Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0879/15
Data do Acordão:10/12/2016
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:FRANCISCO ROTHES
Descritores:DIREITO DE LIQUIDAÇÃO
CADUCIDADE
INSPECÇÃO TRIBUTÁRIA
Sumário:I - A Lei n.º 15/2001, de 5 de Junho, aditou ao art. 45.º da LGT um n.º 5, do seguinte teor: «Instaurado o procedimento de inspecção tributária, o direito de liquidar os tributos incluídos no âmbito da inspecção caduca no prazo de seis meses após o termo do prazo fixado para a sua conclusão, sem prejuízo das prorrogações previstas na lei reguladora daquele procedimento, a não ser que antes dessa ocorra a caducidade prevista no prazo geral fixado no n.º 1».
II - O procedimento de inspecção é contínuo e deve ser concluído no prazo máximo de seis meses a contar da notificação do seu início (cfr. art. 36.º do RCPIT).
III - O dies a quo do prazo de seis meses para a conclusão do procedimento de inspecção não é o da data da recepção pelo sujeito passivo ou obrigado tributário da carta-aviso a que alude o art. 49.º do RCPIT, mas sim o da data em que aquele assinar ou dever assinar a ordem de serviço ou despacho que ordenou a inspecção, de que lhe deve ser dada cópia no início da inspecção, nos termos do art. 51.º do RCPIT, mesmo na redacção daqueles preceitos legais anterior à que lhes foi dada pela Lei n.º 50/2005, de 30 de Agosto.
IV - O Supremo Tribunal Administrativo, porque não tem competência em matéria de facto em sede dos recursos interpostos das sentenças proferidas pelos tribunais tributários de 1.ª instância, não pode conhecer em substituição das questões que a sentença considerou prejudicadas (ao abrigo do art. 715.º, n.º 2, do CPC velho, aplicável ex vi do art. 729.º do mesmo Código), se a sentença não estabeleceu os factos pertinentes.
V - Nessa situação, resta-lhe revogar a sentença e ordenar que os autos regressem à 1.ª instância, a fim de aí serem conhecidos esses fundamentos da impugnação judicial, depois de ampliada a matéria de facto.
Nº Convencional:JSTA00069844
Nº do Documento:SA2201610120879
Data de Entrada:07/09/2015
Recorrente:FAZENDA PÚBLICA
Recorrido 1:A... CRL
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TAF SINTRA
Decisão:PROVIDO
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - IMPUGN JUDICIAL.
Legislação Nacional:RCPIT98 ART49 ART51 ART36 N2.
LGT96 ART45 N5.
L 15/2001 DE 2001/06/05.
Jurisprudência Nacional:AC TCAS PROC1456/06 DE 2007/02/06.; AC TCAS PROC2941/09 DE 2009/10/06.
Referência a Doutrina:MARTINS ALFARO - REGIME COMPLEMENTAR DO PROCEDIMENTO DE INSPECÇÃO TRIBUTÁRIA COMENTADO E ANOTADO 2003 PAG377.
FREITAS DA ROCHA E DAMIÃO DA CUNHA - REGIME COMPLEMENTAR DO PROCEDIMENTO DA INSPECÇÃO TRIBUTÁRIA ANOTADA E COMENTADO 2013 PAG268-269.
Aditamento:
Texto Integral: Recurso jurisdicional da sentença proferida no processo de impugnação judicial com o n.º 30/2003 do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra

1. RELATÓRIO

1.1 A Fazenda Pública recorreu para o Supremo Tribunal Administrativo da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra por que, com fundamento em caducidade do direito de liquidação, foi julgada procedente a impugnação judicial deduzida pela cooperativa denominada “A……………., CRL” contra a liquidação adicional de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC) que lhe foi efectuada relativamente ao exercício do ano de 1998.

1.2 O recurso foi admitido, para subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo e a Recorrente apresentou as alegações de recurso, que resumiu em conclusões do seguinte teor (Porque usamos o itálico nas transcrições, os excertos que estavam em itálico no original surgem aqui em tipo normal.):

«I- O presente recurso visa reagir contra a douta sentença declaratória da total procedência da impugnação deduzida contra a liquidação adicional n.º 83100035992, relativa a IRC do exercício de 1998.

II- Fundamentação da sentença recorrida (síntese)

(...) Considerando que a carta-aviso foi pela Impugnante recepcionada em 10/10/2001, o procedimento deveria ter sido iniciado, no mínimo a partir de 16/10/2001, e finalizado no prazo de 6 meses, isto é, em Abril de 2002, por força do citado no n.º 2 do art. 36.º do RCPIT.
Assim, atendendo ao disposto no n.º 5 do art. 45.º da LGT – à data em vigor – o direito a liquidar o tributo incluído no âmbito da acção inspectiva caducaria no prazo de 6 meses, após o termo fixado para a conclusão do procedimento, isto é, em Outubro de 2002.

III- A liquidação objecto da presente Impugnação resulta, fundamenta-se no Relatório elaborado pelos SIT, no âmbito da acção de inspecção desenvolvida na sequência da OS n.º 66972, de 09/10/2001.

IV- Veio a Impugnante invocar na p.i. da presente Impugnação – único vício apreciado na douta sentença da qual se recorre – que por força do disposto no n.º 4 do art. 45.º da LGT – com a redacção em vigor em 2002, ano da liquidação – o direito à liquidação havia caducado à data da notificação dessa liquidação, o que ocorreu em 08/11/2002 – al. F) do probatório.

