Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01323/18.8BEAVR
Data do Acordão:02/05/2020
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:FRANCISCO ROTHES
Descritores:OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO FISCAL
ERRO NA FORMA DE PROCESSO
Sumário:I - Não pode ser provido o recurso em que o recorrente, ao invés de atacar a sentença na sua ratio decidendi, se limita a atacar os considerandos aí aduzidos como um obiter dictum.
II - O erro na forma do processo afere-se pelo ajustamento do meio processual ao pedido que se pretende fazer valer, pelo que não enferma dessa nulidade o pedido de que seja extinta a execução fiscal, formulado em juízo pelo executado sob a forma de oposição à execução fiscal.
III - Formulando-se na petição de oposição um pedido próprio dessa forma processual e outro que lhe é alheio, não há que proceder à convolação da petição, antes devendo a mesma seguir apenas quanto ao pedido que lhe é próprio.
Nº Convencional:JSTA000P25537
Nº do Documento:SA22020020501323/18
Data de Entrada:12/03/2019
Recorrente:A............, LDA
Recorrido 1:INSTITUTO DO EMPREGO E FORMAÇÃO PROFISSIONAL, IP (IEFP,IP)
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Recurso jurisdicional da sentença proferida no processo de oposição à execução fiscal com o n.º 1323/18.8BEAVR

1. RELATÓRIO
1.1 A sociedade acima identificada recorreu para o Supremo Tribunal Administrativo da sentença por que o Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto julgou improcedente a oposição à execução fiscal instaurado contra ela para cobrança de dívida proveniente da imposição da restituição de incentivos concedidos pelo IEFP.

1.2 O recurso foi admitido, para subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo e a Recorrente apresentou as alegações, que resumiu em conclusões do seguinte teor:

«I- A nulidade por falta de requisitos essenciais do título executivo (falta que, quando não puder ser suprida por prova documental, constitui nulidade insanável do processo de execução fiscal – al. b) do n.º 1 do art. 165.º do CPPT) não constitui fundamento de oposição, não sendo enquadrável na al. i) do n.º 1 do art. 204.º deste mesmo Código.

II- Ocorrendo erro na forma do processo, deve operar-se a convolação para a forma de processo legalmente adequada, se a tanto nada obstar.

Termos em que e nos mais de direito deve ser concedido provimento ao recurso, revogando-se a douta sentença recorrida no segmento e termos acima especificados, convolar o processo em requerimento de arguição de nulidade, baixando os autos à 1.ª instância, a fim de prosseguirem os ulteriores termos processuais aplicáveis».

1.3 O Recorrido apresentou contra-alegações nas quais pugnou pela manutenção da sentença.

1.4 Recebidos os autos neste Supremo Tribunal Administrativo, o Procurador-Geral-Adjunto emitiu parecer no sentido de que seja negado provimento ao recurso com a seguinte fundamentação, aduzida após fazer o ponto da situação processual: «[…]

