08/11/2017 rec. 0420/17, que a inexistência ou fundada insuficiência de bens da sociedade devedora originária, enquanto pressuposto da reversão da execução fiscal contra os responsáveis subsidiários, deve reportar-se ao momento em que a reversão ocorre e não ao momento em que o administrador ou gerente/responsável subsidiário exerceu esse cargo societário.
E do mesmo modo e por consequência se entende que o momento em que o ora recorrido foi notificado para audiência prévia (que no caso concreto sucedeu em 26/11/2014, como resulta do ponto 2 do probatório) não pode ser tido como relevante para aferição da fundada insuficiência de bens, sendo que a altura em que foi efectivamente aferida a verificação de tal requisito de reversão ocorreu já após a declaração de insolvência (declaração, datada de 09/01/2015) e daí que atendendo ao momento em que se operou a posterior reversão, (02/09/2015) era suficiente a declaração de insolvência, por manifesta insuficiência patrimonial, para que se tivesse por preenchido esse mesmo critério, uma vez que já estava suficientemente demonstrada a falta de bens da sociedade para satisfação do seu passivo.
Também concordamos com o parecer do SR. Procurador Geral Adjunto quando expressa que:
“(…) No caso concreto, não contraria relevantemente a presumível insuficiência do património da sociedade devedora originária, para o pagamento da totalidade das suas dívidas vencidas, resultante da declaração judicial de insolvência a mera alegação da existência de alguns bens móveis depositados em locais distintos da sede da sociedade devedora, sem indicação do respectivo valor (exercício do direito de audição prévia, art.4°; processo físico fls.28).
3. Embora admissível no procedimento tributário a prova testemunhal pode ser dispensada pelo órgão instrutor quando a inquirição das testemunhas arroladas se revelar desnecessária para o apuramento dos factos que interessem à decisão do procedimento (art.72° LGT; art.50° CPPT)
A produção de prova testemunhal é irrelevante para a apreciação da legalidade do despacho de reversão pelos seguintes motivos:
a) a fundamentação formal do despacho de reversão deve bastar-se com a mera alegação dos pressupostos e extensão temporal da responsabilidade subsidiária (art.23° n°4 LGT);
b) em caso de discordância, o revertido exercerá o direito de defesa mediante dedução de oposição onde, de acordo com as regras de repartição do ónus da prova aplicáveis às distintas situações das previsões legais(…)”

Aqui chegados, não podemos sancionar o entendimento da sentença recorrida de que, a falta de inquirição das testemunhas oferecidas em sede de audiência prévia ao despacho de reversão contagia a própria decisão de reversão enfermando esta de anulabilidade. Entendemos ao invés, pelo que ficou dito, que com este fundamento não podia ter sido julgada procedente a oposição como sucedeu.
Mas, sustenta-se a decisão recorrida ainda noutro argumento contestado pela recorrente na sua conclusão VI) consistente em que: “(…)a reversão, das dívidas vencidas antes da declaração da insolvência, como foi o caso, não pode ter lugar porque a AT não as reclamou nesse processo e como tal, não poderiam ser pagas pelo produto da venda dos bens da massa insolvente ao lado das demais, enquanto execução universal - Cfr. neste sentido o acórdão do STA de 30-5-2001, recurso n.º 25.691 e acórdão do TCAS de 17/04/2012, processo 05210/11(…)”.
Cumpre observar, desde logo, que esta afirmação da qual se extraíram, também, ilações jurídicas (procedência da oposição) não se mostra sustentada no probatório quanto ao facto reclamação ou não pela AT das dívidas vencidas antes da declaração de insolvência, pelo que se afirma/interpreta um direito ao qual não foi subsumido um verdadeiro facto que era essencial (que não foi levado ao probatório e que este STA não pode no mesmo introduzir atenta a sua qualidade de Tribunal de revista), acrescendo ainda salientar que a fundamentação por remissão para os dois acórdãos citados resulta de alguma forma inconsistente pois o primeiro dos acórdãos citados foi proferido no âmbito de compêndios normativos que já não podem agora ser considerados e daí a sua menor relevância para o presente caso (Código de Processo das Contribuições e Impostos (CPCI) a que sucedeu o CPT e posteriormente o CPPT actualmente em vigor e Código dos Processos Especiais de Recuperação da Empresa e de Falência (CPEREF) a que sucedeu o CIRE Código a Insolvência e da Recuperação de Empresas aprovado pelo art.º 1.º do Dec-Lei n.º 53/2004, de 18 de Março) enquanto o segundo aresto do TCA Sul se pronunciou essencialmente sobre a questão de saber se face a essa insuficiência de bens, podem as dívidas exequendas ser revertidas contra os responsáveis subsidiários pelo seu pagamento, que foi o que naquele caso concreto que apreciou ocorreu, na circunstância de se estar perante uma situação de efeitos limitados da insolvência, sem fase da reclamação de créditos – cfr. Arts 36.º e 39.º do CIRE, situação que não se sabe se encontra paralelo com a dos presentes autos uma vez que o probatório não é elucidativo neste ponto, pelo que a sua consideração para o presente caso também tem de ser, por ora, relativizada.
Assim também nesta parte à míngua, desde logo, de elementos factuais que são essenciais, a sentença não pode sustentar a procedência da oposição o que determinará a sua revogação.
Uma vez que a sentença com a resolução das duas questões que abordou considerou ser de dar procedência à oposição ficando prejudicado o conhecimento de todas as outras que as partes suscitaram e devendo a mesma sentença ser revogada pelos motivos supra expressos caberia a este Tribunal, em substituição, ao abrigo do disposto no art.º 665º n.º2 do novo CPC, conhecer dos restantes fundamentos da oposição, que pela procedência daquele ficaram prejudicados no seu conhecimento, se para tantos os autos fornecessem os necessários elementos.
Mas não fornecem e já foram salientadas supra omissões que deveriam figurar no probatório para poder ser aplicado o direito estando melhor colocado o tribunal de primeira instância para conhecer das questões que considerou prejudicadas e para eventual ampliação do probatório com aquisição para os autos dos elementos probatórios que entenda relevantes.
Nestes termos, é de julgar procedente o recurso revogando a sentença recorrida e ordenar a baixa dos autos para que, após a devida aquisição factual e processual, conheça da segunda questão que apreciou e eventualmente dos demais fundamentos da oposição, salvo se, entretanto, outro motivo, diferente dos invocados, venha a ocorrer e que o impeça.
4- DECISÃO.
Pelo exposto, acordam os Juízes deste STA, em conceder provimento ao recurso e em revogar a sentença recorrida, ordenando a baixa dos autos para ampliação do probatório e eventual conhecimento das demais questões/fundamentos que considerou prejudicadas se a tal nada mais obstar.

Custas pelo recorrido, que contra-alegou e decaiu.

Lisboa, 6 de Novembro de 2019. - Ascensão Lopes (relator) - José Gomes Correia - Joaquim Condesso.