V- Temos portanto que a questão que vem fundamentar o presente recurso reconduz-se à determinação do momento do início da acção de inspecção, para que se possam aferir os seis meses de duração da mesma e posteriormente os seis meses para a notificação da liquidação dentro do prazo de caducidade previsto no n.º 5 do art. 45.º da LGT.

VI- Conforme se defendeu em sede de contestação, a acção de inspecção que deu origem à liquidação ora impugnada, teve início apenas em 21/03/2002, pois foi essa a data de assinatura da ordem de serviço, e que segundo o disposto no art. 51.º do RCPIT, determina o início do procedimento.

VII- Se atendêssemos apenas às epígrafes dos arts. 49.º e 51.º do RCPIT, deparamo-nos com a regulação de duas realidades distintas, cujos efeitos de cada uma, quer para a AF quer para os S.F., é manifestamente distinto.

VIII- Refere-se o art. 49.º do RCPIT à “notificação prévia para o procedimento de inspecção” e não como se transcreveu na douta sentença “notificação do início do procedimento” e no próprio texto do n.º 1 refere-se a que “o início do procedimento externo deve ser notificado com uma antecedência mínima de cinco dias” que só pode ser relativamente a esse mesmo início, pelo que se poderá apenas concluir, desde logo pela letra da lei, que o envio dessa carta aviso não determina o início do procedimento de inspecção.

IX- A função garantística do princípio da colaboração também consagrado nesse art. 49.º do RCPIT, não pode ser absoluta, nem foi essa sequer a intenção do legislador pois consagrou desde logo situações de dispensa dessa notificação prévia, previstas designadamente no art. 50.º do RCPIT.

X- Mas mais, previu também que a forma que deverá revestir essa notificação prévia, seja a de carta registada, sem aviso de recepção – cfr. art. 38.º do RCPIT, e que é claramente uma forma menos garantística da certeza da recepção da mesma, quer para a AF quer para a contagem de qualquer prazo que dela dependa; gozando no entanto da forte presunção de notificação, para efeitos de continuação do procedimento, nos casos previstos no art. 43.º do RCPIT, quando a mesma não é recebida pelo S.P..

XI- Note-se ainda que no caso dos autos, a liquidação impugnada surge na sequência da realização de uma acção de inspecção externa, o que nos termos da al. b) do art. 13.º do RCPIT, significa que os actos de inspecção, os quais conduziram no caso concreto às correcções fiscais vertidas no Relatório, decorreram nas instalações do S.P..

XII- Ora nos termos do disposto no art. 46.º do RCPIT, apenas com a ordem de serviço os funcionários ficam credenciadas para aquela acção de inspecção e perante essa credenciação os S.P. não se poderão opor aos actos de inspecção – art. 47.º do RCPIT,

XIII- Acresce ainda que se após a recepção da carta aviso, o S.P. necessitar de regularizar a sua situação tributária, por exemplo entregando declarações periódicas ou pagar prestações tributárias, e o fizer antes de iniciado o procedimento inspectivo, isto é, da assinatura da ordem de serviço, beneficia do direito à redução das coimas, previsto na al. b) do art. 29.º do RGIT, observados os demais requisitos previstos no art. 30.º também do RGIT.

XIV- Se dúvidas restassem do disposto no art. 51.º do RCPIT as mesmas teriam que ficar dissipadas quer pela letra dos preceitos já invocados, quer pela interpretação sistemática que se impõe ao aplicador do direito.

XV- O art. 49.º do RCPIT refere-se apenas a uma antecedência mínima de 5 dias relativamente ao seu início, constando nos autos que essa antecedência foi muito maior uma vez que a carta aviso foi enviada ao S.P. em 09/10/2001 e a ordem de serviço apenas foi assinada em 21/03/2002. Sucede porém que no Relatório é justificado esse hiato temporal, pelo facto de só se ter iniciado a acção inspectiva – notificando o S.P. da ordem de serviço – após a autorização do Tribunal Central de Instrução Criminal para consulta do processo de inquérito n.º 1/2000.9 TELSB do DCIAP/Lisboa.

XVI- Iniciado o procedimento de inspecção em 21/03/2001, com a notificação ao S.P. da ordem de serviço n.º 66972, de 09/10/2001; notificado o Relatório final em 27/09/2002 e a liquidação impugnada em 08/11/2002, conclui-se que nos termos do disposto no n.º 5 do art. 45.º da LGT, não ocorreu a caducidade do direito a essa liquidação.

XVII- A douta sentença ora recorrida a manter-se na ordem jurídica, revela uma inadequada leitura e aplicação das normas vertidas nos arts. 49.º e 51.º do RCPIT.

Termos em que, concedendo-se provimento ao recurso, deve a decisão ser revogada, com as devidas consequências legais.

Porém V. EXAS, decidindo farão a costumada JUSTIÇA».