Como resulta das conclusões da recorrente esta, em sede de recurso, vem sustentar que a nulidade do título executivo, nos termos do artigo 165.º/1/b) do CPPT, não constitui fundamento de oposição, nos termos do disposto no artigo 204.º/1/ i) do referido código, sendo, todavia, certo que, verificando-se erro na forma de processo, se impunha a convolação dos autos em incidente de arguição de nulidade perante o OEF.
Vejamos.
É à face do pedido ou conjunto de pedidos formulado pelo interessado e não à causa de pedir que se afere a adequação das formas de processo especiais e, consequentemente, a existência de erro na forma de processo (Código de Procedimento e de Processo Tributário, anotado e comentado, 6.ª edição 2011, II volume, página 88, Juiz Conselheiro Jorge Lopes de Sousa; Alberto dos Reis, Código de Processo Civil, anotado, volume II, Coimbra Editora, 3.ª edição, reimpressão, páginas 288/285; Rodrigues Bastos, Notas ao Código de Processo Civil, volume I, 3.ª edição 1999, página 262; Antunes Varela, RLJ, ano 100.º, página 378).
É certo que a causa de pedir pode ser utilizada como elemento de interpretação do pedido quando existam dúvidas quanto a este (acórdão do STA, de 5 de Novembro de 2014, proferido no recurso n.º 01050, disponível no sítio da Internet www.dgsi.pt).
Todavia, a causa de pedir não tem a ver com a forma de processo utilizada pelo litigante mas sim com a procedência/improcedência da acção, podendo haver lugar a rejeição liminar quando for manifesta a improcedência.
Ora, a recorrente pede a procedência da oposição e a consequente extinção da execução fiscal.
Este pedido é, absolutamente, compatível com a oposição judicial, uma vez que o escopo normal da oposição judicial é, justamente, a extinção da execução fiscal.
Por outro lado, diga-se, se é certo que a nulidade do título executivo não é fundamento de oposição não é menos certo que a recorrente invocou fundamento de oposição judicial, a saber, a inexigibilidade da dívida enquadrável no artigo 204.º/1/ i) do CPPT.
Temos, assim, como assente que não corre qualquer erro na forma de processo, pelo que não há que convocar o instituto da convolação previsto nos artigos 97.º/3 da LGT e 98.º/4 do CPPT.
Mas mesmo que ocorresse erro parcial na forma de processo, o que não é o caso, a nosso ver, a consequência de tal erro parcial na forma de processo não poderia ser o erro total na forma de processo/nulidade de todo o processado, como parece sustentar a recorrente, mas sim a de ficar sem efeito o pedido para o qual o processo é inadequado, prosseguindo o processo para apreciação do pedido para o qual o processo é adequado.
Como refere o Juiz Conselheiro Jorge Lopes de Sousa, na anotação 14 ao artigo 165.º do CPPT, (CPPT, anotado e comentado, III volume, 6.ª edição 2011, páginas 146/147) “…Tal possibilidade, porém, não existe quando a nulidade não é o único fundamento de oposição invocado e entre os invocados se inclua algum que esteja previsto no art. 204.º
Em situações deste tipo, havendo uma acumulação de pedidos e ocorrendo erro na forma de processo quanto a um deles, a solução que se extrai do regime do processo civil é considerar sem efeito o pedido para o qual o processo não é adequado, como se infere da solução dada a uma questão paralela no n.º 4 do art. 193.º do CPC. Na verdade, refere-se nesta norma, para o caso de cumulação de pedidos substancialmente incompatíveis que a «nulidade subsiste, ainda que um dos pedidos fique sem efeito, por incompetência do tribunal ou por erro na forma de processo». Não se estará, decerto, perante um caso aqui directamente enquadrável, pois não haverá cumulação de pedidos substancialmente incompatíveis. No entanto, nesta norma pressupõe-se que a solução legal para a apresentação de um pedido para o qual o processo é inadequado é a de que ele «fique sem efeito», prosseguindo o processo para a apreciação do pedido para o qual o processo é adequado. Por isso, nestes casos em que são invocados fundamentos de oposição juntamente com a arguição de nulidade não haverá possibilidade de convolação por esta pressupor que todo o processo passasse a seguir a tramitação adequada e, nestas circunstância, tal não poder determinar-se, por o processo de oposição ser o próprio para apreciação dos fundamentos inovados que devam ser apreciados em processo de oposição”.
Neste sentido vai, também, a jurisprudência do STA (Entre outros, acórdão de 19/06/2019-P. 01696/17.0BEPRT, disponível em www.dgsi.pt)».

1.4 Cumpre apreciar e decidir se o Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro incorreu em erro de julgamento ao não ter ponderado e reconhecido a existência de erro na forma de processo e, consequentemente, ao não ter ordenado a convolação da petição inicial, apresentada sob a forma de oposição à execução fiscal, em requerimento de arguição de nulidade dirigido à execução fiscal.