1.3 Não foram apresentadas contra-alegações.

1.4 Recebidos os autos neste Supremo Tribunal Administrativo, vindos do Tribunal Central Administrativo Sul (O recurso foi interposto para o Supremo Tribunal Administrativo (cfr. fls. 168), mas admitido, provavelmente por lapso, para o Tribunal Central Administrativo Sul (cfr. fls. 170), ao qual foi remetido o processo em 15 de Novembro de 2010 (cfr. fls. 191). Por despacho de 8 de Junho de 2015, proferido pelo Desembargador a quem os autos foram distribuídos, foi ordenada a remessa dos autos ao Supremo Tribunal Administrativo (cfr. fls. 211).), foi dada vista ao Ministério Público e o Procurador-Geral Adjunto remeteu para o parecer emitido pelo Representante do Ministério Público junto do Tribunal Central Administrativo Sul, que foi no sentido de que seja dado provimento ao recurso, revogada a sentença recorrida e, em substituição, proferido acórdão que julgue a impugnação judicial procedente por verificação do vício de forma por falta de fundamentação. Isto nos seguintes termos (As notas que no original estavam em rodapé serão transcritas no texto, entre parêntesis rectos.):

«[…]
Nos termos do disposto no artigo 45.º/5 da LGT, na redacção vigente à data do facto tributário (redacção introduzida pela Lei 15/2001, de 5 de Junho), o direito de liquidar os tributos incluídos no âmbito da inspecção caduca no prazo de seis meses após o termo do prazo fixado para a sua conclusão.
A questão a solucionar é a de saber em que data se efectiva a notificação do início do procedimento de inspecção para efeitos de determinação do termo do prazo de seis meses referidos nos artigos 36.º/2 do RCPIT e 45.º/5 da LGT.
Será que a notificação do início do procedimento de inspecção com a notificação do artigo 49.º do RCPIT ou nos termos do artigo 51.º do mesmo Regulamento?
A nosso ver, e em absoluta consonância com a FP, a notificação do início do procedimento ocorre nos termos do artigo 51.º do RCPIT.
Veja-se a epígrafe do artigo 49.º do RCPIT: “Notificação prévia para procedimento de inspecção”.
Daí decorre que não se trata da notificação do início do procedimento de inspecção, mas antes de uma notificação da intenção de proceder ao procedimento e prévia ao mesmo, decorrente do princípio da colaboração estatuído no artigo 59.º da LGT.
Ou seja, com essa notificação não se pode notificar o início da inspecção, pois que não se sabe, ainda, em que data vai ocorrer, sendo certo que pode muito bem acontecer que o procedimento de inspecção nem sequer venha a ser iniciado!
A notificação do início efectivo do procedimento inspectivo coincide como o seu início, com a entrega da ordem de serviço ou despacho determinativo, nos termos do estatuído no artigo 51.º do RCPIT.
E é a partir dessa data que se conta o prazo de seis meses referidos nos artigos 36.º/2 do RCPIT e 45.º/5 da LGT.1 [1 A esta conclusão chega o STA, na análise das situações subjacentes aos acórdãos de 2009.12.09 e 2010.10.20, proferidos nos acórdãos 01019/09 e 0112/10, respectivamente, disponíveis no sítio da internet www.dgsi.pt.]
Ora, conforme resulta do probatório e dos autos, a recorrida foi notificada da data do início efectivo do procedimento inspectivo em 21 de Março de 2002 e do RIT em 27 de Setembro de 2002, sendo certo que a liquidação foi notificada à recorrida em 8 de Novembro de 2002, portanto, antes do decurso do prazo de um ano para a conclusão do procedimento inspectivo.
Portanto, pelas razões aduzidas, a nosso ver, não ocorre a caducidade do direito de liquidar o tributo em causa.
Nos termos do estatuído no artigo 715.º/2 do CPC afigura-se-nos que este TCAS deve conhecer das restantes questões suscitadas pela recorrida, a saber, falta de fundamentação e errónea quantificação e qualificação dos factos tributários.
Antes de mais, diga-se que a sentença recorrida se limitou a levar ao probatório a factualidade relevante para apreciação da alegada caducidade descurando a factualidade que tem relevo para a decisão segundo as várias soluções de direito plausíveis e em função das várias causas pedir formuladas.
Assim, entendemos ser se acrescentar ao probatório (artigo 712.º do CPC) a factualidade constante do RIT e directamente conexionada com as correcções técnicas efectivadas, bem como o teor do documento em que a recorrida exerceu o direito de audição e documentos anexos.
Comecemos pelo alegado vício de forma por falta de fundamentação.
A nosso ver o acto sindicado sofre de vício de forma por falta de fundamentação.
Nos termos do estatuído no artigo 77.º/1 da LGT a fundamentação deve consistir, no mínimo, numa sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direito que motivaram a decisão, ou numa de declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas.
Por força do n.º 2 do mesmo artigo a fundamentação dos actos tributários pode ser efectuada de forma sumária, devendo sempre conter as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários e as operações de apuramento da matéria tributável e do tributo.
De acordo com o art. 125.º/1 do CPA, a fundamentação deve ser expressa, através de sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direito da decisão, podendo consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, que constituirão neste caso, parte integrante do respectivo acto, equivalendo à falta de fundamentação a adopção de fundamentos que, por obscuridade, contradição ou insuficiência, não esclareçam concretamente a motivação do acto.
Ou seja, a fundamentação é suficiente quando proporcione aos destinatários do acto a reconstituição do itinerário cognoscitivo e valorativo percorrido pela autoridade que praticou o acto, de forma a poder saber-se claramente as razões por que decidiu da forma que decidiu e não de forma diferente. 2 [2 Acórdão do STA, de 2009.04.15, proferido no recurso n.º 065/09 disponível no sítio da Internet www. dgsi.pt.]
De acordo com o disposto no artigo 60.º/6 da LGT os elementos novos suscitados na audição dos contribuintes são tidos obrigatoriamente em conta na fundamentação da decisão.
O conceito de elementos novos abarca os elementos de facto e os jurídicos. 3 [3 Lei Geral Tributária, 2.a Edição, Vislis, página 256, de Diogo Leite de Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa]
Conforme resulta de fls. 22 e seguintes dos autos a recorrido, em sede de procedimento de inspecção, exerceu o direito de audição, tendo avançado argumentos que constam de fls. 22, 23 e 24 dos autos, no sentido de infirmar as correcções técnicas feitas pela AT, tendo, inclusive, juntado documentos.
Por outro lado no que com concerne aos custos com a reparação de veículos automóveis a AT limita-se a concluir que se trata de reparações que se destinam a prolongar o tempo de utilização das viaturas não avançando factualidade concreta que permita, sem margem para dúvida razoável, ajuizar que não estamos perante despesas de mera conservação/manutenção.
Por outro lado, a AT não se pronuncia sobre os novos elementos principais suscitados em sede de direito de audição, antes se limitando a pronunciar sobre os elementos secundários nos termos de fls. 56 do PAT.
Portanto, a nosso ver, a AT não dá a conhecer à recorrida o iter valorativo e cognoscitivo que a levou a proceder às correcções técnicas que estiveram na génese da liquidação sindicada».