* * *

2. FUNDAMENTOS

2.1 DE FACTO

2.1.1 A sentença recorrida deu como provados os seguintes factos:

«1) B………… e C…………, na qualidade de promotores e representantes legais da oponente, apresentaram, em 22-01-2008, no Centro de Emprego de Águeda, uma candidatura para efeitos de concessão do apoio financeiro previsto no Programa de Estímulo à Oferta de Emprego, na modalidade de Iniciativas Locais de Emprego, para exercer a actividade de Casas de Chá e Pastelarias [CAE: 55404] – cfr. resulta de fls. 33 do suporte físico dos autos;

2) Tal candidatura foi aprovada sendo, em consequência, atribuído o apoio financeiro no montante global de € 85.200,22, correspondendo € 50.000,00 a apoio ao investimento e € 35.200,22 a apoio à criação de postos de trabalho – cfr. fls. 32vº a 34vº do suporte físico dos autos;

3) Na sequência da aprovação da candidatura mencionada em 1) foi, em 12-06-2008, outorgado entre o IEFP, por um lado e C………… e B…………, por outro lado, o “Contrato de Concessão de Incentivos Financeiros” constante de fls. 35 a 41vº do suporte físico dos autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido;

4) Por ofícios datados de 18-06-2009 e recepcionados em 22-06-2009, foram B…………, C………… e A…………, Lda. notificadas da proposta de decisão de cobrança coerciva do apoio global de € 75.354,93, por incumprimento injustificado das obrigações assumidas no contrato mencionado no ponto anterior, concretamente as que constam das alíneas a), d) e e), todas do ponto 1 da cláusula 9.ª; alínea r) do ponto 2 da cláusula 9.ª e ponto 1 da cláusula 8.ª – cfr. resulta de fls. 42 a 46 do suporte físico dos autos;

5) Em 04-02-2010 foi determinada a resolução do contrato de concessão de incentivos financeiros; a cessação dos pagamentos ainda por efectuar e o vencimento imediato da dívida, convertendo-se o subsídio não reembolsável em reembolsável, exigindo-se a devolução das quantias concedidas, no montante de € 75.354,93, acrescidas de juros legais – cfr. resulta de fls. 46vº a 47vº do suporte físico dos autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido;

6) Em 09-02-2010 foi a ora oponente A…………, Lda. notificada, por carta registada com aviso de recepção assinado por C…………, nos seguintes termos:
«ASSUNTO: Notificação de Reposição Voluntária/Cobrança Coerciva do apoio global de 75.354,93 €, concedido ao abrigo do Programa ILE – Portaria n.º 196-A/2001, de 10 de Março e Portaria n.º 255/2002, de 12 de Março
Por despacho do Sr. Director do Centro de Emprego de Águeda, datado de 2008/06/05, foi-lhe atribuído um apoio financeiro no montante de 85.200,22 euros, no âmbito da Portaria n.º 196-A/2001, de 10 de Março com as alterações introduzidas pela Portaria n.º 255/2002, de 12 de Março, para criação de 4 postos de trabalho.
Face ao incumprimento injustificado das condições estabelecidas no Contrato de Concessão de Incentivos Financeiros, foi determinada, por despacho, de que se anexa fotocópia na íntegra, datado de 2010/02/04 do Sr. Director no uso da competência subdelegada, por deliberação do Sr. Presidente do Conselho Directivo do IEFP, IP, de 2009/12/29, publicado na 2.ª série do Diário da República n.º 20 de 2010/01/29, a resolução do Contrato de Concessão de Incentivos Financeiros, a cessação dos pagamentos não efectuados, a conversão do apoio não reembolsável em reembolsável e o vencimento imediato da importância em dívida, no montante de 75.354,93 euros.
Assim, fica V. Ex.ª notificada para proceder à devolução voluntária do montante recebido, no prazo de 60 dias a contar da data de recepção deste ofício, utilizando para o efeito a guia de depósito em triplicado que se anexa, solicitando-se que após a efectivação do depósito, nos seja devolvido uma das vias da referida guia.
Findo este prazo o processo será remetido ao Tribunal Fiscal para cobrança coerciva, nos termos do DL n.º 437/78, de 28 de Dezembro, onde ao montante da dívida serão acrescidos os juros vencidos e vincendos bem como os custos do processo.
Mais se informa, que no prazo de 3 meses após a recepção da presente notificação, poderá apresentar recurso hierárquico desta decisão para o Presidente do Conselho Directivo do IEFP, IP, ou poderá ser impugnada contenciosamente nos competentes Tribunais Administrativos, podendo o processo ser consultado na sede deste Centro de Emprego (…)» - cfr. fls. 51 e 51vº do suporte físico dos autos;