1.5 Colheram-se os vistos dos Conselheiros adjuntos.

1.6 Cumpre apreciar e decidir.


* * *

2. FUNDAMENTAÇÃO

2.1 DE FACTO

A sentença recorrida efectuou o julgamento da matéria de facto nos seguintes termos:

«Com interesse para a decisão da causa, considera-se provada a factualidade que se passa a subordinar por alíneas:

A) Em 09.10.2001, sob número 1118, foi remetido à Impugnante uma Carta Aviso, em cumprimento do disposto na al. l) do n.º 3 do art. 59.º da LGT e do art. 49.º do RCPIT, comunicando que na sequência da Ordem de Serviço n.º 66972/3, a muito curto prazo seria objecto de acção inspectiva, abrangendo os exercícios de 1998 e 1999, a qual foi recepcionada em 10.10.2001. (Cfr. fls. 21 do p.a.t. e 151 dos autos)

B) A acção inspectiva teve início a 21.03.2002, versando sobre o exercício de 1998. (Doc. fls. 9 do p.a.t. em apenso)

C) A acção inspectiva teve conclusão a 09.09.2002. (Doc. fls. 9 do p.a.t. em apenso)

D) O Relatório da Inspecção Tributária foi elaborado a 20.09.2002, com despacho final a 24.09.2002 cujos dizeres se dão por reproduzidos. (Doc. fls. 17 a 59 do p.a.t. em apenso)

E) Com base nos fundamentos corporizados no Relatório da Inspecção a que alude a al. D) do probatório, o resultado declarado, no montante de 30.009.846$00 (€ 169.640,39) foi corrigido para o montante de 44.912.252$00 (€ 224.012,36). (Doc. fls. 17 a 59 do p.a.t. em apenso)

F) A 8.11.2002 a Impugnante foi notificada da liquidação adicional de IRC n.º 83100055992, no valor de € 25.046,59, referente ao exercício de 1998. (Docs. fls. 87 do p.a.t. e n.º 1 junto à p.i.)

G) A 16.12.2002, a Impugnante procedeu ao pagamento no montante de € 20.338,46, reportado à liquidação adicional referida na al. F) probatório ao abrigo do Decreto-Lei n.º 248-A/2002 de 14.12.

H) A 18.05.2002, deu entrada no Serviço de Finanças de Oeiras-3 a petição inicial que originou os presentes autos

FACTOS NÃO PROVADOS

Não se provou que durante o período que mediou entre a data da expedição da Carta-Aviso (09.10.2001) e a do início da acção inspectiva (21.03.2002), a Administração Fiscal haja contactado, quer formal, quer informalmente, a Impugnante, comunicando-lhe qualquer prorrogação de prazo para o início do procedimento inspectivo».


*

2.2 DE DIREITO

2.2.1 AS QUESTÕES A APRECIAR E DECIDIR

A cooperativa denominada “A………….., CRL” impugnou judicialmente a liquidação adicional de IRC que lhe foi efectuada por força das correcções à matéria tributável declarada relativamente ao ano de 1998, na sequência de uma inspecção que levou a que a AT procedesse a correcções da matéria tributável por ela declarada.
Invocou a Impugnante, no que ora nos interessa considerar, a caducidade do direito à liquidação. Isto porque sustenta que foi notificada da inspecção ao abrigo do art. 49.º do Regime Complementar do Procedimento da Inspecção Tributária (RCPIT) em 10 de Outubro de 2001 e a liquidação ora impugnada e que teve origem naquela inspecção só lhe foi notificada em 8 de Novembro de 2002, ou seja, quando estava já esgotado o prazo previsto no n.º 5 do art. 45.º da Lei Geral Tributária (LGT), na redacção aplicável à data dos factos (Que é a da Lei n.º 15/2001, de 5 de Junho.), prazo que, na sua tese, teve o seu dies ad quem em 10 de Outubro de 2002. Recorde-se que este preceito legal dispunha: «Instaurado o procedimento de inspecção tributária, o direito de liquidar os tributos incluídos no âmbito da inspecção caduca no prazo de seis meses após o termo do prazo fixado para a sua conclusão, sem prejuízo das prorrogações previstas na lei reguladora daquele procedimento, a não ser que antes dessa ocorra a caducidade prevista no prazo geral fixado no n.º 1». Ora, na tese da Impugnante, o procedimento de inspecção ter-se-ia iniciado a 10 de Outubro de 2001 e teria como data limite para a sua conclusão 10 de Abril de 2002, atento o disposto no art. 36.º, n.º 2, do RCPIT; assim, contando-se o prazo de caducidade de 6 meses fixado no n.º 5 do art. 45.º da LGT desta última data, o termo final do prazo teria ocorrido no referido dia 10 de Outubro de 2002.
Por seu turno, a Fazenda Pública sustentou que o início do procedimento ocorreu, não em 10 de Outubro de 2001, com a recepção pela Impugnante da carta prevista no art. 49.º do RCPIT, mas apenas em 21 de Março de 2002, data em que foi assinada pela Contribuinte a ordem de serviço, como prescreve o art. 51.º do RCPIT. Assim, porque a inspecção terminou em 9 de Setembro de 2002 e a liquidação foi notificada ao sujeito passivo em 8 de Novembro de 2002, foi respeitado o prazo de caducidade.
A Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, aderindo à tese da Impugnante, considerou que «a contagem do prazo de duração do procedimento de inspecção se deverá iniciar com a notificação do início do procedimento de inspecção o que ocorre com a notificação da carta-aviso e não com o início o procedimento de inspecção». Por isso, julgou a impugnação judicial procedente com fundamento na caducidade do direito de liquidação e absteve-se de conhecer dos demais fundamentos invocados pela Impugnante na petição inicial.
A Fazenda Pública insurge-se contra a sentença, reiterando a tese que já sustentara na contestação. Em síntese, considera que o início do prazo de inspecção, a considerar para efeitos da averiguar da caducidade do direito à liquidação, não pode situar-se senão no dia em que o sujeito passivo assinou a ordem de serviço que ordenou a inspecção.
Assim, a questão que ora cumpre dirimir (para sabermos se a sentença decidiu correctamente ao julgar caducado o direito de liquidar) é a de saber qual a data a considerar como início do procedimento de inspecção para efeitos de determinação do termo do prazo (de seis meses referidos no art. 36.º, n.º 2, do RCPIT) para esse procedimento, que constituirá o início do prazo de caducidade (também de seis meses, previsto no art. 45.º, n.º 5, da LGT): será a data em que a ora Recorrida foi notificada ao abrigo do art. 49.º do RCPIT, como sustentou a sentença recorrida, ou será a data em que foi entregue à ora Recorrida, e por esta assinada, cópia da ordem de serviço que determinou a inspecção, como sustenta a Recorrente?
Se concluirmos que a sentença incorreu em erro de julgamento quanto à caducidade do direito de liquidação, teremos então de averiguar da possibilidade, propugnada no parecer do Ministério Público, de conhecermos, em substituição, dos demais vícios invocados pela ora Recorrida na petição e, na afirmativa, decidir a sorte da impugnação judicial.