7) Em 10-05-2010 foi apresentada pela ora oponente recurso hierárquico dirigido ao Presidente do Conselho Directivo do IEFP, IP – cfr. fls. 52 a 55vº do suporte físico dos autos;

8) Contra a sociedade “A…………, LDA.”, NIPC: ………, foi instaurado e autuado, em 19-09-2018, o processo de execução fiscal n.º 0019201801132440, para cobrança coerciva da quantia de € 90.434,17, correspondente € 75.354,93 referente à reposição ao IEFP de um apoio financeiro concedido à ora oponente, por despacho de 05-06-2008, do Director do Centro de Emprego de Águeda, acrescido da quantia de € 15.079,23, a título de juros de mora vencidos no período compreendido entre 17-09-2013 e 17-09-2018, tendo por base a Certidão de Dívida n.º 4218015, datada de 17-09-2018, correndo a execução termos no SF de Águeda – cfr. fls. 19 e 20 do suporte físico dos autos;

9) Citado nos termos constantes de fls. 21 e 22 do suporte físico veio a oponente, em 05-11-2018, remeter ao SF de Águeda, sob registo postal, a presente oposição – cfr. fls. 13 do suporte físico dos autos».

2.1.2 Com interesse para a decisão a proferir, cumpre ter presente o pedido formulado na petição inicial, que é do seguinte teor:

«Termos em que e nos mais de direito deve a presente opoente ser julgada procedente e, consequentemente, ser a execução fiscal extinta, com as legais consequências».

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2.2 DE FACTO E DE DIREITO

2.2.1 A QUESTÃO A APRECIAR E DECIDIR

2.2.1.1 A ora Recorrente deduziu oposição à execução fiscal que foi instaurada contra ela para cobrança coerciva de dívida ao IEFP decorrente da exigência da restituição de incentivos financeiros na sequência da resolução do contrato ao abrigo do qual esses incentivos foram concedidos.
Como fundamentos da oposição, que subsumiu à alínea i) do n.º 1 do art. 204.º do CPPT, invocou, essencialmente, que i) «não tendo sido notificada de qualquer decisão final do IEFP que lhe exigisse fundada e fundamentadamente o pagamento de qualquer quantia» a dívida exequenda não é exigível e que ii) a certidão de dívida, na medida em que «certifica uma dívida ainda não passível de cobrança coerciva», «não é […] uma certidão fiel de uma decisão exequível, tendo apenas a aparência, desconforme com a realidade, da legalidade».

2.2.1.2 O Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro julgou improcedente a oposição. Isto, em síntese, com a seguinte fundamentação: contrariamente ao alegado, a Executada foi notificada da decisão do IEFP, que não só determinou a resolução do contrato de concessão de incentivos financeiros, com a cessação dos pagamentos ainda por efectuar, o vencimento imediato da dívida e a conversão do apoio não reembolsável em reembolsável, como também exigiu a devolução dos montantes já entregues no âmbito do contrato, a efectuar em 60 dias, sob pena de cobrança coerciva em execução fiscal; a dívida exequenda é, pois, exigível, irrelevando para esse efeito a interposição de recurso hierárquico da decisão que ordenou a devolução e o facto de o mesmo ainda não ter sido decidido, uma vez que a execução fiscal só foi instaurada após o termo do prazo para pagamento voluntário.
Considerou ainda o Juiz do Tribunal a quo – e neste segmento vamos reproduzir integralmente a sentença, por tal se nos afigurar importante para apreciar o recurso – que «se a opoente pretende, ainda, dizer que do título executivo deve constar que a decisão do procedimento se tornou definitiva ou transitou em julgado, tal traduzirá na invocação da nulidade insanável do processo de execução fiscal, nos termos do artigo 165.º, n.º 2, alínea b), do CPPT, por falta dos requisitos essenciais do título executivo.
Ora, quanto a esta questão importa salientar que a mesma não pode ser conhecida em sede de oposição, por não se integrar em nenhuma alínea do elenco taxativo dos fundamentos de oposição, previstos no artigo 204.º, n.º 1, do CPPT, tal vem sendo decidido pelos nossos tribunais superiores [a título meramente exemplificativo, vejam-se os Arestos do STA de 26-06-2013 e de 22-11-2017 proferidos, respectivamente, nos processos n.º 01373/12 e 0833/17, ambos disponíveis em www.dgsi.pt].
Assim sendo, se fosse essa a pretensão da oponente [invocação de uma nulidade insanável do processo de execução fiscal, nos termos do artigo 165.º, n.º 1, alínea b), do CPPT], então deveria ter arguido essa nulidade no respectivo processo executivo, perante o órgão de execução fiscal, cabendo, posteriormente, reclamação judicial a que alude os artigos 276.º e seguintes do CPPT para o tribunal tributário de 1.ª instância da decisão de indeferimento do requerimento de arguição da nulidade invocada e não ter deduzido oposição com fundamento nessa pretensão».
Ou seja, se bem interpretamos a sentença, após ponderar a alegação aduzida na petição inicial e julgá-la improcedente, o Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro, num esforço argumentativo para demonstrar a total ausência de razão da Opoente, entendeu ainda considerar que se a intenção desta fosse também a de invocar a nulidade do processo por falta de requisitos essenciais do título executivo (no pressuposto de que dele deveria constar que a decisão do procedimento se tinha consolidado), essa nulidade não poderia servir de fundamento à oposição, antes deveria ser arguida na próprio processo executivo e perante o órgão da execução fiscal.