2.2.2 DA CADUCIDADE DO DIREITO DE LIQUIDAÇÃO

Como deixámos já dito, o prazo de caducidade a considerar é o previsto no n.º 5 do art. 45.º da LGT, na redacção em vigor à data – a da Lei n.º 15/2001, de 5 de Junho (Que entrou em vigor 30 dias após a sua publicação, nos termos do respectivo art. 14.º, ou seja, em 5 de Julho de 2001. Note-se ainda, embora sem relevância no caso, que o art. 11.º da mesma Lei dispunha que o prazo fixado no n.º 5 do art. 45.º da LGT se contava a partir da sua entrada em vigor.) –, que dispunha:
«Instaurado o procedimento de inspecção tributária, o direito de liquidar os tributos incluídos no âmbito da inspecção caduca no prazo de seis meses após o termo do prazo fixado para a sua conclusão, sem prejuízo das prorrogações previstas na lei reguladora daquele procedimento, a não ser que antes dessa ocorra a caducidade prevista no prazo geral fixado no n.º 1» (Este número foi eliminado pela Lei n.º 32-B/2002, de 30 de Dezembro (Lei do Orçamento do Estado para 2003).).
Ou seja, no caso de ser instaurado um procedimento de inspecção do qual resulte deverem ser liquidados tributos, o direito à liquidação, sem prejuízo do prazo geral do n.º 1 do art. 45.º da LGT (Note-se que este n.º 1 do art. 45.º da LGT fixa o prazo geral da caducidade do direito à liquidação em quatro anos, nos seguintes termos: «O direito de liquidar os tributos caduca se a liquidação não for validamente notificada ao contribuinte no prazo de quatro anos, quando a lei não fixar outro».), ficava também sujeito a um outro prazo: o prazo de seis meses após o termo do prazo fixado para a conclusão do procedimento.
Assim, e tendo presente que o prazo do procedimento de inspecção é de seis meses, a contar da notificação do seu início, nos termos do disposto no n.º 2 do art. 36.º do RCPIT («O procedimento de inspecção é contínuo e deve ser concluído no prazo máximo de seis meses a contar da notificação do seu início».), importa determinar a data da notificação do início do procedimento de inspecção, sendo a esse propósito que a Recorrente diverge da sentença recorrida.
Sustenta a sentença que deve ter-se como notificação do início da inspecção a data em que foi recepcionada a carta-aviso a que alude o art. 49.º do RCPIT e em favor da sua tese chama à colação a «jurisprudência firme e reiterada dos tribunais superiores», que entende ter consagrado «o entendimento segundo o qual emerge do disposto nos artigos 36.º e 49.º do RCPIT, que a contagem do prazo de duração do procedimento de inspecção se deverá iniciar com a notificação do início do procedimento de inspecção, o que ocorre com a notificação da carta-aviso e não com o início do procedimento de inspecção».
Mas, salvo o devido respeito, não só o entendimento adoptado na sentença se nos afigura não ser o que faz melhor interpretação dos preceitos em causa, como também não nos parece defensável que esse entendimento constitua jurisprudência dos tribunais superiores, pelo menos do Supremo Tribunal Administrativo.
Na verdade, sendo seguro que o dies a quo do prazo de duração do procedimento de inspecção é o da notificação do início da inspecção, já o não é, de modo algum, que essa notificação se cumpra com a recepção da carta a que alude o art. 49.º do RCPIT. Vejamos:
O problema face à lei actualmente em vigor parece nem se colocar. Face à redacção introduzida pela Lei n.º 50/2005, de 30 de Agosto, no art. 51.º do RCPIT, desde logo na sua epígrafe – «Data do início do procedimento de inspecção» – e designadamente ao seu n.º 2 – «O sujeito passivo ou obrigado tributário ou o seu representante deve assinar a ordem de serviço indicando a data da notificação, a qual, para todos os efeitos, determina o início do procedimento externo de inspecção» – afigura-se-nos que actualmente é claro que a data para a conclusão do procedimento de inspecção se conta com início na data em que deve ser assinada (As situações de impossibilidade ou de recusa de assinatura e o modo como devem ser supridas estão previstos nos n.ºs 3 a 6 do art. 51.º do RCPIT.) pelo sujeito passivo ou obrigado tributário ou pelo seu representante a ordem de serviço ou despacho que ordenou a inspecção, de que lhe deve ser dada cópia. Será essa a data em que se considera efectuada a notificação do início do procedimento de inspecção.
Aliás, hoje – após a redacção que foi dada ao art. 49.º do RCPIT pela referida Lei n.º 50/2005, de 30 de Agosto – é claro que a notificação aí prevista não pode ser considerada como a notificação do início da inspecção, como resulta desde logo da respectiva epígrafe – «Notificação prévia para procedimento de inspecção» – e do teor do seu n.º 1: «O procedimento externo de inspecção deve ser notificado ao sujeito passivo ou obrigado tributário com uma antecedência mínima de cinco dias relativamente ao seu início».
Mas, se hoje a interpretação não suscita dúvidas, a situação não era tão clara em face da redacção dos arts. 51.º e 49.º do RCPIT anterior à que lhe foi dada pela Lei n.º 50/2005, de 30 de Agosto. Nos termos da anterior redacção do art. 51.º, que vigorava à data dos factos, já se dizia que «[d]a ordem de serviço ou de despacho que determinou o procedimento de inspecção, será no início deste, entregue uma cópia ao sujeito passivo ou obrigado tributário» (n.º 1) e «[o] sujeito passivo ou obrigado tributário ou o seu representante devem assinar a ordem de serviço indicando a data da notificação» (n.º 2). Por seu turno, o art. 49.º do RCPIT, sempre na referida redacção, tinha como epígrafe “Notificação para início do procedimento de inspecção” e dizia nos seus dois primeiros números:
«1- O início do procedimento externo de inspecção deve ser notificado ao sujeito passivo ou obrigado tributário com uma antecedência mínima de cinco dias.
2- A notificação para início do procedimento de inspecção efectua-se por carta-aviso elaborada de acordo com modelo aprovado pelo director-geral dos Impostos, contendo os seguintes elementos: [...]»
Esta redacção algo equívoca levou a que alguma jurisprudência, tanto quanto sabemos exclusivamente do Tribunal Central Administrativo Sul (Vide os seguintes acórdãos do Tribunal Central Administrativo Sul, sendo o primeiro referido na sentença:
- de 6 de Fevereiro de 2007, proferido no processo n.º 1456/06, disponível em
http://www.dgsi.pt/jtca.nsf/170589492546a7fb802575c3004c6d7d/8f8aa044e2fbad968025727c004cee0f;
- de 9 de Junho de 2009, proferido no processo n.º 2729/08, disponível em
http://www.dgsi.pt/jtca.nsf/170589492546a7fb802575c3004c6d7d/7799762acdfffbb2802575d700348ccc;
- de 6 de Outubro de 2009, proferido no processo n.º 2941/09, disponível em
http://www.dgsi.pt/jtca.nsf/170589492546a7fb802575c3004c6d7d/fe3e61ec9371f4018025764d003acfc9.) e não do Supremo Tribunal Administrativo – os acórdãos invocados pela sentença a favor da sua tese, de 29 de Novembro de 2006, proferido no processo n.º 695/06 (Publicado no Apêndice ao Diário da República de 16 de Novembro de 2007 (http://www.dre.pt/pdfgratisac/2006/32240.pdf), págs. 2062 a 2065, também disponível em), e de 9 de Dezembro de 2009, proferido no processo n.º 1019/09 (Publicado no Apêndice ao Diário da República de 19 de Abril de 2010
(http://www.dre.pt/pdfgratisac/2009/32240.pdf), págs. 2043 a 2047, também disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/e60d2d3c17bf77cb8025768f0059cc6e.), não se referem à questão de saber se o início do procedimento de inspecção se deve situar na data da recepção da carta a que alude o art. 49.º do RCPIT –, entendesse que o prazo de 6 meses de caducidade do direito à liquidação, que se devia contar da notificação do início da inspecção, tinha o seu início com «a notificação referida no art. 49.º do mesmo RCPIT, que não desde a data da ordem de serviço ou de despacho que determinou o procedimento de inspecção referida no art. 51.º do mesmo RCPIT».
Desde logo, registamos que os referidos acórdãos do Tribunal Central Administrativo Sul, na determinação do momento em que deve considerar-se como sendo o da notificação do início da inspecção apenas consideram o binómio “notificação referida no art. 49.º do RCPIT” “data da ordem de serviço ou do despacho que determinou o procedimento de inspecção”, quando se nos afigura que o segundo termo desta relação deveria ser a data em que foi ou deveria ter sido assinado pelo inspeccionando a ordem de serviço ou o despacho que determinou o procedimento de inspecção e do qual lhe deve ser entregue cópia nos termos do art. 51.º do RCPIT, com indicação da data dessa notificação.
Na verdade, a notificação do início da inspecção a considerar designadamente para determinar o termo do prazo da inspecção, com relevância para efeitos da contagem do prazo da caducidade, a nosso ver, não pode ser outra senão a prevista no art. 51.º, mesmo na redacção deste artigo anterior à da Lei n.º 50/2005, de 30 de Agosto, ou seja, aquela que «marca, formalmente, o início do procedimento externo de inspecção» (Neste sentido, MARTINS ALFARO, Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária Comentado e Anotado, Lisboa, Áreas Editora, 2003, pág. 377.).
Salvo o devido respeito, a notificação prevista no art. 49.º do RCPIT, mesmo na referida redacção anterior à da Lei n.º 50/2005, não pode ser vista como a notificação do início da inspecção. Aliás a sua epígrafe (“Notificação para início do procedimento de inspecção”), pese embora não seja inequívoca, também aponta nesse sentido, pois, a ser como defende a sentença, a epígrafe mais curial seria, simplesmente, notificação do início do procedimento de inspecção.
Essa notificação constitui, isso sim, uma notificação prévia da inspecção, o anúncio ao destinatário de que a inspecção vai ter lugar – anúncio que lhe deve ser remetido com a antecedência mínima de 5 dias em relação ao início do procedimento –, cuja exigência decorre do princípio da cooperação, expressamente consagrado no art. 59.º da LGT e que sempre seria exigível – mesmo na ausência do art. 49.º do RCPIT – pela alínea l) do seu n.º 3, que dispõe: «3. A colaboração da administração tributária com os contribuintes compreende, designadamente: […] l) A comunicação antecipada do início da inspecção da escrita, com a indicação do seu âmbito e extensão e dos direitos e deveres que assistem ao sujeito passivo».
Esta notificação prévia (designação que a lei veio a adoptar na epígrafe do artigo após a redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 50/2005 e que era, já anteriormente, também utilizada no art. 51.º do RCPIT) é obrigatória, «de modo a poder antecipar na esfera jurídica do destinatário a possibilidade da prática de actos intrusivos e potencialmente restritivos» e, por outro lado, «permitirá à entidade inspeccionada preparar devidamente a vinda dos funcionários da inspecção» (() JOAQUIM FREITAS DA ROCHA e JOÃO DAMIÃO CALDEIRA, Regime Complementar do Procedimento da Inspecção Tributária Anotado e Comentado, Coimbra Editora, 2013, págs. 268/269.).
Mas esta notificação nem sempre terá lugar, o que, decisivamente, afasta a sua potencialidade de constituir o momento a relevar como a notificação do início da inspecção, designadamente para efeitos de contagem do prazo fixado para a conclusão do procedimento tributário de inspecção, determinante para averiguar da caducidade do direito à liquidação à face do disposto no n.º 5 do art. 45.º da LGT, na redacção da Lei n.º 15/2001, de 5 de Junho.
Na verdade, há situações em que não haverá lugar à notificação prevista no art. 49.º do RCPIT, como resulta do art. 51.º do mesmo Regulamento (quer antes quer depois da Lei n.º 50/2005). Ora, se nem sempre a carta-aviso prevista naquele artigo é enviada ao sujeito passivo ou obrigado tributário, mal se compreenderia que a lei fixasse o momento da sua recepção como início do prazo.
Em conclusão, e tendo sempre presentes as regras hermenêuticas do art. 9.º do Código Civil, temos que a notificação do início da inspecção a considerar, designadamente para determinar o termo do prazo da inspecção, com relevância para efeitos da contagem do prazo da caducidade ao abrigo do n.º 5 do art. 45.º na redacção da Lei n.º 15/2001, é aquela em que, nos termos do art. 51.º do RCPIT, é ou deve ser assinado pelo sujeito passivo ou obrigado tributário a ordem de serviço, de que lhe será dada cópia no início da inspecção.
Tendo presente este entendimento e o disposto nas alíneas B) e F) dos factos provados, porque esta assinatura ocorreu em 21 de Março de 2002, o termo do prazo para a sua conclusão seria 21 de Setembro de 2002 (cfr. art. 36.º do RCPIT), contando-se dessa data o prazo seis meses de caducidade (cfr. art. 45.º, n.º 5, na redacção da Lei n.º 15/2001); sendo que a liquidação foi notificada à ora Recorrida em 8 de Novembro de 2002, foi-o dentro do prazo da caducidade do direito de liquidar.
A sentença recorrida, que decidiu em sentido diferente, não pode manter-se.
Assim, o recurso será provido e a sentença será revogada, como decidiremos a final.