2.2.1.3 A Opoente recorreu dessa sentença para este Supremo Tribunal. No recurso, não questiona a sentença na parte em que julgou improcedente o fundamento de oposição à execução fiscal, antes expressamente se conforma com ela; também não questiona a sentença na parte em que nesta se considerou que uma eventual nulidade da execução fiscal por falta de requisitos essenciais do título executivo, insusceptível de sanação por prova documental [cfr. art. 165.º, n.º 1, alínea b), do CPPT], não pode constituir fundamento de oposição à execução fiscal, manifestando também expressamente concordância com esses considerandos.
Apesar disso, a Recorrente sustenta que a sentença incorreu em erro de julgamento, na medida em que «[o]correndo erro na forma do processo, deve operar-se a convolação para a forma de processo legalmente adequada, se a tanto nada obstar» (cfr. conclusão II).
Ou seja, a Recorrente entende que a sentença incorreu em erro de julgamento por não ter ordenado a convolação do processo de oposição à execução fiscal em requerimento de arguição da nulidade da execução fiscal, a ser conhecido pelo órgão da execução fiscal, convolação que se lhe impunha porque ocorre erro na forma do processo.

2.2.1.4 Assim, a questão a dirimir, tal como a configura a Recorrente, é a de saber se a sentença incorreu em erro de julgamento ao não ter ponderado e reconhecido a existência de erro na forma de processo e, consequentemente, ao não ter ordenado a convolação da petição inicial, deduzida sob a forma de oposição à execução fiscal, em requerimento de arguição de nulidade dirigido à execução fiscal.

2.2.2 DA POSSIBILIDADE DE CONVOLAÇÃO COM FUNDAMENTO EM ERRO NA FORMA DO PROCESSO

2.2.2.1 Salvo o devido respeito, é, no mínimo, duvidoso que os considerandos que o Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro expendeu na sentença em relação à nulidade da execução fiscal por falta de requisitos essenciais do título executivo constituam uma verdadeira questão apreciada e decidida pela sentença recorrida e um fundamento da decisão. Esses considerandos, expendidos na parte final do segmento dedicado à fundamentação jurídica, não assumiram relevância no sentido decisão proferida, como resulta de os mesmos terem sido formulados sob condição ( Ficou dito na sentença: «[…] se a oponente, pretende, ainda, dizer que do título executivo deve constar que a decisão do procedimento se tornou definitiva ou transitou em julgado, tal traduzirá na invocação da nulidade insanável do processo de execução fiscal, nos termos do artigo 165.º, n.º 2, alínea b), do CPPT, por falta dos requisitos essenciais do título executivo» e «[…] se fosse essa a pretensão da oponente [invocação de uma nulidade insanável do processo de execução fiscal, nos termos do artigo 165.º, n.º 1, alínea b), do CPPT], então deveria ter arguido essa nulidade no respectivo processo executivo, perante o órgão de execução fiscal, cabendo, posteriormente, reclamação judicial a que alude os artigos 276.º e seguintes do CPPT para o tribunal tributário de 1.ª instância da decisão de indeferimento do requerimento de arguição da nulidade invocada e não ter deduzido oposição com fundamento nessa pretensão».).
Assim, tais considerações expendidas na sentença não constituem um fundamento da decisão (uma ratio decidendi), uma questão que, suscitada pela Opoente, tenha sido apreciada e decidida pela sentença, mas antes constituem um reforço argumentativo do qual se não extraiu consequência alguma, ou seja, constitui aquilo que a jurisprudência caracteriza como um obiter dictum ou, de modo mais impressivo, como «uma excrescência em relação ao silogismo judiciário que motivou e estruturou a decisão» (Cfr., entre outros, os seguintes acórdãos da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
- de 25 de Setembro de 2013, proferido no processo n.º 511/13, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/5d5a0bbcf303621780257bf8005550d6;
- de 11 de Março de 2015, proferido no processo n.º 197/13, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/51f17429bfd53bf580257e0b004b4e3b;
- de 3 de Maio de 2018, proferido no processo n.º 328/18, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/594bf363046f2ee98025828700402b2a.).
Por si só, essa circunstância leva a que o recurso não seja provido.

2.2.2.2 Ainda que assim não fosse, nunca a pretensão da Recorrente poderia lograr êxito, pela simples circunstância de que a convolação da petição inicial de oposição à execução fiscal em requerimento de arguição de nulidade da execução fiscal, dirigida ao órgão da execução fiscal, só seria de ponderar em caso de erro na forma do processo (cfr. art. 98.º, n.º 4, do CPPT), como, aliás, se reconhece expressamente nas alegações de recurso.
Ora, sabido que é que a nulidade por erro na forma do processo se afere pela adequação da forma processual escolhida à pretensão deduzida, no caso não há dúvida que não ocorre essa nulidade: a Executada pediu a extinção da execução fiscal (cfr. 2.1.2), pedido que é ajustado à oposição à execução fiscal.
Por outro lado, como bem salientou o Procurador-Geral-Adjunto neste Supremo Tribunal, mesmo a admitir-se que a Opoente tenha também pedido, ainda que implicitamente, que fosse reconhecida a nulidade da execução fiscal por falta de requisitos essenciais do título executivo – e não pediu –, sempre haveria de ter em conta que a convolação só seria possível se na petição inicial não tivesse sido formulado – como foi – um pedido ajustado à forma processual escolhida. Como temos vindo a afirmar diversas vezes, obsta à convolação a circunstância de na petição inicial de oposição à execução fiscal ter sido formulado pedido próprio do processo de oposição e outro que lhe é alheio (Vide, por mais recente e com referências à doutrina e à jurisprudência, o seguinte acórdão da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
- de 19 de Junho de 2019, proferido no processo com o n.º 1696/17.0BEPRT, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/adef579b35e371108025842b00318f43. ).
Ou seja, nunca seria possível a pretendida convolação.

2.2.3 CONCLUSÕES

O recurso não pode, pois, ser provido, e, preparando a decisão, formulamos as seguintes conclusões:
I - Não pode ser provido o recurso em que o recorrente, ao invés de atacar a sentença na sua ratio decidendi, se limita a atacar os considerandos aí aduzidos como um obiter dictum.
II - O erro na forma do processo afere-se pelo ajustamento do meio processual ao pedido que se pretende fazer valer, pelo que não enferma dessa nulidade o pedido de que seja extinta a execução fiscal, formulado em juízo pelo executado sob a forma de oposição à execução fiscal.
III - Formulando-se na petição de oposição um pedido próprio dessa forma processual e outro que lhe é alheio, não há que proceder à convolação da petição, antes devendo a mesma seguir apenas quanto ao pedido que lhe é próprio.

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3. DECISÃO

Em face do exposto, os juízes desta Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo acordam, em conferência, em negar provimento ao recurso.

Custas pela Recorrente, que ficou vencida no recurso [cfr. art. 527.º, n.ºs 1 e 2, do CPC, aplicável ex vi da alínea e) do art. 2.º do CPPT].


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Lisboa, 5 de Fevereiro de 2020. – Francisco Rothes (relator) – Suzana Tavares da Silva – Aníbal Ferraz.