2.2.3 DO CONHECIMENTO EM SUBSTITUIÇÃO

O Ministério Público no seu parecer sustenta o conhecimento pelo tribunal ad quem das questões que a sentença deixou de conhecer por as ter considerado prejudicadas pela solução dada à impugnação judicial, atento o disposto no art. 715.º, n.º 2, do Código de Processo Civil (CPC), na redacção anterior à aprovada pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho, rectificada pela Declaração de Rectificação n.º 36/2013, de 12 de Agosto.
Acontece, porém, que o parecer em causa, dado como reproduzido pelo Procurador-Geral Adjunto neste Supremo Tribunal Administrativo, foi emitido pelo representante do Ministério Público junto do Tribunal Central Administrativo Sul.
Assim, naquele parecer, em ordem ao conhecimento em substituição das questões que a sentença considerou prejudicadas, entendeu-se ser de ampliar a matéria de facto ao abrigo do art. 712.º do CPC, na sobredita redacção. Na verdade, a fim de conhecer das referidas questões – falta de fundamentação do acto impugnado e errónea qualificação e quantificação dos factos – impõe-se o estabelecimento de factualidade que o Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra não fixou, uma vez que os factos que deu como provados foram ordenados à solução da única questão que conheceu, qual seja a da caducidade do direito de liquidar.
Ora, este Supremo Tribunal Administrativo, contrariamente ao que sucede com o Tribunal Central Administrativo Sul, ao qual o recurso foi endereçado, não tem competência em matéria de facto relativamente aos recursos interpostos de sentenças proferidas. Como é sabido, nos termos do disposto nos arts. 26.º, alínea b), e 38.º, alínea a), do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF), aprovado pela Lei n.º 13/2002, de 19 de Fevereiro, e no art. 280.º, n.º 1, do Código de Procedimento e de Processo Tributário, a competência para conhecer dos recursos das decisões dos tribunais tributários de 1.ª instância em matéria de contencioso tributário, pertence à Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo quando os recursos tenham por exclusivo fundamento matéria de direito, constituindo uma excepção à competência generalizada dos tribunais centrais administrativos, aos quais cabe conhecer «dos recursos de decisões dos Tribunais Tributários, salvo o disposto na alínea b) do artigo 26.º» [art. 38.º, alínea a), do ETAF].
Assim, em face da revogação da sentença e assente a inviabilidade do conhecimento em substituição, por não estar fixada a pertinente matéria de facto e este Supremo Tribunal não ter competência para a fixar, não resta senão ordenar que os autos regressem à 1.ª instância, a fim de aí serem apreciados os demais fundamentos de impugnação invocados na petição inicial.

2.2.4 CONCLUSÕES

Preparando a decisão, formulamos as seguintes conclusões:
I - A Lei n.º 15/2001, de 5 de Junho, aditou ao art. 45.º da LGT um n.º 5, do seguinte teor: «Instaurado o procedimento de inspecção tributária, o direito de liquidar os tributos incluídos no âmbito da inspecção caduca no prazo de seis meses após o termo do prazo fixado para a sua conclusão, sem prejuízo das prorrogações previstas na lei reguladora daquele procedimento, a não ser que antes dessa ocorra a caducidade prevista no prazo geral fixado no n.º 1».
II - O procedimento de inspecção é contínuo e deve ser concluído no prazo máximo de seis meses a contar da notificação do seu início (cfr. art. 36.º do RCPIT).
III - O dies a quo do prazo de seis meses para a conclusão do procedimento de inspecção não é o da data da recepção pelo sujeito passivo ou obrigado tributário da carta-aviso a que alude o art. 49.º do RCPIT, mas sim o da data em que aquele assinar ou dever assinar a ordem de serviço ou despacho que ordenou a inspecção, de que lhe deve ser dada cópia no início da inspecção, nos termos do art. 51.º do RCPIT, mesmo na redacção daqueles preceitos legais anterior à que lhes foi dada pela Lei n.º 50/2005, de 30 de Agosto.
IV - O Supremo Tribunal Administrativo, porque não tem competência em matéria de facto em sede dos recursos interpostos das sentenças proferidas pelos tribunais tributários de 1.ª instância, não pode conhecer em substituição das questões que a sentença considerou prejudicadas (ao abrigo do art. 715.º, n.º 2, do CPC velho, aplicável ex vi do art. 729.º do mesmo Código), se a sentença não estabeleceu os factos pertinentes.
V - Nessa situação, resta-lhe revogar a sentença e ordenar que os autos regressem à 1.ª instância, a fim de aí serem conhecidos esses fundamentos da impugnação judicial, depois de ampliada a matéria de facto.


* * *

3. DECISÃO

Face ao exposto, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo acordam, em conferência, em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida, julgar improcedente a invocada caducidade do direito de liquidação e ordenar que os autos regressem à 1.ª instância, a fim de aí serem apreciados os demais fundamentos de impugnação invocados na petição inicial.

Sem custas, uma vez que a Recorrida não contra alegou o recurso.

*
Lisboa, 12 de Outubro de 2016. – Francisco Rothes (relator) – Ana Paula Lobo – Casimiro Gonçalves.